sábado, 24 de agosto de 2024

 SABIA O QUE É FLEXOPNEIA OU BENDOPNEIA?


Dr. ALEJANDRO ENRIQUE BARBA RODAS. Médico Especialista em Medicina Intensiva. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos. 




FLEXOPNEIA é um sintoma originariamente atribuído a insuficiência cardíaca (IC) descrito inicialmente em 2014 por Thibodeau J.T. e col., caracterizado pela dificuldade respiratória ao realizar anteflexão do tronco. Correspondente ao termo em inglês bendopnea que de forma aportuguesada passou a ser BENDOPNEIA (dispneia ao se curvar). Está habitualmente associado a atividades da vida diária, como amarrar os cadarços dos sapatos ou calçar meias (Fig. 1).

 

                                  Fig. 1: Posição comum que desencadeia bendopneia

No estudo de Thibodeau e col., 29 de 102 pacientes com insuficiência cardíaca sistólica encaminhados para cateterismo cardíaco direito apresentaram o sintoma (28%) com maior pressão atrial direita (PAD) mas índice cardíaco (IC) semelhante na posição supina. A avaliação da flexopneia neste estudo baseouse numa avaliação objetiva, em que o doente se colocava na posição referida na presença do investigador.  A pressão de átrio direito (PAD) e a pressão capilar pulmonar (PCP) aumentaram comparativamente em indivíduos ao se curvar, mas o IC não mudou. Os autores concluíram bandopneia ocorre em pacientes com pressões de enchimento ventricular mais altas do que aqueles sem, tanto na posição supina quanto na sentada. Notaram que há um aumento significativo nas pressões de enchimento ventricular direita e esquerda durante a flexão associado a um aumento na pressão intratorácica. Interpretaram esses dados para sugerir que, durante a flexão, o aumento da pressão intratorácica leva a um aumento adicional nas pressões de enchimento ventricular, e os indivíduos com bendopneia (já com pressões de enchimento previamente mais altas) têm maior probabilidade de atingir uma pressão limite necessária para induzir falta de ar. Assim, hipotetizaram que a bendopneia é provavelmente causada pela elevação na pressão de enchimento do lado esquerdo, ou da PCP, como foi demonstrado com outras manifestações de falta de ar em pacientes com insuficiência cardíaca. No entanto, como as pressões de enchimento ventricular direita e esquerda geralmente andam juntas em pacientes com insuficiência cardíaca crônica, não excluíram a possibilidade de que uma elevação adicional da PAD também contribuiu para a bendopneia. Em contraste com as mudanças acima mencionadas nas pressões de enchimento, observaram que o IC medido pelo método de termodiluição não mudou significativamente com a flexão, sugerindo que uma queda no IC com a flexão não foi a causa da bendopneia. No entanto, um IC baixo parece ter algum papel contributivo neste sintoma, dado que o perfil hemodinâmico C (PCP elevado e IC baixo), mas não o perfil B (PCP elevado e IC mormal) foi associado à bendopneia, embora o PCP entre aqueles com perfil C não tenha sido maior do que aqueles com perfil B. No entanto, reconheceram que o número de indivíduos com perfil B foi relativamente pequeno no estudo (n = 18) e que ele pode ter sido insuficiente para detectar uma associação com a bendopneia[1].

Rodney H. Falk, comentando a publicação do Thibodeau e col. destacaram como possível mecanismo alternativo, o aumento da pressão intra-abdominal com a anteflexão do tronco, considerando que esse fenômeno já é consagrado e aceito como fator descompensante da IC. A pressão intra-abdominal é bem estudada em pacientes gravemente enfermos e se altera com a postura. Além disso, uma pressão abdominal externa, como é aplicada ao testar a manobra de “refluxo” hepatojugular, demonstrou aumentar as pressões de enchimento cardíaco em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, devido ao efeito de aumento do retorno venoso gerado ao “exprimir” os vasos intra-abdominais com a manobra. Assim, o mecanismo pode muito bem ser explicado por um aumento em uma pressão abdominal já elevada provocada pela curvatura, talvez com um componente de compressão ou deslocamento mecânico para cima de um fígado congestionado[2].

Fisiopatologicamente, este sintoma parece estar relacionado com aumento posicional das pressões de enchimento ventricular esquerdo e direito, em doentes com pressões basais já elevadas. O seu aparecimento ocorre habitualmente nos primeiros 30 segundos de anteflexão. Em doentes com IC com fração de ejeção reduzida (ICFER) e com fração ejeção preservada (ICFEp), a prevalência deste sintoma é ainda mais frequente (48,8%)[3].

O termo bendopneia deve ser diferenciado do ortopneia (falta de ar ao deitar que melhora ao sentar-se ou ficar em pé), platipneia (falta de ar ao sentar-se ou ficar em pé e que melhora ao deitar-se), trepopneia (falta de ar ao deitar-se de um lado, mas não do outro) e ortodeoxia (dessaturação de oxigênio ao ficar em pé e que melhora ao deitar-se).

Posteriormente, foi demonstrado que bendopneia ocorre também na hipertensão arterial pulmonar idiopática (HAP), na estenose aórtica avançada, na síndrome da apneia obstrutiva do sono, e em aproximadamente 6,7% da população em geral. Embora o mecanismo subjacente da bendopneia não esteja claro, o aumento nas pressões de enchimento ventricular relacionadas ao aumento da pressão intratorácica ou da pressão intra-abdominal durante a anteflexão foi responsabilizado como o mecanismo primário. No estudo de Thibodeau J.T. e col., os autores postularam que a bendopneia na IC do lado esquerdo indica reserva contrátil ventricular esquerda diminuída que não pode aumentar seu débito gerando pressões de enchimento aumentadas (desacoplamento ventrículo-artéria aorta). No entanto, não está claro se o mecanismo da bendopneia na IC do VE é o mesmo que o mecanismo na HAP. O único estudo que comparou a bendopneia na IC e na HAP mostrou que a bendopneia era significativamente mais comum em pacientes com IC. Os autores interpretaram esses resultados como sendo a bendopneia associada a um aumento na PCP independente das pressões do lado direito e, portanto, alegaram que esse sintoma era específico para a IC do lado esquerdo com pressões de enchimento do VE aumentadas. Postula-se que a bendopneia na HAP provavelmente tenha os mesmos mecanismos do lado esquerdo piorando o desacoplamento ventrículo-artéria pulmonar, por aumento retorno venoso e/ou da resistência vascular pulmonar[4].

Falha energética do VD (FEVD) do inglês right ventricular energy failure (RVEF), se define pela incapacidade do VD de gerar produção de energia suficiente em relação à pós carga vascular pulmonar correspondente, levando a se manifestar como dispneia. O VD no final da diástole gera uma pressão (PD2) que é igual à pressão do início da sístole (PS1). Durante a contração isovolumétrica (que depende da força contrátil do VD) gera uma energia potencial ou mecânica que será usada durante a viagem transpulmonar do sangue através da resistência vascular pulmonar (fase de ejeção sistólica). Essa energia vá se dissipando na medida que o volume sistólico percorre a circulação pulmonar. Como a energia de saída do VD é normalmente maior do que a energia perdida na circulação pulmonar, o sangue que chega ao átrio esquerdo tem uma energia hidráulica maior do que o sangue no VD no início da sístole do VD (ou final da diástole do VD). Como o volume transferido é constante (volume sistólico), a energia hidráulica (pressão por volume) pode ser aproximada como pressão. Assim podemos dizer que normalmente a pressão do átrio esquerdo é maior que a pressão diastólica final do VD (PD2). Portanto, quando a pressão atrial esquerda é igual ou menor em comparação com a pressão diastólica final do VD (que é praticamente igual à pressão atrial direita), pode-se deduzir que a saída de energia do VD não consegue exceder a energia perdida na circulação pulmonar. Isso é definido como falha de energia do ventrículo direito (FEVD).

  • Como mostrado na Figura 2, a anteflexão do troco promoveria aumento da pressão intratorácica (PIT) e da pressão intra-abdominal (PIA).
  • O aumento da PIT incrementa a resistência vascular pulmonar (RVP) gerando aumento da pós-carga do VD.
  • Concomitantemente o aumento da PIA “exprime” sangue dos vasos intra-abdominais (Fig. 3) aumentando o retorno venoso no VD (aumento da pré-carga).
  • O VD com falha energética e desacoplamento ventrículo-arterial se manifesta como dispneia (BENDOPNEIA).

                             Fig 2. Alterações hemodinâmicas na bendopneia

  
                          Fig. 3. Efeito do aumento da pressão intra-abdominal


Kurtulus Karauzum e col., em 2018 publicaram um estudo prospectivo que avaliou a presença de bendopneia e seu impacto no estado funcional e nas características ecocardiográficas em pacientes ambulatoriais com HAP. 18 dos 53 pacientes com HAP (33,9%) apresentaram bendopneia. Os parâmetros hemodinâmicos foram piores no grupo da bendopneia. Entre eles, a pressão de átrio direito (PAD) média, a pressão de artéria pulmonar (PAP) média e a resistência vascular pulmonar (RVP) foram marcadamente maiores nos pacientes com bendopneia do que naqueles sem bendopneia. Houve também maior pressão sistólica da artéria pulmonar (PSAP), menor Excursão Sistólica do Plano do Anel Tricúspide (TAPSE) e VD mais dilatado, traduzindo sinais de disfunção do VD[5].

CONCLUSÕES

De fato, o mecanismo fisiopatológico pelo qual ocorre a bandopneia ou flexopneia ainda merece ser esclarecido.

O estudo original de Thibodeau J.T. e col., associa o fenômeno a um aumento da pressão intratorácica (PIT) sem postular alguma explicação plausível. Apenas hipotetizam que esse aumento da PIT geraria aumento da pressão capilar pulmonar (PCP) sem explicar como isso ocorreria.

Sabe-se, pelos estudos de ventilação mecânica e de interação coração-pulmão que o aumento da PIT provoca efeitos como redução do retorno venoso (efeito compressivo sobre as veias cavas). A posição postural de abaixar o troco para amarrar o calçado (anteflexão do tronco) classicamente é feita desde uma posição sentada. Assim, durante esse movimento inicialmente se prende a respiração (glote fechada) o que aumenta a pressão dentro das vias aéreas e alvéolos. Esta pressão se transmite para o espaço pleural, o que em conjunto reproduz o aumento da PIT. Por outro lado, alvéolos com maior pressão transmitem essa pressão para os capilares justa-alveolares e extra-alveolares gerando aumento da resistência vascular pulmonar (RVP) que se reflete na forma de aumento da pós-carga do VD. Desta maneira o efeito do aumento da pressão PIT seria redução do retorno venoso com aumento da RVP e pós carga do VD. Haveria uma logica explicação para a um aumento da pós-carga do VD, mas não para aumento da pré-carga do VD e menos da PCP. Estes efeitos são parecidos aos gerados com a manobra de valsalva (expiração forçada com a glote fechada).

Entretanto, concomitantemente ao aumento da PIT há também aumento da pressão intra-abdominal (PIA) como apontado por Rodney H. Falk. Este aumento da PIA produz certamente aumento do retorno venoso (por compressão dos vasos intra-abdominais) e ainda um maior aumento da PIT (por efeito sobre o diafragma). Este movimento se assemelha ao movimento de agachar que leva a aumento do retorno de sangue dos membros inferiores, provocando aumento do enchimento diastólico do VD.

Provavelmente exista um balanço entre a redução do retorno venoso por aumento da PIT e um aumento do retorno venoso pelo aumento da PIA. A ocorrência de bandopneia poderia ser ocasionado pela predominância do aumento do retorno venoso, aumentando o volume de enchimento e o volume sistólico do VD que levará a aumento da PCP e manifestações de edema intersticial pulmonar, hipoxemia e dispneia.

Espera-se publicação de novos estudos para elucidar a fisiopatológica certa desta forma de dispneia.

 



[1] Thibodeau JT, Turer AT, Gualano SK, Ayers CR, Velez-Martinez M, Mishkin JD, Patel PC, Mammen PP, Markham DW, Levine BD, Drazner MH. Characterization of a novel symptom of advanced heart failure: bendopnea. JACC Heart Fail. 2014 Feb;2(1):24-31. doi: 10.1016/j.jchf.2013.07.009. Epub 2014 Jan 8. PMID: 24622115.

[2] Falk, R. “Bendopnea” or “Kamptopnea?”: Some Thoughts on Terminology and Mechanisms. J Am Coll Cardiol HF. 2014 Aug, 2 (4) 425. https://doi.org/10.1016/j.jchf.2014.03.011

[3] R. Baeza-Trinidad, J.D. Mosquera-Lozano, L. El Bikri. Assessment of bendopnea impact on decompensated heart failure. Eur J Heart Fail., (2016), (epub ahead of print)

[4] Akaslan D, Aslanger E, İsmail Basa C, Öztürk RK, Ataş H, Mutlu B. Bendopnea Predicts Right Ventricular Energy Failure in Patients with Pulmonary Hypertension. Turk Kardiyol Dern Ars. 2023 Oct;51(7):440-446. English. doi: 10.5543/tkda.2023.47077. PMID: 37861252.

[5] Karauzum K, Karauzum I, Kilic T, Sahin T, Baydemir C, Baris Argun S, Celikyurt U, Bildirici U, Agir A. Bendopnea and Its Clinical Importance in Outpatient Patients with Pulmonary Arterial Hypertension. Acta Cardiol Sin. 2018 Nov;34(6):518-525. doi: 10.6515/ACS.201811_34(6).20180528A. PMID: 30449993; PMCID: PMC6236562.

domingo, 4 de agosto de 2024

 ENTENDENDO A MANOBRA DE OCLUSSÃO EXPIRATORIA PARA MEDIR O ESFORÇO INSPIRATÓRIO DE PACIENTE EM VENTILAÇÃO MECÂNICA ASSISTIDA:

Pooc ou Pooc?

Dr. ALEJANDRO ENRIQUE BARBA RODAS. Médico Especialista em Medicina Intensiva. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos. 


Bertoni e col., em 2019 publicaram um estudo em que propõem o uso de uma manobra de oclusão no final da expiração (pausa expiratória) que permitiu avaliar o esforço inspiratório do paciente. Este esforço inspiratório com a válvula inspiratória e expiratória fechadas, se expressa como a deflexão da pressão das vias aéreas a partir do nível de PEEP. A esta pressão convencionou-se em chamar Pressão de Oclusão Expiratória. Os autores partiram da premissa que essa Pressão de Oclusão Expiratória está correlacionada com a pressão gerada pelos músculos respiratórios para expandir os pulmões e a parede torácica durante respirações assistidas mecanicamente[1].

Uma dúvida gerada após a publicação desse estudo tem sido a denominação correta a ser adotada: se Pooc ou Pocc.

Inicialmente a palavra oclusão em inglês se escreve “occlusion”, daí que o termo se escreve com duas letras cc (Pocc = occlusion pressure).

Conceitualmente, a Pocc trata-se de uma pressão fruto do esforço inspiratório, ou seja, fisiologicamente negativa. Trata-se de uma pressão que pode ou não “zerar a PEEP” para depois gerar um valor negativo a partir do 0 (ZEEP).

Vamos supor que a PEEP do paciente seja 12 cmH2O. Após pausa expiratória o esforço do paciente poderá levar a PEEP para um valor de 8, 5, 0, -5, -8 cmH20.

Matematicamente falando, a Pooc será calculada pela diferença de valor entre a PEEP (Pooc inicial) e o valor da pressão final de queda denominada de Pdrop (Pooc final). Nos exemplos: 12 – 8 = 4; 12 – 5 = 7; 12 – 0 = 12; 12 – (-5) = 17 e 12 – (-8) = 20. Desta maneira matematicamente trata-se de um delta () de pressão de oclusão ou Pocc = Pocc inicial (PEEP) – Pocc final (Pdrop).

Sem embargo, considerando que fisiologicamente se trata de uma pressão negativa decorrente do esforço inspiratório, os valores de Pocc devem ser assim expressados: -4, -7, -12, -17 e -20 cmH2O. Considerando que fisiologicamente a pressão é negativa, alternativamente poderíamos inverter a formula matemática:  ΔPocc = Pdrop – PEEP, que já nos dará o valo diretamente negativo.

Note-se que no estudo publicado por Danti e col. em 2020 se usa o termo Pocc e não Pocc, apesar de citar o estudo de Bertoni e col. e apresentar os mesmos gráficos[2]. Danti, se baseia no conceito fisiológico e Bertoni no conceito matemático de cálculo.

A maioria dos respiradores permite realizar uma manobra de oclusão expiratória (pausa expiratória) de 2 a 3 segundos (até 5 segundos) registrando os valores correspondentes à pressão negativa realizadas pelo paciente. Os respiradores da Maquet (Servo-S, Servo-I) permitem gravar o registro dos gráficos e curvas para posteriormente verificar os valores de pressão. Os respiradores da Dixtal, permitem realizar a manobra do Pimax, na qual é realizada uma oclusão expiratória de 20 segundos. É possível usar o valor aferido no primeiro esforço inspiratório e imediatamente abortar a manobra. O respirador fornecerá a curva e o valor da máxima pressão negativa (Pdrop). Entretanto antes de iniciar a manobra o respirador zera a PEEP, pelo que há que se ter a cautela de aferir o valor correto do ΔPocc = Pdrop – PEEP.

Já para calcular a Pressão muscular predita (Pmusc) e a Driving Pressure Transpulmonar Dinâmica predita (PLdyn) como parâmetros de avaliação do esforço respiratório excessivo do paciente as formular apresentadas por Bertoni e col., são:

Pmus predita = -3/4 ΔPocc. (VN: ≤ 10 -15 cm H2O)

ΔPL,dyn predita = ΔPaw,dyn – 2/3 ΔPocc OU

(Ppi – PEEP) – 2/3 ΔPocc.  (VN: ≤ 15-20 cm H2O)

 

*Deve se considerar a média dos valores de 3 aferições aleatórias.

Os limites adotados para Pmus e ΔPLdyn excessivos foram selecionados a priori com base nas observações fisiológicas e clínicas disponíveis. Pmus normalmente varia entre 4 e 10 cm H2O, e ΔPLdyn normalmente varia entre 4 e 8 cm H2O. Dada alguma incerteza nas definições ideais para Pmus excessivo e ΔPLdyn, a precisão discriminativa foi avaliada para duas definições possíveis diferentes de valores "excessivos": para Pmus, 10 - 15 cm H2O, e para ΔPLdyn, 15 - 20 cmH2O. Note-se que a Pressão muscular, a rigor é uma pressão muscular positiva, que pode gerar tanto uma pressão negativa (esforço inspiratório) quanto positiva (esforço expiratório) na via aérea. O valor de Pmus predita por isso traz como fator de ajuste (k1) de -3/4 já garante que o valor final seja expresso como valor positivo. Já na segunda formula o fator de ajuste (k2) é 2/3 que garante que o valor continue negativo mas na hora de ser subtraído do valor de pressão transpulmonar dinâmica (Paw,dyn) tornara-se um valor positivo a ser adicionado.

Para maiores detalhes dos cálculos veja-se neste Blog detalhes dos cálculos extraídos do estudo de Bertoni e col.: https://blogdeterapiaintensiva.blogspot.com/2021/04/monitorarizacao-do-esforco-respiratorio.html

 


[1] Bertoni, M., Telias, I., Urner, M. et al. A novel non-invasive method to detect excessively high respiratory effort and dynamic transpulmonary driving pressure during mechanical ventilation. Crit Care 23, 346 (2019). https://doi.org/10.1186/s13054-019-2617-0

[2] Dianti J, Bertoni M, Goligher EC. Monitoring patient-ventilator interaction by an end-expiratory occlusion maneuver. Intensive Care Med. 2020 Dec;46(12):2338-2341. doi: 10.1007/s00134-020-06167-3. Epub 2020 Jul 4. PMID: 32623476; PMCID: PMC7334114.

domingo, 28 de julho de 2024

 

PASSAGEM DE SONDA DIGESTIVA (SD) EM

 PACIENTES COM VARIZES DE ESÔFAGO (VE).


Dr. ALEJANDRO ENRIQUE BARBA RODAS. Médico Especialista em Medicina Intensiva. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos. 



Não poucas vezes nos deparamos com situações nas quais pacientes com suspeita ou certeza de serem portadores de varizes de esôfago (VE) têm necessidade de passagem de sonda digestiva (SD), seja gástrica (SG) ou enteral/pós pilórica (SE) quer por via nasal (SNG, SNE) quer por via oral (SOG, SOE). Vamos então usar o termo sonda digestiva (SD) para nos referirmos de forma genérica a SG ou SE (seja esta última duodenal ou jejunal). Nos casos específicos de sonda gástrica usaremos a sigla SNG ou SOG e quando especificamente enteral pós pilórica, usaremos SNE ou SOE.

Trata-se geralmente de pacientes com hepatopatia crônica, cirróticos, com síndrome de hipertensão portal, da qual varizes de esôfago fazem parte. Estes pacientes por vezes internam com quadros de gravidade decorrentes de hemorragia digestiva alta (HDA) de tipo varicosa (varizes de esôfago sangrantes) ou, por outras complicações como encefalopatia hepática (EH), síndrome hepatorenal (SHR), distúrbios hidroeletrolíticos (DHE), etc. Nessas situações, parte do manejo de cada dessas complicações consiste na alimentação e/ou na administração de medicamentos por via enteral. Pacientes sabidamente portadores de VE, em razão de intoxicação exógena, também poderão necessitar de passar SNG para lavagem gástrica e administração de carvão ativado.

Nesse cenário, surge a indicação da passagem de sonda para acessar o tubo digestivo via esôfago. Entretanto surge também de forma concomitante o temor de a sonda provocar lesão mecânica e sangramento das VE, pelo que usualmente evitamos passar ou solicitamos que ela seja passada por via endoscópica.

Vamos tentar então responder à seguinte pergunta:

MAS, SERÁ QUE A PASSAGEM DA SONDA “AS CEGAS” É SEGURA?

Afinal, passagem “às cegas” de SNG é realizada em casos de suspeita de hemorragia digestiva (HD) que ainda não exteriorizou, para fazer diagnostico diferencial entre hemorragia digestiva alta (HDA) e baixa (HDB) ou mesmo para realizar lavagem gástrica em alguns casos (não rotineiramente devido à sua baixa sensibilidade[1]).

Está questão tem gerado debate entre intensivistas e endoscopistas que alegam “não haver contraindicação para a passagem convencional as cegas”.

Uma recente publicação de Osama Qasim Agha é col., de dezembro de 2023, trouxe uma revisão sobre o assunto, incluindo a posição de sociedades científicas e opiniões de especialistas abordando esta preocupação com recomendações e graus de evidência variáveis[2].

Vejamos então um panorama das posições:


1. DIRETRIZES ATUAIS DAS SOCIEDADES


1.1 AMERICAN ASSOCIATION FOR THE STUDY OF LIVER DISEASES (AASLD)

As diretrizes da AASLD 2014 para o manejo da encefalopatia hepática (EH) kjrecomendavam a colocação de uma sonda nasogástrica (SNG) para administrar medicamentos se os pacientes não conseguirem deglutir ou estiverem em risco de aspiração. O risco de causar sangramento mecânico das VE pela sonda não foi discutido nestas diretrizes[3]. As diretrizes AASLD 2021 afirmam que a presença de VE não é uma contraindicação absoluta para a colocação de SNE. No entanto, alertam para manter uma monitorização cuidadosa de sinais de ressangramento se uma sonda entérica for necessária após ligadura elástica (bandagem endoscópica) recente de varizes esofágicas (diretriz 32b). Nenhum tempo específico para passagem da SD, após a ligadura é descrito para definir o que seria “recente”[4].

Para embasar a afirmação de não haver “contraindicação absoluta”, citam o estudo retrospectivo de Lolwa N Al‐Obaid e col., publicado em 2020, que teve como objetivo avaliar a taxa e os preditores de sangramento de VE após colocação de SG (SNG ou SOG).75 pacientes com cirrose e varizes esofágicas conhecidas foram submetidos à colocação de sonda gástrica dos quais 11 (14.6%) apresentaram sangramento gastrointestinal dentro de 48 horas após a colocação, sendo considerado “risco baixo” pelos autores desse estudo, aventando ainda a hipótese de que o risco de sangramento de VE aumentaria no terço inferior do esôfago decorrente do trauma contuso da SG passando por uma junção gastroesofágica (GE) inerentemente mais estreita, agravada pela natureza mais fina das paredes inferiores da VE[5].Citam ainda o estudo publicado por de Ledinghen e col. em 1977 em que houve uma taxa de 33% de ressangramento em pacientes nos quais se passou SNG após ligadura elástica recente ou escleroterapia[6].


1.2 EUROPEAN SOCIETY FOR CLINICAL NUTRITION AND METABOLISM (ESPEN)

As diretrizes ESPEN 2006 para o tratamento da desnutrição na cirrose hepática recomendaram o uso de nutrição por sonda digestiva se uma ingestão oral adequada não pudesse ser garantida, mesmo que o paciente tenha VE. Eles manifestaram que não havia evidências de que as VE representassem “qualquer risco” (any risk) para o uso de sondas de fino calibre (diretriz 1.3)[7]. As diretrizes do ESPEN 2019 e 2020 mantém uma recomendação semelhante, entretanto, mudando a justificativa afirmando não haver evidências de que as VE representem um “risco inaceitável” (unacceptable risk) para a utilização de sonda nasogástrica de fino calibre (diretriz 83)[8].

Dito de outra forma, as diretrizes mais recentes da ESPEN admitem a existência de risco embora o considerem “aceitável”.


1.3 AMERICAN COLLEGE OF GASTROENTEROLOGY (ACOG)

As diretrizes da ACOG 2018, para o manejo da doença hepática alcoólica consideram a inserção de uma sonda digestiva, “segura” na presença de VE, embora excluam pacientes com:

  • sangramento ativo ou,
  • ligadura elástica endoscópica “recente”.

Entretanto, não foram fornecidas explicações ou recomendações específicas para estes cenários. Não definem o que seria “sangramento ativo” ou até quanto tempo se consideraria como “recente” uma ligadura elástica. Também não recomendam qualquer “tempo de espera” antes de passar uma sonda digestiva.

Entretanto, no corpo das diretrizes encontramos que essa consideração de “inserção segura” se sustenta num estudo clínico randomizado e controlado de 1997 (de Ledinghen e col.) cujo objetivo foi avaliar os efeitos nutricionais e clínicos da nutrição enteral (NE) precoce em pacientes cirróticos com sangramento por varizes esofágicas. Esse estudo, foi o primeiro a descrever o risco de ressangramento de varizes devido à inserção de sonda digestiva após ligadura elástica recente ou escleroterapia. Foram incluídos pacientes que apresentaram sangramento ativo por varizes na endoscopia (jato ou exsudação de varizes esofágicas ou da região da cárdia) e nenhum ressangramento nas 24 horas após o sangramento ativo visto na endoscopia inicial. O sangramento varicoso foi considerado controlado se os seguintes critérios fossem atendidos: pressão arterial estável, concentração de hemoglobina estável (> 8 g/dl), hematócrito acima de 27% (medido de hora em hora durante as primeiras 24 horas) e necessidade de transfusão não superior a 2 unidades em um período de 2 horas, e menos de 4 unidades nas primeiras 4 horas após a escleroterapia.  Do dia 7 ao dia 10 foi permitida uma segunda sessão de escleroterapia ou ligadura elástica. 22 pacientes que fizeram escleroterapia ou ligadura elástica para tratar sangramento de varizes de esôfago foram selecionados para receber alimentação por SNG (Grupo A, 12 pacientes) ou para permanecerem em jejum por 3 dias (Grupo B, 10 pacientes). Referido estudo relatou 3 complicações fatais, com 1 por recorrência de sangramento por varizes. 4 pacientes do Grupo A (33%) tiveram episódios de ressangramento nos dias 3°, 3°, 4° e 5°, em comparação com apenas 1 paciente no dia 15 no Grupo B (10%), mas essa diferença não foi estatisticamente significativa. O estudo foi criticado porque os grupos eram desequilibrados, já que 11 pacientes (92%) no Grupo A foram tratados com escleroterapia em comparação com 7 (70%) no Grupo B. Esta diferença poderia explicar a maior taxa de ressangramento no Grupo A, uma vez que a escleroterapia está associada a um maior risco de ressangramento quando comparada com a ligadura elástica. Na discussão os autores concluíram que esses resultados poderiam apontar os efeitos deletérios da alimentação por sonda nasogástrica no ressangramento de varizes esofágicas[9].

Apesar dos resultados e das críticas ao estudo de referência, a ACOG, considerou a inserção como “segura”.

 

2. OPINIÕES DE ESPECIALISTAS CONTRA

Contrariamente às recomendações a favor, das sociedades profissionais acima mencionadas, alguns especialistas recomendam evitar a colocação de SNE na presença de VE devido ao receio de desencadear hemorragia varicosa com risco de vida ou consideram tanto a presença de VE como as ligaduras recentes de VE contraindicações relativas para colocação de SNG[10] .

O UpToDate, referência em atualização científica orienta que ondas nasogástricas devem ser evitadas em pacientes com varizes esofágicas porque a colocação da sonda pode desencadear sangramento por varizes, que pode ser fatal[11].


3.  REVISÃO DE OSAMA QASIM AGHA E COL. (2023).

Os autores revisaram 13 estudos publicados, o primeiro em 1983 e o último em 2023, incluindo o ensaio de Ledinghen e col. (1997).

Vejamos os estudos:

1. Keohane et. al. (1983), publicaram estudo de coorte prospectivo com 10 pacientes portadores de cirrose hepática histologicamente comprovada, admitidos com encefalopatia hepática grau I a II, cujo objetivo foi avaliar os efeitos da administração contínua de uma dieta enteral quimicamente definida enriquecida com aminoácidos de cadeia ramificada (Hepaticaid) adicionada ao regime dietético padrão "anticoma" livre de proteínas. Após a admissão, todos os pacientes receberam neomicina (1 g e 6/6h) e lactulose (10 ml 6/6h) via oral até a encefalopatia hepática ser clinicamente indetectável por 3 dias. Essas drogas foram gradualmente retiradas ao longo da semana seguinte. Dois enemas de sulfato de magnésio também foram administrados para cada paciente nas primeiras 24 horas. Suplementos diários de Parenterovite, ácido fólico e vitamina K eram rotineiramente administrados. Após um período inicial de avaliação de 12 a 24 horas de avaliação, os pacientes foram submetidos a sondagem nasogástrica (SNG) usando sonda de calibre fino com diâmetro interno de 1 mm (Clinifeeding I, Roussel), após o qual os pacientes receberam via sonda nasogástrica a dieta Hepaticaid (Boots Ltd.) com bomba de infusão contínua (BIC). Não houve grupo controle. A SNG de fino calibre não provocou sangramento por varizes esofágicas ou gástricas, mas não ficou claro se todos os pacientes tinham histórico de VE[12].

2. Calvey et. al. (1984), publicaram ensaio clínico controlado (ECR) de 47 pacientes com hepatite alcoólica e/ou cirrose visando comparar suplementação nutricional por alimentação oral (n=13) ou por sonda nasogástrica (n=22) de fino calibre (1mm) de PVC (East Grinstead) ou nasoentérica (n=12) de 2mm de poliuretano (Viomedex). A randomização foi perdida após a alocação de mais pacientes em um dos grupos de tratamento. Não houve diferença significativa no sangramento por varizes nos 3 grupos. Houve menor sangramento com sonda de poliuretano, mas não foi significativa. Nem todos os pacientes tinham histórico de cirrose e/ou VE[13].

3. Soberon et. al. (1987), publicaram os resultados de um estudo controlado não randomizado em que avaliaram os efeitos metabólicos de uma nutrição em 8 pacientes com hepatite alcoólica usando infusão contínua da fórmula líquida Isocal-HCN via sonda nasoduodenal em quantidade suficiente para fornecer 35 kcal por kg de peso corporal ideal. Nenhum paciente teve sangramento digestivo. Entretanto, o estudo não descreve se os pacientes tinham cirrose e varizes de esôfago[14].

4. Ritter et. al. (1988), publicaram um estudo de coorte de 75 pacientes no último estágio de doença hepática com comprovação endoscópica de presença de varizes de esôfago, que foram submetidos a transplante hepático ortotópico e que após intubação orotraqueal foram submetidos a passagem de SNG nº 18F e estetoscópio esofágico. Não houve casos de sangramentos digestivo após instrumentação do esôfago (sonda e estetoscópio). Entretanto o estudo não teve grupo controle[15].

5. Cabre et. al. (1990), publicaram um ensaio clínico de 35 pacientes cirróticos gravemente desnutridos randomizados para receber alimentação por sonda enteral como único suporte nutricional (n = 16) ou uma dieta oral padrão isocalórica, isonitrogenada e com baixo teor de sódio (n = 19). 1 dos 16 pacientes que recebeu alimentação por sonda enteral teve sangramento digestivo relacionado a hipertensão portal em comparação a 4 dos 19 do grupo controle. Entretanto, o estudo não faz menção a se os pacientes tinham comprovadamente varizes de esôfago[16].

6. Kearns et. al. (1992), publicaram um ensaio clínico controlado que comparou os efeitos de uma nutrição por sonda enteral suplementada com os de uma dieta regular na doença hepática alcoólica. Os pacientes foram submetidos a passagem de uma sonda nasoduodenal nº 8F. O estudo não faz menção a se os pacientes tinham comprovadamente varizes de esôfago e apenas cita que “a incidência de sangramento digestivo foi comparável”[17].

7. Charlton et al (1992), publicaram estudo de coorte prospectiva em 10 crianças com cirrose hepática avançada (comprovada por biopsia) e desnutrição (menos de 90% do peso para a altura) em que avaliaram os efeitos de uma dieta especial enriquecida com aminoácidos de cadeia ramificada, administrada por sonda nasogástrica por 8 semanas. O estudo menciona que apenas 5 dos pacientes tinham varizes de esôfago. Não houve episódios de sangramentos, mas também o estudo não teve grupo controle[18].

8.  de Lédinghen et. al. (1997), já comentado anteriormente. Apesar de se tratar de um ensaio clínico controla e randomizado, teve um número pequeno de pacientes, com 22 pacientes que fizeram escleroterapia ou ligadura elástica para tratar sangramento de varizes de esôfago e foram selecionados para receber alimentação por SNG (Grupo A, 12 pacientes) ou para permanecerem em jejum por 3 dias (Grupo B, 10 pacientes). O estudo relatou 3 complicações fatais, com 1 por recorrência de sangramento por varizes. 4 pacientes do Grupo A (33%) tiveram episódios de ressangramento nos dias 3°, 3°, 4° e 5°, em comparação com apenas 1 paciente no dia 15 no Grupo B (10%), mas essa diferença não foi estatisticamente significativa. O estudo foi criticado porque os grupos eram desequilibrados, já que 11 pacientes (92%) no Grupo A foram tratados com escleroterapia em comparação com 7 (70%) no Grupo B. Esta diferença poderia explicar a maior taxa de ressangramento no Grupo A, uma vez que a escleroterapia está associada a um maior risco de ressangramento quando comparada com a ligadura elástica. Na discussão os autores concluíram que esses resultados poderiam apontar os efeitos deletérios da alimentação por sonda nasogástrica no ressangramento de varizes esofágicas[19].

 9. Cabré et. al. (2000), publicaram um estudo multicêntrico randomizado comparando os efeitos de curto e longo prazo da administração de nutrição enteral total ou de esteroides em pacientes com hepatite grave induzida por álcool. Um total de 71 pacientes (80% cirróticos) foram randomizados para receber 40 mg/d de prednisolona (n = 36) ou alimentação por sonda enteral (2.000 kcal/d) por 28 dias (n = 35), e foram acompanhados por 1 ano ou até a morte. Dos 35 pacientes do grupo de estudo, 29 (83%) sabia-se que eram cirróticos. Houve 2 episódios de sangramento de varizes dentre os 35 pacientes do grupo de estudo em comparação com nenhum episodio no grupo controle, mas história de varizes de esôfago não foi previamente reportada nas caraterísticas basais dos pacientes[20].

10. Campillo et. al. (2005), publicaram um estudo prospectivo não controlado de 63 pacientes cirróticos desnutridos que foram alimentados por nutrição enteral, via sonda nasogástrica de fino calibre, comparando aqueles que morreram durante a internação hospitalar (N=35, grupo I) com os sobreviventes (N=28, grupo II).Foi reportado apenas 2 casos de sangramento digestivo como causa de morte no grupo I durante o curso da nutrição enteral (um 3º caso ocorreu 5 dias após a retirada da sonda nasogástrica. Entretanto, não foi documentada a existência de varizes de esôfago e não foi relatado o tipo de sangramento digestivo[21].

11. Tai et. al. (2011), publicaram ensaio clínico controlado e randomizado comparando os benefícios da alimentação via sonda nasogástrica (SNG) por curto prazo sobre a suplementação oral em pacientes com cirrose hepática descompensada. 52 pacientes foram randomizados divididos em grupo de estudo para receber alimentação por SNG (n = 28) ou alimentação oral (n = 24). Dos 28 pacientes, antes de completar 2 semanas de estudo 2 abandonaram, 1 morreu e 1 teve sangramento digestivo. Dos 24 pacientes restantes que completaram as 2 semanas de estudo, 1 deles faleceu por sangramento digestivo. Não foi especificado o tipo de sangramento digestivo. O estudou cita apenas que o diagnóstico de cirrose foi baseado em uma combinação de características clínicas, perfil sanguíneo e resultados de imagens radiológicas e que as características clínicas foram as de hipertensão portal, particularmente ascite abdominal e/ou varizes gastroesofágicas, sem especificar quantos pacientes de fato apresentavam varizes de esôfago em ambos os grupos. No grupo controle não houve relatos de sangramentos digestivos[22].

12. Al Obaid et. al. (2019), publicaram estudo de tipo retrospectivo, que teve como objetivo avaliar a taxa e os preditores de sangramento de varizes de esôfago após a colocação de sonda enteral (SE). Foi feita uma revisão retrospectiva de prontuários em 75 pacientes com cirrose hepática que necessitaram de SE com varizes de esôfago conhecidas (VE). O desfecho primário foi a incidência de sangramento digestivo dentro de 48 h da colocação da sonda. O desfecho secundário foi uma queda >2 g/dL na hemoglobina dentro de 48 h da colocação sem evidência de sangramento. A pontuação média de MELD-Na foi de 24,8 (±8,9). Sondas nasogástricas (SNG) foram o tipo mais comum de SE passadas (60%). O tipo mais comum de sonda nasogástrica colocada foi de calibre fino (68%, 41/60). A maioria das sondas foi passada por médicos (30%, 40/75); no entanto, em 24% das colocações de sonda, não se soube identificar quem realizou a passagem. Um paciente necessitou da colocação de sonda nasogástrica e orogástrica simultaneamente. O grau mais comum de VE encontrado foi o grau 2 em 44% (33/75), enquanto o local mais comum para o desenvolvimento de VE foi o terço inferior do esôfago em 66% (46/75). O desfecho primário foi observado em 11 (14,6%) pacientes. O desfecho secundário foi encontrado em oito (10,6%) pacientes. Na análise univariada, sangramento digestivo foi associado a maior MELD-Na e varizes localizadas no terço inferior do esôfago. Concluíram os autores que a colocação de SE em pacientes com VE está associada a um baixo risco de sangramento, que aumentaria com um MELD-Na elevado e localização VE mais baixa. A despeito de ter sido o primeiro estudo em 30 anos a avaliar o risco de sangramento digestivo superior em pacientes com VE que tiveram SE colocadas, tratou-se de um estudo retrospectivo, sem grupo controle e não foi especificado o tipo de sangramento digestivo[23].

13. Jatin et. al. (2023), publicaram um ensaio clínico randomizado controlado aberto sobre início precoce da alimentação nasogástrica após tratamento endoscópico (endoterapia) de sangramento varicoso. 87 pacientes com cirrose hepática submetidos à endoterapia para varizes de esôfago foram randomizados para receber uma dieta líquida por meio de uma SNG de 14 F, começando 1 h após a endoterapia, (grupo 1, de alimentação precoce) ou goles de água e água com limão por via oral (grupo 2, padrão de tratamento) por uma duração total de 48 h. O desfecho primário foi ressangramento em 5 dias em ambos os braços. Outros desfechos incluíram taxa de infecção em 5 dias, encefalopatia hepática durante a hospitalização e mortalidade em 6 semanas. As taxas de ressangramento em 5 dias nos grupos 1 e 2 foram de 2,5% e 5%, respectivamente (P = 0,55), e a não inferioridade ou superioridade de qualquer um deles não pôde ser demonstrada. Concluíram os autores que o início precoce da alimentação por SNG após endoterapia em pacientes com VE parece seguro e bem tolerado, sem o risco adicional de ressangramento[24].

 

CONCLUSÕES. Após a revisão feita, sou da opinião que:

1. Com base na análise evidências fracas até hoje publicadas, na sua maioria estudos que não tinham por objetivo principal avaliar a associação de sangramento digestivo com passagem de sonda digestiva em pacientes com varizes de esôfago, e/ou limitados pelo tamanho pequeno da amostra, pela falta de um grupo de comparação (controle) ou pela falta de randomização, não se poderia afirmar que a colocação de sonda digestiva em pacientes com varizes de esôfago seja segura, nem que exista um risco significativo de induzir sangramento digestivo após sua passagem. Até mesmo as recomendações das sociedades acima citadas tornam-se fracas em virtude de estarem sustentadas em tais evidências.

2. Enquanto não forem realizados ensaios clínicos controlados e randomizados devidamente desenhados com o objetivo específico de avaliar a associação de sangramento digestivo com passagem de sonda digestiva em pacientes com varizes de esôfago, há que se ter a devida cautela na passagem de sonda enteral visando primar a segurança do paciente.

3. Diante da indicação para passagem de sonda enteral em pacientes sabidamente portadores ou com forte suspeita de varizes de esôfago, dificilmente essa passagem se revestirá de caráter de urgência ou emergência podendo se aguardar a passagem por via endoscópica em serviços que disponham desse serviço. Só assim, a segurança do paciente restará garantida, ressalvadas claro, as contraindicações que possam concomitante coexistir para realização de procedimentos endoscópicos.

4. Em unidades que não contem com serviço de endoscopia ou o mesmo não esteja disponível nesse momento, a passagem de uma sonda digestiva “às cegas” em pacientes sabidamente portadores ou com forte suspeita de varizes de esôfago, poderá ser feita desde que se conte com um profissional médico treinado na passagem de sonda de Sengstaken–Blakemore para o manejo emergências de sangramentos ou hemorragias que porventura vierem a acontecer. Portanto, imprescindível que a unidade de saúde conte com esse tipo de dispositivo médico essencial para o tratamento de hemorragias digestivas causadas por varizes esofágicas

5. É aconselhável postergar, sempre que possível, a passagem de sonda digestiva por 24 a 48 horas após um episódio de sangramento varicoso recente ou uma intervenção endoscópica recente.

 



[1] Karakonstantis, S., Tzagkarakis, E., Kalemaki, D., Lydakis, C., & Paspatis, G. (2017). Nasogastric aspiration/lavage in patients with gastrointestinal bleeding: a review of the evidence. Expert Review of Gastroenterology & Hepatology, 12(1), 63–72. https://doi.org/10.1080/17474124.2018.1398646

[2] Qasim Agha O, Alsayid M, Reynolds J. Nasoenteric Tube Placement in Patients with Esophageal Varices: A Review of the Current Evidence and Society Guidelines. Avicenna J Med. 2023 Dec 1;13(4):193-198. doi: 10.1055/s-0043-1776338. PMID: 38144911; PMCID: PMC10736187.

[3] Mullen KD, Weissenborn K, Wong P. Hepatic encephalopathy in chronic liver disease: 2014 Practice Guideline by the American Association for the Study of Liver Diseases and the European Association for the Study of the Liver. Hepatology. 2014 Aug;60(2):715-35. doi: 10.1002/hep.27210. Epub 2014 Jul 8. PMID: 25042402.

[4] Lai JC, Tandon P, Bernal W, Tapper EB, Ekong U, Dasarathy S, Carey EJ. Malnutrition, Frailty, and Sarcopenia in Patients With Cirrhosis: 2021 Practice Guidance by the American Association for the Study of Liver Diseases. Hepatology. 2021 Sep;74(3):1611-1644. doi: 10.1002/hep.32049. Erratum in: Hepatology. 2021 Dec;74(6):3563. PMID: 34233031; PMCID: PMC9134787.

[5] Al-Obaid LN, Bazarbashi AN, Cohen ME, Kim J, Lei Y, Axelrad JE, Fox A, Chandra S, Gordon FD. Enteric tube placement in patients with esophageal varices: Risks and predictors of postinsertion gastrointestinal bleeding. JGH Open. 2019 Sep 10;4(2):256-259. doi: 10.1002/jgh3.12255. PMID: 32280774; PMCID: PMC7144797.

[6] de Lédinghen V, Beau P, Mannant PR, Borderie C, Ripault MP, Silvain C, Beauchant M. Early feeding or enteral nutrition in patients with cirrhosis after bleeding from esophageal varices? A randomized controlled study. Dig Dis Sci. 1997 Mar;42(3):536-41. doi: 10.1023/a:1018838808396. PMID: 9073135.

[7] Plauth M, Cabré E, Riggio O, Assis-Camilo M, Pirlich M, Kondrup J; DGEM (German Society for Nutritional Medicine); Ferenci P, Holm E, Vom Dahl S, Müller MJ, Nolte W; ESPEN (European Society for Parenteral and Enteral Nutrition). ESPEN Guidelines on Enteral Nutrition: Liver disease. Clin Nutr. 2006 Apr;25(2):285-94. doi: 10.1016/j.clnu.2006.01.018. Epub 2006 May 16. PMID: 16707194.

[8] Bischoff SC, Bernal W, Dasarathy S, Merli M, Plank LD, Schütz T, Plauth M. ESPEN practical guideline: Clinical nutrition in liver disease. Clin Nutr. 2020 Dec;39(12):3533-3562. doi: 10.1016/j.clnu.2020.09.001. Epub 2020 Oct 27. PMID: 33213977.

[9] de Lédinghen V, Beau P, Mannant PR, Borderie C, Ripault MP, Silvain C, Beauchant M. Early feeding or enteral nutrition in patients with cirrhosis after bleeding from esophageal varices? A randomized controlled study. Dig Dis Sci. 1997 Mar;42(3):536-41. doi: 10.1023/a:1018838808396. PMID: 9073135.

[10] Shlamovitz G Z, Shah N R.Nasogastric Intubation: Background, Indications, Contraindications. MedscapeAccessed October 12, 2023 at: https://emedicine.medscape.com/article/80925-overview#a3?form=fpf. Acessado em 02.06.2024

[12] Keohane P P, Attrill H, Grimble G, Spiller R, Frost P, Silk D B. Enteral nutrition in malnourished patients with hepatic cirrhosis and acute encephalopathy. JPEN J Parenter Enteral Nutr. 1983;7(04):346–350. [

[13] Calvey H, Davis M, Williams R. Prospective study of nasogastric feeding via East Grinstead or Viomedex tubes compared with oral dietary supplementation in patients with cirrhosis. Clin Nutr. 1984 Jul;3(2):63-6. doi: 10.1016/s0261-5614(84)80001-1. PMID: 16829436.

[14] Soberon S, Pauley M P, Duplantier R, Fan A, Halsted C H. Metabolic effects of enteral formula feeding in alcoholic hepatitis. Hepatology. 1987;7(06):1204–1209.

[15] Ritter D M, Rettke S R, Hughes R W, Jr, Burritt M F, Sterioff S, Ilstrup D M. Placement of nasogastric tubes and esophageal stethoscopes in patients with documented esophageal varices. Anesth Analg. 1988;67(03):283–285.

[16] Cabre E, Gonzalez-Huix F, Abad-Lacruz A et al. Effect of total enteral nutrition on the short-term outcome of severely malnourished cirrhotics. A randomized controlled trial. Gastroenterology. 1990;98(03):715–720.

[17] Kearns P J, Young H, Garcia G et al. Accelerated improvement of alcoholic liver disease with enteral nutrition. Gastroenterology. 1992;102(01):200–205.

[18] Charlton C P, Buchanan E, Holden C E et al. Intensive enteral feeding in advanced cirrhosis: reversal of malnutrition without precipitation of hepatic encephalopathy. Arch Dis Child. 1992;67(05):603–607.

[19] de Lédinghen V, Beau P, Mannant PR, Borderie C, Ripault MP, Silvain C, Beauchant M. Early feeding or enteral nutrition in patients with cirrhosis after bleeding from esophageal varices? A randomized controlled study. Dig Dis Sci. 1997 Mar;42(3):536-41. doi: 10.1023/a:1018838808396. PMID: 9073135.

[20] Cabré E, Rodríguez-Iglesias P, Caballería J et al. Short- and long-term outcome of severe alcohol-induced hepatitis treated with steroids or enteral nutrition: a multicenter randomized trial. Hepatology. 2000;32(01):36–42.

[21] Campillo B, Richardet J-P, Bories P N.Enteral nutrition in severely malnourished and anorectic cirrhotic patients in clinical practice Gastroenterol Clin Biol 200529(6-7):645–651.

[22] Tai M-LS, Razlan H, Goh K-L et al. Short term nasogastric versus oral feeding in hospitalised patients with advanced cirrhosis: a randomised trial. E Spen Eur E J Clin Nutr Metab. 2011;6(06):e242–e247.

[23] Al-Obaid L N, Bazarbashi A N, Cohen M E et al. Enteric tube placement in patients with esophageal varices: risks and predictors of postinsertion gastrointestinal bleeding. JGH Open. 2019;4(02):256–259.

[24] Jatin Y, Sharma S, Singh Net al. An open-label randomised controlled trial of early initiation of nasogastric feeding after endotherapy in variceal bleeding: a proof-of-concept study J Clin Exp Hepatol 2023;(July): 10.1016/j.jceh.2023.07.413