sábado, 10 de julho de 2021


POCUS DE TÓRAX: PROTOCOLO CLUE:

ULTRASSOM PULMONAR PARA COVID-19 NA EMERGÊNCIA


Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Responsável Técnico e Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos. Coordenador da Residência em Medicina Intensiva – COREME e membro do Grupo Técnico de Enfrentamento à COVID -19 da Santa Casa de São Jose dos Campos.


INTRODUÇÃO

A ultrassonografia pulmonar (USP) ou Lung ultrasound (LUS) realizada à beira leito (POCUS), é nos dias de hoje uma ferramenta muito útil na avaliação do paciente com alguma patologia pulmonar ou respiratória. Se constitui, na verdade, na parte mais importante do POCUS de Tórax. Seu uso nas unidades de emergência e nas unidades de terapia intensiva tem sido cada vez mais comum.

Protocolos baseados ou que incluem POCUS de tórax tem sido cada vez mais publicados (BLUE, FALL, etc.).

Como a infecção por SARS-CoV-2 provoca uma pneumonia de tipo intersticial, há havido um uso crescente de LUS em pacientes com COVID-19 na China e na Itália. O diagnóstico de COVID-19 pelo teste de RT-PCR em amostra coletada por swab N-F/OF, considerado o teste padrão-ouro, possui menor sensibilidade em comparação com a tomografia computadorizada (TC) de tórax (59% vs 88%, respectivamente).  

O ultrassom tem uma excelente correlação com os achados da TC de tórax e pode ser uma alternativa para imagens sem risco de radiação ionizante. A baixa sensibilidade (59%) da radiografia de tórax para detectar alterações provocadas pela COVID-19 e a superioridade da ultrassonografia em doença pulmonar intersticial semelhante, o torna uma opção de imagem bastante atraente. A realização do LUS à beira do leito (POCUS) também permite a execução simultânea do exame clínico e da imagem pulmonar pelo mesmo médico, agilizando a tomada de decisão clínica.

Durante a pandemia tem se observado que em razão do isolamento rigoroso para evitar a disseminação da doença, exames de tomografia de tórax para acompanhar a evolução do comprometimento pulmonar pela COVID-19 e/ou pelas suas eventuais complicações (TEP por exemplo), têm sido limitados, dificultando uma melhor avaliação do processo de melhora e/ou piora. Assim, o LUS poderia ser um bom substituto nestes casos.

 

ASPECTOS TÉCNICOS DO LUS NA COVID-19

Um Protocolo de LUS para pacientes com suspeita de COVID-19 tem sido sugerido por Vijay Manivel e col., e publicado em agosto de 2020[1]. Referido protocolo denominado de “CLUE: COVID-19 lung ultrasound in emergency department” e se baseia em 2 parâmetros:

1. Um Escore de pontuação de acordo com padrões de achados (LUSS: LUS scoring system): GRAVIDADE ANATÔMICA.

 2. A necessidade de oxigênio suplementar no momento da admissão: GRAVIDADE FUNCIONAL.

O Protocolo CLUE, usa de uma estratégia de avaliar ultrassonográficamente ambos hemitóraces através da varredura dos espaços intercostais. Cada hemotórax é divido em zonas anterior, lateral e posterior e, por sua vez cada zona subdividida em superior e inferior, totalizando 6 zonas para o pulmão direito (R: R1-R6) e 6 para o esquerdo (L: L1-L6)), totalizando 12 zonas a avaliar, que tentam abranger a maior parte dos pulmões. Cada zona é avaliada através dos espaços intercostais que nela se encontram como mostra a Fig. 1 e a pontuação final será dada por aquela que traduza as alterações mais severas (LUSS 0,1,2,3). A varredura das zonas pulmonares posteriores (R5, R6, L5, L6), embora tecnicamente demande maior trabalho em razão da mobilização do paciente, melhorará a sensibilidade do LUS, pois a maioria das alterações ocorre no pulmão posterior. Para uma varredura segura, quando possível, o paciente deve sentar-se de costas para o médico e nas zonas posterior, lateral (R3, R4, L3, L4) e mesmo anterior (R1, R2, L1, L2) examinadas pelo médico posicionado atrás do paciente. Se o paciente estiver em posição supina (indisposição para se movimentar ou sob sedação), as zonas pulmonares posteriores serão substituídas por áreas de varredura ligeiramente posteriores à linha axilar posterior. O exame leva menos de 10 minutos para ser realizado, excluindo o tempo de limpeza.

Uma abordagem passo a passo para realizar LUS com segurança é fornecida na Tabela e Fig. 1.

 

TABELA 1. Passo a passo da técnica de varredura do Protocolo CLUE. 

  • Use equipamento de proteção individual (EPI) e dupla luva.
  • Realize ultrassom (US) apenas se necessário e de preferência junto com o exame clínico.
  • Dispositivo de US portátil devidamente protegido com capa protetora.
  • Use pequenos pacotes descartáveis ​​de gel.
  • Posicione o paciente de costas para o ultrassonografista (se possível).
  • Faça a varredura das zonas pulmonares posteriores direitas e esquerdas, superiores e inferiores (R5, R6, L5, L6), depois as zonas laterais (R3, R4, L3, L4) e finalmente as zonas anteriores (R1, R2, L1, L2).
  • Adquira clipes de vídeo e predefinições de diagnóstico para minimizar o manuseio do teclado.
  • Após a digitalização, remova a tampa do transdutor, a capa de plástico e o par de luvas.
  • Usando o par interno de luvas, limpe a máquina inteira
  • Retire o EPI, use luvas novas e limpe a máquina inteira novamente

 

Fig. 1. Zonas do pulmão esquerdo. L1, anterior superior esquerdo; L2, anterior inferior esquerdo; L3, lateral superior esquerdo; L4, lateral inferior esquerdo; L5, posterior superior esquerdo; L6, posterior inferior esquerdo.

 

PADRÕES ULTRASONOGRÁFICOS DO CLUE: ESCORE LUS (LUSS).

 

Fig 2: Protocolo CLUE: ICU, unidade de terapia intensiva; LUSS, escore de ultrassom pulmonar; SPO2, oximetria de pulso; WARD, enfermaria, respiratória ou outra enfermaria apropriada.

 

O Escore LUS (LUSS) para o Protocolo CLUE se baseia nos achados de Linhas “B”, caraterísticas da pleura e presença de consolidações com Linhas “C” associadas por espaço intercostal avaliado.

  1. LUSS 0:1 ou 2 linhas B e linha pleural fina e suave.
  2. LUSS 1: >2 linhas B discretas. Espessamento da pleura com irregularidades da linha pleural.
  3. LUSS 2: > 2 linhas B confluentes. Pequenas consolidações subpleurais (<1 cm de altura).
  4. LUSS 3: Consolidações maiores (> 1cm de altura) com/sem broncograma aéreo, com/sem vascularidade. Derrames pleurais são incomuns.

Conforme descrito na Fig.2, as alterações mais severas de comprometimento pulmonar têm uma pontuação de 3 (LUSS 3), fazendo com que em cada hemotórax a maior pontuação seja de 13 e a pontuação total de ambos pulmões de 36.

Com base na pontuação total de 12 zonas pulmonares, a GRAVIDADE ANATÔMICA  foi classificada como LEVE (pontuação 1–5), MODERADA (> 5–15) e GRAVE (> 15). Um pulmão normal terá uma pontuação total de 0.

 

CONDUTA SUGERIDA CONFORME O PROTOCOLO CLUE + NECESSIDADE DE OXIGÊNIO SUPLEMENTAR.

O protocolo CLUE envolve, além do sistema de pontuação (LUSS), um parâmetro de GRAVIDADE FUNCIONAL: a necessidade de oxigênio no momento do exame, para auxiliar o médico a adotar uma determinada conduta.

A decisão do médico sobre a necessidade de oxigênio suplementar é um processo complexo, envolvendo fatores como saturação de oxigênio, trabalho respiratório, frequência respiratória e condições médicas pré-existentes (ou seja, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença cardíaca). Um único parâmetro, como saturação de oxigênio ou frequência respiratória, pode não representar a prática clínica em tempo real.

O protocolo CLUE fornece apenas uma base, que é fácil de usar e flexível para acomodar apresentações clínicas complexas. 

Nas formas LEVES (LUSS 1 – 5): o manejo deverá ser domiciliar com controle da SaO2 e dos parâmetros clínicos, salvo se houver necessidade de O2 para manter SaO2 dentro das metas estabelecidas pelo protocolo local. Neste caso poderia se considerar internação hospitalar na enfermaria COVID.

Nas formas MODERADAS (LUSS 5 – 15): o manejo via de regra, perla sua necessidade de O2 suplementar será em regime de internação hospitalar em unidade COVID (enfermaria ou UTI). Excepcionalmente se não houver necessidade de O2 poderás se considerar manejo domiciliar com controle rigoroso da SaO2 e dos parâmetros clínicos.

Nas formas GRAVES (LUSS > 15): o manejo sempre será em regime de internação hospitalar em unidade COVID, sendo na enfermaria (se não houve necessidade de O2 suplementar) ou na UTI (se houve necessidade de O2 suplementar).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As evidências existentes apoiam o uso do LUS nos pacientes com COVID-19. Vários escores tem sido proposto, mas nenhum incorpora a avaliação clínica na tomada de decisões. O protocolo CLUE visa suprir essa lacuna e fornecer ao médico uma guia para a tomadas de decisões. O protocolo CLUE fornecerá informações instantâneas e objetivas sobre a gravidade da doença e pode substituir imagens de RX e TC do tórax. A ausência de radiação ionizante com ultrassom o torna uma modalidade de imagem ideal para avaliações seriadas, fornecendo uma medida objetiva da progressão da doença. A ultrassonografia realizada pelo médico responsável pelo tratamento durante o exame clínico pode minimizar o número de encontros com a equipe, potencialmente minimizar a taxa de infecção do profissional de saúde e contaminação cruzada entre os pacientes.

Entretanto, existem várias limitações. Em primeiro lugar, o escore LUS e o Protocolo CLUE nunca foram ainda devidamente validados em estudos controlados. Atualmente, um ensaio multicêntrico na Austrália e Nova Zelândia está em andamento para avaliar este sistema de pontuação. Em segundo lugar, os achados de LUS não são específicos para COVID-19 e podem não se correlacionar com o resultado clínico. Em terceiro lugar, o uso de ultrassom no COVID-19 exige uma prática meticulosa de controle de infecção. Finalmente, o LUS requer um operador com um certo grau de treinamento, pelo que médicos sem experiência não deveriam realizar os exames diretamente em pacientes com COVID devido a que certamente envolverá maior demora na realização e, com isso, maior exposição ao risco de contaminação/infecção.



[1] Manivel V, Lesnewski A, Shamim S, Carbonatto G, Govindan T. CLUE: COVID-19 lung ultrasound in emergency department. Emerg Med Australas. 2020 Aug;32(4):694-696. doi: 10.1111/1742-6723.13546. Epub 2020 Jun 16. PMID: 32386264; PMCID: PMC7273052.






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