PSEUDOHIPONATREMIA
Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Responsável Técnico e Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos. Supervisor do Programa de Residência em Medicina Intensiva – COREME.
A hiponatremia é um achado
relativamente comum em pacientes clínicos e cirúrgicos. Conforme a maior parte
da literatura é o distúrbio eletrolítico mais comum[1] [2] [3] [4], a
despeito de outros reportarem ser a hipocalemia[5] [6]. Na
maioria dos casos, a hiponatremia é leve (na faixa de 130-135 mmol/L),
autolimitada e não associada a sintomas. No entanto, alguns pacientes sofrem
hiponatremia grave, geralmente definida como sódio plasmático inferior a 125
mmol/L. Esta é uma condição aguda potencialmente grave associada a sintomas
neurológicos significativos. Destaque-se que considerando que o sódio tem como valência
química 1, sua expressão em mmol/L e mEq/L tem o mesmo valor (1 mEq= 1 mmol / valência)[7].
Muito embora a hiponatremia tenha
sido bastante estudada no tocante a seu diagnóstico, classificação, etiologia e
manejo, na prática poucas vezes se seguem os protocolos, fluxogramas e rotinas
amplamente divulgados pela literatura. Algumas vezes um manejo sem respeitar critérios
e alvos terapêuticos, pode levar a consequências potencialmente graves.
Dentro do diagnóstico inicial da
hiponatremia, uma forma destaca por ser subdiagnosticada. É a denominada PSEUDOHIPONATREMIA
OU HIPONATREMIA FALSA.
Trata-se de um valor de
hiponatremia com osmolaridade normal gerada por um artefato de laboratório e causada
usualmente por ocorrência concomitante de hiperlipidemia ou hiperproteinemia (mieloma
múltiplo, por exemplo, ou infusão de imunoglobulina).
Diferença entre plasma e soro
(concentração plasmática e sérica).
O plasma sanguíneo é um
líquido de composição complexa. Ele é composto, em sua maioria, por água (cerca
de 92 - 93%). Além da água, estão presentes componentes orgânicos e inorgânicos,
proteínas e lipídeos. As proteínas são os componentes mais importantes,
representando uma mistura complexa de mais de 100 tipos diferentes. A albumina
é uma das mais importantes, pois atua na manutenção da pressão osmótica
coloidal. Estão presentes também os fatores de coagulação e fibrinogênio,
importantes na hemostasia. No laboratório, é possível obter o plasma a partir
de uma amostra de sangue coletada num tubo com anticoagulante sendo submetida a
centrifugação para separar em camadas os diferentes componentes (hemácias, leucócitos/plaquetas
e plasma). Existem vários tipos de anticoagulantes, como por exemplo o EDTA
(tubo roxo), o citrato de sódio (tubo azul), a heparina (tubo verde) etc. O
papel principal do citrato de sódio é formar um quelato com o cálcio, ou seja,
ele irá se ligar aos íons cálcio da amostra e a cascata da coagulação será
interrompida, impedindo a formação do coágulo. Essa ligação é facilmente
reversível, através da adição de novos íons cálcio na amostra. Justamente por
causa dessa propriedade é que ele é o anticoagulante usado nos testes de
coagulação. Como testes da coagulação precisam ser realizados no plasma, após a
centrifugação da amostra de sangue citratada, o sobrenadante precisa conter
todas as proteínas e fatores da coagulação. Nos testes de coagulação o cálcio
(do kit de diagnóstico) é adicionado à amostra, para a formação do coágulo. O
tempo entre a adição do cálcio e a formação do coágulo é que será o resultado
do teste. O soro é obtido após a coleta de sangue num tubo sem
anticoagulante ("tubo seco" ou tubo amarelo ou vermelho, com ativador
de coágulo), deixando ocorrer a coagulação da amostra e posterior centrifugação.
O objetivo é que haja a formação de coágulo, e nesse processo os fatores da
coagulação, plaquetas e fibrinogênio são consumidos. Então, de forma simplificada,
o soro é o plasma sem fibrinogênio, plaquetas e fatores da coagulação. Para a
obtenção do soro, atualmente são utilizados tubos que contêm ativador de
coágulo jateado na parede do tubo, que acelera o processo de coagulação, e gel
separador para obtenção de soro com a mais alta qualidade, proporcionando
melhor eficiência no processo de trabalho dentro do laboratório. Vários exames
no laboratório clínico, por exemplo os de bioquímica e sorologia, são
realizados utilizando o soro. Muitos podem ser feitos utilizando o plasma, mas,
pela praticidade e qualidade (líquido livre de células), a maioria dos
laboratórios utilizam o soro (Fig. 1)[8].
Fig.1 Diferença entre soro e plasma
Mecanismo da Pseudohiponatremia
Nos pacientes com pseudohiponatremia,
a quantidade aumentada de proteínas ou lipídeos acaba ocupando maior proporção
no volume de plasma ou soro do que o usual (fração não aquosa), e a água ocupa
menos volume (fração aquosa). O sódio e outros eletrólitos são distribuídos
apenas na fração aquosa pelo que sua concentração deveria ser aferida apenas
nessa fração. De fato, em tais circunstâncias, esperar-se-ia um aumento da
concentração em razão da redução do solvente (água) mantendo a quantidade
absoluta de soluto (sódio). Entretanto, muitos dos métodos de laboratório utilizados
medem a concentração de sódio no volume total de plasma (fração aquosa + não
aquosa) fazendo uma “correção padrão” assumindo que a fração aquosa normal é de
93% (0.93), sem levar em consideração que essa fração aquosa poderia, em determinadas
circunstâncias (como na hiperlipidemia e/ou hiperproteinemia), ocupar um menor
volume no plasma total do que o usual (<93%). Assim, o resultado expressará um
valor menor em razão de ter sido aferido num volume maior de solvente (plasma
total ou soro total). Tais valores, por vezes encontram-se abaixo do limite
inferior da normalidade (< 135 mmol/L) inclusive em valores de hiponatremia
severa (< 120 mmol/L) configurando o quadro de psudohiponatremia. Deve-se
suspeitar desta pseudohiponatremia se houver discrepância entre a aparente
severidade da hiponatremia pelo valor aferido e o quadro clínico que se esperaria
para esse valor. A osmolalidade do plasma ou soro não é afetada por qualquer
mudança na fração de volume ocupado por proteínas ou lipídeos, uma vez que
estes não são dissolvidos na fração aquosa e, logo, não contribuem para a
osmolalidade. A osmolalidade medida (aferida diretamente no laboratório) normal
em um paciente com hiponatremia severa é, deste modo, forte sugestivo de
pseudo-hiponatremia. Isto pode ser verificado formalmente por meio do cálculo
da lacuna osmolal, a diferença entre a osmolalidade medida e a
osmolalidade calculada (pela fórmula tradicional: 2Na + glicose/18 + ureia/6)[9] (Fig.2).
Fig. 2. Pseudohiponatremia (adaptado de https://nephsim.com/case-29-diagnosis-conclusions/)
Assim, considerando que a fração
aquosa normal seria 93% (0.93) do volume total do plasma (fração aquosa + não aquosa
= 100%), uma concentração de sódio em soro ou plasma total de 143 mmol/L teria seu
valor real de 154 mmol/L (143/0.93). Da mesma forma, se nesse mesmo paciente a
percentagem de água diminui para 80% (0.8) por aumento da fração não aquosa de lipídios
e proteínas, uma concentração de sódio em soro ou plasma total de 123 mmol/L, teria
seu valor real também de 154 mmol/L (123/0.8). O fotômetro de chama é o método
mais antigo usado para medir a concentração plasmática de sódio. A preparação
da amostra envolve a diluição do plasma, e a água do plasma é assumida que corresponde
a 93% do total do plasma. Assim, o método calcula o valor de concentração
plasmática de sódio (fração aquosa + não aquosa) e após recalcula o valor em
93% (assumindo ser esse o percentual da fração aquosa). Se a fração não aquosa
aumentar por hiperlipidemia e/ou hiperproteinemia reduzindo a fração aquosa, por
exemplo para 80%, e o método não fizer esse ajuste de correção então o valor
será subestimado como pseudohiponatremia. Se após correção, o valor da concentração de sódio
ainda estiver abaixo de 135 então será considerada uma hiponatremia verdadeira (Fig
3).
Fig. 3 Pseudohiponatremia (adaptado
de https://twitter.com/tony_breu/status/1012092712110215170)
Ocorre que sendo a hiponatremia
um distúrbio bastante frequente, quase nunca é solicitada a aferição dos níveis
de lipídeos e proteínas totais antes de iniciar um roteiro diagnóstico. Ainda, calcula-se
a osmolaridade ou osmolalidade usando o falso valor de sódio subestimado o que
leva a persistir num raciocínio equivocado quanto a classificar o tipo de hiponatremia.
Importante, portanto, sempre se
atentar a ocorrência desta falsa hiponatremia, para evitar ter que infundir
desnecessariamente soluções hipertônicas que, pelo contrário, provocariam de
forma iatrogênica quadros de hipernatremia com eventuais consequências deletérias
para o paciente.
[1]
Medo CT, Gill GV, Burn J. Hiponatremia: mecanismos e gestão. Lancet 1981; 2:
26-31
[2]
Schmidt BM. Die häufigsten Elektrolytstörungen in der Notaufnahme: Was ist sofort
zu tun? [The most frequent electrolyte disorders in the emergency department:
what must be done immediately?]. Internist (Berl). 2015 Jul;56(7):753-9.
German. doi: 10.1007/s00108-015-3670-7. Erratum in: Internist (Berl). 2015 Oct;56(10):1212. PMID: 26036654.
[3] Electrolytes. Isha Shrimanker; Sandeep Bhattarai. Electrolytes. Last Update: July 26, 2021. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK541123/
[4] Syed Zaidi, Rahul Bollam and Kainat
Saleem. Electrolytes in the ICU. DOI: 10.5772/intechopen.96957. https://www.intechopen.com/chapters/76244
[5]
https://en.wikipedia.org/wiki/Electrolyte_imbalance
[6] Neville H. Golden, Anorexia
Nervosa, Reference Module in Biomedical Sciences, Elsevier, 2020
[7] https://www.rccc.eu/calculadoras/conversor/elect.html
[8] https://www.biomedicinapadrao.com.br/2016/09/diferenca-entre-plasma-e-soro.html
[9] Allan Gaw e col. Bioquímica Clínica. Tradução
da 5ª edição. 2015 Elsevier Editora Ltda.
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