quarta-feira, 14 de setembro de 2022

 HIPERTENSÃO PULMONAR (HP), UMA PATOLOGÍA SUBDIAGNOSTICADA. PAPEL DA ECOCARDIOGRAFIA

Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Responsável Técnico e Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos. Supervisor do Programa de Residência em Medicina Intensiva – COREME. 



I. DESTAQUES DAS DIRETRIZES DA ESC/ERS PARA O DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO PULMONAR 2022.

Estes são os principais destaques das Diretrizes de 2022 da European Society of Cardiology/European Respiratory Society (ESC/ERS) para o diagnóstico e tratamento da hipertensão pulmonar [1] [2] [3]:

 1. A Hipertensão Pulmonar (HP) é agora definida apenas pela pressão arterial pulmonar média (PMAP) > 20 mm Hg em repouso. A definição de Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP), um subtipo de HP, implica também uma resistência vascular pulmonar (RVP) > 2 unidades Wood e uma pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP) ≤ 15 mm Hg.

 2. Avaliação clínica, testes de esforço, marcadores bioquímicos, ecocardiograma e testes hemodinâmicos são recomendados para avaliar a gravidade da doença em pacientes com HAP. Os resultados são usados ​​para categorizar o paciente como de baixo, intermediário ou alto risco. O principal algoritmo diagnóstico para HP foi simplificado seguindo uma abordagem de três etapas, desde a suspeita feita por médicos da primeira linha, detecção por ecocardiografia e confirmação com cateterismo cardíaco direito em centros de HP. Para pacientes com suspeita de hipertensão pulmonar, a ecocardiografia é recomendada como estudo diagnóstico inicial não invasivo. Para aqueles que têm hipertensão pulmonar inexplicada, o estudo de imagem preferido é o de ventilação/perfusão ou varredura pulmonar de perfusão para detectar hipertensão pulmonar tromboembólica crônica (HPTEC). O cateterismo cardíaco direito é recomendado para confirmar o diagnóstico de hipertensão pulmonar.

 3. Para pacientes que apresentam dispneia persistente ou de início recente ou limitações ao exercício após quadro de embolia pulmonar (EP), recomenda-se uma investigação adicional para detectar HPTEC e/ou doença pulmonar tromboembólica crônica (DPTEC). Para aqueles que permanecem sintomáticos e têm defeitos pulmonares de perfusão incompatíveis após 3 meses de terapia de anticoagulação para EP aguda, o encaminhamento para avaliação adicional em um centro de hipertensão pulmonar/HPTEC deve ser considerado. Um melhor reconhecimento pela tomografia computadorizada (TC) e sinais ecocardiográficos de hipertensão pulmonar tromboembólica crônica (HPTEC) no momento de um evento de embolia pulmonar aguda (EP), juntamente com um acompanhamento sistemático de pacientes com EP aguda, deve ajudar a remediar o subdiagnóstico de HPTEC.

4. O algoritmo de tratamento da HAP foi simplificado, com foco claro na avaliação de risco, comorbidades cardiopulmonares e objetivos do tratamento. A terapia combinada inicial e o escalonamento do tratamento no acompanhamento, quando apropriado, são os padrões atuais. O manejo da HAP se concentra na avaliação de risco, comorbidades cardiopulmonares e objetivos do tratamento. A terapia combinada inicial e o escalonamento do tratamento no acompanhamento são recomendados. Para pacientes com HAP que apresentam resposta a testes de vasorreatividade aguda, recomenda-se a terapia com bloqueadores dos canais de cálcio em altas doses. Após 3-4 meses de terapia monitorada de perto, os pacientes devem ser submetidos a uma reavaliação completa que inclui cateterismo cardíaco direito. Para todos os pacientes com HPTEC, recomenda-se terapia de anticoagulação permanente. Para aqueles que também têm síndrome antifosfolípide, é preferível a anticoagulação com um antagonista da vitamina K. Pacientes com hipertensão pulmonar que apresentam resposta inadequada à terapia oral combinada devem ser considerados para transplante pulmonar.

 5. A força-tarefa tentou fechar a lacuna entre os cuidados de HAP pediátrica e adulto, com estratégias terapêuticas e de acompanhamento baseadas na estratificação de risco e na resposta ao tratamento, extrapoladas daquela em adultos, mas adaptadas para a idade.

 6. As recomendações sobre questões relacionadas ao sexo em pacientes com HAP, incluindo gravidez, foram atualizadas, com informações e tomada de decisão compartilhada como pontos-chave. Mulheres com HP que engravidam ou apresentam durante a gravidez HAP recém-diagnosticada devem ser tratadas, sempre que possível, em centros com equipe multidisciplinar experiente no manejo da HP na gravidez.  Recomenda-se suspender os antagonistas dos receptores da endotelina riociguat e selexipag devido à teratogenicidade potencial ou desconhecida. Apesar das evidências limitadas, os bloqueadores dos canais de cálcio, inibidores da fosfodiesterase 5 (PDE5) e análogos de prostaciclina inalados/IV/subcutâneos são considerados seguros durante a gravidez.

 7. As recomendações para programas de reabilitação e exercícios na HP foram atualizadas após o lançamento de evidências de suporte adicionais. Pacientes com HAP devem ser tratados com o melhor padrão de tratamento farmacológico e estar em condição clínica estável antes de iniciar um programa de reabilitação supervisionado.

 8. Pela primeira vez, há uma recomendação para terapia medicamentosa de HP no grupo 3 de HP, com base em um único ensaio clínico randomizado positivo em pacientes com doença pulmonar intersticial (DPI). A abordagem terapêutica da HP do grupo 3 começa com a otimização do tratamento da doença pulmonar de base, incluindo oxigênio suplementar e ventilação não invasiva, quando indicado, bem como a adesão a programas de reabilitação pulmonar. A nova recomendação é que os inibidores da PDE5 possam ser considerados em pacientes com HP grave associada a DPI com tomada de decisão individual em centros de HP.

 9. O conceito de doença pulmonar tromboembólica crônica (DPTEC) com ou sem HP foi introduzido, permitindo mais pesquisas sobre a história natural e manejo na ausência de HP. DPTEC descreve pacientes sintomáticos com defeitos de perfusão na relação V/Q e com sinais de coágulos fibróticos crônicos organizados na angiografia pulmonar por tomografia computadorizada ou angiografia por subtração digital, como estenoses em forma de anel, teias/fendas e oclusões totais crônicas (bolsa lesões ou lesões afiladas), após pelo menos 3 meses de anticoagulação terapêutica.

10. O algoritmo de tratamento para HPTEC foi modificado, incluindo terapia multimodal com cirurgia, medicamentos para HP e angioplastia pulmonar por balão. A anticoagulação terapêutica ao longo da vida é recomendada para pacientes com HPTEC, pois tromboembolismo pulmonar recorrente acompanhado de resolução insuficiente do coágulo são as principais características fisiopatológicas desta doença.

 

II. ATUALIZAÇÃO NAS DEFINIÇÕES

Dispneia é um sintoma muito frequente na consulta ambulatorial e, quando severa ou intensa, motivo frequente de procura das unidades de urgência e emergência. Não poucas vezes o único motivo da consulta é a “falta de ar ou a piora da falta de ar ao esforço”. Comumente as primeiras patologias a serem pensadas são as de origem cardiológica (insuficiência cardíaca descompensada, congestão pulmonar, edema agudo de pulmão etc.) ou infecciosa (pneumonias virais ou bacterianas). Entretanto, dispneia ao esforço também é um sintoma frequente de hipertensão pulmonar e ainda pode ser uma complicação fatal de uma série de patologias clínicas e/ou cirúrgicas de pacientes de unidades de terapia intensiva. Assim, a suspeita e abordagem diagnóstica de hipertensão pulmonar, assim como o tratamento oportuno e adequado, devem fazer parte da abordagem de toda dispneia.

Definição. A Pressão Média da Artéria Pulmonar (PMAP) em repouso, é o melhor parâmetro de referência usado desde o 1º Simpósio Mundial de Hipertensão Pulmonar (WSPH de 1973) para definir Hipertensão Pulmonar (HP) e seu valor em repouso é aproximadamente de 14 ± 3 mmHg com limite superior de aproximadamente 20 mmHg. A hipertensão pulmonar (HP), classicamente era definida como uma pressão arterial pulmonar média (PMAP) superior a 25 mm Hg em repouso ou superior a 30 mm Hg durante o exercício, frequentemente caracterizada por um aumento progressivo e sustentado da resistência vascular pulmonar (RVP) que eventualmente pode levar à insuficiência ventricular direita (IVD). Entretanto como visto acima, a mais recente Diretriz da European Society of Cardiology/European Respiratory Society (ESC/ERS) para o diagnóstico e tratamento da hipertensão pulmonar agora a define apenas pelo valor da pressão arterial pulmonar média (PMAP) > 20 mm Hg em repouso, endossando a proposta da 6º Simpósio Mundial de Hipertensão Pulmonar (WSPH 2019)[4]. Isso porque estudos mais recentes já sugeriam que níveis menores de 25 mmHg já estão associados ao pior prognóstico[5]. O 4º Simpósio Mundial de Hipertensão Pulmonar (WSPH 2008) já recomendava abandonar o critério de 30 mmHg durante o exercício. As diretrizes americanas de hipertensão pulmonar (ACCF/AHA de 2009) ainda não foram atualizadas[6].

Apesar de não ser parte das diretrizes de maior referência, a classificação da severidade da HP, sempre foi baseada no valor da PMAP: leve: 20 a 24 mmHg; leve a moderada: 25 a 35; moderada: 35 a 45 mmHg e severa > 45 mmHg (ou 24 – 34; 35 – 45; >45 mmHg)[7] [8] [9]. Literatura antiga (Rappaport, 2000) refere também o uso do valor da PSAP de 30 mmHg como substituto da PMAP para a definição de HP[10]. Em 2004, Chemla e col., publicaram uma formula que correlacionava a pressão média da artéria pulmonar (PMAP) com a pressão sistólica da artéria pulmonar (PSAP): PMAP = 0.61 x PSAP + 2 mmHg[11]. Assim tem sido muito comum o uso da medida da PSAP pelo exame de ecocardiografia para estimar o grau de severidade da HP em alguns estudos (PSAP:30–50, 50–70, >70 mmHg ou 40-50, 51-60, > 60 ou 65)[12] [13].

Definições hemodinâmicas de Hipertensão Pulmonar. De acordo com as atuais diretrizes, as definições para HP são baseadas na avaliação hemodinâmica por cateterismo cardíaco direito (CCD). Embora a hemodinâmica represente o elemento central de caracterização da HP, o diagnóstico final e a classificação devem refletir todo o contexto clínico e considerar os resultados de todas as investigações (Tabela 1).

Sabe-se que o edema intersticial pulmonar é consequência do aumento da pressão hidrostática que pode ocorrer a nível pré-capilar, capilar e pós-capilar, dependendo da patologia de base que originou esse tipo ou tipos de hipertensão. Assim, a Pressão de Oclusão da Artéria Pulmonar (POAP) obtida após a insuflação do balonete do Cateter de Artéria Pulmonar (CAP) dentro um ramo arterial pulmonar, ocluindo-o, reflete a pressão do lado venoso pulmonar, e indiretamente as pressões das câmaras esquerdas do coração (Fig. 1 e 2).


 

Fig.1. Circulação pré-capilar, capilar e pós-capilar pulmonar.

 

Fig.2 Hipertensão Pulmonar

 

HP Pré-capilar. As diretrizes enfatizam ser essencial incluir a Resistência Vascular Pulmonar (RVP) e a pressão de oclusão da artéria pulmonar (POAP) na definição de HP pré-capilar, a fim de discriminar pressão da artéria pulmonar (PAP) elevada por doença vascular pulmonar (DVP) daquela associada a doença cardíaca esquerda (DCE), a fluxo sanguíneo pulmonar elevado ou a aumento da pressão intratorácica. Com base nos dados disponíveis, o limite superior de RVP normal e o limiar mais baixo de RVP de prognóstico relevante é de 2 Unidades Woods [(UW) - 1 Unidade Wood = 80 dynas.s.cm-5)]. A resistência vascular pulmonar depende da área de superfície corporal e da idade, sendo que os idosos saudáveis ​​apresentam valores mais elevados. Os dados disponíveis sobre o melhor limiar para a POAP discriminando HP pré e pós-capilar são contraditórios. Embora o limite superior da POAP normalmente seja considerado em 12 mmHg, as diretrizes anteriores da ESC/ERS para o diagnóstico e tratamento da HP, bem como a recente recomendação consensual da ESC/Heart Failure Association, sugerem um limiar mais elevado (POAP) ≥15 mmHg) para o diagnóstico invasivo de insuficiência cardíaca (IC) com fração de ejeção preservada (ICFEP). Além disso, quase todos os estudos terapêuticos de HAP utilizaram o limiar de POAP ≤15 mmHg. Portanto, recomenda-se manter POAP ≤15 mmHg como limiar para HP pré-capilar, embora reconhecendo que qualquer limiar de POAP é arbitrário e que o fenótipo do paciente, fatores de risco e achados ecocardiográficos, incluindo volume do átrio esquerdo (AE), precisam ser considerados ao distinguir HP pré e pós-capilar.

Pacientes com HAP caracterizam-se hemodinamicamente por HP pré-capilar na ausência de outras causas de HP pré-capilar, como HPTEC e HP associada a doenças pulmonares. Todos os grupos podem incluir componentes pré e pós-capilares que contribuem para a elevação da PAP. Em particular, pacientes idosos podem apresentar várias condições que os predispõem à HP. A classificação primária deve ser baseada na suposta causa predominante do aumento da pressão pulmonar.

HP pós-capilar. É definida hemodinamicamente como PAMP > 20 mmHg e POAP > 15 mmHg. A resistência vascular pulmonar é usada para diferenciar entre pacientes com HP pós-capilar que têm um componente pré-capilar significativo (RVP > 2 UW – HP pós e pré-capilar combinada [HPpcC]) e aqueles que não têm (RVP ≤ 2 UW —HP pós-capilar isolada [HPpcI]).

HP não classificada. Há pacientes PMAP elevada (>20 mmHg), mas com baixa RVP (≤2 UW) e baixa POAP (≤15 mmHg). Esses pacientes são frequentemente caracterizados por fluxo sanguíneo pulmonar elevado e, apesar de apresentarem HP, não preenchem os critérios de HP pré ou pós-capilar. Esta condição hemodinâmica pode ser descrita pelo termo “HP não classificada”. Pacientes com HP não classificada podem apresentar doença cardíaca congênita (DCC), doença hepática, doença das vias aéreas, doença pulmonar ou hipertireoidismo, explicando a elevação da PMAP. O acompanhamento clínico desses pacientes é geralmente recomendado. No caso de fluxo sanguíneo pulmonar elevado, sua etiologia deve ser explorada. Como os grupos de HP de acordo com a classificação clínica representam diferentes condições clínicas, pode haver limiares hemodinâmicos adicionais clinicamente relevantes (por exemplo, para RVP) para os grupos individuais de HP, além dos limiares gerais da definição hemodinâmica de HP.

HP de exercício. É definida por uma relação PMAP/débito cardíaco (DC) >3 mmHg/L/min entre repouso e exercício. A razão PMAP/DC é fortemente dependente da idade e seu limite superior da normalidade varia de 1,6–3,3 mmHg/L/min na posição supina. Uma razão PMAP/DC >3 mmHg/L/min não é fisiológica em indivíduos com idade <60 anos e pode raramente estar presente em indivíduos saudáveis ​​com idade >60 anos. Um aumento patológico da pressão pulmonar durante o exercício está associado a um prognóstico prejudicado em pacientes com dispneia ao exercício e em várias condições cardiovasculares. Embora uma razão PMAP/DC aumentada defina uma resposta hemodinâmica anormal ao exercício, ela não permite a diferenciação entre causas pré e pós-capilares. A razão POAP/DC com um limiar >2 mmHg/L/min pode diferenciar melhor entre causas pré e pós-capilares de HP de exercício.

TABELA 1.  Definições hemodinâmicas de hipertensão pulmonar

 

DEFINIÇÕES

CARATERÍSTICAS HEMODINÃMICAS

HP

PMAP > 20 mmHg

HP Pré-capilar

PMAP > 20 mmHg

POAP ≤ 15 mmHg

RVP > 2 UW (1 Unidade Wood = 80 dynas.s.cm-5)

HPpcI

PMAP > 20 mmHg

POAP > 15 mmHg

RVP ≤ 2 UW (1 Unidade Wood = 80 dynas.s.cm-5)

HPpcC

PMAP > 20 mmHg

POAP > 15 mmHg

RVP > 2 UW (1 Unidade Wood = 80 dynas.s.cm-5)

HP do Exercício

Razão PMAP/DC entre repouso e exercício >3 mmHg/L/min

DC: débito cardíaco; HPpcC: hipertensão pulmonar pós e pré-capilar combinada; HPpcI: hipertensão pulmonar pós-capilar isolada; PMAP:  pressão média da artéria pulmonar; POAP: pressão de oclusão da artéria pulmonar; HP: hipertensão pulmonar; RVP: resistência vascular pulmonar; UW, unidades wood. Alguns pacientes apresentam PMAP elevada (>20 mmHg), mas RVP baixa (≤2 WU) e POAP baixa (≤15 mmHg): esta condição hemodinâmica pode ser descrita pelo termo “HP não classificada”.

 

Classificação Clínica da HP. Abrange 5 Grupos (Fig.3):

 

Grupo 1 - Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP)

Grupo 2 - Hipertensão pulmonar associada a doença cardíaca esquerda (DCE)

Grupo 3 - Hipertensão pulmonar associada a doenças pulmonares e/ou hipóxia

Grupo 4 - Hipertensão pulmonar associada com obstrução da artéria pulmonar

Grupo 5- Hipertensão pulmonar com etiologias obscuras ou multifatoriais, incluindo distúrbios hematológicos (p. doença, distúrbios da tireoide) e condições diversas (por exemplo, obstrução tumoral, fibrose mediastinal, insuficiência renal crônica em diálise).

 

Fig. 3 Classificação Clínica da Hipertensão Pulmonar

 

Globalmente, a DCE é a principal causa de HP. A doença pulmonar, especialmente a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), é a segunda causa mais comum.

No caso específico da HAP (Grupo 1), o principal mecanismo fisiopatológico é o aumento da RVP. Isto é tipicamente devido à vasoconstrição, remodelação e trombose das pequenas artérias e arteríolas pulmonares.  Na patologia, os pacientes com HAP apresentam hiperplasia e hipertrofia da íntima, média e adventícia da vasculatura arterial pulmonar. No nível molecular, isso está relacionado à disfunção endotelial, que leva à proliferação desorganizada das células endoteliais, diminuição da produção de vasodilatadores, como prostaciclina e óxido nítrico, e superexpressão de vasoconstritores, como a endotelina. Esses mecanismos fisiopatológicos são particularmente importantes, pois orientam os alvos terapêuticos das farmacoterapias para a HAP avançada.

 

III. PAPEL DA ECOCARDIOGRAFIA NO DIAGNÓSTICO DE HP E DA HAP

Segundo as Diretrizes publicadas, independente da etiologia subjacente, a HP leva à sobrecarga e disfunção da pressão do VD, que pode ser detectada pela ecocardiografia. Quando realizada com precisão, a ecocardiografia fornece informações abrangentes sobre a morfologia do coração direito e esquerdo, função do VD e VE e anormalidades valvares, além de fornecer estimativas dos parâmetros hemodinâmicos. A ecocardiografia também é uma ferramenta valiosa para detectar a causa da HP suspeita ou confirmada, particularmente no que diz respeito à HP associada a doença cardíaca esquerda (DCE) ou a doença cardíaca congênita (DCC). No entanto, a ecocardiografia por si só é insuficiente para confirmar o diagnóstico de HP, que requer cateterização cardíaca direita.

Dada a natureza heterogênea da HP e a geometria peculiar do VD, não há um único parâmetro ecocardiográfico que informe de forma confiável sobre o estado da HP e a etiologia subjacente. Portanto, uma avaliação ecocardiográfica abrangente para suspeita de HP inclui estimar a pressão arterial pulmonar sistólica (PSAP) e detectar sinais adicionais sugestivos de HP, com o objetivo de atribuir um nível ecocardiográfico de probabilidade de HP. Os achados ecocardiográficos de HP, incluindo estimativa de pressão e sinais de sobrecarga e/ou disfunção do VD, estão resumidos na figura abaixo

As estimativas da PSAP são baseadas no pico da velocidade de regurgitação tricúspide (VRT) e no gradiente de pressão de regurgitação tricúspide (GPRT) derivado da VRT – após excluir a estenose pulmonar, levando em consideração estimativas não invasivas da pressão do átrio direito (PAD). Considerando as imprecisões na estimativa da PAD e a amplificação dos erros de medida por meio de variáveis ​​derivadas, essas diretrizes recomendam usar apenas o pico da VRT (e não a PSAP estimada) como variável-chave para atribuição da probabilidade ecocardiográfica de HP. Um pico de VRT > 2,8 m/s pode sugerir HP; no entanto, a presença ou ausência de HP não pode ser determinada de forma confiável apenas pelo pico da VRT. A redução do limiar de VRT em vista da definição hemodinâmica revisada de HP não é suportada pelos dados disponíveis. A velocidade da regurgitação tricúspide (RT) pode subestimar (por exemplo, em pacientes com severo RT) ou superestimar (por exemplo, em pacientes com débito cardíaco elevado em pacientes com doença hepática ou anemia de células falciformes, interpretação errônea do artefato de fechamento da válvula tricúspide para o jato de RT, ou atribuição incorreta de um pico de VRT no caso de artefatos de limite de velocidade máxima) gradientes de pressão. Assim, variáveis ​​adicionais relacionadas à morfologia e função do VD são utilizadas para definir a probabilidade ecocardiográfica de HP, que pode então ser determinada como baixa, intermediária ou alta. Quando interpretada em um contexto clínico, essa probabilidade pode ser usada para decidir a necessidade de investigação adicional, incluindo cateterismo cardíaco em pacientes individuais.

As medidas ecocardiográficas da função do VD incluem a excursão sistólica do plano anular tricúspide (TAPSE), alteração da área fracionada do VD (VD-FAC), tensão da parede livre do VD e velocidade do anel tricúspide (onda S') derivada da imagem do doppler tecidual e potencialmente a fração de ejeção do VD (FEVD) derivada da ecocardiografia 3D. Além disso, a relação TAPSE/PSAP - representando uma medida não invasiva do acoplamento VD-AP - pode auxiliar no diagnóstico de HP. O padrão de fluxo sanguíneo da via de saída do VD (VSVD) ('notching' meso-sistólico) pode sugerir HP pré-capilar.

Para separar a HP do grupo 2 de outras formas de HP, e para avaliar a probabilidade de disfunção diastólica do ventrículo esquerdo (VE), o tamanho do AE e os sinais de hipertrofia do VE devem sempre ser medidos e os sinais ecocardiográficos doppler (por exemplo, relação E/A, E /E′) deve ser avaliado mesmo que a confiabilidade deste último seja considerada baixa. Para identificar a doença cardíaca congênita, o doppler 2D e os exames de contraste são úteis, mas a ecocardiografia transesofágica com contraste ou outras técnicas de imagem (por exemplo, tomografia computadorizada, angiografia, ressonância magnética cardíaca) são necessários em alguns casos para detectar ou excluir defeitos do seio venoso ou do septo atrial, forame oval patente e/ou anomalias do retorno venoso pulmonar. O valor clínico da ecocardiografia doppler de exercício na identificação da HP de exercício permanece incerto devido à falta de critérios validados e dados confirmatórios prospectivos. Na maioria dos casos, o aumento da PSAP durante o exercício é causado por disfunção diastólica do VE.

Para o diagnóstico ecocardiográfico específico de Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP) as diretrizes assim se posicionam:

A ecocardiografia é uma modalidade de imagem amplamente disponível e prontamente realizada à beira do leito do paciente. É fundamental que uma avaliação ecocardiográfica de alta qualidade por especialistas em HP seja realizada para reduzir a variabilidade intra e Inter observador. É importante notar que a PSAP estimada em repouso não é prognóstica e irrelevante para a tomada de decisão terapêutica. Um aumento na PSAP não reflete necessariamente a progressão da doença e uma diminuição na PSAP, não reflete necessariamente uma melhora.

Apesar da geometria complexa do coração direito, os substitutos ecocardiográficos das dimensões verdadeiras do coração direito, que incluem uma descrição das áreas do VD e do AD, e o índice de excentricidade do VE, fornecem informações clínicas úteis na HAP. A disfunção ventricular direita pode ser avaliada medindo-se a alteração da área fracionada (VD-FAC), TAPSE, Doppler tecidual e registro de deformação miocárdica de rastreamento de speckle 2D do movimento da parede livre do VD, todos os quais representam índices isovolumétricos e de fase de ejeção de falha da bomba do VD induzida por carga. A justificativa para as medidas relatadas é forte, pois as métricas da função sistólica do VD avaliam a adaptação da contratilidade do VD ao aumento da pós-carga, e o aumento da dimensão do coração direito e a dilatação da veia cava inferior refletem a falha desse mecanismo, portanto, a má adaptação. O derrame pericárdico e a graduação da regurgitação tricúspide (RT) exploram ainda mais a sobrecarga do VD e são de relevância prognóstica nesses pacientes. Todas essas variáveis ​​são fisiologicamente interdependentes e sua combinação fornece informações prognósticas adicionais em medições únicas.

A ecocardiografia também permite a medição de parâmetros combinados, como a relação TAPSE/PSAP, que está intimamente ligada ao acoplamento VD-AP e prediz o resultado. As medidas ecocardiográficas dos tamanhos do VD e do AD combinadas com o índice de excentricidade do VE são cruciais para avaliar a remodelação reversa do VD como um marcador emergente da eficácia do tratamento. A ecocardiografia tridimensional pode obter uma estimativa melhor do que a avaliação 2D padrão, mas foram relatadas subestimações de volumes e fração de ejeção, e questões técnicas ainda não foram resolvidas (Tabela 2, Fig. 4, 5, 6 e 7).

 


Fig. 4. Parâmetros ecocardiográficos transtorácicos na avaliação da hipertensão pulmonar. Ao: aorta; VCI: veia cava inferior; LA: átrio esquerdo; VE: ventrículo esquerdo; HP: hipertensão pulmonar; AD: átrio direito; RAP: pressão atrial direita; VD: ventrículo direito; RVOT AT: tempo de aceleração da via de saída do ventrículo direito; sPAP: pressão sistólica da artéria pulmonar; TAPSE: excursão sistólica do plano anular tricúspide; TR: regurgitação tricúspide; TRV, velocidade de regurgitação tricúspide.  ªRefere-se ao colapso na inspiração.

 

TABELA 2

 

Sinais ecocardiográficos adicionais sugestivos de Hipertensão Pulmonarª

 

A: Ventrículos

B: Artéria Pulmonar

C: VCI e AD

Razão diâmetro basal/área do VD/VE >1.0

TA VSVD <105 ms e/ou 'notching' meso-sistólico

Diâmetro da VCI >21 mm com redução do colapso inspiratório (<50% com um “sniff” ou <20% com respiração tranquila)

Achatamento do septo interventricular (IEVE > 1,1 na sístole e/ou diástole)

Velocidade de regurgitação pulmonar diastólica precoce > 2,2 m/s

Área do AD (final da sístole) > 18 cm²

Razão TAPSE/PSAP <0.55 mm/mmHg

Diâmetro da AP >RA
Diâmetro da AP >25 mm

 

RA: Raiz da Aorta; VCI: Veia Cava Inferior; VE: Ventrículo Esquerdo; IEVE: Índice de Excentricidade do Ventrículo Esquerdo; AP: Artéria Pulmonar; AD: Átrio Direito; VD: Ventrículo Direito; TA VSVD: Tempo de Aceleração da Via de Saída do Ventrículo Direito; PSAP: Pressão Sistólica da Artéria Pulmonar; TAPSE: Excursão Sistólica do Plano do Anel Tricúspide; VRT: Velocidade de Regurgitação Tricúspide. a: Sinais que contribuem para avaliar a probabilidade de HP além da VRT (ver Figura 5). Sinais de pelo menos duas categorias (A/B/C) devem estar presentes para alterar o nível de probabilidade ecocardiográfica de HP.

 

 

Figura 5. Probabilidade ecocardiográfica de hipertensão pulmonar e recomendações para avaliação adicional.

CPET: teste de esforço cardiopulmonar; CTPEH: hipertensão pulmonar tromboembólica crônica; echo: ecocardiografia; LHD: doença cardíaca esquerda; N: não; PAH: hipertensão arterial pulmonar; PH: hipertensão pulmonar; RHC: cateterismo cardíaco direito; TRV: velocidade de regurgitação tricúspide; Y: Sim. a: Ou imensurável. O limiar de TRV de 2,8 m/s não foi alterado de acordo com a definição hemodinâmica atualizada de PH. b: Os sinais de pelo menos duas categorias da Tabela 10 (A/B/C) devem estar presentes para alterar o nível de probabilidade ecocardiográfica de HP. c: Testes adicionais podem ser necessários (por exemplo, imagem, CPET). d: A RHC deve ser realizada se informações úteis/consequência terapêutica forem antecipadas (por exemplo, suspeita de PAH ou CTPEH), e pode não ser indicada em pacientes sem fatores de risco ou condições associadas para HAP ou HPTEC (por exemplo, quando PH leve e LHD predominante ou doença pulmonar estão presentes).

 


 Fig 6. Velocidade de Refluxo Tricúspide (TRV).
https://blog.escolaecope.com.br/como-calcular-a-psap-na-ausencia-de-refluxo-tricuspide/



Fig. 7. Pressão Sistólica da Artéria Pulmonar (PSAP).
https://blog.escolaecope.com.br/como-calcular-a-psap-na-ausencia-de-refluxo-tricuspide/



[1] 2022 ESC/ERS Guidelines for the diagnosis and treatment of pulmonary hypertension

Marc Humbert, Gabor Kovacs, Marius M. Hoeper, Roberto Badagliacca, Rolf M.F. Berger, Margarita Brida, Jørn Carlsen, Andrew J.S. Coats, Pilar Escribano-Subias, Pisana Ferrari, Diogenes S. Ferreira, Hossein Ardeschir Ghofrani, George Giannakoulas, David G. Kiely, Eckhard Mayer, Gergely Meszaros, Blin Nagavci, Karen M. Olsson, Joanna Pepke-Zaba, Jennifer K. Quint, Göran Rådegran, Gerald Simonneau, Olivier Sitbon, Thomy Tonia, Mark Toshner, Jean-Luc Vachiery, Anton Vonk Noordegraaf, Marion Delcroix, Stephan Rosenkranz, the ESC/ERS Scientific Document Group. European Respiratory Journal Jan 2022, 2200879; DOI: 10.1183/13993003.00879-2022. Acessível em: https://erj.ersjournals.com/content/early/2022/08/25/13993003.00879-2022.long

[2] https://www.acc.org/Latest-in-Cardiology/ten-points-to-remember/2022/08/30/19/11/2022-ESC-Guidelines-for-Pulmonary-Hypertension-ESC-2022

[3] reference.medscape.com/viewarticle/979884

[4]  6st World Symposium on Pulmonary Hypertension (WSPH). Haemodynamic definitions and updated clinical classification of pulmonary hypertension. Gérald Simonneau, David Montani, David S. Celermajer, Christopher P. Denton, Michael A. Gatzoulis, Michael Krowka, Paul G. Williams, Rogerio Souza. European Respiratory Journal Jan 2019, 53 (1) 1801913; DOI: 10.1183/13993003.01913-2018

[5] Maron BA, Hess E, Maddox TM, Opotowsky AR, Tedford RJ, Lahm T, et al. Association of Borderline Pulmonary Hypertension with Mortality and Hospitalization in a Large Patient Cohort: Insights from the Veterans Affairs Clinical Assessment, Reporting, and Tracking Program. Circulation. 2016;133(13):1240-8. doi: 10.1161/CIRCULATIONAHA.115.020207.

[6] ACCF/AHA 2009 Expert Consensus Document on Pulmonary Hypertension.

A Report of the American College of Cardiology Foundation Task Force on Expert Consensus Documents and the American Heart Association: Developed in Collaboration With the American College of Chest Physicians, American Thoracic Society, Inc., and the Pulmonary Hypertension Association

Writing Committee Members, Vallerie V. McLaughlin, Stephen L. Archer, David B. Badesch, Robyn J. Barst, Harrison W. Farber, Jonathan R. Lindner, Michael A. Mathier, Michael D. McGoon, Myung H. Park, Robert S. Rosenson, Lewis J. Rubin, Victor F. Tapson and John Varga. Originally published 30 Mar 2009https://doi.org/10.1161/CIRCULATIONAHA.109.192230Circulation. 2009;119:2250–2294

[7] Chemla D, Castelain V, Herve P, et al. Hemodynamic evaluation of pulmonary hypertension. Eur Respir J 2002;20:1314–31.

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[13] https://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/5845/hipertensao_pulmonar.htm

Um comentário:

  1. - Boa tarde Dr Alejandro. Falo em nome de Nivaldo Alexo, meu cunhado, paciente salvo pelo senhor há 6 anos de uma SARA na Santa Casa de SJCampos. Ele gostaria de agradecê-lo pelos cuidados que teve quando hospitalizado. Se puder entrar em contato, agradeço, Vera - Email nivaldoalexosilva13gemais.com

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