DECANULAÇÃO.
REVISÃO DE ESCOPO
Autores: BARBA RODAS, Alejandro
Enrique[1];
GOMES FARIA, Mariana[2];
CRISTINA CATARINO, Débora[3];
SUANNES CARVALHO, Fabiana Segato[4];
DE LIMA FARIA, Selma[5].
1. INTRODUÇÃO
“Traqueostomia” é a comunicação
criada entre o espaço aéreo externo e a luz da traqueia através dos tecidos
moles do pescoço. “Traqueotomia” refere-se ao procedimento cirúrgico para gerar
essa comunicação, o qual é feito através de uma incisão na traqueia para
permitir o acesso direto a esta estrutura tubular anatômica. O orifício de
comunicação denomina-se “estoma” ou “traqueostoma”. Traqueostomia normalmente é
feita para manter as vias aéreas desobstruídas, fornecer ventilação e remover
secreções por aspiração, conforme necessário. As traqueostomias podem ser
temporárias ou permanentes; de curto ou de longo prazo (longa duração). Na
traqueostomia temporária, usualmente se usa uma cânula introduzida pelo estoma
para manter a comunicação, que permanece por alguns dias a algumas semanas e
finalmente é removida (decanulação) após não haver mais indicação. Após remoção
da cânula, o estoma deve fechar espontaneamente. Uma traqueostomia é chamada de
“permanente”, quando for realizada cirurgicamente com essa intenção ou quando
não fecha espontaneamente após decanulação devido a lesão irreversível da
arquitetura laríngea ou dos nervos laríngeos recorrentes bilaterais que tornam
a laringe inadequada para respirar através da entrada laríngea. A traqueostomia
permanente envolve a remoção de todos os tecidos entre a traqueia e a pele,
estabelecendo assim uma junção muco cutânea permanente, circunferencial e
apertada. A traqueostomia “de longo prazo (TLP)” se refere à manutenção
prolongada de um estoma com cânula ou autossustentável sem cânula. Esses
estomas são indicados para tratamentos de câncer no pescoço. Traqueostomias de
longo prazo/permanentes são usadas quando a condição subjacente é crônica,
permanente ou progressiva, incluindo carcinoma da naso-orofaringe ou da laringe,
suporte ventilatório crônico ou proteção das vias aéreas a longo prazo. Seguindo
a mesma linha do conceito de intubação traqueal (colocar um tubo dentro da
traqueia) a “canulação traqueal” seria a passagem de uma cânula através do
estoma da traqueostomia criado cirurgicamente. Portanto, poderemos ter traqueostomia
com ou sem canulação. Ainda, após a retirada de uma cânula, o estoma poderia
também não fechar, mantendo uma traqueostomia de longa duração mesmo sem cânula[6]
[7].
Apesar da diferença conceitual, traqueostomia e traqueostoma são usados muitas
vezes como sinônimos.
A traqueostomia auxilia o suporte
ventilatório invasivo prolongado em pacientes críticos, facilita a alta precoce
da UTI e reduz a mortalidade associada à ventilação mecânica (VM)[8].
É realizada em cerca de 20% dos pacientes que se encontram em ventilação
mecânica na unidade de terapia intensiva[9].
Pode ser realizada no centro cirúrgico ou à beira leito na UTI, mediante
técnica convencional ou por punção percutânea auxiliada por broncoscopia[10].
As indicações para colocação de cânula de traqueostomia incluem desmame difícil
da VM, insucesso na retirada da VM, incapacidade de proteger vias aéreas
inferiores, hipersecreção traqueobrônquica e obstrução de vias aéreas
superiores[11]. Está
indicada para aumentar o conforto e facilitar a retirada da VM[12],
reduzir o índice de complicações laringotraqueais provocadas pela longa
permanência do tubo orotraqueal[13],
e como via aérea segura em casos de obstrução de vias aéreas superiores.
Por outro lado, a traqueostomia
causa broncorreia, tosse excessiva e alterações no mecanismo de deglutição já
que dificulta a elevação da traqueia e fechamento da glote contra a epiglote[14]
[15],
aumentando o risco de broncoaspiração, infecções e sangramentos das vias aéreas
e dificultando a vocalização[16]
[17].
Segundo Moschetti, a VM e a traqueostomia são consideradas fatores de risco
para disfagia orofaríngea[18].
As alterações na deglutição podem ocorrer em decorrência de múltiplos
fatores no paciente traqueostomizado: pela presença da cânula, principalmente
com o cuff insuflado, reduzindo a movimentação normal da laringe[19];
atrofia por desuso da musculatura laríngea; inabilidade de gerar pressão aérea
subglótica e dessensibilização laríngea e de pregas vocais, com redução do
reflexo de tosse. Estes fatores comprometem a dinâmica da deglutição, o que
favorece a aspiração laríngea, sendo a aspiração silente mais predominante[20]
[21].
A literatura aponta que pacientes traqueostomizados podem apresentar risco de
aspiração do conteúdo colonizado da orofaringe em decorrência de dificuldade da
mobilização das secreções[22].
As complicações precoces mais comuns são pneumotórax, pneumomediatino, enfisema
subcutâneo, hemorragias, aerofagias e saída da cânula. As complicações tardias
são diagnosticadas em 65% dos pacientes, sendo o granuloma a mais frequente,
seguido de lesões com grande morbimortalidade como malácia, estenose, fístulas
vasculares e esofágicas[23]
[24]
[25].
Portanto, remover a cânula traqueal é um passo fundamental na reabilitação do
paciente crítico[26]. Esse
processo de retirada se denomina decanulação.
Visando minimizar as desvantagens
da cânula de traqueostomia, a sua retirada deve ocorrer o mais precocemente possível,
uma vez que pacientes decanulados na UTI têm menor mortalidade comparada aos
doentes que têm alta para a enfermaria ainda traqueostomizados[27].
As razões que levaram à indicação
de uma traqueostomia precisam ser consideradas antes de se iniciar o processo
de desmame.
Alguns estudos propõem a
decanulação a partir do momento em que o paciente apresenta mecânica
respiratória adequada, sem necessidade de VM, sem obstrução de vias aéreas
superiores, secreções controladas e deglutição previamente avaliada[28].
Existem vários fatores que podem
dificultar a decanulação. Estudos na literatura comprovam que a musculatura
respiratória dos pacientes submetidos à VM prolongada sofre perda de força e resistência
por desuso, e que dependentes da VM apresentam maior predisposição à fadiga dos
músculos respiratórios, a padrão respiratório anormal, que, associados, levam à
falência respiratória, podendo dificultar a retirada da VM. A perda de força e
resistência da musculatura respiratória pode dificultar, ou até mesmo impedir,
o processo de decanulação[29]
[30].
Segundo Kent, a decanulação
requer muita cautela, principalmente se o período de uso da traqueostomia tiver
sido prolongado, necessitando de atenção multiprofissional[31].
A traqueostomia apresenta
diversas vantagens em comparação ao tubo orotraqueal, incluindo menor tempo no
desmame da VM, menor resistência ao fluxo aéreo, menor espaço morto, menor
movimentação dentro da traquéia, maior conforto do paciente e deglutição mais
eficiente. No entanto, estudos recentes mostram que a traqueostomia prolongada
pode favorecer o aparecimento tardio de complicações, incluindo estenose
traqueal, sangramento, fístulas, infecções, hemorragias e broncoaspiração. Além
disso, a mortalidade é maior para pacientes que recebem alta da unidade de
terapia intensiva (UTI) para a enfermaria ainda traqueostomizados[32]
[33]
[34].
2. DEFINIÇÃO
Processo
através do qual a cânula de traqueostomia é retirada[35]. A decisão de quando iniciar este processo
é um trabalho de equipe multidisciplinar (médico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo
e enfermeira), visando minimizar todo e qualquer fator preditivo de insucesso[36].
Até
o momento não existem diretrizes ou guidelines sobre decanulação como existem
para intubação e retirada da ventilação mecânica. Entretanto, há um número significativo
de estudos e revisões sistemáticas publicadas, avaliando protocolos, critérios
e fatores preditivos de sucesso ou insucesso de decanulação.
3. REVISÃO DA LITERATURA
Rumbak M.J. et. al. em 1997, publicaram um estudo prospectivo em que demonstram que o teste de oclusão da cânula de traqueostomia prediz obstrução clinicamente importante ao fluxo de ar em pacientes que necessitaram de ventilação mecânica prolongada (pelo menos 4 semanas), tornando desnecessária a broncoscopia de rotina, como vinha se preconizando[37]. Nesse estudo os critérios clínicos para decanulação adotados foram[38]:
- Ventilação minuto de < 10 L/min;
- Frequência respiratória em repouso de < 18 respirações/min; e
- Saturação arterial de oxigênio > 90% com oxigenioterapia usando máscara de traqueostomia (trach collar mask) com 40% de FiO2.
Em contrapartida um estudo
posterior de Rodrigues L.B. et.al. (2015) mostrou benefício do uso da broncoscopia
flexível antes da decanulação para aumentar a segurança do procedimento visto
que lesões prevalentes nas pregas vocais da laringe e o granuloma na traqueia, poderiam
contraindicar a decanulação mesmo estando presentes critérios clínicos de
aptidão. No entanto, ambos estudos usaram métodos diferentes relação à amostra,
aos critérios de inclusão, à cânula ser ocluída com grande diâmetro, a
diferença na descrição das lesões laringotraqueais, bem como a diferentes
diagnósticos de broncoscopia. Assim, não haveria forma de comparação[39].
Kent L. Christopher em 2005[40], publica uma clássica revisão sobre decanulação. Aconselha que se considere iniciar o processo a decanulação quando a causa da obstrução das vias aéreas superiores já tenha sido resolvida e as secreções das vias aéreas sejam adequadamente eliminadas pelo paciente traqueostomizado. Como preditores adicionais de sucesso inclui a capacidade de produzir tosse eficaz e ausência de broncoaspiração. Refere que pode ser útil verificar se há reflexo de vômito antes de decanulação, mas ressalta que até 20% dos indivíduos normais podem não ter reflexo de vômito e, portanto, a ausência desse reflexo não seria preditor de deglutição anormal. Segundo o autor, uma avaliação formal da deglutição deveria ser considerada, particularmente em pacientes com traqueostomia prolongada ou naqueles com alto risco de broncoaspiração[41]. Destaca que o processo de decanulação vai ser diferente a depender da causa que levou a realizar uma traqueostomia. Uma obstrução aguda de via aérea superior (aspiração de corpo estranho, angioedema, epiglotite, trauma, etc.) poderá necessitar de uma broncoscopia previa para verificar se a obstrução foi substancialmente resolvida. Da mesma forma os casos de traqueostomia prolongada, para descartar alguma lesão obstrutiva. Uma traqueostomia por disfunção psicogênica de cordas vocais pode levar a falha de decanulação, e pacientes submetidos a ventilação mecânica prolongada e/ou portadores de doenças crônicas podem ter falha de decanulação devido a disfunção da musculatura respiratória ou distúrbios metabólicos pós decanulação. O estudo aborda o teste de oclusão com dedo enluvado da traqueostomia com cuff desinsuflado, como um procedimento prático à beira leito para avaliação de obstrução das vias aéreas superiores. Para realizar o teste o paciente deve estar adequadamente monitorizado, com no mínimo, oximetria de pulso. O procedimento deve ser explicado ao paciente. Após a desinsuflação completa do cuff da cânula de traqueostomia, com o dedo enluvado se oclui brevemente a abertura da cânula de traqueostomia e anota-se se o paciente está respirando através a boca e/ou nariz. Deve se observar sinais objetivos de dificuldade respiratória e estimular a fonação. Pacientes que não respiraram através das vias aéreas superiores por algumas semanas ou meses, é relativamente comum que tenham uma sensação de respiração diferente. Isso deve ser clinicamente distinguido de desconforto devido a obstrução real das vias aéreas superiores. A presença de estridor, de ausência ou mínima produção de sons respiratórios à ausculta sobre a parte superior do pescoço (acima da cânula), ausência de fluxo de ar pelo nariz ou pela boca, retrações supraclaviculares ou intercostais, respiração difícil, sudorese e fase inspiratória prolongada são sinais consistentes de potencial obstrução grave das vias aéreas superiores. Nesses casos, deve se retirar o dedo enluvado da cânula para permitir que o paciente possa retornar imediatamente a respirar através da cânula de traqueostomia, com oxigênio umidificado suplementar apropriado ou suporte ventilatório se necessário. Exame endoscópico (broncoscopia) deve ser solicitado para identificar o local da obstrução. Se não houver lesões presentes, considerar a possibilidade de a cânula ser muito grande para a traqueia, impedindo o fluxo adequado de ar ao redor da cânula para as vias aéreas superiores. A cânula de traqueostomia desvia o fluxo de ar das vias aéreas superiores para passar diretamente através do lúmen da cânula, o que faz perder o benefício fisiológico da respiração com lábios franzidos. As cordas vocais são contornadas e não há a “explosão laríngea” para facilitar a tosse eficaz. Além disso, a laringe é um importante regulador fisiológico de respiração. O fechamento parcial das cordas vocais mantém uma pressão subglótica referida como “PEEP fisiológica” (pressão positiva no final da expiração) e a perda dessa pressão pode provocar atelectasias. Mais importante ainda, os pacientes não conseguem falar, impedindo-lhe de participar dos seus cuidados por se tornar incapaz de se manifestar verbalmente, gerando sensação de isolamento, frustração, ansiedade e depressão. Apresenta ainda um protocolo de decanulação para pacientes já retirados da VM, mas que estiveram em ventilação mecânica prolongada (≥ 10 dias), adaptado do protocolo publicado por Ceriana et.al.[42], listando os seguintes critérios para iniciar a decanulação:
- Condição clínica estável indicada por fatores como:
- Estabilidade hemodinâmica;
- Ausência de febre, sepse ou infecção ativa;
- PaCO2 < 60 mmHg;
- Broncoscopia normal ou revelando lesões estenóticas ocupando < 30% das vias aéreas;
- Ausência de delirium ou distúrbios psiquiátricos;
- Deglutição adequada avaliada por reflexo de vômito, teste com corante azul (blue dye test) e vídeofluoroscopia;
- Paciente capaz de expectorar;
- Pressão expiratória máxima (PEmax) ≥ 40 cmH2O.
Se todos os critérios estiverem
presentes, a cânula de traqueostomia seria descalonada para uma de tamanho
menor com diâmetro interno de ≤ 6 mm. O paciente era decanulado após
4 dias se a gasometria arterial apresentava pH > 7,35 com aumento <
5% da PaCO2. Certos pacientes poderiam ter não todos, mas a maioria dos
critérios considerados para decanulação da traqueostomia, com indicadores de
risco que os qualificariam para decanulação por um caminho alternativo no
protocolo. Os 2 indicadores de risco eram, o reflexo de tosse ineficaz e
capacidade de gerar apenas um pico de pressão expiratória máxima marginal,
entre 20 e 40 cmH2O. No caminho alternativo do protocolo se fazia o
descalonamento para uma cânula provisória Minitrach (Portex, Hythe, Reino
Unido) durante pelo menos uma semana. Essa cânula permite a aspiração periódica
de secreções. A Minitrach era removida quando o número de aspirações fosse 2
vezes por dia e o paciente fosse capaz de expectorar pela boca.
Mary E, Braine e Catherine Sweby, publicam uma revisão sistemática em 2006[43], na qual definem separadamente desmame e decanulação. Definem o desmame como o processo sequencial pelo qual o paciente passa da dependência de uma traqueostomia para um estado de independência, com via aérea superior pérvia e parâmetros respiratórios ótimos, com pouco ou nenhum suporte requerido. Definem decanulação como a remoção da cânula de traqueostomia, o que resulta na respiração através da via aérea superior. Referem que o processo de desmame pode ser dificultado por uma série de fatores como comprometimento das vias aéreas, secreções orais ou respiratórias excessivas, função ventilatória deficiente e tose ineficaz. Lista como sinais clínicos de desconforto respiratório durante o desmame da traqueostomia, um ou mais dos seguintes[44]:
- PaCO2 > 50 mmHg (6,5 kPa) ou um aumento > 10 mmHg (1,3 kPa);
- SaO2 < 90% ou PaO2 < 60 mmHg (7,8 kPa);
- pH do sangue arterial < 7,30;
- Frequência cardíaca > 120 batimentos por minuto;
- Pressão arterial sistólica > 180 mmHg ou < 90 mmHg;
- Frequência respiratória > 30 respirações por minuto;
- Sinais de desconforto clínico, por ex. sudorese, agitação e uso de musculatura acessória;
- Portanto, antes de iniciar o processo de desmame, valores basais desses parâmetros devem ser aferidos para poder avaliar eventuais mudanças.
Sobre testes preditores de
sucesso de desmame, citam Bach e Saporito (1994) que argumentaram que nem o
nível de capacidade vital (CV) nem o nível da disfunção muscular inspiratória deveriam
ser usadas como preditores de sucesso de decanulação[45].
Num estudo posterior publicado em 1996, esses mesmos autores apresentaram os resultados
de um estudo prospectivo de 4 variáveis (idade, tempo de VM pré traqueostomia,
capacidade vital e pico de fluxo de tosse), como preditores de sucesso de
decanulação em pacientes com insuficiência respiratória de etiologia predominantemente
neuromuscular descobrindo que apenas um pico de fluxo de tosse > 160
litros/minuto foi preditor de sucesso[46].
Talvez por serem pacientes neurocríticos, o nível de cooperação para realizar
as provas de função pulmonar tenha estado prejudicado. Defendem que devam se
monitorizados sinais de desconforto respiratório, especialmente com oximetria
de pulso e gasometria arterial.
Mary E, Braine e Catherine Sweby dividem
o processo de retirada da cânula de traqueotomia em 4 etapas:
Etapa 1: Avaliação inicial do
paciente: Quando iniciar o processo de desmame?
Quando a causa da traqueostomia foi resolvida ou poderia ser tratada com suporte não invasivo como BiPAP ou VNI. Nesta primeira etapa irá se decidir se se inicia o processo de desmame da cânula de traqueostomia ou se o paciente poderia ir para uma traqueostomia prolongada. Fatores a serem avaliados são:
- Estado do nível de consciência de acordo com a Escala de Coma de Glasgow (GCS);
- Reflexo de deglutição/vomito deficientes com risco potencial de broncoaspiração e;
- Eficácia da tosse
Escala de Glasgow como
preditor de sucesso, tem mais comprovação para extubação que para decanulação, apesar
que o nível de consciência reduzido não impedir a extubação[47]
[48]
[49].
Quanto ao reflexo da tosse, deve ser eficaz para expelir secreções
(expectorar) e proteger sua via aérea, apesar de que pacientes neurocríticos poderiam
ter seu reflexo comprometido mantendo sua capacidade de ventilação adequada,
podendo nesses casos prosseguirem com o processo de desmame[50]
[51]
[52]
[53]
[54].
Alguns estudos sugerem que o reflexo de vômito está ausente em até 20%
das pessoas saudáveis e que a presença de um reflexo de vômito não é garantia
de que o paciente não aspirará, porém, se a aspiração for aparente após a
desinsuflação do cuff provavelmente a decanulação será mais difícil[55].
Estudos tem mostrado controvérsias em relação ao papel protetor do cuff insuflado
contra aspiração. Alguns mostraram que a traqueostomia mesmo com cuff insuflado,
aumentou o risco de microaspiração devido à disfunção provocada na via aérea
superior (aumentando a incidência em 50 a 87%). Outros, mostraram redução das
taxas de aspiração quando o cuff foi desinsuflado e outros mostraram nenhuma
redução nas taxas de aspiração entre cânula com e sem cuff insuflado[56]
[57]
[58]
[59]
[60].
Salivação excessiva (sialorreia) pode ser causada pela própria
traqueostomia, e pode representar um problema durante e após o processo de
desmame pelo que deve ser manejada antes do desmame para reduzir o risco de
aspiração. O manejo da sialorreia pode ser feito com uso de medicamentos
antimuscarínicos, por ex. bromidrato de hioscina, glicopirrónio ou sulfato de
atropina. Outras opções de tratamento incluem a injeção de toxina botulínica
(tipo A) na região da glândula submandibular[61].
Etapa 2: Critérios para
desinsuflar o cuff: Quando desinsuflar o cuff?
Quando todos os seguintes critérios estiverem presentes:
- Paciente é capaz de eliminar as secreções orais e não há nenhuma evidência de excessiva babação/salivação;
- Paciente sem sinais de piora de infecção respiratória (piora da imagem da radiografia de tórax, temperatura elevada, leucocitose, aumento da produção de escarro purulento e frequência respiratória alterada);
- Paciente clinicamente estável, com sinais vitais dentro dos parâmetros estabelecidos e documentados pela equipe multidisciplinar.
Etapa 3: O processo de
“decufização” (decuffing process). Quais passos a seguir?
Desinsuflar o cuff não é apenas o ato de retirar o ar do balonete da cânula. Na verdade, seria um processo organizado e monitorizado denominado “decuffing process” que adaptado ao português poderia ser traduzido como “decufização”.
Avalia se o paciente consegue eliminar suas próprias secreções sem a proteção do cuff insuflado.
Avalia também se o nível de broncoaspiração que eventualmente pudesse ocorrer resulta em deterioração clínica.
Deve se anotar e registrar em impresso próprio, os parâmetros alvo de monitorização durante o processo de “decufização” assim como todas as ocorrências e manifestações do paciente (vide modelo de planilha abaixo).
Processo:
- Registrar os parâmetros basais antes da desinsuflação do cuff;
- Desinsuflar o cuff inicialmente por um período curto definido pela equipe ou pelo protocolo institucional. Exemplo, 5 a 10 minutos;
- Na ausência de sinais de desconforto, o período pode ser estendido de forma intermitente (intervalos cada vez maiores) visando atingir afinal, um período contínuo de pelo menos por 24 horas. Assim, um período de 24–48 horas de desinsuflação bem-sucedida, é um bom indicador para sucesso da decanulação, embora alguns pacientes possam necessitar de tempos individualizados[62]. A vigilância respiratória, no entanto, deve continuar pois a pneumonia por aspiração pode levar mais de 24 a 48 horas para se desenvolver;
- Se o paciente apresentar sinais de desconforto, não atingindo os parâmetros alvo pré-fixados, caracterizará falha ou fracasso de “decufização”. Nesse caso, o cuff deve ser reinsuflado e a equipe multidisciplinar deve analisar as razões do fracasso, implementando um plano de ação;
- Após implementar o plano de ação, resolvendo possíveis causas de falha ou fracasso, repetir o processo de “decufização” após um período definido pela equipe;
- Se o paciente falhar em uma segunda tentativa, deve ser reavaliado quanto à adequação da “decufização”e/ou a necessidade de encaminhamento para um especialista (por exemplo, um otorrinolaringologista ou fonoaudiólogo) para um plano de manejo individual;
- O uso precoce de uma válvula de fala unidirecional (por exemplo, válvula Passy-Muir) nesta etapa pode auxiliar o processo, conforme acordado pela equipe multidisciplinar;
- É importante reconhecer que alguns pacientes podem precisar de longos períodos de traqueotomia.
Modelo de Planilha de
Monitorização.
Nome do paciente:
Hospital nº. |
Parâmetros alvo |
Se os seguintes parâmetros não forem atingidos, o cuff deverá ser
reinsunflado imediatamente ou a tampa removida imediatamente (*), e a equipe
médica comunicada se persistência de sinais de dificuldade respiratória. Frequência respiratória < __________ Frequência cardíaca <
_______________ SaO2 > __________________ O paciente também deve permanecer calmo e orientado. Se o paciente
apresentar sinais de angústia e/ou desorientação, o cuff deverá ser
reinsunflado imediatamente ou a tampa removida imediatamente (*) e o paciente
tranquilizado. Se o paciente continuar a mostrar sinais de angústia/confusão,
entrar em contato com o membro apropriado da equipe médica. (*) Conforme a etapa do processo |
Planilha de monitorização |
Observar continuamente durante os primeiros 30 minutos, registrando a
cada 10 minutos e depois em intervalos apropriados (T1, T2, T3). |
Pré-desinsuflação do cuf/
< 5 min após desinsuflar o cuff/
T1 T2 T3
oclusão da cânula oclusão da cânula |
Frequência respiratória (FR) |
Frequência cardíaca (FC) |
SaO2 |
Necessidade de aspiração |
Ansiedade |
Indicação de reinsuflar o cuff ou de retirar a oclusão |
Etapa 4: Critérios para progredir para decanulação:
Quando decanular?
Quando todos os seguintes critérios estiverem presentes:
- A necessidade de traqueostomia para manter a via aérea pérvia e para eliminar secreções foi resolvida. Caso não resolvida, pode ser necessário encaminhamento ao otorrinolaringologista;
- A traqueostomia não é mais necessária para auxiliar a ventilação ou o suporte respiratório;
- Há adequada capacidade ventilatória/respiratória (avaliada se possível, por testes de função respiratória e de força muscular ventilatória), para manter/sustentar a função respiratória sem a cânula de traqueostomia. Fadiga muscular respiratória pode ser um fator causal de insuficiência respiratória tipo II[63];
- FiO2 fornecido com máscara de traqueostomia a <10 litros/minuto, com SaO2 mantida dentro parâmetros estabelecidos;
- Pacientes sem sinais de piora de infecção respiratória. Infecção respiratória pode ser um fator causal de insuficiência respiratória tipo II[64];
- Paciente clinicamente estável, com seus sinais vitais dentro dos parâmetros estabelecidos pela equipe multidisciplinar. Alteração dos sinais vitais pode indicar deterioração da condição do paciente.
Se todos os critérios forem
atendidos, o paciente pode prosseguir diretamente para o processo de
decanulação (etapa 6).
Se um ou mais dos critérios não
forem atendidos, o paciente precisará prosseguir para um plano individualizado de
desmame, conforme será discutido na etapa 5.
Etapa 5: Plano individualizado
de desmame
Esta etapa do processo de desmame
incorpora uma série de passos, cada um dependente das necessidades individuais
do paciente. Estes passos não necessariamente serão sempre sequenciais podendo
ser adaptados de forma individual de acordo com as caraterísticas de cada
paciente. O processo começa com o descalonamento da cânula de traqueostomia
para cânulas de menor diâmetro, procedimento denominado de “downsizing”.
Já que vai se substituir por
cânulas de diâmetro interno menor, importante avaliar o diâmetro adequado que
permita a entrada de quantidades suficientes de fluxo de ar através da luz da
cânula de traqueostomia e das vias aéreas superiores, que permita equilibrar o
aumento do trabalho respiratório decorrente do aumento da resistência.
As cânulas podem ser não
fenestradas sendo trocadas progressivamente por outras de menor tamanho (usualmente
metálicas) avaliando a tolerância do paciente. As trocas das cânulas podem ser
progressivas e sequenciais para tamanhos menores (números 5mm e 4mm de diâmetros
internos)[65].
Deve se levar em conta que o diâmetro transversal médio no final da inspiração
de uma traqueia adulta normal (diâmetro interno), medido por tomografia
computadorizada é de aproximadamente 19,6 mm (± 2,5 mm), caindo para 13,3 mm
(±3,5 mm) no final da expiração forçada (as traqueias masculinas são maiores)[66].
Estima-se que a cânula de traqueostomia reduz o espaço morto anatômico em cerca
de 150 ml (que pode ser até metade do volume do espaço morto em alguns
pacientes). Isso reduz também o volume de ar necessário para ventilar os
alvéolos, reduzindo assim o trabalho respiratório[67].
Assim, a decanulação aumenta o espaço morto anatômico, e consequentemente o
trabalho respiratório[68]
[69].
Quando se desinsufla o cuff o ar passa não apenas pela cânula aberta, mas
também pelo espaço entre a traqueia e a cânula e pelo espaço entre a traqueia e
o cuff desinsuflado. Isso gera menor resistência na via aérea e deve permitir
um fluxo de ar adequado através da traqueia se o tamanho da cânula de
traqueostomia for adequado para o paciente e se houver espaço suficiente ao
redor da cânula de traqueostomia. Entretanto, a resistência gerada pelo
diâmetro da cânula pode ser variada, sendo maior com diâmetros menores de
cânula. Mesmo o cuff desinsuflado pode diminuir o espaço entre a cânula e a
traqueia. Por isso que uma cânula sem cuff ofereceria menos resistência ao
fluxo de ar do que uma cânula com cuff desinsuflado e, portanto, deve ajudar a
minimizar o trabalho respiratório e reduzir a probabilidade de falha desmame
devido à alta resistência das vias aéreas durante o teste de oclusão[70].
As cânulas podem,
alternativamente, também ser fenestradas às quais irá se acoplar sub-cânulas ou
cânulas internas não fenestradas ou fenestradas (para exercício de fonação).
Para fins de prosseguir com o desmame da cânula inicial, essas cânulas menores
devem ser sem cuff ou ter o cuff desinsuflado.
Um exemplo proposto no estudo com
cânula fenestrada é o seguinte:
Passo
2: Acople uma cânula interna (sub-cânula) não fenestrada, para
testar a passagem de ar apenas pelo lume da cânula interna e permitir também a
aspiração de secreções.
Passo
3: Troque para uma cânula interna (sub-cânula) fenestrada. Esta
cânula tem fenestras que coincidem com as fenestras da cânula externa
permitindo a passagem de ar pelo lume da cânula interna e também pelos
orifícios. Permite avaliar vias aéreas superiores, assegurando o fluxo de ar promovendo
aumento da força muscular respiratória. Contudo, deve-se considerar que as
fenestrações podem ser obstruídas por tecido de granulação ou posição
anatômica, impedindo o fluxo de ar esperado através das fenestrações[71].
Passo
4: Troque para uma cânula fenestrada com válvula de fala acoplada. O uso de
uma válvula de fala unidirecional (válvula Passy-Muir) nesta etapa, que abre
durante a inspiração e fecha durante a expiração, não só permite a fonação, mas
reduz as taxas de aspiração e melhora a deglutição. Permitir que o ar flua
pelas vias aéreas superiores restaurando a pressão subglótica e a sensibilidade
laríngea (que se perdem na presença de uma traqueostomia) são dois
justificativas plausíveis para o uso de uma válvula de fala[72] [73].
Passo
5: Teste de oclusão da cânula (Capping)
Significa
ocluir ou tampar a cânula com cuff desinsuflado ou sem cuff, e serve para
avaliar a patência das vias aéreas, toda vez que o ar fluirá apenas pelo espaço
entre a cânula e a traqueia. Se a cânula for não fenestrada gerará maior
trabalho respiratório, maior risco de desconforto respiratório e falha de
desmame. Por este motivo, cânulas não fenestradas não devem ser ocluídas por
períodos contínuos prolongados a menos que não possuam cuff. Se um paciente é
capaz de respirar sem desconforto através de uma cânula de traqueostomia com
cuff desinsuflado e ocluída, é provável que ele/ela tenha uma via aérea
suficientemente intacta e uma reserva pulmonar adequada para tolerar a remoção
da cânula de traqueostomia[74].
Passo
6: Teste de oclusão da cânula fenestrada
Critérios para oclusão de cânulas fenestradas:
- Desinsuflação de cuff com sucesso por 24 horas;
- Os critérios para a decanulação não foram cumpridos de forma satisfatória para todos os membros da equipa multidisciplinar;
- O motivo da traqueostomia foi resolvido (mesmo que com auxílio de ventilação não invasiva);
- O paciente tem a capacidade de proteger sua via aérea;
- Não há evidência de infecção respiratória ativa ou em piora;
- O paciente tem secreções mínimas e é capaz de limpar e expectorar usando as vias respiratórias superiores;
- Clinicamente estável: mantendo a pressão arterial, pulso e SaO2 basais;
- Sem sinais de desconforto respiratório ou psicológico.
Apesar do consenso geral de que a
maioria pacientes com traqueostomia apresentam estenose, definida como um
estreitamento de 20% no lúmen traqueal[75],
é difícil determinar o grau da estenose. A decanulação pode ser complicada pela
presença de obstruções anatômicas, como tecido de granulação, traqueomalácia ou
estenoses importantes de traqueia associadas a traqueostomias prolongadas,
exigindo avaliação do otorrinolaringologista. Protocolos de oclusão da cânula
podem prever essas obstruções e diminuir a necessidade de avaliar a patência
traqueal por endoscopia de rotina, num serviço que pode estar indisponível[76].
As opções de tratamento para tecido de granulação incluem o uso de nebulizadores
de adrenalina, terapia a laser[77]
e ressecção cirúrgica. Opções de tratamento para estenose pode incluir corticoterapia[78],
stent traqueal, dilatação traqueal e manejo cirúrgico, embora o manejo
cirúrgico dependa da localização exata e a extensão da estenose e caso a
traqueomalácia seja confirmada, opções de tratamento pode incluir o uso de
stents traqueais ou ressecção traqueal e reconstrução[79].
A equipe multidisciplinar deve
estabelecer uma meta inicial de um período a ser passado com a traqueostomia ocluída
(um tempo limite entre 15 e 30 minutos é adequado). No entanto, isso vá
depender da tolerância física e psicológica de cada paciente. Se o paciente
conseguir tolerar 30 minutos sem desconforto, o período deve ser estendido por
um tempo acordado pela equipe multidisciplinar para cada paciente, sendo sugerido
um período de pelo menos 24 a 48 horas[80]
[81]
[82].
Se o paciente falhar no teste de oclusão,
será necessária uma avaliação das possíveis razões para o fracasso, por
exemplo. obstrução das fenestrações por tecido (granulomas). Um plano de ação
futura pode incluir um novo teste de oclusão. No entanto, se o paciente falhar
numa segunda tentativa, é necessária uma reavaliação do quadro clínico e uma decisão
tomada pela equipe multidisciplinar sobre a adequação do teste.
Etapa 6: Decanulação
Preparar o paciente para o
momento da retirada da cânula, explicando o que será feito, tentando
tranquilizar e minimizar a sensação de medo, angústia ou ansiedade. Carrinho de
emergência deve estar disponível para eventuais intercorrências. Interromper a
dieta.
Contraindicações:
- Qualquer sinal de obstrução das vias aéreas, por ex. estridor ou dificuldade para respirar com a cânula ocluída;
- Disfagia persistente e proteção comprometida das vias aéreas;
- Sinais de incapacidade de eliminar as secreções;
- Fragilidade respiratória ou fraqueza geral.
Uma vez que a decisão para
decanular foi tomada, a cânula de traqueostomia pode ser removida seguindo a linha
anatômica da traqueia com um movimento para fora e para baixo. Após a
decanulação, um curativo seco e hermético deve ser fixado sobre o estoma. Isto
permite que o estoma encolha e evita o escape de ar. Na maioria dos casos, o
estoma fecha espontaneamente entre 5 a 7 dias. No entanto, se a traqueostomia
estiver colocada há um longo período, o fechamento cirúrgico do estoma pode ser
necessário[83] [84].
Definem sucesso de decanulação
quando a remoção da cânula de traqueostomia e fechamento do estoma são
alcançados sem dificuldade respiratória ou deterioração dos gases sanguíneos.
Importante, manter a observação contínua
e monitoramento, especialmente no período imediato à decanulação. Observar
possíveis complicações que podem ocorrer, por exemplo, estenose, traqueomalácia
e granulomas, juntamente com os indicadores clínicos dessas complicações. Os
indicadores clínicos podem incluir estridor, alteração na qualidade da voz ou
aumento do trabalho respiratório. Se estes são observados, o encaminhamento
para otorrinolaringologistas deve ser feito. Se houver indícios de dificuldade
respiratória aguda, a equipe de emergência deve ser acionada imediatamente. Embora
a literatura sugira que a estenose traqueal possa desenvolver após a
decanulação, a incidência relatada varia consideravelmente, mas pode chegar a
26%, apesar que dispneia e estridor podem ocorrer apenas em repouso quando há
estenose de 50% ou mais, o que torna difícil de detectar[85].
Para ajudar a alcançar a detecção precoce, muitos pesquisadores defendem o uso
de endoscopia após decanulação para prevenir e detectar complicações tardias as
vias aéreas[86].
De acordo com o estudo de
Tobin e Santamaria (2008), cuidados da traqueostomia realizados por uma
equipe multidisciplinar liderada por um médico intensivista pode levar a
melhorias nas taxas de decanulação e do tempo de internação na UTI e os principais
critérios para decanulação compreendem a tolerância ao cuff
desinsulflado por 24h, tosse eficaz com capacidade de eliminar secreção pela
boca, vias aéreas superiores íntegras, capacidade de deglutição adequada, fala
com válvula de fonação ou oclusão da traqueostomia e ausência de necessidade de
suporte de oxigênio[87].
Os mesmos critérios foram observados na pesquisa realizada por Stelfox et
al. (2008), que visou caracterizar práticas contemporâneas de decanulação,
por meio de entrevista aplicada a médicos e fisioterapeutas nos EUA. Obteve-se
como resultado que os 4 critérios mais importantes para decisão da
decanulação são: habilidade para tolerar a oclusão do tubo de traqueostomia,
bom manejo das secreções, a eficácia da tosse e o nível de consciência do
paciente[88]. No
mesmo ano de 2008, Telma de Almeida Bush Mendes e col., publicaram os
resultados preliminares da aplicação de uma proposta de um fluxograma e
decanulação com atuação interdisciplinar. Os autores destacam que para que se
obtenha um desmame com sucesso, merecem atenção a necessidade de sedação, o
tempo de ventilação mecânica, a insuficiência respiratória aguda ou crônica, a
presença de obstrução de via aérea (por edema, tumor ou outras causas), as
cirurgias prévias de cabeça e pescoço, a paralisia das pregas vocais, a
estenose glótica ou subglótica, enfim, todos os problemas precisam ser sanados
e a via aérea superior deve estar restaurada para a passagem adequada do fluxo
aéreo. Alguns outros fatores preditores de sucesso na decanulação incluem a
estabilidade do paciente, a ausência de secreções em quantidades que possam
comprometer o padrão respiratório, a retirada da ventilação mecânica, a
capacidade de deglutição na ausência do cuff sem sinais de broncoaspiração. O
paciente deve ser capaz de respirar pela via aérea superior (nasal) com a
retirada da pressão do cuff e oclusão do traqueostoma, sem qualquer sinal de
obstrução ou resistência. O fluxo expiratório também deve ser suficiente para
gerar força para que o paciente possa tossir e falar. Caso as condições
clínicas do paciente sejam favoráveis, o médico autoriza o início do desmame.
Na presença de quaisquer sinais clínicos de aspiração, tais como tosse ou
engasgos frequentes com o cuff desinsuflado, que sugere entrada de saliva ou
alimentos na via respiratória, alteração nos valores de oximetria de pulso e
voz com presença de secreção, o fisioterapeuta sugere ao médico solicitar
avaliação fonoaudiológica. O protocolo proposto foi dividido em etapas e cada
uma delas exigia a realização de testes que o paciente deveria passar para ir para
a seguinte etapa. Após o paciente ter sido retirado da ventilação mecânica com
sucesso, e havendo condições clínicas se iniciava o processo de retirada da
cânula de traqueostomia conforme o protocolo e fluxograma. A primeira etapa era
realizada pelo fisioterapeuta que aferia no paciente: a pressão do cuff, capacidade
vital (CV), pressão inspiratória máxima (PImax), pressão expiratória máxima (PEmax)
e o pico de fluxo de tosse (peak cough flow). Caso tivesse parâmetros para
decanular se passava para a segunda etapa na qual o fisioterapeuta
dessinsuflava o cuff por um período de 12 horas observando sinais clínicos de
obstrução de via aérea e de broncoaspiração. Havendo sinais de obstrução da via
aérea o fisioterapeuta comunicava o médico assistente que decidia pela interrupção
ou não do processo e pela avaliação das vias aéreas. Da mesma forma, havendo
sinais de broncoaspiração, o fisioterapeuta sugeria ao médico titular solicitar
avaliação do fonoaudiólogo para avaliar a capacidade de deglutição. Na ausência
de obstrução de vias aéreas e de broncoaspiração durante as 12 horas do cuff
dessinsuflado, se passava para a terceira etapa que consistia em trocar a
cânula plástica por uma para cânula metálica de calibre menor (5 ou 4) e
redução após 48 horas. Após 56 horas, se passava para a quarta etapa, isto é, a
retirada da cânula e a oclusão do estoma, com anuência do titular. Apesar da
amostra pequena do estudo (21 pacientes com 17 pacientes com sucesso de
decanulação) que impede generalizar conclusões, esse estudo revelou que o
processo de desmame e decanulação dos pacientes traqueostomizados se torna mais
eficaz e seguro quando a participação é interdisciplinar (médico,
fisioterapeuta, enfermeiro e fonoaudiólogo)[89].
Cintia Conceição Costa e col.
(2016)[90],
publicaram uma revisão narrativa em que analisam estudos e pesquisas entre 1996
e 2015 sobre a atuação fonoaudiológica e fisioterapêutica no processo de
decanulação em pacientes traqueostomizados.
Destacam que os estudos revisados têm demonstrado a importância da
atuação conjunta de médicos, fisioterapeutas, enfermeiros e fonoaudiólogos no
processo de decanulação, colocando como responsabilidade do fisioterapeuta
verificar a cânula de traqueostomia, o sistema de oxigenação e ventilação, bem
como discutir questões diárias de cuidados da traqueostomia com a equipe de
enfermagem, paciente e familiares; ao fonoaudiólogo cabe avaliar a capacidade do
paciente de deglutição e fonação, realizando testes e recomendações a respeito
do uso da válvula de fala e/ou estratégias de comunicação. Consideram
importante a avaliação fonoaudiológica de seis critérios: 1) nível de
consciência, 2) padrão respiratório (cânula plástica ou metálica, cuff
insuflado ou não, e, quando cuff insuflado, se, ao desinsuflar, o paciente
mantém padrão respiratório), 3) secreção traqueal (quantidade, aspecto e cor), 4)
fonação (responsivo ou não, presença de voz molhada), 5) tosse (voluntária,
reflexa, e se é efetiva ou não) e 6) deglutição (avaliando nível de
comprometimento)[91].
Para a avaliação clínica da deglutição em sujeitos traqueostomizados,
encontraram que o fonoaudiólogo utiliza a técnica do Blue Dye Test convencional
ou modificado, corando a saliva/alimento com corante azul, a fim de identificar
a aspiração de saliva/alimento em indivíduos traqueostomizados, cuja
sensibilidade e especificidade varia a depender da técnica utilizada[92]
[93]
[94].
O fisioterapeuta, sob coordenação do médico, monitoriza, ajusta e reduz
progressivamente os parâmetros do ventilador conforme tolerância do paciente,
identifica sinais de fraqueza da musculatura respiratória e periférica
considerando que os pacientes submetidos à traqueostomia e à VM prolongada
sofrem perda da força e resistência da musculatura global por desuso. Destacam
que em pacientes que respiram espontaneamente e toleram a oclusão da cânula de traqueostomia
com cuff desinsuflado, pode-se colocar a válvula de fala sobre a cânula.
O uso da válvula de fala permite um fluxo de ar para dentro da cânula durante a
inspiração, porém, durante a expiração, o ar é direcionado para as pregas vocais
e vias aéreas superiores produzindo voz[95].
Com o uso da válvula de fala unidirecional do tipo Passy-Muir, de cânulas
fenestradas ou de oclusão da traqueostomia, a adequação da fonação e deglutição
em pacientes traqueostomizados ocorre pelo restabelecimento da passagem de ar
pela glote, aumento da pressão subglótica e estimulação de terminações nervosas
periféricas e centrais[96].
Para uma melhor tolerância da válvula de fala e para evitar esforço muscular,
aconselham substituir a cânula da traqueostomia por outra com 1-2 números
menores, visando reduzir a resistência expiratória (embora a inspiratória aumente)
melhorando também o manejo de secreções, que devem ser expectoradas pelas vias
aéreas naturais[97]. Para
contribuir com a eficiência do processo de decanulação, a inspeção endoscópica
das vias aéreas, embora não seja essencial para a decanulação, pode ser útil[98].
O procedimento é realizado por nasoendoscopia com fibra óptica no espaço subglótico.
Este procedimento é seguro e exige apenas anestesia tópica. Em um número
substancial de pacientes, por meio de avaliação endoscópica, são identificadas
patologias que requerem avaliação da otorrinolaringologia ou da cirurgia
torácica antes do processo de decanulação. Citam a revisão sistemática de Santus
et al. (2014) [99],
cujo objetivo foi a identificação de parâmetros quantitativos e
semiquantitativos para decanulação e a elaboração de um modelo de Escore Clínico
para Decanulação, denominado Escore QsQ (Quantitative and semi-Quantitative),
envolvendo avaliações fonoaudiológicas e fisioterapêuticas. Dentre os
parâmetros quantitativos (principais ou maiores), os autores incluíram medidas
da força muscular expiratória (pressão expiratória máxima – PEmax ≥ 40 cmH2O ou
pico de fluxo de tosse - PFT > 160 L/min) e a oclusão da cânula ≥ 24h, atribuindo
arbitrariamente uma pontuação de 0, no caso de parâmetro adequado, ou 20 se inadequado.
Já os parâmetros semiquantitativos (secundários ou menores) propostos foram:
nível de consciência (sonolento/alerta), secreção (espessa/ fina), deglutição
(comprometida/normal), capnia (PaCO2 < 60 mmHg), via aérea patente (estenose
traqueal < 50% observada por broncoscopia), idade < 70 anos, indicação para
traqueostomia (outras/pneumonia ou obstrução de vias aéreas) e comorbidades (≥
1 ou nenhuma), atribuindo arbitrariamente uma pontuação de 0 (comprometido) ou
5 (adequado). Os autores hipotetizam que se todos os critérios principais forem
satisfeitos, independentemente dos critérios menores, a decanulação tem alta
probabilidade de sucesso e pode ser iniciada. Se apenas um dos dois critérios
principais for satisfeito, seria necessária uma avaliação dos critérios
menores, assumindo uma boa probabilidade de sucesso quando a maioria dos
critérios menores for satisfeita. A mesma probabilidade de sucesso ocorreria
se, na falta de critérios maiores, todos os critérios menores fossem
satisfeitos. Finalmente, se nenhum dos critérios principais e menos de três
critérios menores forem satisfeitos, haveria uma baixa probabilidade de sucesso
e alta de insucesso. O escore não foi ainda validado em estudos prospectivos.
A maior causa de insucesso na
decanulação é a retenção de secreção[100].
Dificuldades de retirada da cânula ocorrem também em situações em que há
persistência da causa que levou à realização da traqueostomia; deslocamento da
parede anterior da traqueia obstruindo a luz traqueal; edema de mucosa; intolerância
ao aumento da resistência pela passagem do ar pelas narinas (frequente nas
crianças e em idosos); estenoses ou traqueomalácia. Ainda, condições
respiratórias obstrutivas e restritivas podem apresentar dificuldade de permanecer
fora da VM durante a noite por hipoventilação ou apneia do sono. Estes casos
podem ser beneficiados por ventilação não invasiva com cânula de traqueostomia
ocluída durante a noite até finalmente serem decanulados[101].
Atentam para a necessidade de monitorização da oximetria do paciente nas 24h
após a decanulação[102].
A vocalização geralmente retorna ao normal quando o estoma fecha completamente,
o que pode ocorrer por segunda intenção entre 5 a 7 dias na maioria dos pacientes.
A presença de cicatriz fibrosa no fechamento do estoma pode ser esteticamente
constrangedora, como também pode contribuir para disfagia devido à aderência da
pele na traqueia, dificultando a elevação laríngea. Estes casos são passíveis
de correção cirúrgica. Uma decanulação acidental pode resultar em graves
consequências se a traqueostomia for recente e se o paciente tiver um trajeto
difícil. Com mais de 7 dias de cirurgia de colocação de cânula de
traqueostomia, a recolocação costuma ser fácil. Se a decanulação ocorrer com
menos de 7 dias, a recanulação pode ocorrer de forma inadequada. Pacientes com
pescoço curto ou circunferência aumentada correm maior risco de ocorrência
deste fato[103].
Num estudo prospectivo e descritivo com 981 pacientes, no qual 823 foram
decanulados, foi considerado insucesso na decanulação a necessidade de
recolocação da cânula até a alta hospitalar. Utilizando este critério, ocorreram
40 episódios de insucesso (4,8%). Se tivesse sido considerado como critério de
insucesso a recanulação no período de 48h após a decanulação, a taxa de
insucesso seria de 3,5%[104].
A imobilidade, seguida da fraqueza muscular generalizada, são importantes
complicações encontradas no paciente traqueostomizado, especialmente em
sujeitos que permanecem longos períodos dependentes de VM, podendo ser um fator
de insucesso durante o procedimento da decanulação[105]
[106].
A força muscular periférica exerce influência no sucesso da decanulação. Sujeitos
que foram decanulados com sucesso apresentaram força muscular periférica
significativamente maior quando comparados aos do grupo de insucesso[107].
A respiração oral associada a obstrução nasal e a hipotonia da musculatura
orofacial podem causar obstrução das vias aéreas superiores, favorecendo assim,
a apneia e/ou hipopneia obstrutiva durante o sono, pelo que tratamento
fonoaudiológico é fundamental[108]
[109]
[110].
Ratender Kumar Singh et.al.,
em 2017[111]
publicam revisão sistemática, dando ênfase aos aspectos dos cuidados otimizados
ou ideais com a traqueostomia, o que poderia ajudar a dar alta a esses
pacientes ainda com a traqueostomia in situ para enfermaria, unidades de alta
dependência (UAD) e/ou residência, a despeito dos estudos que enfatizam a
importância da decanulação dentro da UTI devido aos melhores cuidados em
comparação com UAD ou enfermaria[112]
[113].
Destacam a necessidade de uma coordenação quase perfeita entre o cérebro, a
deglutição, a tosse, a fonação e os músculos respiratórios para o sucesso e
fatores como velhice, obesidade, mau estado neurológico, sepse e hipersecreção
como razões predominantes de para insucesso[114]
[115].
Na revisão incluíram revisão de série de casos, caso e controle, prospectivos,
retrospectivos, randomizados ou estudos ou pesquisas não randomizados que
tiveram como objetivo o processo de decanulação publicados entre 1996 e 2016.
Sucesso de desmame, na
maioria dos estudos foi definido como o período de respiração espontânea sem a
reinserção da cânula de traqueostomia, embora houve grande variabilidade desse
período, que foi de 24 horas[116]
a 3 a 6 meses[117]
e/ou até a alta da unidade ou do hospital[118]
[119].
Aptidão para decanular nos
estudos foi definida por testes qualitativos e quantitativos avaliando tosse e
deglutição. Tosse eficaz foi avaliada pelo Pico de fluxo de tosse (PFT)[120]e
pressão expiratória máxima (PEmáx)[121]
como medidas quantitativas de tosse. Deglutição eficaz foi avaliada por meio do
reflexo de vômito ou pelo blue dye test[122],
exceto num estudo em que em que foi feita avaliação fibroendoscópica[123].
Métodos para decanulação descritos
foram o gradual (na maioria dos estudos) através do descalonamento (downsizing)
para cânula menor fenestrada ou não fenestrada, posteriormente retirada após um
período de observação. No entanto, método direto sem descalonamento também foi
descrito[124] [125]
[126].
VNI preventiva pós decanulação visando diminuir o trabalho respiratório foi relatado[127].
A taxa de sucesso de decanulação
nos estudos variou de tão baixo quanto 23%[128]
até 100% [129].
Os autores concluíram dos estudos que a identificação de pacientes aptos para decanulação com sucesso foram aqueles com avaliação objetiva de:
- Deglutição com exame endoscópico com fibra optica (EEFO)[130] [131];
- Tosse (pico de fluxo de tosse - PFT ou pico de fluxo inspiratório - PFI)[132] [133] e;
- Uso de um escore de pontuação (QsQ) realizado por uma equipe multidisciplinar de decanulação[134].
Fruto da revisão sistemática os
autores também propuseram um FLUXOGRAMA DE PROCESSO DE RETIRADA DA CÂNULA DE
TRAQUEOSTOMIA:
1. Ckecklist dos critérios de aptidão para iniciar o processo:
- Nível adequado de sensório. Paciente deve estar consciente, orientado;
- Teste de respiração espontânea (TRE) prolongado bem-sucedido. Em pacientes com VM prolongada superior a 4 semanas, a duração do TRE bem-sucedido deve ser preferencialmente de 48 horas ou mais;
- Ausência de hipersecreção brônquica, sialorreia e necessidade aspiração frequente. As secreções devem ser de fácil eliminação pelo paciente e a frequência de aspiração deve ser inferior a 4 nas últimas 24 horas;
- Deglutição efetiva. O paciente deve ser capaz de engolir líquidos/semissólidos sem risco de aspiração;
- Tosse efetiva. Paciente deve comprovar ter tosse adequada com bom pico de fluxo de tosse (PFT >160 L/min);
- Via aérea previa. Deve ser capaz de manter vias aéreas patentes. A patência das vias aéreas pode ser avaliada à beira do leito simplesmente desinflando o cuff e ocluindo a cânula com um dedo enluvado para testar a fonação do paciente.
2. Para pacientes em
ventilação mecânica não prolongada (< 4 sem) e sem suspeita de fraqueza
neuromuscular, a técnica de decanulação passa pelo Teste de Oclusão
(corking trial), que consiste em tampar a cânula de traqueostomia após a
desinsuflação do cuff, com instruções cuidadosas para destampar e reinsuflar o
cuff caso ocorra sinais de desconforto respiratório. Na ausência desses sinais
o paciente é decanulado diretamente. No entanto, em caso de falha do teste de
oclusão, pode ser tentar descalonamento da cânula (downsizing) e fazer nova
oclusão (blocking), seguido de um novo período de observação cuidadosa durante
algumas horas. Na ausência de sinais de desconforto respiratório, a decanulação
poderá ser realizada. Os pacientes que falharam novamente, deve se retomar a
ventilação mecânica com reescalonamento da cânula apropriada. Nestes casos,
solicitar uma avaliação da via aérea por fibroendoscopia.
3. Para pacientes em
ventilação mecânica prolongada (> 4 semanas) e com suspeita de fraqueza
neuromuscular, a técnica de decanulação sempre segue descalonamento e
oclusão (downsizing and blocking). Em caso de falha e dificuldade respiratória,
a abordagem permanece a mesma descrita acima.
Os autores salientam que que o
fluxograma proposto estava sendo avaliado na sua unidade por meio de um estudo
randomizado, mas até a presente data não se encontrou alguma publicação com os
resultados. Ainda os autores destacam que como nenhum dos estudos incluídos teve
a qualidade desejada, se faz necessário estudos randomizados e controlados
sobre a decanulação.
John Kutsukutsa et.al. em 2019[135], publicaram uma revisão sistemática de escopo. Destacam a falta de protocolos universalmente aceitos para decanulação e que a prática do processo de retirada da cânula de traqueostomia se baseia em opiniões de experts e protocolos de instituições de referência, salientando a necessidade de estudos de nível de evidência forte. Se propuseram então fazer uma revisão dos métodos e procedimentos de decanulação até então descritos em estudos publicados desde 1985, visando discutir conceitos e definições de estabilidade clínica, via aérea patente ou pérvia, “decanulação fisiológica”, avaliação da deglutição, nível de consciência e eficácia da tosse e da eliminação de secreções. O conceito de “decanulação fisiológica” segue a técnica gradual com uso de teste de oclusão, descalonamento para cânulas menores e uso de válvula de fala unidirecional[136].
- Estabilidade Clínica. Estabilidade clínica ou normalidade dos sinais vitais foi um pré-requisito em 11 dos estudos e todos esses estudos relataram associação com os seguintes desfechos positivos: sucesso de decanulação, redução da taxa de recanulação, menor tempo de decanulação, menor taxa de complicações e menor preocupação com a segurança reduzidas. Critérios clínicos considerados pelos estudos para decanulação foram: ausência de febre; ausência de sepse ou infecção ativa; ausência de desconforto; estabilidade hemodinâmica; PaCO2 < 60 mmHg; ausência de delírium ou de outros transtornos psiquiátricos. Paciente decanulados sem estabilidade clínica tiveram desmame prolongado ou persistência do desconforto respiratório[137]. Pacientes que precisaram ser recanulados apresentaram menor pressão arterial de oxigênio (PaO2); maior idade, nível de creatinina e SAPS II antes da decanulação em comparação com pacientes que foram decanulados com sucesso. O que não restou claro nos estudos é se a estabilidade clínica era geral ou apenas respiratória.
- Via aérea pérvia ou patente. Estudos têm sido publicados defendendo a comprovação da patência mediante broncoscopia previa ou através de testes de oclusão, uso de válvula fonatória (de fala) e descalonamento para cânulas de menor tamanho. Pico de fluxo inspiratório (PFI) com cut-off > 40 L/min, tem sido proposta como uma ferramenta simples padronizada preditora de sucesso de decanulação em pacientes pós cirurgia de cabeça e pescoço, com sensibilidade de 90% e especificidade de 95%. Fibroendoscopia previa foi reservado para casos de falha repetida do processo de decanulação ou associada a protocolos de decanulação direta ou com protocolos abreviados para garantir via aérea pérvia antes da retirada da cânula[138] [139]. Protocolos graduais com uso da técnica de descalonamento e oclusão de cânula, apresentaram variabilidade. Alguns propões teste de oclusão inicial de 1 minuto (dedo enluvado) e, caso tolerância prorrogação do tempo por 24, 48, 72 horas ou mais[140] [141] [142]. Em 2013, o Painel de Consenso da American Academy of Otolaryngology–Head and Neck Surgery Foundation (AAO-HNSF) propôs tempos de oclusão de 12, 24 ou 48 horas, a depender da avaliação clínica de cada paciente[143], a despeito dos que sustentam que cânulas de pequeno calibre na via aérea durante o desmame podem contribuir para o aumento da resistência das vias aéreas e, assim, aumentar o trabalho respiratório[144] [145].
- Deglutição eficaz. A avaliação da deglutição pode ser indireta ou clínica (reflexo de vômito e blue dye test), ou direita ou objetiva com avaliação endoscópica ou por videofluoroscopia conforme os estudos analisados.
- Nível de consciência. A maioria dos estudos considera que o estado de alerta, favorece o sucesso da decanulação e que pode ser avaliado pela Escala de Coma de Glasgow (GCS) com valor ≥ 8 como aceitável.
- Tosse eficaz. A maioria dos estudos consideraram a eficácia através da avaliação da Pressão Expiratória Máxima (PEmax ≥ 40 L/min) e do Pico de Fluxo de Tosse (PFT >160 L/min).
- Eliminação eficaz de secreções. Avaliada pela frequência de necessidade de aspiração. Estudos divergem quanto ao critério como preditor de sucesso, variando de < 3 vezes/dia[146], intervalos > 4[147] horas, > 8horas[148].
- Outros parâmetros. Pico de Fluxo Inspiratório (PFI), gasometria arterial, hemograma completo, creatinina sérica, proteína C reativa (PCR), radiografias de tórax e pescoço foram descritas adaptadas para certos pacientes, embora não esteja claro como tais anormalidades contraindicariam a decanulação da traqueostomia.
Margaret Mendonça Diniz da
Côrte et.al., também em 2019[149],
publicam estudo sobre indicadores sociodemográficos, clínicos e
fonoaudiológicos preditivos de sucesso. Estudo retrospectivo, observacional,
com análise de prontuários de 189 pacientes adultos traqueostomizados
internados, de junho de 2014 a dezembro de 2016, comparando variáveis
sociodemográficas, clínicas e fonoaudiológicas entre os grupos decanulados e
não decanulados, por meio de análise logística univariada e multivariada. Não
há consenso, na literatura, sobre indicadores para a decanulação, sendo
encontrados critérios de indicação e sucesso baseados na experiência clínica,
na rotina de alguns serviços de saúde, nos relatos de experiências de
profissionais e equipes interdisciplinares e em protocolos elaborados pelas
equipes.
Os critérios sugeridos para a indicação e o sucesso na decanulação que a literatura apresenta são:
- Tolerância ao cuff desinsuflado por 24 horas[150] [151];
- Presença de força e resistência da musculatura respiratória[152] [153];
- Tosse eficaz, com capacidade de eliminar secreção[154] [155] [156] [157] [158] [159] [160];
- Tosse voluntária e reflexa[161] [162] [163] [164];
- Vias aéreas superiores íntegras[165] [166] [167] [168];
- Ausência de estenose glótica ou subglótica[169] [170];
- Capacidade de deglutição preservada[171] [172] [173] [174] [175] [176] [177] [178];
- Realização do Blue Dye Test[179] [180] [181] [182];
- Ausência de realização de cirurgia de cabeça e pescoço[183] [184];
- Uso de válvula de fonação[185] [186];
- Tolerância à oclusão da traqueostomia, com ou sem necessidade de suporte de oxigênio[187] [188] [189] [190] [191];
- Saturação arterial de oxigênio estável por mais de 24 horas após a oclusão da cânula[192] [193] [194] [195] [196] [197];
- Ausência de voz molhada[198] [199];
- Ausência de diabetes mellitus[200] [201];
- Estabilidade hemodinâmica[202] [203];
- Estabilidade clínica[204];
- Estabilidade da gasometria arterial[205];
- Ausência de febre ou infecções ativas[206] [207];
- Nível de consciência e estado de alerta preservados[208] [209] [210] [211] [212] [213] [214];
- Ausência de alterações psicoemocionais e neurológicas[215];
- Mínima quantidade, aspecto fluido e coloração clara da secreção traqueal[216] [217] [218] [219] [220] [221] [222] [223];
- Necessidade de menos de duas ou três aspirações traqueais com sonda, num período de 8 horas[224] [225] [226].
No estudo, a prevalência de
sucesso na decanulação foi de 42,8% (81 de 189 pacientes decanulados)
concordante com outros estudos que apontaram para variação de 35% a 60%. Nos
pacientes em cuidados hospitalares intensivos de longo prazo, o sucesso foi de
35%; seguindo protocolo de avaliação endoscópica para a decanulação, o sucesso
foi de 54%; em unidade de terapia intensiva e no centro de reabilitação,
observou-se decanulação com sucesso em 57% dos sujeitos; nos pacientes com
traumatismo crânio encefálico, o sucesso foi 60%.
Na análise univariada de associação entre as características clínicas e fonoaudiológicas e a decanulação, todas as variáveis foram associadas ao sucesso da decanulação, com valor de p< 0,001, havendo maior proporção de pacientes que decanularam entre os que apresentaram:
- Deglutição funcional (88,9%);
- Ausência de alterações vocais (58%);
- Deglutição espontânea de saliva (98,8%);
- Melhor nível de consciência (85,2%);
- Dieta por via oral (VO) liberada, exclusiva ou mista (VO+ terapia nutricional enteral, por necessidades nutricionais) (98,8%);
- Blue Dye Test negativo (96,1%);
- Tosse eficaz (97,5%);
- Capacidade para remover secreções deglutindo ou cuspindo (96,3%);
- Ausência de secreções abundantes (93,8%);
- Uso de válvula de fala (61,7%);
- Tolerância ao balonete desinsuflado (100%);
- Troca de cânula de plástica por metálica (91,4%);
- Ausência de infecções ativas (91,4%);
- Não fizeram uso de oxigenoterapia (82,7%).
Com relação ao desfecho
hospitalar dos pacientes, registraram‑se 97,5% de altas hospitalares
entre os pacientes decanulados e 39,8% entre os não decanulados, com maior
proporção de óbitos nestes últimos: 60,2%, em relação aos primeiros, com 2,5%. A
análise de associação entre o sucesso da decanulação e o tempo de intubação, o
tempo de ventilação mecânica e o tempo de oclusão da traqueostomia revelou que
somente o tempo de oclusão da traqueostomia foi associado ao sucesso da
decanulação (p<0,001), sendo que a média de horas que os pacientes
permaneceram com a traqueostomia ocluída foi maior no grupo de decanulados
(60,5 horas) do que no grupo de não decanulados (2,6 horas). A média dos tempos
de permanência da intubação orotraqueal e de ventilação mecânica foi semelhante
entre os grupos. A partir da análise univariada, foram selecionadas, para o
modelo inicial de regressão logística, as seguintes variáveis, com valor p≤
0,20: doença psiquiátrica, doença gastrointestinal, idade, deglutição à
decanulação, alterações vocais, deglutição espontânea da saliva, nível de
consciência, dieta por VO, Blue Dye Test, tosse eficaz, capacidade de remover
secreções, ausência de secreções abundantes, uso de válvula de fala, tolerância
ao cuff desinsuflado, troca de cânula plástica por metálica, presença de
infecções ativas, uso de oxigenoterapia, desfecho, tempo de ventilação mecânica
e tempo de oclusão da traqueostomia. No entanto, devido à alta correlação entre
algumas variáveis e ao número de informações insuficientes ou ausentes em
outras, algumas delas foram excluídas da análise multivariada, conforme
descrito a seguir: deglutição e ausência de secreções abundantes foram
altamente correlacionadas, com melhor ajuste da variável ausência de secreções
abundantes, escolhida, portanto, para incluir no modelo de regressão logística;
doença psiquiátrica teve pequena ocorrência; todos os pacientes decanulados
apresentaram tolerância ao cuff desinsuflado; dieta por VO e deglutição
espontânea de saliva apresentaram apenas uma resposta e estiveram ausentes em
apenas um paciente decanulado; teste Blue Dye não foi realizado em 48
indivíduos e sua permanência reduziria, de forma expressiva, o número de
ocorrências. Assim, as variáveis idade, doença gastrointestinal, alterações
vocais, nível de consciência, tosse eficaz, capacidade de remover secreções,
ausência de secreções abundantes, uso de válvula de fala, troca de cânula,
infecções ativas, uso de oxigenoterapia, tempo de ventilação mecânica e tempo
de oclusão da traqueostomia foram incluídas no modelo inicial de regressão
logística multivariada. Devido ao fato de a variável uso de oxigenoterapia ter
111 ocorrências, esse foi o número utilizado nos modelos finais de regressão.
No modelo final da análise de regressão logística multivariada, foram
associadas ao sucesso da decanulação as variáveis ausência de secreções
abundantes (OR = 28,7), capacidade de remover secreções (OR = 14,2) e tempo de
oclusão da traqueostomia (OR = 1,1). Apesar da forte associação encontrada, observou-se
que os intervalos de confiança da OR foram largos, provavelmente devido ao
pequeno número de ocorrência em algumas categorias. Apesar disso, o ajuste dos
modelos foi considerado adequado (H&L; valor-p>0,05) e o modelo final
foi melhor do que o inicial (critério de classificação de Akaike final menor
que inicial). A média e mediana de idade observadas neste estudo foi menor nos
pacientes decanulados, em relação aos não decanulados, com relevância
estatística, sugerindo relação da idade com o sucesso na decanulação pois,
quanto maior a idade do paciente, mais possibilidade de existência de
comorbidades, o que pode interferir no processo de decanulação nessa população.
Alguns estudos, no entanto, descrevem as variáveis idade e sexo como fatores secundários
associados ao sucesso na decanulação. Esta revisão foi base para a elaboração
de PROTOCOLO DE DECANULAÇÃO submetido a validação pelo método ou técnica
Delphy cujos resultados foram publicados em 2023 e serão apresentados mais
adiante. O método Delphi é amplamente utilizado em estudos de validação de
conteúdo, compondo a metodologia de diversas áreas e abordagens. Em 2014, o
método já foi usado para obter um consenso de especialistas no tocante a lista
de critérios ou pré-requisitos a serem considerados para decanulação de
traqueostomia em pacientes adultos: 1) cura ou reversão do quadro clínico que
indicou a realização da traqueostomia, 2) tolerância ao teste de oclusão da
cânula de traqueostomia sem ocorrência de estridor, 3) patência das vias aéreas
adequada (avaliada pela laringoscopia), 4) adequado nível de consciência, 5) funções
laringofaringeas de proteção de vias aéreas preservadas (tosse, deglutição de
saliva, capacidade de mobilizar e eliminar secreções), 6) presença de tosse
eficaz e 7) ausência de novas propostas cirúrgicas e anestésicas. No referido
estudo, os autores recomendaram fortemente a consideração adicional de alguns
parâmetros, tais como o tipo e quantidade de secreções e frequência de
aspiração necessária[227].
Gisele Chagas de Medeiros
et.al., também em 2019[228],
publicaram uma revisão da literatura fazendo um levantamento bibliográfico
a respeito da decanulação da traqueostomia para verificar os fatores e
protocolos utilizados em estudos internacionais publicados entre 2012 e 2017.
Com relação a etapas do processo de decanulação, a revisão encontrou na maioria
dos artigos: desinsuflação do cuff; treino de oclusão, substituição da cânula
de traqueostomia, treino de tosse, mobilização de secreção, avaliação da
permeabilidade de vias aéreas e da deglutição e uso de válvula de fala. Além
dos procedimentos descritos, verificou-se em 14 artigos uso de exames objetivos
no processo de decanulação, tendo cinco deles utilizado nasolaringofibroscopia,
quatro, broncoscopia, dois, tomografia e três, videoendoscopia da deglutição.
Além disso, observaram-se em menor escala o uso do teste de função pulmonar e
manometria. O tempo de decanulação (tempo do processo) variou entre 7 e 74
dias; e o tempo total de traqueostomia (colocação até decanulação) variou entre
16 e 91.61 dias. Doença de base tem impacto direto no tempo de decanulação.
Segundo a literatura, o local de lesão cerebral (SNC ou SNP) tem impacto direto
no tempo médio de decanulação, sendo este menor nos pacientes com doenças
neurológicas centrais. O estudo que apresentou o maior tempo no processo de
decanulação (74 dias) foi realizado em pacientes vítimas de acidente vascular
encefálico isquêmico.
Os fatores que levaram ao
insucesso no processo de decanulação foram: dificuldade de expectoração ou
aumento da secreção, presença de estenose traqueal e infecção pulmonar, sendo
os três mais presentes nos estudos.
Os artigos analisados descrevem alguns critérios que devem ser apresentados pelos pacientes a fim de garantir o sucesso da decanulação. Tais critérios são:
- Não dependência de umidificação e ventilação mecânica;
- Avaliação prévia da deglutição (garantindo que não existe risco para aspiração);
- Escala de Coma de Glasgow ≥ 8;
- Estabilidade da frequência cardíaca, sendo menor que 140 batimentos/minuto;
- Não dependência de drogas vasoativas;
- Temperatura inferior a 38°C;
- Presença de reflexo de tosse espontâneo;
- Habilidade no manejo de secreções;
- Estar traqueostomizado há pelo menos sete dias;
- Frequência respiratória abaixo de 20 ciclos/minuto;
- Saturação de oxigênio acima de 90% em ar ambiente;
- Nível de consciência alerta e colaborativo.
Um estudo mostrou que 100% dos
pacientes que apresentavam todos esses critérios foram decanulados com sucesso,
enquanto, entre os pacientes que não apresentavam nenhum desses critérios,
apenas 10% concluíram o processo com sucesso[229].
Quanto aos procedimentos
executados durante o processo de decanulação, duas etapas foram consideradas
primordiais para o início desse processo, sendo elas: a desinsuflação do cuff e
a avaliação da permeabilidade de vias aéreas. O cuff deve permanecer
desinsuflado pelo maior tempo possível, considerando a tolerância, a
necessidade de ventilação e a quantidade de secreção do paciente. Após a
desinsuflação do cuff, a literatura aponta a necessidade de avaliação da
permeabilidade de vias aéreas, ou seja, a verificação da passagem de ar pelas
pregas vocais para as vias aéreas superiores. Estudos apontam que nessa etapa a
traqueostomia deverá ser ocluída (dedo enluvado, válvula de fala ou êmbolo de
seringa) por um período de até 5 minutos[230].
Durante esse período, o paciente deverá ter os sinais vitais monitorados
(frequências cardíaca e respiratória, pressão sanguínea e saturação de
oxigênio), uma vez que a alteração desses sinais é sugestiva de obstrução de
vias aéreas. Opções encontradas para o teste de oclusão de traqueostomia foram
de 24 a 48 horas e, caso ocorra desconforto, usar uma estratégia alternada de 12
horas ocluída, 12 horas desocluída e nova tentativa em permanecer 24 horas com
a traqueostomia ocluída[231].
Quanto ao uso da válvula de fala e a troca da cânula de traqueostomia durante o
processo da decanulação, 5 artigos descreveram o uso da válvula de fonação para
treino de oclusão da traqueostomia e 9 artigos, a troca de cânula de traqueostomia
como etapa prévia ao treino da oclusão (troca por uma cânula de menor calibre;
troca por cânula fenestrada ou sem cuff; troca por cânula metálica). Para
pacientes que apresentam alterações dos sinais vitais durante a etapa de
oclusão da traqueostomia, sugere-se a realização de um exame objetivo, como
broncoscopia ou laringoscopia, para confirmar a obstrução de vias aéreas, mas
sem limitar o processo de decanulação.
Após a realização das etapas anteriores,
sugere-se a avaliação da capacidade do paciente em proteger as vias aéreas
inferiores, evitando, assim, uma possível broncoaspiração. Essa avaliação é
realizada por meio da avaliação da deglutição. Nessa revisão, 75% dos artigos analisados
realizaram algum tipo de avaliação da deglutição durante o processo de
decanulação, usando os seguintes procedimentos: teste do corante azul ou Blue
Dye Test, teste do corante azul modificado, avaliação clínica, avaliação
objetiva (videodeglutograma e videoendoscopia da deglutição). Não houve consenso
quanto ao melhor protocolo/procedimento a ser utilizado. Os principais
procedimentos utilizados foram: oferta de 50 ml de água com o cuff desinsuflado;
oferta de água em livre demanda, independentemente de o cuff estar insuflado ou
não(Frazier Free Water Protocol); oferta de 200 ml de água e água espessada na
consistência pudim com cuff desinsuflado, sendo a água espessada oferecida nos
volumes de 5 ml, 10 ml e livre demanda; avaliação da habilidade do paciente em
deglutir secreção, eficiência da tosse e quantificação da secreção aspirada da
traqueostomia. Quanto à avaliação objetiva da deglutição, esta foi realizada
por meio de dois exames: o videodeglutograma e a videoendoscopia da deglutição.
Assim como observado para a avaliação clínica da deglutição, não foi observado
um consenso quanto aos itens avaliados nos exames objetivos descritos nos
estudos analisados. Cada estudo descreve o protocolo utilizado na instituição
em que os dados foram coletados. Para a videoendoscopia da deglutição, foram
observados os seguintes itens: presença de aspiração massiva ou silente de
saliva; eficiência da deglutição espontânea de saliva por minuto; avaliação da
sensibilidade orofaríngea e presença do reflexo de tosse; observação dos eventos
de deglutição após a oferta de uma colher de chá de água e purê. O
videodeglutograma foi realizado com a oferta de líquidos finos e semissólidos,
em diferentes volumes e quantidades.
Outra etapa envolvida no processo
de decanulação, descrita em dez dos artigos analisados, é a avaliação da capacidade
de o paciente manejar suas secreções e expeli-las pela orofaringe por meio da
tosse. Essa etapa de avaliação foi conduzida nos estudos por
fisioterapeutas e fonoaudiólogos, tendo sido observadas eficácia da tosse,
quantidade e qualidade da secreção e frequência da necessidade de aspiração da traqueostomia.
Um dos critérios que deve ser
considerado para que a decanulação ocorra com sucesso é a necessidade de
aspiração da traqueostomia, que não deve ultrapassar o máximo de 2 vezes no
intervalo de 8 horas. Para pacientes que não conseguirem passar nessa etapa,
oito dos estudos sugeriram o treino da tosse, sendo a tosse manualmente
assistida uma das técnicas utilizadas. O desempenho suficiente da musculatura
respiratória e a consequente eficácia da tosse, a permeabilidade normal das
vias aéreas e a ausência de disfagia facilitam o processo de remoção da cânula
na maioria dos casos.
A última etapa do processo de
decanulação é o teste de oclusão da cânula de traqueostomia. Durante a
oclusão da cânula, o paciente deve ser capaz de respirar espontânea e
suficientemente por meio da via aérea superior, mantendo a saturação de
oxigênio estável.
Por fim, os estudos apontam os seguintes fatores como negativos para o processo de decanulação:
- Indivíduos do gênero masculino;
- Presença de traumas faciais;
- Pacientes com queimaduras;
- Broncopneumonia;
- Aumento de secreção;
- Uso de ventilação mecânica por tempo prolongado;
- Aspiração silente de saliva;
- Ausência de deglutição de saliva;
- Alteração na sensibilidade laríngea;
- Tosse ineficaz;
- Idade acima de 60 anos;
- Necessidade frequente de aspiração da traqueostomia;
- Presença de estenose traqueal;
- Tempo prolongado de uso da traqueostomia;
- Presença de disfagia;
- pH baixo e;
- PaO2 elevada.
Chul Park et.al., em 2021[232],
publicam estudo apresentando o Escore preditor de sucesso de decanulação
denominado DECAN. Em uma coorte retrospectiva de 346 pacientes
traqueostomizados num período de 5 anos, foram estudados pacientes submetidos a
um protocolo padronizado de decanulação desde início de junho de 2014, com
análise de regressão logística multivariável identificando variáveis que
foram independentemente associadas à falha na decanulação. Pacientes candidatos
deviam ter a causa da indicação da traqueostomia resolvida. A indicação de
traqueostomia foi classificada de acordo com as seguintes categorias: (1)
ventilação prolongada: definida como suporte de VM durante 7 dias, (2) previsão
de desmame difícil: pacientes com previsão de VM prolongada ou falharam
repetidamente nos TRE dentro dos 7 dias do suporte de VM, (3) nível de
consciência reduzido: pacientes que apresentavam distúrbio neurológico
irreversível ou deteriorado, necessidade de aspiração traqueal prolongada,
disfagia com risco de aspiração ou tinham incompetência causada por doença
crítica, (4) obstrução das vias aéreas superiores: pacientes que apresentavam
anormalidades anatômicas, incluindo tumores, paralisia bilateral das cordas
vocais, traqueomalácia ou estenose traqueal pós-intubação.
Sucesso de decanulação foi
definido como o estado em que não houve complicações respiratórias até a alta
hospitalar. A falha/fracasso/insucesso de decanulação foi definido como
o estado em que os pacientes ainda tinham uma cânula de traqueostomia no
momento da alta hospitalar devido a falhas recorrentes nos testes de oclusão
até a alta hospitalar ou reinserção da cânula de traqueostomia antes da alta
hospitalar.
O protocolo aplicado foi elaborado com base nas recomendações existentes na literatura, fazendo inicialmente uma TRIAGEM, avaliando uma lista de critérios de aptidão já descritos pela literatura para se submeter a um teste de oclusão[233] [234]:
- Frequência de aspiração a intervalos ≥ 4 horas;
- Eficácia da tosse e remoção de secreções da orofaringe;
- Estado basal respiratório capaz de suportar oclusão da cânula de traqueostomia;
- Capacidade de chamar o pessoal de enfermagem usando a campainha;
- Capacidade do paciente solicitar remover a oclusão dentro de 30 segundos;
- Sem contraindicações para o teste de oclusão, como exames fora da unidade.
Se o paciente preenchia todos os
critérios da triagem ou deixava de preencher alguns, mas tinha capacidade de
resolver as questões, era submetido a desinsuflação completa do cuff e a um breve
teste de oclusão da cânula por 1 minuto colocando o dedo enluvado sobre a
cânula para desviar a passagem de ar através das vias aéreas superiores e das
cordas vocais visando permitir a fonação. Caso não passasse na triagem e não
fosse capaz de resolver as questões, era submetido a um processo de
reabilitação e modificação da cânula por 1 semana, sendo novamente então
submetido a triagem. A reabilitação física foi realizada em pacientes com
fraqueza muscular, principalmente aqueles que não tinham capacidade de avisar a
enfermeira pela campainha ou de chamar para retirar a oclusão, de acordo com
planos de tratamento individuais, como recuperação da função de caminhada e
atividades de vida diária.
Caso o paciente tolerasse o teste
de oclusão de 1 minuto, era descalonado para uma cânula com < 6mm e
submetido diretamente ao teste de oclusão de 24 horas (caso tenha passado em
todos os critérios da triagem) ou a uma abordagem sequencial, com 12 horas de
oclusão, 12 horas de desoclusão e, a seguir oclusão por 24 horas (caso não
tenha cumprido todos os critérios da triagem, mas mostrasse capacidade de
resolver as questões).
Caso o paciente não tolerasse o teste de oclusão de 1 minuto, sem conseguir fonar, apresentar estridor ou dificuldade respiratória ou manifestar qualquer dificuldade respiratória, o paciente era encaminhado apara o programa de reabilitação e/ou o otorrinolaringologista para exame endoscópico das vias aéreas.
O teste de oclusão de 24 horas
foi definido como bem-sucedido se não houvesse dessaturação de oxigênio, se a
necessidade de oxigênio não exigisse FiO2 ≥ 40%, ou se a oclusão não
tivesse sido removida por qualquer motivo, como necessidade de aspiração,
dessaturação, falta de ar ou instabilidade hemodinâmica. Se o paciente não
tolerasse o teste, o mesmo era suspenso, o paciente retornado à VM, o fisioterapeuta
e o médico assistente eram notificados e o teste era novamente feito no dia
seguinte usando a abordagem sequencial. Se o paciente passasse no teste, o
resultado era informado ao médico assistente para decisão de prosseguir com a
decanulação. A cânula de traqueostomia era removida e o estoma coberto com um
curativo estéril. Após a desencanulação, os pacientes foram monitorados com
oximetria de pulso contínua por pelo menos 24 horas.
Dentre os 346 pacientes adultos
traqueostomizados que foram decanulados, em 197 (56.9%) pacientes houve falha
de decanulação e em 149 (43,1%) houve sucesso. O grupo de falha de decanulação
teve uma maior taxa de comorbidades, incluindo doença neurológica e pior
disfunção orgânica do que o grupo de sucesso de decanulação, embora não tenha
havido diferença na duração da VM. O delirium avaliado pelo CAM-ICU e a
frequência de aspiração endotraqueal foram maiores no grupo de falha de decanulação.
A necessidade de vasopressor no momento do desmame da VM e a prevalência de
pneumonia durante a VM após traqueostomia também foram maiores no grupo de falha
de decanulação. Além disso, melhor oxigenação no momento do desmame da VM foi
associada ao sucesso da decanulação. Contudo, a necessidade de terapia renal
substitutiva foi semelhante entre os dois grupos. A análise de regressão
logística identificou 11 variáveis que estando presentes no dia da
decanulação, foram independentemente associadas à falha na decanulação: idade
avançada, menor índice de massa corporal (IMC), maiores frequências de
aspiração nas 24 horas anteriores ao desmame da VM, menor relação PaO2/FiO2 ,
malignidade como uma das comorbidades, causas não respiratórias de VM,
incluindo sepse extrapulmonar, coma e parada pós-cardíaca, presença de doença
neurológica, delirium avaliado pelo CAM-ICU, necessidade de vasopressor no dia
do desmame da VM e presença de pneumonia pós-traqueostomia.
Com base na análise de regressão
logística, elaborou-se um Modelo de Pontuação de Sucesso de Decanulação,
conhecido como Escore DECAN, desenvolvido e depois validado internamente.
O modelo de pontuação utilizando
os coeficientes β selecionou 8 variáveis presentes no dia da decanulação:
·
1 ponto para:
Ø
idade > 67 anos,
Ø
índice de massa corporal < 22 kg/m²,
Ø
malignidade subjacente,
Ø
causas não respiratórias de ventilação mecânica
(VM);
·
2 pontos para:
Ø
presença de doença neurológica,
Ø
necessidade de vasopressor,
Ø
presença de pneumonia pós-traqueostomia e;
·
3 pontos para:
Ø
presença de delirum (avaliado pelo CAM-ICU).
O modelo resultou numa pontuação
máxima de 13 pontos para variáveis associadas a falha de decanulação. A
pontuação DECAN foi associada a uma boa calibração (adequação do ajuste,
0,6477) e resultados de discriminação (área sob a curva característica de
operação do receptor 0,890, IC 95% 0,853–0,921).
O ponto de corte ideal do
escore DECAN para predição do sucesso da decanulação foi ≤ 5 pontos e esteve
associado a uma especificidade de 84,6% (IC 95% 77,7–90,0) e sensibilidade de
80,2% (IC 95% 73,9–85,5).
Letícia Fernandes da Silva
Vida e Juliana Ribeiro Gouveia Reis publicam em 2021[235],
uma revisão de estudos publicados entre 2012 e 2022, sobre o papel do
profissional de fisioterapia na progressão de decanulação em pacientes com uso
de traqueostomia, destacando que a intervenção fisioterapêutica aumenta as
chances de sucesso na decanulação do paciente traqueostomizado, auxilia na
prevenção de complicações no processo e avalia as condições clínicas de cada
paciente definindo assim a técnica e protocolo mais eficaz para o processo de
decanulação.
Joaquim Carnero Echegaray et.al., publicaram em 2022[236], uma revisão bibliográfica sobre preditores de sucesso para retirada da cânula de traqueostomia em pacientes adultos, analisando artigos publicados entre 2010 e 2020. As variáveis analisadas e as conclusões a respeito de cada uma foram:
- Idade: Possivelmente é um fator a ser destacado. Pacientes idosos geralmente apresentam maiores comorbidades dificultando o processo de decanulação, que é ainda mais difícil nos casos de fraqueza adquirida na Unidade de Terapia Intensiva.
- Sexo: Pacientes do sexo masculino acarretam mais riscos de falha no processo de decanulação, de acordo com a bibliografia analisada.
- Comorbidades: Pacientes com história de doença respiratória e neurológica são os que apresentam maior dificuldade no desmame da ventilação mecânica e também no processo de decanulação. A razão para isso pode ser a fisiopatologia dessas comorbidades, que representam um grande desafio aos profissionais responsáveis pelo tratamento para o sucesso do tratamento.
- Nível de consciência: Apesar de não haver consenso, a escala de coma de Glasgow (ECG) > 8 tem sido adotado como preditor de sucesso, sem ser requisito indispensável, especialmente em portadores de alteração crônica do nível de consciência.
- Alterações estruturais das vias aéreas: Estenoses, granulomas e malácia traqueal diagnosticadas por fibrobroncoscopia. Lesão leve com ≤ 50% da área transversal efetiva da traqueia, em pacientes com bom estado geral, não impede uma decanulação bem-sucedida. Já uma lesão é clinicamente importante se obstruir funcionalmente mais de 50% da área transversal efetiva da traqueia sendo fator de insucesso de decanulação. Entretanto, persiste o debate em que se a fibrobroncoscopia deve ser usada de rotina nos protocolos de decanulação.
- Alteração na deglutição e manejo do acúmulo de secreções: O uso do Blue Dye Test (teste com corante azul) para avaliar a capacidade de deglutição tem sido recomendado como preditor de sucesso da decanulação, apesar de alguns questionarem que, apesar de ser altamente sensível, possui baixa especificidade; podendo apresentar resultados falsos negativos. Pacientes com suspeita de alteração na capacidade de deglutir devem ter avaliação endoscópica da permeabilidade das vias aéreas e avaliação instrumental da deglutição como ferramentas de predição da decanulação. Pacientes traqueostomizados com diagnóstico de DPOC costumam apresentar assincronia entre ventilação e deglutição inerente à doença e agrava-se com a exacerbação. As microaspirações, aliadas à presença de refluxo gastroesofágico fazem com que esses pacientes tenham maior dificuldade de desmame da ventilação mecânica e baixa taxa de decanulação resultando em tempo prolongado de traqueostomia e maior risco de sofrer exacerbações que aumentam a mortalidade. Assim, testes de deglutição são ferramentas úteis para qualquer situação em que, por algum motivo (doença de base, história, ventilação mecânica prolongada), haja suspeita de broncoaspiração. Deve-se ter em conta também que a alimentação por via oral não é um requisito essencial para a decanulação, pois existem outras vias de fornecimento de alimentos que permitem a retirada do suporte ventilatório.
- Duração da ventilação mecânica: Ventilação mecânica prolongada (VMP) está associada a fatores que podem levar a insucesso da decanulação. A ausência de fluxo aéreo fisiológico pelas vias aéreas superiores causa danos sensoriais devido à falta de estimulação dos quimiorreceptores e pressão na mucosa laríngea. A pressão do cuff por períodos prolongados pode provocar danos na mucosa traqueal. Estado crítico e comorbidades que prolongam o desmame da ventilação mecânica, também podem provocar insucesso de decanulação.
- Tosse eficaz e força muscular: A capacidade de tosse pode ser facilmente avaliada medindo os fluxos durante a tosse. Se os fluxos de tosse forem medidos através da boca (vencendo a glote ativa), denomina-se pico de fluxo de tosse verdadeiro (PFT) ou true cough peak flow (CPF), enquanto se medidos através de uma traqueostomia ou de um tubo endotraqueal, denomina-se pico de fluxo expiratório de tosse (tosse-PFE) ou cough peak expiratory flow [cough (PEF)]. Valores de pico de fluxo da tosse (PFT) >160 L/min medidos na boca (com a cânula tampada e cuff desinsuflado ou imediatamente após a extubação ou decanulação) ou um valor de PFE da tosse >60 L/min medido no tubo endotraqueal sugerem decanulação ou extubação bem-sucedida[237]. Um estudo realizado em Hong Kong analisou se o pico de fluxo expiratório de tosse induzida com sonda de aspiração (através da cânula de traqueostomia conectada ao medidor de pico de fluxo de tosse) em pacientes neurocirúrgicos com alteração de consciência era um preditor de sucesso da decanulação. Os resultados do estudo mostraram que 66% de um total de 32 pacientes foram decanulados com sucesso, 2% necessitaram de recanulação e 28% não puderam ser decanulados de acordo com os critérios do estudo. A análise multivariada mostrou que um valor ≥ 29 L/min de pico de fluxo expiratório de tosse induzida está independentemente associado ao sucesso da decanulação. Por outro lado, pressão expiratória máxima (PEmáx) ≥ 40 cmH2O e preditor de sucesso na decanulação assim como ≤ 2 aspirações de secreção, com intervalo de 8 horas entre cada uma. Em relação à avaliação da força muscular e da tosse, provavelmente a PEmáx e o pico de fluxo da tosse (PFT) são as principais variáveis a serem consideradas na decanulação de um paciente.
Os autores concluíram que a
tolerância à oclusão da cânula TQT por mais de 24 horas e um pico de fluxo de
tosse ≥ 160 L/min são as variáveis mais determinantes do sucesso da
decanulação. Alterações na deglutição, no estado de consciência e alterações
anatômicas das vias aéreas ainda são controversas na avaliação do processo de
decanulação. Por outro lado, idade avançada, sexo masculino e estenose traqueal
com redução do tubo superior a 50% são os fatores de risco mais comuns
associados à falha na decanulação.
Ting Zhou et.al., publicam também em 2022[238] estudo prospectivo cujo objetivo do estudo foi avaliar o sucesso de decanulação em pacientes com traqueostomia prolongada encaminhados para um hospital de reabilitação entre janeiro de 2019 e dezembro de 2021 usando um protocolo padronizado desenvolvido pelos autores. O protocolo aplicado seguiu os seguintes passos:
- Passo 1: Avalia estabilidade clínica pelos seguintes critérios:
- Paciente fora do ventilador > 48 horas;
- Ausência de sepse;
- Ausência de falência de órgãos;
- Frequência cardíaca e pressão arterial estáveis sem o uso de drogas vasoativas;
- Infecção pulmonar sob controle e;
- PaCO2 < 60 mmHg.
- Passo 2: Avalia da patência das vias aéreas superiores usando o teste de tolerância à válvula de fonação ou de fala (Covidien, Itália).
- Duração inicial do teste: 30 minutos, repetindo-se novamente a gasometria arterial após esse período.
- Considerava-se falha do teste inicial por intolerância à válvula de fala, na ocorrência de: (1) dispneia ou piora da dispneia; (2) tosse grave ou persistente; (3) diminuição da SaO2 <90% (exigindo oxigênio suplementar através da extensão lateral da válvula de fonação); e (4) gasometria arterial pós teste com pH < 7,35 ou PaCO2 > 60 mmHg. Neste caso, era realizada endoscopia de vias aéreas superiores (broncoscopia com fibra Olympus, modelo BF-P60). Se a mucosa das vias aéreas superiores estivesse levemente congestionada e edemaciada, poderia ser administrado corticoide em aerossol inalado pela boca (não pela traqueostomia). Caso fosse muito grave, poderia ser administrada de forma endovenosa ou oral e nasal). Se houvesse presença de granulomas e obstrução por estenose > 50% do diâmetro luminal da traqueia, um otorrinolaringologista avaliava a necessidade de cirurgia local.
- Passo 3: Caso paciente tolerasse o teste inicial, o tempo de uso da válvula de fala era estendido continuamente por 4 horas, sem uso da cânula de traqueostomia para aspiração nesse período. Quando esta etapa falhava, pensava-se em excesso de salivação ou babação. Nesses pacientes se administrava anticolinérgicos ou neurotoxina botulínica A para reduzir a secreção salivar e poder finalmente tolerar a válvula de fala continuamente por 4 horas.
- Passo 4: Avalia da capacidade deglutição e de tosse. De acordo com o nível de consciência e cognitivo do paciente, as modalidades de avaliação foram as seguintes: avaliação clínica, pico de fluxo de tosse (PFT, Keka, Shanghai) e pico de fluxo expiratório (PFE, Jaeger, MasterScreen, Alemanha). Um PFT > 100 L/min ou PFE > 1,67 L/s mostrava que o paciente apresentava boa capacidade de tosse para decanular. A avaliação da deglutição foi utilizada para avaliar o modo de alimentação do paciente e não afetou a decisão final de decanulação. As modalidades de avaliação foram o teste do corante azul (BDT), avaliação endoscópica da deglutição por fibra óptica (FEES) e estudo videofluoroscópico da deglutição (VFSS). Havendo disfunção de deglutição, indicava-se nutrição enteral (NE) por sonda gástrica ou gastrostomia percutânea e se havia risco de broncoaspiração por refluxo gástrico, indicava-se NE por sonda jejunal. Nos casos em que não havia disfunção da deglutição se indicava alimentação oral.
Os pacientes eram decanulados
quando completaram com sucesso as etapas 1 a 4. Esses critérios foram ajustados
de acordo com a condição do paciente e doenças primárias. A falha na
decanulação foi definida como a necessidade de recanulação dentro de 48
horas após a remoção da cânula. Cânulas de traqueostomia com aspiração
subglótica foram utilizadas rotineiramente. A oxigenoterapia de alto fluxo
(Airvo 2, Fisher e Paykel Healthcare) foi utilizada se as secreções fossem
espessas e comprometessem a cânula.
Dos 115 pacientes encaminhados
para desmame da ventilação mecânica e decanulação da traqueostomia durante o
período do estudo, 80,0% (92/115) foram finalmente avaliados para decanulação
da traqueostomia. Apesar que o estudo não fornece referência do que seria
“traqueostomia prolongada”, o tempo médio de traqueostomia nos pacientes do
estudo foi de 70,6 dias. Após avaliação por equipe multidisciplinar, 57
pacientes atenderam a todas as indicações de decanulação e foram submetidos à
decanulação. 56 pacientes foram bem-sucedidos e 1 caso foi recanulado. O tempo
médio para decanulação após encaminhamento foi de 42,7 dias. A reintubação após
seguimento de 3 meses não ocorreu em nenhum paciente.
Margaret Mendonça Diniz da Côrte et.al., publicaram em 2023[239] os resultados da validação pela técnica Delphi, do Protocolo de Decanulação elaborado a partir do estudo publicado em 2019 citado anteriormente nesta revisão[240]. A primeira versão do protocolo contemplou as variáveis com significância estatística encontradas no referido estudo, acrescidas de itens considerados relevantes pela literatura em vigor. Essa primeira versão do protocolo incluiu os seguintes itens:
- Capacidade de remover secreções deglutindo ou cuspindo;
- Ausência de secreções abundantes, com necessidade de aspiração traqueal com sonda no máximo 3 vezes a cada 08 horas e tolerância à oclusão da cânula de traqueostomia por um período mínimo de 48 horas;
- Nível de consciência com pontuação a Escala de coma de Glasgow (ECG) entre 12 a 15;
- Ausência de infecções ativas;
- Presença de deglutição espontânea de saliva;
- Resultado negativo do Teste Blue Dye;
- Tolerância ao cuff permanentemente desinsuflado, por no mínimo 24 horas;
- Realização de troca de cânula plástica por metálica;
- Ausência de disfagia;
- Dieta por via oral liberada para as refeições e;
- Uso de válvula de fonação.
Para a validação de conteúdo da
primeira versão do protocolo de decanulação em adultos, foi utilizada a técnica
Delphi, a fim de coletar opiniões de experts no assunto, tabular os dados e
avaliar os critérios para o procedimento. Para a validação de conteúdo do
protocolo, foram necessárias três rodadas até que a concordância dos
especialistas participantes sobre todos os itens do protocolo atingisse o
percentual estabelecido de 80%. Foi sugerida a exclusão dos itens teste Blue
Dye e dieta por via oral liberada. No que se refere ao teste Blue Dye, foi
sugerida a exclusão, considerando-se que o teste pode ser falso negativo em até
50% dos casos, não sendo um parâmetro confiável para ser considerado, além de
ser a avaliação clínica fonoaudiológica considerada superior em relação ao
teste. Com relação ao item dieta por VO liberada, as principais observações dos
especialistas foram que nem sempre a possibilidade de decanulação do paciente
será relacionada à condição de receber dieta por via oral (VO), pois é um parâmetro
que analisado sozinho não indica critérios e riscos para decanulação de
traqueostomia, portanto, não há relação e dependência direta da possibilidade
de liberação de dieta por VO com a decanulação. Além disto, pacientes
disfágicos, com impossibilidade de liberação de dieta por VO podem ter uma via
aérea pérvia e capacidade de proteção de vias aéreas inferiores que permita a
decanulação.
A VERSÃO FINAL DO PROTOCOLO DE
DECANULAÇÃO FIOCU ASSIM ESTRUTURADO:
Data da avaliação:
Profissional responsável:
Dados de Identificação:
Nome:
DN: Idade: anos Sexo: F ( ) M
( ) Peso: Kg
Altura: metros
Dados Complementares à
Avaliação Inicial:
Data da Internação:
Diagnóstico à internação:
Comorbidades/Doenças
respiratórias pregressas/Disfagia prévia:
Realização da TQT: Data: Motivo:
Intercorrências no procedimento:
Não ( ) Sim ( ) Quais:
Cânula: Plástica/Silicone: com
endocânula ( ) sem endocânula ( ) Metálica ( )
Cuff: Ausente ( ) Insuflado: Sim ( ) Não (
) Diâmetro (número) da cânula:
APTIDÃO PARA INÍCIO DO
PROCESSO DE DECANULAÇÃO
1. Ausência de secreções
abundantes: ≤ 3 aspirações com sonda em 24 hs: Sim ( ) Não (
) Orientações:
a) considerar
número de aspirações com sonda por dia (24 hs) pelas equipes de: enfermagem,
fisioterapia e fonoaudiologia
b) considerar
quantidade de secreção aspirada (em geral nas aspirações): Pequena: secreção
atingiu apenas a sonda de aspiração; Moderada: atingiu o início da extensão do
vácuo; Grande: atingiu o frasco de aspiração
2. Características da
secreção:
a) Viscosidade: Fluida ( ) Espessa ( )
b) Aspecto: Hialina: clara,
transparente ( ) Purulenta ( ) Mucopurulenta ( ) Sanguinolenta
( ) Piosanguinolenta ( )
3. Tosse (espontânea e/ou
voluntária) eficaz para mobilização de secreção de Vias Aéreas:
Sim ( ) Não (
)
4. Capacidade para remover
secreções deglutindo ou cuspindo: Sim (
) Não ( )
5. Tolera o balonete
desinsuflado por 24 hs: Sim ( )
Não ( )
Observação: mantém-se
estável clinicamente e com padrão respiratório adequado com o balonete
permanentemente desinsuflado durante as 24 horas do dia
v
Critérios para aptidão ao início do processo
de decanulação: Todos os ítens resposta “Sim” e item 3 respostas: fluida e
hialina
v
Resultado: Apto a iniciar processo de
decanulação: Sim ( ) Não ( )
APTIDÃO PARA OCLUSÃO DA CÂNULA
DE TRAQUEOSTOMIA
6. Nível de consciência (Escala
de Coma de Glasgow) com pontuação 9 a 15: Sim ( ) Não (
)
7. Troca de cânula para menor
calibre: Sim ( ) Não ( )
8. Ausência de infecção
vigente/ativa (Critérios: antibioticoterapia, presença de leucocitose): Sim
( ) Não ( )
Considerar: Infecções
ativas pulmonares ou laringofaríngeas; Sepse; Infecções com presença de
delirium
9. Presença de deglutição
espontânea e eficaz de saliva: Sim (
) Não ( )
10. Uso de válvula de fala
(VF): Sim ( ) Não ( )
Observação: estável
clinicamente e com padrão respiratório adequado com o uso constante da VF.
Informação complementar, a ser utilizada nos serviços onde há o recurso do uso
da VF
v
Critérios para aptidão à oclusão da cânula: Ideal:
Todos os ítens resposta “Sim”. Possível com segurança: Itens 6, 8 e 9 resposta
“Sim”
v
Resultado: Apto à oclusão para decanulação:
Sim ( ) Não ( )
Oclusão da cânula: Data: Hora:
Observação: Padronizar oclusão
com borracha do êmbolo de seringa
AVALIAÇÃO DA APTIDÃO PARA
DECANULAÇÃO
Apto à tentativa de
decanulação:
( ) Sim = Tolerou oclusão mínima de 24 horas,
sem desoclusão
( ) Não = Não tolerou oclusão mínima de 24
horas. Motivo:
Registrar: eventual
necessidade de “desoclusão” para aspiração traqueal direta e quantas aspirações
foram necessárias:
Decanulado:
Sim ( ) Data: / / Nome do Profissional:
Não ( ) Motivo:
EXAMES OBJETIVOS
Houve indicação de exame de
Broncoscopia: Não ( ) Sim ( )
Resultado: Os achados
broncoscópicos permitem a decanulação?
Houve indicação de exame de
Fibronasolaringoscopia: Não ( ) Sim ( )
Resultado: Os achados da
fibronaso permitem a decanulação?
Houve indicação de exame de
Videodeglutograma? ( ) Não ( ) Sim
Resultado:
Decanulado: Sim ( ) Não (
) Motivo:
Data: / / Assinatura:
VENTILAÇÃO MECÂNICA PROLONGADA
(VMP).
Uma das indicações para traqueostomia
é a ocorrência de ventilação mecânica prolongada, entretanto sua definição tem
variado nos diferentes estudos[241]
[242].
A ventilação mecânica prolongada
(PMV) foi definida pela Conferência de Consenso da National Association for
Medical Direction of Respiratory Care (NAMDRC) dos Estados Unidos de 2005, como
≥
21 dias de ventilação mecânica por ≥ 6 horas por dia, seja de forma
invasiva (através tubo endotraqueal ou cânula de traqueostomia) e/ou não
invasiva (interface facial/nasal)[243]
, embora muitos estudos tenham usado uma duração alternativa para definir VMP.
A Classificação Internacional de Doenças, 10ª versão (CID-10) define VMP como ventilação
mecânica contínua por ≥ 96 horas consecutivas (CID-10 96.72). Damuth E.
et.al., na sua revisão sistemática publicada em 2015, definem VMP como
sucesso de extubação após > 3 testes de respiração espontânea (TRE) sem sucesso ou
com duração >
14 dias[244].
Digno de nota que esta definição em parte se assemelha à definição de “desmame
prolongado” da Conferência Internacional de Consenso de 2007, na qual o sucesso
do desmame (sucesso no TRE) ocorre somente após insucesso de pelo menos 3 TREs
ou precisa de mais de 7 dias para passar em um TRE[245].Louise
Rose et.al., publicaram em 2017 uma revisão de escopo analisando 419
estudos, encontrou que o critério recomendado pela NAMDRC de 21 dias foi usado
por apenas 12 estudos (2,9%): 7 após 2005 e 5 antes. O uso de 21 d a 1 mês foi
mais comum em estudos da Ásia (18 de 60, 30%), em particular Taiwan (15 de 32,
46,9%) e menos comum em estudos do Reino Unido e Europa (6 de 121, 5%). Períodos
de 14.1–20.9 dias e 7.1–14 dias também foram encontrados na revisão[246].
Assim, a literatura tem mostrado bastante heterogeneidade para definir VMP
usando tempos variáveis > 7, 10, 14 e 21 dias[247].
PACIENTES COM TRAQUEOSTOMIA
PROLONGADA
Apesar de não haver consenso
quanto um tempo a partir do qual se defina o que seria “prolongada” (prolonged
tracheostomy), os estudos referem que pacientes com permanência da cânula de
traqueostomia por longos períodos, geralmente meses, tem mais risco de
insucesso de decanulação[248]
[249].
PACIENTES NEUROCRÍTICOS
Pacientes com lesão cerebral
adquirida grave (LCAG), devido a trauma crânio-encefálico (TCE), doença
cerebrovascular (DCV) ou coma pós-anóxico (pós PCR) usualmente tem uma
permanência prolongada na UTI, ventilação mecânica prolongada (VMP), desmame
difícil da VM, falha de extubação com evolução para traqueostomia prolongada. Como
o controle motor e a capacidade de execução de tarefas voluntárias simples são
gravemente prejudicadas, devido a danos neurológicos e distúrbios cognitivos, a
eficácia da tosse, que é considerada um critério importante para o sucesso decanulação,
nem sempre é avaliável de forma confiável. Estudos tem mostrado protocolos de
decanulação em pacientes com TCE usando critérios como nível de consciência,
tolerância ao teste de oclusão da cânula, nível de secreção traqueal,
capacidade de fonação, deglutição e tosse[250]
[251].
A permanência prolongada da cânula de traqueostomia pode causar inflamação e
estenose ou tosse excessiva, e pode também prejudicar a deglutição por
dificultar a elevação traqueal contra a epiglote, que é um mecanismo automático
para prevenir a aspiração de alimentos ou secreções. Além disso, enquanto a
incidência de estenose traqueal pós-traqueostomia é cerca de 2,6% na população
em geral, a incidência global da estenose das vias aéreas em indivíduos com LCAG
é de 20%, um quarto das quais foram severas. Um estudo em pacientes com lesão
cerebral severa com traqueostomia prolongada (média de 4.9 meses) observou a
ocorrência de granulomas (60%), traqueomalácia (29%), estenose traqueal (14%) e
disfunção de corda vocal e laríngea (8%) recomendando que toda decanulação
nesses pacientes devem ser submetidos a exame anatômico endoscópico das vias
aéreas[252].
Outros estudos têm reforçado a mesma recomendação[253]
[254].
FALHA DE DECANULAÇÃO
A falha na decanulação é
caracterizada quando é necessária a reintrodução de via aérea artificial nas 48
horas seguintes à retirada de cânula traqueal. Isto ocorre em até 5% dos casos
e pode cursar com insuficiência respiratória aguda[255]
[256].
Para pacientes que falham na decanulação e nos quais o estoma ainda não foi
totalmente fechado, uma minitraqueostomia pode ser colocada para aspiração e
ventilação de curto prazo. O trajeto pode posteriormente ser reaberto usando
dilatadores em série. A razão da falha deve ser avaliada e tratada antes de
tentar novamente a decanulação. No entanto, para aqueles cujo estoma está
fechado, geralmente é necessária intubação orotraqueal[257].
PROTOCOLOS DE REFERÊNCIA
1. DO ST GEORGE’S UNIVERSITY HOSPITALS (AN NHS
FOUNDATION TRUST) [258]
Uma das referências
internacionais, o St George’s University Hospitals (an NHS Foundation Trust) de
Londres, Inglaterra, divide o processo de retirada da cânula de traqueostomia
em 2 fases:
1. DESMAME
A equipe multidisciplinar (EMD)
deve estar envolvida durante todo o processo desde o início do desmame até a
decanulação. Caso o paciente apresente doença, deve ser solicitada avaliação do
fonoaudiólogo.
1.1 Critérios para iniciar o
desmame:
1. O
paciente deve ser capaz de manter trocas gasosas adequadas na ventilação
espontânea com ou sem oxigênio suplementar. Ocasionalmente, os pacientes podem
necessitar de ventilação não invasiva (VNI) após a decanulação para o manejo de
patologias crônicas, como apneia obstrutiva do sono (AOS) ou doença pulmonar
obstrutiva crônica (DPOC).
2. Não
deve haver sinais de piora da infecção broncopulmonar ou secreções pulmonares
excessivas
3. O
paciente deve apresentar estabilidade do ponto de vista respiratório/pulmonar com
suporte de FiO2 < 40% por máscara de traqueostomia (trach collar mask)[259].
4. Indicação
inicial da traqueostomia resolvida e/ou levada em consideração (por exemplo,
obstrução das vias aéreas superiores, paralisia dos nervos cranianos)[260]
[261].
5. Paciente
está hemodinamicamente estável (do ponto de vista cardiovascular).
1.2 Etapas do desmame
O
cuff fornece alguma proteção contra aspiração de secreções, mas a presença do cuff
insuflado desacostuma o paciente a controlar suas próprias secreções e a
deglutir. Antes de desinsuflar o cuff, comunique o paciente sobre a
possibilidade de mudanças na sensação e percepção das suas vias aéreas, mas que
ele poderá tossir.
Usando uma técnica sincronizada de sucção/desinsuflação do cuff, faça a desinsuflação lentamente. Se o paciente apresentar tosse contínua que não desaparece com o tempo e com segurança e/ou sinais de aspiração, insufle novamente o cuff e verifique a pressão usando um manômetro.
A
tosse persistente pode ser devida a dificuldades no manejo das secreções orais
devido à má deglutição e/ou secreções excessivas com tosse fraca. No primeiro
caso, seria adequado solicitar avaliação pelo fonoaudiólogo.
Durante
todo o processo de desinsuflação do cuff, monitore o paciente quanto a
quaisquer sinais de dificuldade respiratória (por exemplo, aumento da
frequência respiratória, frequência cardíaca, trabalho respiratório). O tempo
que um paciente passa com o cuff desinflado pode ser aumentado
intermitentemente conforme tolerado. O objetivo final é aumentar a desinsuflação
do cuff por um período >24 horas e poder continuar durante a noite[262].
1.2.2.
Oclusão da cânula com o dedo enluvado
Se
o paciente tolerar a desinsuflação do cuff, é necessário verificar se há um
fluxo de ar adequado ao redor do tubo de traqueostomia e até a boca/nariz antes
que o desmame possa prosseguir. Isto é realizado ocluindo o tubo de
traqueostomia com um dedo enluvado e sentindo o fluxo de ar do nariz/boca.
Durante a oclusão, o paciente deve ser monitorado de perto quanto a quaisquer
sinais de desconforto respiratório; se isso ocorrer, o procedimento deve ser
interrompido. Um bom fluxo de ar pode ser confirmado pela auscultação do
pescoço, acima do nível da cânula de traqueostomia.
A
presença de estridor, sons respiratórios mínimos ou ausentes acima do nível da
cânula de traqueostomia indica redução do fluxo de ar ao redor da cânula. Portanto,
nesta situação deve-se considerar a troca da cânula por uma cânula de tamanho
menor e/ou fenestrada para otimizar e prosseguir com o desmame.
1.2.3
Válvula de fala unidirecional
Se
houver fluxo adequado de ar ao redor da cânula, coloque uma válvula falante
unidirecional sobre a abertura da cânula com cuff desinsuflado. A válvula de fala
unidirecional cobre a abertura do tubo de traqueostomia, permitindo a entrada
de ar pela válvula durante a inspiração, mas fecha na expiração, permitindo que
o ar passe pelas cordas vocais e saia pelo nariz e pela boca.
O
paciente pode conseguir vocalizar com a válvula unidirecional instalada.
Incentive a vocalização e monitore sinais de dificuldade em controlar as
secreções orais (por exemplo, voz úmida, dificuldade em limpar a garganta de
secreções).
O
período de tempo que um paciente é capaz de tolerar uma válvula de fala varia
de paciente para paciente e só pode ser medido a partir da observação do
trabalho respiratório do paciente. Por exemplo, um paciente que tem um déficit
neurológico e que apresenta dificuldades de deglutição pode conseguir
inicialmente apenas um período de 2-3 minutos. No entanto, um paciente que não
apresenta aumento no trabalho respiratório, e tem tosse e deglutição adequadas
pode tolerar várias horas em um teste inicial.
Com
a válvula de fala conectada, o paciente expira pelo tubo de traqueostomia e
pela boca/nariz. Isto pode colocar uma maior exigência na reserva ventilatória
do paciente e o paciente precisa ser monitorado de perto quanto a sinais de
dificuldade respiratória ou fadiga, os quais, se presentes, o teste deve ser
interrompido e o paciente observado para resolução desses sintomas. O objetivo
é aumentar a tolerância ao uso da válvula de fala unidirecional por mais de 4
horas em um bloco, porém não é aconselhável deixá-la ligada durante a noite,
pois as secreções ou a posição de dormir podem obstruir a válvula
unidirecional. Esta etapa pode ser realizada de forma intermitente e o tempo
aumentado conforme tolerado pelo paciente. É aconselhável remover a válvula de fala
durante os períodos de nebulização, pois a umidade adicional ou os medicamentos
podem fazer com que a válvula unidirecional emperre.
1.2.4.
Teste de oclusão da cânula com tampa
Quando
o paciente tiver tolerado um longo período de desinsuflação do cuff e pelo
menos 4 horas seguidas com uma válvula de fala unidirecional, um teste de
oclusão da cânula com tampa pode ser considerado. Esta é a etapa final do
processo de desmame e a cânula de traqueostomia fica efetivamente tampada. Todo
o ar durante a inspiração e a expiração será direcionado para a nariz e pela
boca passando ao redor da cânula. O cuff deve estar sempre desinflado, caso
contrário o paciente não conseguirá inspirar ou expirar. O objetivo é testar
até 4 horas com a cânula tampada. Isto pode variar em pacientes que foram
submetidos a cirurgia de cabeça/pescoço ou que necessitaram de uma
traqueostomia para resolver a obstrução das vias aéreas, onde a equipe médica
pode solicitar um período de tempo mais longo com a tampa colocada antes de
considerar a decanulação. Durante os testes com a cânula tampada, o paciente
deve ser monitorado quanto a sinais de fadiga ou desconforto respiratório que,
se presentes, o teste deve ser interrompido e o paciente observado para
resolução desses sintomas.
Solução
de problemas (problema, causa e solução)
1. Problema: Na desinsuflação do
manguito, pouco ou nenhum fluxo de ar pode passar ao redor da cânula de
traqueostomia para a boca/nariz ao usar a técnica de oclusão com dedo enluvado.
Causas: Espaço reduzido ao redor da traqueostomia devido a cânula muito
grande ou a obstrução das vias aéreas (por exemplo, estenose, tecido de
granulação).
Soluções: Considere trocar a cânula
para uma de menor tamanho com ou sem fenestrações. Considere encaminhamento ao
otorrinolaringologista para investigar obstrução das vias aéreas antes de
prosseguir com o desmame.
2. Problema: Um aumento no trabalho
respiratório durante o teste com válvula de fala unidirecional ou durante a
oclusão com tampa da cânula.
Causas: O cuff permaneceu insuflado. Espaço
reduzido ao redor da cânula de traqueostomia, pois é muito grande ou há
obstrução das vias aéreas. Reserva ventilatória deficiente. Secreções
excessivas e/ou dificuldade em engolir. Ansiedade
Soluções: Remova a válvula unidirecional/tampa
da cânula e desinsufle o cuff. Continue o desmame com uma válvula
unidirecional, uma vez que os sintomas do paciente tenham desaparecido.
Considere encaminhamento ao otorrinolaringologista para investigar obstrução
das vias aéreas antes de prosseguir com o desmame. Aumente o tempo
gradualmente, monitorando o trabalho respiratório. Estimule o paciente a tossir
e limpar a boca ou engolir. Remova a válvula de fala e aspire, se necessário.
Se a deglutição estiver prejudicada, consulte a fonoaudiologia. Tranquilize e
explique o procedimento completamente ao paciente.
Documentação
Todas
as etapas do desmame da traqueostomia devem ser claramente documentadas na
folha padronizada de desmame.
Uso
de cânulas fenestradas
Uma
cânula de traqueostomia fenestrada possui um ou mais orifícios pequenos
(fenestrações) na superfície superior da cânula que permitem maior fluxo de ar
através da cânula até a boca e o nariz e pode ser útil para pacientes que são
mais difíceis de desmamar ou onde reduzir o tamanho do tubo pode ser
indesejável.
O
processo de desmame e decanulação permanece essencialmente o mesmo. No entanto,
é importante certificar-se de que uma cânula interna fenestrada seja usada
durante o desmame, mas que seja substituída por uma cânula interna não
fenestrada para aspiração ou se for necessária ventilação.
2.
DECANULAÇÃO
A
decanulação é a retirada da cânula de traqueostomia e pode ocorrer após um
desmame bem-sucedido e com autorização da EMD. Este procedimento deve ser
realizado ou supervisionado por um profissional que tenha a competência
adequada para recanular, caso tal seja necessário. Um estudo recente
identificou que os médicos e fisioterapeutas consideraram como determinantes da
decanulação, o nível de consciência, a tosse eficaz, secreções finas mínimas e
mínimo suporte com oxigênio suplementar[263].
Critérios sugeridos para decanulação:
- Capaz de obedecer a comandos (no paciente sem comprometimento neurológico);
- Tosse eficaz e capacidade de eliminar secreções de forma eficaz e independente;
- Hemodinamicamente estável;
- Sem novos infiltrados pulmonares na radiografia;
- Tolera desinsuflação do cuff por 24 horas;
- Tolera válvula de fala por 12 horas ou mais (geralmente durante o dia) ou teste de oclusão com tampa por até 4 horas (se houver fluxo de ar na oclusão com dedo). Em pacientes após cirurgia de cabeça e pescoço, a oclusão com tampa pode ser deixada por períodos mais longos, a critério do cirurgião;
- Autorização da EMD para decanulação
Equipamento:
- Pacote de curativos;
- Gaze e dois curativos transparentes semipermeáveis, como tegaderm ou opsite;
- Solução salina normal estéril;
- Luvas, avental e óculos de proteção;
- Cânula de traqueostomia de tamanho apropriado e uma de tamanho menor (disponível, mas não aberta;
- Máscara facial ou dispositivos nasais se o paciente precisar de oxigênio;
- Swab microbiológico;
- Dilatadores traqueais;
- Sistema de aspiração funcionante e cateteres de aspiração de tamanho apropriado;
- Estetoscópio;
- Equipamento de reanimação.
Procedimento:
- Verifique os equipamentos de emergência;
- Explicar o procedimento ao paciente e obter o consentimento do paciente sempre que possível;
- Posicione o paciente em posição semi-sentada;
- Quando necessário, coloque oxigênio suplementar sobre o nariz e a boca;
- Certifique-se de que o assistente tenha clareza sobre o que se espera dele;
- Se necessário, peça ao assistente para aspirar, remover curativos, cadarços e o suporte da cânula;
- Remova a cânula na expiração;
- Observe o local, swab se necessário e limpe o estoma;
- Verifique se o paciente está confortável;
- Use uma porção de gaze dobrada em quatro e coloque sobre o estoma, peça ao assistente para colocar curativos transparentes sobrepondo-os sobre o local do esto;
- Mostrar ao paciente como aplicar pressão sobre o local do estoma ao falar ou tossir para reduzir a possibilidade de “estouro” do curativo;
- Documente o procedimento nas anotações do caso e faça uma verificação final do paciente
Falha
na decanulação
Os
pacientes falham na decanulação por vários motivos; portanto, o paciente requer
observação cuidadosa após a decanulação. As razões para a falha incluem: aumento
do trabalho respiratório, incapacidade de eliminar secreções e danos à
traqueia, incluindo estenose, traqueomalácia e granuloma que podem não ter sido
previamente diagnosticados. As manifestações clínicas destas últimas
complicações incluem estridor, alteração na qualidade da voz e/ou aumento do
trabalho respiratório[264]. O paciente deve ser encaminhado ao
otorrinolaringologista ou a equipe de emergência se for observada dificuldade
respiratória aguda.
Sugere-se
que a caixa traqueostomia de emergência seja mantida à beira do leito do
paciente por 24 horas após a de decanulação.
2. UpToDate[265]
A decanulação é o processo pelo
qual um tubo de traqueostomia é removido. Os dados sugerem que o envolvimento
multidisciplinar da enfermagem, da fonoaudiologia e dos médicos pode melhorar a
segurança do paciente durante a decanulação. Embora a maioria das decanulações
sejam realizadas em instalações de cuidados prolongados, é viável fazê-las sob
supervisão adequada em casa.
Critérios. Candidatos aptos para decanulação incluem pacientes que atendem a todos os seguintes critérios:
- A ventilação mecânica não é mais necessária. Durante o desmame, uma vez que o paciente tenha tolerado uma máscara de traqueostomia por um período ≥ 24 horas, a ventilação mecânica não é mais necessária e a decanulação deve ser considerada, desde que todos os outros critérios estejam presentes.
- Sem obstrução das vias aéreas superiores. Avalia-se a patência das vias aéreas superiores (isto é, glote, cordas vocais e espaço subglótico). Os pacientes que não conseguem proteger as vias aéreas superiores não devem ser decanulados, enquanto aqueles que conseguem proteger as vias aéreas superiores são considerados bons candidatos à decanulação. Não existe uma abordagem formal para esta avaliação. Desinsufla-se o cuff e oclui-se a cânula de traqueostomia com o dedo enluvado e solicita-se ao paciente que realize fonação dizendo uma ou duas palavras ou uma frase comple
- Se o paciente estiver confortável, puder fonar e não tiver dificuldade para respirar ou não apresentar estridor, ele deverá tolerar a decanulação.
- Se o paciente não conseguir fonar, apresentar estridor ou dificuldade para respirar ou manifesta desconforto respiratório, sugere-se exame endoscópico das vias aéreas superiores, incluindo cordas vocais, espaço subglótico e traqueia até o nível da carina.
- Se a permeabilidade das vias aéreas estiver comprometida por estenose, tecido de granulação ou movimento anormal das cordas vocais, deve se pedir avaliação de especialista com vistas ao tratamento antes da decanulação.
- Se nenhuma patologia for encontrada na endoscopia, se reduz o tamanho da cânula de traqueostomia, com o cuff totalmente desinsuflado para melhorar o fluxo de ar ao redor da cânula de traqueostomia. Testa-se novamente o paciente quanto à patência das vias aéreas superiores posteriormente (por exemplo, uma a duas semanas depois).
- Alguns especialistas avaliam rotineiramente as vias aéreas superiores endoscopicamente antes da decanulação ou a cada troca de traqueostomia para procurar estenose traqueal. No entanto, ainda precisa ser determinado se o paciente pode tolerar clinicamente a decanulação, uma vez que a maioria das estenoses não é sintomática até que pelo menos 50% ou mais do diâmetro das vias aéreas esteja comprometido. Em nossa opinião, a tolerância inicial à oclusão digital indica a probabilidade de sucesso subsequente e diminui a necessidade de inspeção das vias aéreas.
- Presença de uma tosse eficaz. Normalmente, usa-se a avaliação gestalt para avaliar a capacidade do paciente de tossir e expelir suas próprias secreções. Entretanto, alguns médicos utilizam pico de fluxo de tosse (usando um adaptador de traqueostomia), particularmente em pacientes com insuficiência respiratória devido à fraqueza muscular respiratória (por exemplo, pacientes com doença neuromuscular). Nesses pacientes, um pico de fluxo de tosse > 160 L/minuto geralmente prediz uma decanulação bem-sucedida. O valor desta medida em pacientes sem doença neuromuscular é desconhecido.
- Secreções mínimas. Mesmo com uma boa tosse, as secreções espessas e abundantes representam um desafio para a decanulação. Prefere-se decanular quando os pacientes apresentam secreções finas e mínimas (por exemplo, necessitam de aspiração de secreções a cada 2 horas ou mais).
- Capacidade de remover a tampa e/ou pedir ajuda, se necessário. Se os pacientes não puderem realizar essas atividades, prefere-se a observação individual na sala durante os testes de respiração.
Técnicas. Várias técnicas de decanulação foram descritas e a prática varia entre instituições e médicos. Não há diretrizes que sugiram que um método específico seja superior a outro. Em nossas instalações, normalmente usamos testes de oclusão. Uma declaração de consenso defende que os pacientes devem ser submetidos a um teste de oclusão da cânula bem-sucedido com o cuff desinsuflado antes da decanulação. No entanto, a redução do tamanho da cânula de traqueostomia deve ser considerada quando for grande (por exemplo, cânula tamanho 8).
- Testes de oclusão progressiva até serem tolerados durante 12, 24 ou 48 horas. Esta abordagem é relativamente comum, particularmente em instalações de desmame prolongado. Envolve desinsuflar o cuff e colocar uma tampa sobre a cânula de traqueostomia e observar a tolerância do paciente. Pode ser necessário oxigênio suplementar por meio de cânulas nasais. Os testes de oclusão duram inicialmente de 2 a 4 horas, às vezes mais, e aumentam progressivamente para 48 horas durante uma a duas semanas.
- Um teste bem-sucedido é aquele em que os pacientes toleram um período prolongado de oclusão sem desconforto respiratório, estridor ou retenção de secreção (por exemplo, 24 a 48 horas). Dificuldade ou sintomas devem levar a uma avaliação das vias aéreas superiores com broncoscopia para avaliar traqueomalácia ou estenose.
- Numa série não controlada, 16% dos pacientes não toleraram um teste de oclusão inicial de 30 minutos. Na broncoscopia, esses pacientes apresentaram >50% de obstrução traqueal. Todos os pacientes que toleraram o teste de oclusão inicial passaram para uma decanulação bem-sucedida sem necessidade de broncoscopia.
- Diminuição progressiva no tamanho do tubo de traqueostomia. Nesta abordagem, o tamanho da cânula de traqueostomia é reduzido lentamente a cada um ou dois dias (às vezes por mais tempo) até que a respiração espontânea seja documentada com o menor tubo colocado (por exemplo, tamanho 4).
- Se um tubo pequeno for tolerado por alguns dias, o paciente poderá ser decanulado. Isto retarda a taxa de fechamento da fístula traqueocutânea ao longo do tempo e permite que o paciente desenvolva tolerância e força para respirar através das cordas vocais.
- Esta abordagem demonstrou ter uma taxa de sucesso de quase 80% em u
- m estudo de coorte prospectivo e observacional de mais de 100 pacientes com insuficiência respiratória crônica.
- Decanulação imediata. Esta abordagem envolve um teste de oclusão abreviado (por exemplo, 12 horas) e nenhuma redução do tamanho do tubo de traqueostomia em pacientes cujas vias aéreas foram inspecionadas visualmente. Um teste bem-sucedido é aquele em que o paciente tolera a oclusão sem desconforto respiratório, estridor ou retenção de secreção. Esta abordagem aplica-se apenas a uma minoria altamente selecionada de pacientes. Como exemplos:
- Pacientes sem ventilação e sem necessidade de suporte respiratório;
- Pacientes com exame endoscópico com fibra óptica normal das vias aéreas superiores;
- Pacientes com vazamento ao redor do cuff;
- Pacientes que não apresentam dispneia;
- Pacientes com gasometria arterial estável;
- Pacientes com estado hemodinâmico estável;
- Pacientes que não têm infecção ativa;
- Os pacientes necessitam de monitoramento por telemetria e oximetria nas primeiras 24 horas após a decanulação imediata. Para aqueles submetidos à decanulação em casa, pode ser necessária uma breve internação hospitalar.
- Uso de cateter de oxigênio de alto fluxo aquecido e umidificado e baixa frequência de sucção. Isso envolve um teste de respiração espontânea de 24 horas, enquanto oxigênio de alto fluxo aquecido e umidificado é fornecido através da cânula de traqueostomia com o cuff desinsuflado. No entanto, a eficácia de tal abordagem precisa de ser replicada. Além disso, permanecem dúvidas sobre a aplicabilidade a pacientes que desmamam em instalações de cuidados intensivos de longa duração, e permanecem questões sobre o impacto confuso do oxigénio de alto fluxo no resultado (uma vez que fornece uma pequena quantidade de pressão positiva). Apenas um estudo descreveu esse método. Um ensaio randomizado de 330 pacientes que demonstraram capacidade de respirar espontaneamente através da cânula de traqueostomia por 24 horas comparou um teste de 24 horas de oclusão com um teste de respiração espontânea que utilizou oxigênio de alto fluxo aquecido e umidificado fornecido através da traqueostomia por 24 horas. Os pacientes foram submetidos à decanulação após passar por um teste de oclusão de 24 horas (grupo controle) ou necessitaram de aspiração não mais do que duas vezes em um período de oito horas durante 24 horas (grupo de intervenção com oxigênio de alto fluxo). O tempo para decanulação foi menor no grupo de intervenção em sete dias e a incidência de pneumonia e traqueobronquite foi menor. Independentemente do método utilizado, ambos os grupos tiveram uma taxa de sucesso semelhante de decanulação, com menos de 5% necessitando de substituição da cânula de traqueostomia.
- Tampão de traqueostomia. Um tampão de traqueostomia (também conhecido como retentor traqueal) é um pequeno dispositivo que é colocado através do estoma após a decanulação. Abrange toda a extensão do estoma, mas não se estende até a traqueia; assim, ajuda a manter a extremidade proximal do trato traqueocutâneo aberta ao nível da traqueia. Um tampão de traqueostomia pode ser particularmente útil em pacientes que apresentam depuração limítrofe de secreções e necessitam de manutenção do estoma durante um período de observação prolongado, especialmente em pacientes que foram submetidos recentemente a dilatacional percutânea da traqueostomia, pois o estoma fecha rapidamente nesses pacientes. Os tampões traqueais vêm em uma variedade de tamanhos, de modo que um tampão de tamanho semelhante à cânula de traqueostomia original seja um tampão inicial de tamanho apropriado.
- Fechamento traqueocutâneo tardio. A maioria dos tratos traqueocutâneos começa a fechar nas primeiras 48 horas após a decanulação e, em sete dias, devem estar completamente ou quase completamente fechados. Uma pequena proporção demora um pouco mais. Se persistirem após três a seis meses, é diagnosticada uma fístula traqueocutânea. Fatores de risco incluem traqueostomia prolongada, uso de corticosteróides, idade avançada e desnutrição. Os sintomas incluem irritação da pele, infecção, tosse e fonação fracas, aspiração e pneumonia recorrentes, intolerância à submersão e aparência estética deficiente. O tratamento inclui cauterização, excisão ou, em casos raros e refratários, fechamento cirúrgico da fístula.
Falha na decanulação. Para
pacientes que falham na decanulação e nos quais o estoma ainda não foi
totalmente fechado, uma minitraqueostomia pode ser colocada para aspiração e
ventilação de curto prazo. O estoma pode posteriormente ser reaberto usando
dilatadores em série. A razão da falha deve ser avaliada e tratada antes de
tentar novamente a decanulação. No entanto, para aqueles cujo estoma está
fechado, geralmente é necessária intubação orotraqueal.
Os fatores que determinam o
sucesso são mal definidos. Um estudo relatou que entre 134 pacientes que foram
desmamados, mas ainda tinham uma cânula de traqueostomia colocada no momento da
alta, a decanulação subsequente bem-sucedida foi associada à ausência de
hipertensão, à capacidade de andar no corredor do hospital e à capacidade de se
alimentar sem sonda antes aa alta.
DISPOSITIVOS DE FALA OU FONAÇÃO
Para pacientes nos quais foi realizada traqueostomia e o cuff da cânula esta insuflado, a fala não é viável. No entanto, a comunicação do paciente via fala pode ser alcançada com as seguintes técnicas de fonação:
Capping. Os testes de capping permitem que o paciente fone enquanto a tampa é aplicada e o cuff é desinsuflado. O ar é inspirado pela boca e pelo nariz, criando um volume corrente em quantidade e fluxo suficientes para permitir a fala durante a expiração. O oxigênio nasal pode ser fornecido para suplementação de oxigênio.
Válvula de fala unidirecional. As válvulas de fala Passy-Muir podem ser usadas como uma alternativa ao capping antes da decanulação e podem ser mais facilmente toleradas pelo paciente devido à menor resistência das vias aéreas. Uma válvula de fala Passy-Muir é fixada ao tubo de traqueostomia. É uma válvula unidirecional que permite a inspiração através da válvula, mas a expiração é vedada pela válvula. Assim, o ar deve circular ao redor da cânula de traqueostomia e pelas cordas vocais para a fonação. É importante ressaltar que o cuff deve estar totalmente desinsuflado para que isso seja seguro. Uma máscara de traqueostomia pode ser colocada ao redor da válvula para complementar o fornecimento de oxigênio. Embora as válvulas unidirecionais possam ser mais confortáveis para o paciente e sejam comumente usadas, o tempo para a decanulação não difere dos testes de tamponamento tradicionais. Quando usadas repetidamente, inspecionamos a válvula diariamente antes do uso, pois elas podem ficar bloqueadas com secreções e prejudicar a função da válvula e causar dificuldade respiratória.Em geral, as válvulas unidirecionais são menos indicadas para pacientes com doenças neuromusculares, pois preferimos que o paciente possa retirar o dispositivo sozinho em caso de desconforto respiratório; uma alternativa é que sejam observados continuamente durante os testes para que a remoção urgente possa ser auxiliada, se necessário.
Cânula de traqueostomia falante. Alguns aparelhos comerciais utilizam uma cânula adicional de pequeno diâmetro que expele ar acima do cuff do tubo de traqueostomia quando a extremidade proximal foi ocluída manualmente. São raramente usadas. As limitações incluem a exigência de oclusão manual e a frequente incapacidade de falar frases completas.
Dados preliminares sugerem que a fonação precoce é viável e pode ser benéfica quando instituída durante a ventilação mecânica em pacientes traqueostomizados. Por exemplo, um ensaio randomizado de 30 pacientes traqueostomizados ventilados relatou que a intervenção precoce com desinsuflação do cuff mais uma válvula de fala em linha durante a ventilação mecânica encurtou o tempo de fonação em 11 dias, quando comparada com a intervenção tardia usando a abordagem padrão. Mais pesquisas são necessárias antes que a fonação precoce possa se tornar rotina para essa população.
DISCUSSÃO
Muito embora, muitos estudos tenham sido publicados, incluindo revisões sistemáticas, ainda não se tem diretrizes ou guidelines aceitos de forma uniforme pela comunidade científica internacional. Enquanto se aguardam novas evidencias e validação de escores propostos para aumentar a taxa de sucesso da retirada da cânula de traqueostomia, hospitais devem elaborar protocolos próprios devidamente aprovados pelas instancias de direção e de qualidade.
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ENRIQUE BARBA RODAS. Médico Especialista em Medicina Intensiva. Coordenador da
Unidade de Terapia Intensiva Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
[2] MARIANA
GOMES FARIA. Fisioterapeuta da Santa Casa de São Jose dos Campos.
[3] DÉBORA
CRISTINA CATARINO. Fisioterapeuta da Santa Casa de São Jose dos Campos.
[4] FABIANA
SEGATO SUANNES CARVALHO. Fonoaudiologa da Santa Casa de São Jose dos Campos.
[5] SELMA
DE LIMA FARIA. Enfermeira gestora da Santa Casa de São José dos Campos.
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