TAMPONAMENTO RENAL E LESÃO RENAL AGUDA
Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico intensivista. Responsável Técnico e Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
O termo “tamponamento renal”
(renal tamponade) vem sendo cada vez mais usado para descrever quadros de
disfunção renal associados a congestão renal por compressão intrarrenal
ou extra-renal de estruturas intrarrenais como artérias, veias,
glomérulos e túbulos, diminuindo a função do rim. O quadro pode ser
comparado ao derrame pericárdico com tamponamento cardíaco. Pacientes com
derrame pericárdico agudo podem apresentar parada cardíaca devido a um
tamponamento cardíaco, enquanto toleram grandes derrames pericárdicos crônicos.
A taxa de acumulação é um fator decisivo para o efeito de tamponamento. É por
essa semelhança que o termo “tamponamento renal” vem sendo citado em diferentes
artigos.
Um exemplo clássico de lesão renal
como resultado da compressão pode ser encontrado no rim de Page: uma síndrome
clínica de função renal diminuída e/ou hipertensão decorrente da compressão
externa no rim, mais comumente por hematoma subcapsular, que leva a
hipoperfusão por compressão vascular principalmente do sistema arterial[1].
Irvine Page descreveu pela primeira vez essa entidade em 1939. Ele realizou
experimentos com animais nos quais envolveu os rins em celofane. Seguiu-se uma
intensa resposta inflamatória que produziu uma casca fibrocolágena que
comprimiu o rim. A compressão dos vasos intrarrenais levou à isquemia e
ativação do SRAA. A hipertensão se desenvolveu dentro de 4 a 5 semanas e foi
curada por nefrectomia do rim afetado. Em 1955, Engel e Page descreveram o primeiro
caso de rim de Page em um jogador de futebol de 19 anos com história de
hipertensão há 2 anos, que havia sofrido trauma no flanco dois anos antes e que
apresentava hematoma subcapsular. A hipertensão foi curada após nefrectomia. A
hipertensão no rim de Page é mediada pela ativação do SRAA e o mecanismo da
hipertensão é semelhante à hipertensão de Goldblatt. Goldblatt, em seus
experimentos, aplicou pinças na artéria renal principal para reduzir o fluxo
sanguíneo. A hipoperfusão dos rins leva à liberação de renina, ativação do SRAA
que leva à hipertensão. No rim de Page, a compressão externa do rim leva à
diminuição da perfusão nos vasos sanguíneos intrarrenais. A isquemia
microvascular resultante causa ativação do SRAA levando à hipertensão[2].
O baixo fluxo renal reduz a TFG o que faz com que menos NaCl chegue até a
macula densa do TCD, portanto haverá menor concentração de NaCl. Menos cloreto
será reabsorvido neste segmento tubular. A queda da reabsorção de cloreto pela
mácula densa é “sentida” pelas células justaglomerulares da arteríola aferente
se constituindo em importante estímulo para a secreção de renina que por sua
vez leva a um aumento da angiotensina II (potente vasoconstritor sistêmico) e a
HAS. A arteríola eferente contém mais células musculares que a arteríola
aferente tendo propensão maior a se contrair, fazendo aumentar a pressão
intraglomerular e a TFG[3].
Entretanto, os efeitos do sódio no SRAA são contrários. Alta concentração de sódio
na macula densa acarreta aumento na secreção de renina e concentração baixa de sódio
diminui a produção de renina[4].
Em 2007, Abutaleb, N., e
Obaideen, A. relatam um caso de lesão renal por hematoma subcapsular como “tamponamento
renal”[5].
O fato de o rim ser circundado por uma cápsula rígida e não expansível (capsula
renal) desempenha um papel crucial nos efeitos de compressão. Mais recentemente
em 2023, Tamoki Taniguchi e col., descrevem um caso de hidronefrose relacionada
ao rim de Page que apresentou hipertensão hiperreninêmica e disfunção renal
cuja fisiopatologia seria o “tamponamento renal”, em que o rim foi comprimido entre
a pelve renal e fáscia de Gerota, resultando em isquemia microvascular
intrarrenal[6].
Em janeiro de 2023, Jonathan S. Chávez-Íñiguez e col., numa revisão do manejo
da síndrome cardiorrenal tipo I (relato de caso) destacam a congestão venosa
renal como um dos principais determinantes da disfunção renal, secundária à
ativação neuro-hormonal, inflamatória e hemodinâmica, que agrava a incapacidade
renal de excretar sódio e água. A esta congestão renal gerada por aumento da
pressão venosa central promovendo a compressão do parênquima renal, se referem como
“nefropatia congestiva” termo proposto por Husain-Syed F. e col., em 2021[7]
. Mas, considerando que ocorre um aumento da pressão intersticial em um órgão
encapsulado também se referem a essa entidade como “tamponamento renal” como
sendo um dos principais mecanismos fisiopatológicos associados ao
comprometimento da função renal[8].
CONCEITOS ANATOMO-FISIOLOGICOS
Os rins encontram-se fora da
cavidade peritoneal (órgão extraperitonial). Cada rim em um adulto pesa
aproximadamente 150 gramas. O rim é recoberto por uma membrana dura e fibrosa
de tecido conjuntivo (constituída por tecido colágeno denso e irregular) denominada capsula renal. O parênquima
renal se divide em duas regiões: uma externa denominada cortical ou córtex
renal (de aproximadamente 1cm de espessura, contém os glomérulos de
Malpighi) e uma mais interna denominada medular ou medula, que se divide
em 8 a 10 massas de tecido em forma de cone chamadas de pirâmides de
Malpighi. A base de cada pirâmide origina-se na borda entre o córtex e a
medula, e termina na papila, que se projeta para dentro do espaço da
pelve renal, uma continuação da extremidade superior do ureter, em forma de
funil. Nas regiões laterais, as pirâmides fazem contato com extensões de tecido
cortical para a medula, denominadas colunas de Bertin. A borda externa
da pelve é dividida em bolsas abertas denominadas cálices maiores, que
se estendem para baixo e se dividem em cálices menores, que coletam a
urina dos túbulos de cada papila. O rim pode ser dividido esquematicamente em lobos,
cada um formado por uma pirâmide de Malpighi, associada ao tecido cortical
adjacente. As paredes dos cálices, da pelve e do ureter contêm elementos
contráteis que impulsionam a urina em direção a bexiga, onde é armazenada até
que seja eliminada pela micção.
O sangue flui para cada rim
através da artéria renal, que se ramifica progressivamente para formar as
artérias interlobares, artérias arqueadas (ou arciformes), artérias
interlobulares e as arteríolas aferentes, que dão origem aos capilares
glomerulares (se capialriza na forma de tufo), onde a filtração dos líquidos e
dos solutos começa. Os capilares de cada glomérulo se juntam para formar uma
arteríola eferente que continua o trajeto arterial para nutrir o parenquima
renal. As arteríolas eferentes que drenam os glomérulos corticais se dividem em
um plexo capilar que envolve os túbulos renais (capilares peritubulares). Aquelas
que drenam os glomérulos justamedulares formam os vasos retos; estes são feixes
de vasos que mergulham na medula em profundidades variadas, formando plexos
capilares que envolvem as alças de Henle e depois se juntam para formar os
vasos retos ascendentes, que eventualmente drenam para as veias renais. Os vasos
retos formam um sistema de troca em contracorrente essencial para a formação de
urina concentrada e diluída (em relação ao plasma). Os capilares peritubulares
se esvaziam nos vasos do sistema venoso, que correm paralelos aos vasos
arteriolares, e progressivamente formam a veia interlobular, veia arqueada,
veia interlobar e veia renal. A veia renal deixa o rim ao longo da artéria
renal e do ureter. A parte externa do rim, o córtex renal, recebe a maioria do
fluxo sanguíneo do rim e apenas 1% a 2% do total do fluxo sanguíneo renal passa
pelos vasos retos, que suprem a medula renal. Duas características distintas da
circulação renal são a alta taxa de fluxo de sangue e a presença de dois leitos
capilares, os capilares glomerulares e peritubulares, que são arranjados em
série e separados pelas arteríolas eferentes. Os capilares glomerulares filtram
grandes quantidades de líquidos e solutos, a maioria dos quais são reabsorvidos
dos túbulos renais nos capilares peritubulares. As arteríolas aferentes, antes
de se capilarizarem, costumam apresentar uma modificação da camada média, e
passam a exibir células especializadas que, pela localização são chamadas de células
justaglomerulares. O túbulo contorcido distal (TCD), em determinado momento de
seu trajeto, aproxima-se da arteríola aferente (do mesmo néfron) exatamente no
mesmo ponto onde estão as células justaglomerulares. Neste local sua parede se
modifica, formando uma estrutura conhecida como mácula densa. O conjunto de
células justaglomerulares com a mácula densa forma o Aparelho Justaglomerular que
serve de meio de comunicação entre o fluido tubular e a arteríola aferente para
promover um “feedback tubuloglomerular”, importante para a regulação da
filtração glomerular.
O fluxo sanguíneo renal é mantido
constante apesar das variações da pressão arterial sistêmica, determinando
assim a “pressão de perfusão renal” (PPR). A PPR se mante constante pelo
mecanismo de “autoregulação da taxa de filtração glomerular” entre pressões
arteriais medias de 80 a 200mmHg (pressão intraglomerular deve se manter em aproximadamente
60mmHg). São 4 mecanismos que funcionam para essa autoregulação[9]:
1) Vasodilatação da arteríola aferente.
O tônus da arteríola aferente é o principal determinante da resistência vascular
do rim. Os miócitos da arteríola aferente possuem “receptores de estiramento”
dos quais depende um reflexo vascular de vasodilatação ou vasoconstrição. Aumentos
da PAM provoca distensão dos miócitos, gerando uma resposta imediata de
vasoconstrição cálcio mediada da arteríola aferente (endotelina). Quedas de PAM
provocara relaxamento dos miócitos promovendo vasodilatação, mediada por vasodilatadores
endógenos como prostaglandinas (PGE2), cininas e oxido nítrico. Quando a PAM
cai abaixo de 80mmHg o fluxo sanguíneo renal sofre redução, pois o mecanismo de
autoregulação chegou no seu limite.
2) Vasoconstrição da arteríola
eferente. A arteríola eferente contém mais células musculares do que a arteríola
aferente, pelo que tem maior propensão a se contrair. Ao haver queda inicial da
PAM, se reduz o fluxo sanguíneo renal, a pressão intraglomerular e a TFG com
menos fluido tubular chegando até a região da macula densa do TCD. Essa queda
ativará o feedback tubuloglomerular do aparelho justaglomerular dependente da
reabsorção de cloreto, com secreção de renina pelas células justaglomerlares
que por sua vez ativará o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA). A
angiotensina II gerada atuará local e sistemicamente na arteríola eferente
provocando vasoconstrição, fazendo aumentar a pressão intraglomerular e a TFG.
O eventual efeito vasoconstritor na arteríola aferente é superado pelos efeitos
dos mediadores vasodilatadores secretados localmente na arteríola aferente.
3) Feedback Tubuloglomerular.
O baixo fluxo renal reduz a TFG o que faz com que menos NaCl chegue até a
macula densa do TCD, portanto haverá menor concentração de NaCl. Menos cloreto
será reabsorvido neste segmento tubular. A queda da reabsorção de cloreto pela
mácula densa é “sentida” pelas células justaglomerulares da arteríola aferente,
o que promove uma vasodilatação da aa e ainda estimula a secreção de renina que
por sua vez leva a um aumento da angiotensina II com vasoconstrição da arteríola
eferente. Um aumento da PAM e consequentemente da TFG terá um efeito oposto:
mais cloreto chega à mácula densa, mais cloreto é reabsorbido, inibindo
provocando vasoconstrição da arteríola aferente.
4) Retenção hidrosalina e
natriurese. O SRAA termina na produção de aldosterona pelas suprarenais que
promove a retenção de sódio e água pelos túbulos renais, visando aumentar a
volemia e a TFG.
CHOQUE CIRCULATÓRIO E LESÃO
RENAL AGUDA
Frequentemente estamos mais
familiarizados a ver quadros de lesão renal aguda (LRA) associada a estados de
choque circulatório que levam a redução do fluxo sanguíneo arterial renal, comprometimento
da irrigação das células tubulares pelas arteríolas eferentes e necrose tubular
aguda de tipo isquêmica (NTA isquêmica); ou a diversas nefrotoxinas que são
capazes de modificar o ritmo de filtração glomerular por induzir alterações em vários
determinantes da filtração glomerular (NTA nefrotóxica). A fisiopatologia da LRA
isquêmica ou tóxica envolve alterações estruturais e bioquímicas que resultam, basicamente,
em comprometimento vascular e/ou celular que leva à vasoconstrição, alteração
de função e/ou morte celular, descamação do epitélio tubular e obstrução
intraluminal, vazamento transtubular do filtrado glomerular e inflamação. A
vasoconstrição intrarrenal é causada por um desequilíbrio entre os fatores
vasoconstritores e vasodilatadores, resultante da ação, tanto sistêmica como
local, de agentes vasoativos. Assim, ocorrem modificações importantes na
hemodinâmica glomerular e intrarrenal como consequência natural desse desequilíbrio.
Esse mecanismo fisiopatológico é mediado por hormônios, com ativação de hormônios
vasoconstritores (angiotensina II, endotelina etc.) e/ou inibição de
vasodilatadores (prostaglandinas, óxido nítrico etc.). Esse desequilíbrio
resulta em vasoconstrição das arteríolas aferente e eferente (esta última responsável
pela perfusão das células tubulares) e contração da célula mesangial e leva à
redução do coeficiente de ultrafiltração glomerular. Conforme mencionado
anteriormente, as alterações hemodinâmicas são, na maioria das vezes, mediadas
por ação predominante de hormônios vasoconstritores; entretanto, a via final
comum pela qual estes hormônios realizam suas ações envolve a elevação do
cálcio intracelular (Ca), tanto em células da vasculatura como em células
mesangiais. Nesse sentido, vários estudos experimentais mostram que o cálcio é
um dos mediadores mais importantes da vasoconstrição intrarrenal. O aumento do
cálcio livre no citosol de células da musculatura lisa eleva o tônus vascular e
contribui para a vasoconstrição, a qual pode ser revertida ou minimizada pela utilização
de bloqueadores de canais de cálcio. Outra participação importante do cálcio na
cascata fisiopatológica da LRA envolvendo a hemodinâmica renal se relaciona com
a contração da célula mesangial. O aumento do Ca é, geralmente, iniciado pela interação
de hormônios vasoconstritores com seus receptores ou pela ação direta de
toxinas. Um dos eventos mais precoces resultantes da isquemia ou mesmo na
vigência de uma nefrotoxina é a redução dos níveis intracelulares de ATP e,
portanto, das porções do néfron que possuem alta taxa de reabsorção tubular com
gasto de energia, como o túbulo proximal e a alça ascendente espessa de Henle,
que são particularmente mais suscetíveis à isquemia por apresentarem elevado
consumo de ATP. Os efeitos imediatos da depleção de ATP são: redução da
atividade ATPase da membrana citoplasmática, desequilíbrio nas concentrações
intracelulares de eletrólitos como Na, K e Ca, e edema celular. Esse desarranjo
desencadeia, por sua vez, uma série de eventos que incluem desestruturação do
citoesqueleto, perda da polaridade celular, perda da interação célula-célula,
produção das espécies reativas de oxigênio (altamente tóxicas para a célula) e
alterações do pH intracelular, que podem culminar com a morte da célula. Um
fator agravante, na fisiopatologia da LRA, particularmente nas situações de LRA
isquêmica, é a dificuldade em distinguir os danos causados pela isquemia per se
daqueles causados pela reperfusão. Isso ocorre porque os efeitos da
reoxigenação súbita podem produzir danos adicionais à célula por mecanismos que
envolvem a formação de espécies reativas de oxigênio, aumento do influxo de
cálcio e reversão abrupta da acidose intratubular[10].
CONGESTÃO VENOSA E LESÃO RENAL
AGUDA: TAMPONAMENTO RENAL
Em março de 2002, Eva M. Boorsma
e col., publicou no Jornal os American College of Cardiology, uma interessante
revisão sobre síndrome cardiorenal tipo I na qual levanta como fundamento
fisiopatológico o “tamponamento renal”, discutindo 3 mecanismos que,
isoladamente ou combinados, podem levar à congestão renal por compressão
intrarrenal ou extrarrenal[11].
Os autores propõem a hipótese do “tamponamento renal” para explicar o
comprometimento desproporcional da função renal quando as pressões venosas
centrais aumentam em pacientes com IC. A cápsula renal que envolve o rim é
muito rígida e não permite a expansão quando a pressão aumenta. O aumento das
pressões venosas centrais leva ao aumento das pressões intersticiais renais,
comprimindo estruturas renais como túbulos, veias intrarrenais e glomérulos no
rim encapsulado.
1. Aumento da pressão
intracapsular
O aumento da pressão dentro do
parênquima renal pode resultar do aumento do volume no rim causado pelo aumento
do líquido intersticial na IC, no contexto de um órgão (o rim) que não pode
expandir em volume.
Histologicamente, a cápsula renal
fibrosa consiste em muitas fibras colágenas em uma estrutura densa e irregular,
tornando-a decididamente rígida. Pressões de até 10.000 mmHg são necessárias
para esticar a cápsula até o dobro de seu tamanho ou até mesmo rompê-la. Pressões
dessa magnitude geralmente são alcançadas apenas durante eventos traumáticos ou
doença renal policística. Já são conhecidos os mecanismos pelos quais na IC
aumenta a pressão intravascular principalmente venosa (PVC) levando a edema
intersticial. Na pele, se manifesta como edema depressível; nos pulmões, como
edema intersticial e alveolar. O edema intersticial também está presente nos
rins, embora menos visível. Os rins, no entanto, não têm a capacidade de se
expandir como a pele e o tecido subcutâneo. O motivo dessa falta de
expansibilidade é a presença da cápsula renal muito rígida. Vários modelos de
congestão renal em ratos e cães demonstraram que quando as pressões vasculares
centrais ou renais são aumentadas, geralmente por clipagem da respectiva veia,
as pressões intersticiais renais aumentam colinearmente. Além disso, a TFG e a
produção urinária diminuem quase instantaneamente. Além disso, o clampeamento
da veia renal induz proteinúria, refletindo (induzido por pressão) o dano à
cápsula de Bowman. Dois estudos examinaram independentemente a perfusão renal
em um modelo de rim congestionado e encontraram perfusão diminuída da medula
renal, mas não do córtex renal. Anatomicamente, isso significa que os túbulos
correm mais risco de danos por congestão do que os glomérulos. Isso é ainda
apoiado pela noção de que a expressão intrarrenal de biomarcadores de dano
tubular, em particular KIM-1 e osteopontina, foi aumentada em um modelo murino
de congestão renal. Ainda mais interessante, a expressão desses biomarcadores
foi atenuada pela remoção da cápsula antes de induzir a congestão. Além dos
túbulos e glomérulos, as veias também são afetadas pela sobrecarga de pressão
intracapsular, como demonstrado em vários pequenos estudos ultrassonográficos
em humanos. No rim saudável, o fluxo sanguíneo venoso é minimamente alterado
por alterações hemodinâmicas. No entanto, aumentos na pressão dentro da cápsula
renal levarão ao colapso das veias renais porque a cápsula impede que o rim se
expanda e as pressões são refletidas para dentro. Na ultrassonografia, um
padrão de fluxo venoso descontínuo (bifásico ou monofásico) pode ser
reconhecido; esse padrão está correlacionado com sinais e sintomas clínicos de
congestão. Isso indica que, no rim congestionado, o sangue está sendo puxado por
uma veia comprimida apenas durante a diástole (fase de menor compressão). Em
resumo, a congestão intersticial do rim, combinada com a incapacidade do
interstício de se expandir devido à cápsula renal, comprime estruturas
intrarrenais como veias, glomérulos e túbulos, diminuindo sua função.
2. Aumento da pressão
perirrenal
O aumento do volume de tecido
adiposo dentro da fáscia perirrenal de Gerota pode levar ao aumento da pressão
perirrenal. Tanto a espessura do tecido adiposo perirrenal ao redor do rim
quanto o acúmulo de gordura no seio renal tem sido associado à doença renal
crônica, arteriosclerose, hipertensão e ao aparecimento de diabetes. Essa
associação pode ser explicada pelo tecido adiposo perirrenal comprimindo a
vasculatura renal, levando à ativação patológica do sistema
renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e redução da perfusão renal, bem como
compressão venosa (mais) congestionando o interstício renal. Alternativamente,
o tecido adiposo perirrenal pode causar ativação do SRAA por meio de suas
propriedades inflamatórias e aumento dos níveis locais de TNF-α. A gordura do
seio renal é interessante em relação à cápsula renal, visto que o seio renal
não é protegido da compressão externa pela cápsula renal. Isso significa que o
aumento do volume de gordura do seio renal aumenta diretamente as pressões
dentro da cápsula renal. De fato, o volume do seio renal tem sido
correlacionado tanto com a TFG quanto com a perfusão intrarrenal em pacientes
com diabetes tipo 2. Embora este não seja um mecanismo agudo, a hemodinâmica
intrarrenal alterada resultante da gordura perirrenal pode contribuir para uma
diminuição da função renal no cenário de congestão intersticial. Ainda não está
estabelecido se o aumento da gordura perirrenal e/ou da gordura do seio renal
contribui para a congestão renal na IC.
3) Aumento da pressão
intra-abdominal
Em pacientes com IC grave, a
pressão intra-abdominal (PIA) pode aumentar devido à ascite ou ao aumento do líquido
no sistema esplâncnico na ausência de ascite. A presença de ascite e sua
gravidade têm sido associadas ao comprometimento da função renal na IC. A
redução da PIA das terapias descongestivas e a remoção mecânica do fluido
restauram a função renal. Isso indica uma relação indireta entre congestão
venosa e função renal prejudicada, um efeito de massa direto nos rins
retroperitoneais devido ao peso do peritônio cheio de líquido ou ambos. Em
pacientes com obesidade (mórbida), a PIA aumenta de forma semelhante e diminui
após a cirurgia de redução de peso. Além disso, vários estudos indicam que a
cirurgia de redução de peso melhora os resultados renais e cardiovasculares em
pacientes com obesidade mórbida. Dois estudos do mesmo grupo indicam que a
compressão venosa renal, em vez da compressão do parênquima, é o principal
fator por trás da diminuição da TFG, aumento da renina e aldosterona e início
da proteinúria em pacientes com hipertensão intra-abdominal.
COMENTÁRIOS
A tese do tamponamento renal vem
cobrando força para explicar situações de lesão renal aguda por congestão renal
decorrente de edema intersticial, que pode estar associada a estados mórbidos como
insuficiência cardíaca, mas também poderia ocorrer em decorrência de aumentos
da pressão venosa central por outras causas dentre as quais importante lembrar
dos estados de sobrecarga volêmica na fase de ressuscitação do choque.
A primeira questão é saber se
o paciente é “fluidonecessitado”. O uso de fluidos nos estados de choque
circulatório deveria obedecer a critérios claros de indicação, especialmente nos
casos em que a hipovolemia é relativa como nos casos de choque vasoplégico com
sequestro volêmico no compartimento venoso. Afinal, a ressuscitação nestes
casos, a despeito de tentar aumentar o volume circulante efetivo, caso não se
resolva a causa da vasoplegia levará apenas a uma melhora transitória com sobrecarga
volêmica secundaria. Esta sobrecarga volêmica levará a aumento da pressão
venosa central e lesão renal aguda por tamponamento renal. Desta forma o
primeiro passo deveria ser sempre avaliar o status volêmico real do paciente
para saber se está ou não precisando de volume.
A segunda questão é saber se o
paciente é ou não “fluidoresponsivo”, isto é, se o coração ainda poderá responder
ao aumento de volume com aumento da contratilidade. Paciente com função cardíaca
previa reduzida, que se apresentam já como choque cardiogênico ou que desenvolvem
disfunção cardíaca associada a outras formas de choque, devem ter sua reposição
de fluidos, caso exista indicação, cuidadosamente guiada e monitorizada dando-se
preferência a marcadores dinâmicos de fluidoresponsividade.
A terceira questão a ser
considerada é avaliar se o paciente ainda é “fluidotolerante”. Isso significa
que o paciente poderia ter sua volemia reduzida, ser ainda fluidoresponsivo,
porém ele poderá estar no limite da sua tolerância tendo em visto que o aumento
das pressões intravasculares poderá estar provocando edema intersticial em
diferentes órgãos, sendo o rim talvez o que mais precocemente se afeta, gerando
edema intersticial e tamponamento renal com lesão renal secundaria. O uso POCUS
e o método VExUS é uma das ferramentas atualmente utilizadas para avaliar o
grado de congestão venosa, monitorando o diâmetro da veia cava inferior, o
fluxo da veia supra-hepática, da veia porta e das veias renais. O fluxo venoso
renal discontinuo bifásico ou pior ainda monofásico serão indicadores de grau
de congestão venosa.
Finalmente a quarta questão a
ser considerada é a terapia de desresuscitação (ROSE) que deve estar sempre
alinhada com a de ressuscitação. Exceto nos casos de choque hipovolêmico por
perda real, a administração de fluidos nos outros tipos de choque, levará a
estados de sobrecarga volêmica, especialmente na fase de resolução do quadro em
que a volemia “sequestrada no compartimento venoso” retorna ao compartimento
arterial. Nestes casos, oportuno será sempre usar estratégias de retirada de
volume de forma gradual e monitorizada através da estratégia de desresuscitação.
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