USO DE BETABLOQUEADORES NO DOENTE CRÍTICO
Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico intensivista. Responsável Técnico e Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
Doenças
críticas, se caracterizam por ter, com parte da sua fisiopatologia, uma
regulação positiva de catecolaminas denominada de catecholamine upregulation.
Em que pese a ser parte dos mecanismos fisiológicos compensatórios de resposta
frente ao stress, a estimulação sustentada de secreção de catecolaminas β-adrenérgicas produz efeitos
adversos relevantes que podem influenciar no próprio manejo das doenças
críticas. Os β-bloqueadores
(BB) têm demonstrado efeitos benéficos no manejo de doenças graves, incluindo
sepse, trauma, grande queimado e parada cardíaca. Evidências crescentes sugerem
que os BB melhoram os parâmetros hemodinâmicos e metabólicos, reduzindo o tempo
de cicatrização das queimaduras, reduzindo a mortalidade no trauma
cranioencefálico (TCE) e melhorando os resultados neurológicos após parada
cardíaca. Na sepse, os BB parecem seguros quando usados após a fase de ressuscitação
inicial, podendo aumentar a função cardíaca. O surgimento de BB de ação ultrarrápida
fornece um novo campo de ação para os BB, e os dados iniciais sugerem melhorias
significativas na diminuição da fibrilação atrial em pacientes sépticos
persistentemente taquicárdicos.
Entretanto
o uso de BB no manejo do paciente crítico tem sido alvo de debate e
controvérsias ao longo dos anos, baseado nos efeitos antagônicos gerados nas
diferentes variáveis hemodinâmicas do paciente grave/crítico (pressão arterial,
pré-carga/enchimento ventricular/volume sistólico, débito cardíaco/índice cardíaco;
etc.) a depender de fatores como, o momento em que é usado, classe de BB e do tipo
de receptor beta bloqueado (β1,
β2, β3).
Este
post toma como base a revisão feita por Rebeca Bruning e col., publicada
em 2021 na qual resume as evidências relativas ao papel farmacoterapêutico
dos BB na fisiopatologia e nos desfechos clínicos em vários tipos de doenças
críticas[1].
A revisão acrescenta outras informações publicadas até o presente momento que
ajudam a complementar o debate sobre o assunto.
I.
INTRODUÇÃO
A “cascata
de catecolaminas” é um fenômeno presente na fisiopatologia das doenças
críticas. Os receptores adrenérgicos α e β tem um papel fundamental no mecanismo de resposta às
catecolaminas endógenas e exógenas (por exemplo, dobutamina, dopamina,
norepinefrina e epinefrina). Estes receptores provocam respostas em quase todos
os sistemas orgânicos e alteram os seus níveis de expressão durante as
diferentes fases de resposta frente ao stress das doenças críticas. Entretanto,
a exposição prolongada a níveis elevados de catecolaminas nestes estados
alterados pode provocar efeitos metabólicos e hemodinâmicos prejudiciais.
Níveis elevados de catecolaminas aparecem em uma variedade de etiologias de
doenças críticas e têm sido associados a maior mortalidade (sepse, queimaduras
graves, traumatismo cranioencefálico e parada cardíaca).
Os β-bloqueadores (BB) são
fármacos que podem ser administrados para modular a resposta adrenérgica
durante a doenças crítica. BB fazem parte do tratamento das doenças
cardiovasculares, incluindo infarto do miocárdio (IAM), fibrilação atrial (FA) e
insuficiência cardíaca (IC). No entanto, a utilidade do BB vai além do uso a
longo prazo no manejo doença cardíaca crônica, podendo ser usado no tratamento
agudo de uma série de doenças graves como sepse, queimaduras graves,
traumatismo cranioencefálico e parada cardíaca. Rebeca Bruning e col.,
publicaram em 2021, os resultados de uma pesquisa bibliográfica realizada entre
janeiro de 1970 e março de 2021, para identificar estudos que incluíssem
pacientes gravemente enfermos que receberam terapia com BB. Foram incluídos
estudos que relataram pacientes atendidos em unidade de terapia intensiva (UTI)
tratados com BB. A revisão incluiu estudos prospectivos, retrospectivos,
observacionais ou intervencionistas. Referências em artigos de pesquisa
originais, artigos de revisão, editoriais, resumos, meta-análises e revisões
sistemáticas foram selecionadas para inclusão.
II.
FISIOLOGIA BETA-ADRENÉRGICA NAS DOENÇAS CRÍTICAS
Para
analisar potenciais benefícios do BB como uma intervenção com suporte
farmacológico e com várias justificativas para uso durante doenças críticas, é
necessário entender a fisiologia β-adrenérgica durante doenças críticas.
Alterações tanto nas moléculas sinalizadoras desreguladas quanto na cascata dos
receptores adrenérgicos fornecem vias de intervenção. A complexidade aumenta
ainda mais à medida que as suscetibilidades adrenérgicas prejudiciais diferem
entre os sistemas orgânicos, com esses efeitos β-adrenérgicos sendo
pronunciados nos tecidos cardíacos e pulmonares, mais relevantes para pacientes
gravemente enfermos durante um estado crítico. A Fig.1 fornece uma
representação visual que ilustra a resposta fisiológica ao agonismo e antagonismo
do receptor β, enfatizando os efeitos negativos da estimulação do receptor β em
doenças críticas.
Fig. 1. Resposta fisiológica de agonismo e
antagonismo do receptor β-adrenérgico em doenças críticas. A resposta
catecolaminérgica (sistema simpático) ao stress se caracterizada pela liberação
de epinefrina, norepinefrina e dopamina, resultando na estimulação de receptores
β1 (principalmente) e β2 (menor grau). Em contraste, o estímulo de receptores
β3 atenua ou mitiga a resposta às catecolaminas. Inicialmente a resposta
catecolaminérgica com estimulação dos receptores β1, β2 e β3 visa
melhorar a hemodinâmica do paciente. Entretanto a hiperestimulação (estado
hiperadrenérgico) dos receptores culminará em numerosos efeitos negativos
hemodinâmicos e metabólicos que podem levar a resultados clínicos negativos,
incluindo aumento da mortalidade. Esta situação fornece sustento
fisiopatológico para uso do BB como um “modulador” ou “controlador” dos efeitos
prejudiciais do “estado hiperadrenérgico ou de hiperatividade simpática”,
por vezes proeminentes em vários tipos de doenças críticas.
Catecolamina
(CA) é uma monoamina, um composto orgânico que tem um grupo catecol (anel
de benzeno com duas hidroxilas laterais em carbonos 1 e 2) e uma cadeia lateral
de amina.
Catecol
pode ser uma molécula livre ou um substituinte de uma molécula maior, onde
representaria um grupo 1,2-dihidroxibenzeno.
As
catecolaminas são derivadas do aminoácido tirosina e são solúveis em água. Incluídas
entre as catecolaminas estão a epinefrina (adrenalina), a norepinefrina
(noradrenalina), e a dopamina, que são produzidas a partir de fenilalanina e
tirosina. Tirosina é criada a partir da fenilalanina por hidroxilação pela
enzima fenilalanina hidroxilase. Tirosina é também ingerida diretamente a
partir de dietas proteicas. Células secretoras de catecolamina utilizam
diversas reações que convertem tirosina para L-DOPA e, em seguida, em dopamina.
Dependendo do tipo de célula, a dopamina pode ainda ser convertida em
norepinefrina ou ainda mais convertido para a adrenalina. As catecolaminas são
produzidas, principalmente, por células cromafim da medula suprarrenal e fibras
pós-ganglionares do sistema nervoso simpático. A dopamina, que atua como um
neurotransmissor no sistema nervoso central, é produzida em grande parte em
corpos celulares em duas áreas do tronco cerebral: a substância negra e a área
ventral tegmental. As células pigmentadas pormelanina no locus ceruleus
produzem norepinefrina. A dopamina é a primeira catecolamina sintetizada a
partir da DOPA. Por sua vez, a norepinefrina e a epinefrina são derivadas a
partir de mudanças metabólicas da dopamina. A enzima dopamina hidroxilase
requer cobre como um cofactor e DOPA descarboxilase requer piridoxal-5-fosfato
(PLP). A etapa limitante da taxa de biossíntese de catecolaminas é a
hidroxilação da tirosina. Entre outros inibidores, a síntese de catecolamina é
inibida pela alfa-metil-p-tirosina (AMPT), que inibe a tirosina hidroxilase. As
catecolaminas têm uma meia-vida de poucos minutos quando circulando no sangue.
Elas podem ser degradadas seja por metilação pela catecol-O-metiltransferase
(COMT) ou por desaminação pelas monoamino oxidases (MAO). Inibidores da MAO (MAOIs)
se ligam à MAO, impedindo-a de quebrar catecolaminas e outras monoaminas[2].
As
principais catecolaminas endógenas (hormônios sinalizadores) do sistema nervoso
simpático (SNS) incluem a norepinefrina, epinefrina e dopamina. As mesmas podem
também ser administradas de forma exógena. Ainda, durante o manejo do paciente
grave/crítico pode ser necessário associar a dobutamina, uma catecolamina
exógena sintética. Cada uma dessa catecolaminas estimulará os receptores α e β
de forma diferente dependendo da dose usada e do órgão alvo atingido.
Os
receptores adrenérgicos ou adrenorreceptores, pertencem à classe de
receptores acoplados à proteína G e que são alvos das catecolaminas. Os
receptores adrenérgicos são ativados por seus ligantes endógenos, as
catecolaminas: adrenalina (epinefrina) e noradrenalina (norepinefrina). Muitas
células possuem estes receptores, e a ligação de um agonista geralmente causará
uma resposta simpática, ou seja, respostas de luta ou fuga. Por exemplo, a
frequência cardíaca (efeito cronotrópico positivo) aumenta, as pupilas se
dilatam, há a mobilização de energia e o fluxo sanguíneo é desviado de órgãos
não essenciais para o músculo esquelético[3].
Existem
dois grupos principais de receptores adrenérgicos, α e β, cada um apresentando
vários subtipos:
1. Os
receptores α têm os subtipos α1 (um receptor acoplado a uma proteína Gq) e
α2 (um receptor acoplado a uma proteína Gi).
Os
receptores α possuem várias funções em comum, mas também efeitos individuais.
Entre os efeitos comuns, ou de forma inespecífica, incluem:
- Vasoconstrição das artérias coronárias
- Vasoconstrição das veias
- Diminuição da motilidade do músculo liso no trato gastrointestinal
Receptores
α1
Os
receptores α1 são membros da superfamília de receptores associados à proteína
G. Ao ser ativados por seu ligante, uma proteína heterodimérica G, chamada Gq,
ativa a fosfolipase C, que quebra o fosfatidilinositol 4,5-bifosfato (PIP2) em
inositol trifosfato (IP3) e diacilglicerol (DAG). O IP3 interage com os canais
de cálcio do retículo sarcoplasmático, liberando o cálcio que estava retido para
o citoplasma. Este aciona todos os outros efeitos. Ações específicas do
receptor α1 envolve sobretudo contração do músculo liso. Ela provoca
vasoconstrição em muitos vasos sanguíneos, incluindo os da pele e do sistema
gastrointestinal além dos rins (artéria renal) e no cérebro. Outras áreas de
contração do músculo liso são:
- Uretra
- Ducto deferente
- Pelos (músculo eretor de pelo)
- Útero (na gravidez)
- Bronquíolos (embora possua efeito menor do que o efeito relaxante do receptor β2)
- Vasos sanguíneos do corpo ciliar (a estimulação provoca midríase)
Outros
efeitos incluem a glicogenólise e a gliconeogênese a partir do tecido adiposo e
da reserva de glicogênio do fígado, bem como a secreção de glândulas
sudoríparas e a reabsorção de Na+ nos rins. Alguns antagonistas são usados na
hipertensão.
Receptores
α2
O
receptor α2 está acoplado a uma proteína Gi. Sua ativação causa a
inibição da atividade da adenilato ciclase com consequente redução dos níveis
de AMPc. Não há abertura de canais de Ca++ necessários para a liberação do
neurotransmissor. Existem três subtipos homólogos de receptores α2: α2A,
α2Β e α2C. As ações específicas do receptor α2 incluem:
- Inibição da insulina no pâncreas
- Indução da liberação de glucagon do pâncreas.
- Contração dos esfíncteres no trato gastrointestinal.
- Feedback negativo nas sinapses neuronais (inicia a recaptação de norepinefrina)
2. Os
receptores β possuem os subtipos β1, β2 e β3. Todos os três estão acoplados
às proteínas Gs, que por sua vez estão ligadas à adenilato ciclase. Agonista
obrigatório, assim, provoca um aumento na concentração intracelular do segundo
mensageiro AMPc. Na mesma direção, os efetores do AMPc incluem proteína quinase
dependente de AMPc (PKA), que medeia alguns dos eventos intracelulares após a
ligação do hormônio.
Receptores
β1
As
ações específicas do receptor β1 incluem:
- Aumento do débito cardíaco, através do aumento da frequência cardíaca e do aumento do volume expulso com cada batimento (aumento da fração de ejeção).
- Liberação de renina nas células justaglomerulares.
- Lipólise no tecido adiposo
Receptores
β2
O
receptor β2 é um receptor polimórfico e é o receptor adrenérgico predominante
nos músculos lisos que causam o relaxamento visceral. entre as suas funções
conhecidas estão:
- Relaxamento da musculatura lisa, por exemplo, nos brônquios;
- Lipólise do tecido adiposo.
- Relaxamento do esfíncter urinário, gastrointestinais e do útero grávido;
- Relaxamento da parede da bexiga;
- Dilatação das artérias do músculo esquelético;
- Glicogenólise e gliconeogênese
- Aumento da secreção das glândulas salivares;
- Inibição da liberação de histamina dos mastócitos;
- Aumento da secreção de renina dos rins,
Receptores
β3
É o
receptor adrenérgico que predominantemente causa efeitos metabólicos, nas quais
as ações específicas do receptor β3 incluem, por exemplo, a estimulação da
lipólise do tecido adiposo, está também presente na bexiga no musculo detrusor.
Em
2008, Christopher B. Overgaard e Vladimír Džavík publicara no Circulation
(AHA) uma revisão bastante completa sobre inotrópicos e vasopressores[4].
Os autores apontaram que se trata de drogas que são administrados sob o
pressuposto de que a recuperação clínica a curto e médio prazo será facilitada
pelo aumento do débito cardíaco (DC) ou do tónus vascular que foi gravemente
comprometido (vasoplegia) por condições clínicas muitas vezes potencialmente
fatais. Desde a descoberta inicial da epinefrina, a principal substância
ativa proveniente da glândula suprarrenal, foram caracterizadas a
farmacologia e a fisiologia de um grande grupo de catecolaminas endógenas e
sintéticas (também chamadas de drogas simpaticomiméticas). As catecolaminas
medeiam as suas ações cardiovasculares predominantemente através dos receptores
α1, β1, β2 e receptores dopaminérgicos (D), cuja densidade e proporção nos
diferentes tecidos modulam as respostas fisiológicas.
A estimulação
do receptor β1-adrenérgico resulta em maior contratilidade miocárdica
(inotropismo) e aumento da frequência de contrações (cronotropismo) através da
ligação do complexo actina-miosina com a troponina C, mediada pelo Ca2+. A
estimulação do receptor β2-adrenérgico nas células do músculo liso vascular
através de um mecanismo intracelular diferente resulta em aumento da captação
de Ca2+ pelo retículo sarcoplasmático e vasodilatação (Fig.2).
Fig.2. Esquema simplificado das ações
intracelulares postuladas para agonistas β-adrenérgicos. A estimulação do
receptor β, através de uma unidade estimuladora Gs-GTP, ativa o sistema adenil
ciclase, o que resulta em concentrações aumentadas de AMPc. Nos miócitos
cardíacos, a ativação do receptor β1 através do aumento da concentração de
AMPc ativa os canais de Ca2+, o que leva a respostas cronotrópicas e inotrópicas
positivas mediadas por Ca2+, aumentando a contratilidade do sistema
actina-miosina-troponina. No músculo liso vascular, a estimulação β2 e o
aumento do AMPc resultam na estimulação de uma proteína quinase dependente de
AMPc, na fosforilação do fosfolamban e na captação aumentada de Ca2+ pelo
retículo sarcoplasmático (RS), o que leva à vasodilatação.
A estimulação
dos receptores β3-adrenérgicos localizados principalmente no tecido adiposo
regula a lipólise (hidrólise de lipídeo, gerando ácidos graxos e sais) e a termogênese.
Receptores β3 são encontrados também na vesícula biliar e na bexiga. Seu papel
na fisiologia da vesícula biliar é desconhecido. Na bexiga, acredita-se que ele
cause relaxamento da bexiga e prevenção da micção[5].
A sua estimulação, também mitiga os efeitos β1 e β2, induzindo uma diminuição
da contratilidade cardíaca provavelmente através da estimulação da oxido
nítrico sinetasse (NOS) e da síntese de oxido nítrico mediado pelo cGMP
intracelular[6]
[7].
A estimulação dos receptores α1-adrenérgicos nas células musculares lisas vasculares arteriais, através de um mecanismo diferente, resulta na contração do músculo liso e no aumento da resistência vascular sistêmica (RVS). Promove, portanto, vasoconstrição (Fig. 3).
Fig. 3. Representação esquemática dos
mecanismos postulados de ação intracelular dos agonistas α1-adrenérgicos. A
estimulação do receptor α1 ativa uma proteína G reguladora diferente (Gq), que
atua através do sistema fosfolipase C e da produção de 1,2-diacilglicerol (DAG)
e, via fosfatidil-inositol-4,5-bifosfato (PiP2), de inositol 1,4,5-trifosfato
(IP3). O IP3 ativa a liberação de Ca2+ do retículo sarcoplasmático (RS), que
por si só e através de proteínas quinases dependentes de Ca2+-calmodulina
influencia os processos celulares, levando à vasoconstrição do músculo liso
vascular.
O receptor
α2-adrenérgico é um dos tipos de receptores adrenérgicos, que constituem
receptores metabotrópicos (proteínas associadas à proteína G, com sete domínios
transmembrana). Após a ligação com noreprinefrina ou epinefrina, a subunidade alfa
da proteína Gi se dissocia do receptor e promove, entre outras ações, a
inibição da enzima adenilatociclase (diminuindo a concentração de AMP cíclico)
e a abertura de canais de K+. Essa ação hiperpolarizante se reflete na
localização desse receptor, pois sabe-se que ele está presente na regulação
inibitória da liberação de adrenalina e noradrenalina (autorreceptor do
neurônio pré-sináptico)[8].
Promove, portanto, vasodilatação. Os receptores α2 adrenérgicos incluem
3 subtipos altamente homólogos: α2A, α2B e α2C. Estes receptores têm um papel
crítico na regulação da liberação de neurotransmissores pelos nervos simpáticos
e pelos neurónios adrenérgicos no sistema nervoso central. Estudos em ratos
revelaram que tanto os subtipos α2A e α2C são necessários para o normal
controle pré-sináptico da liberação da transmissão dos nervos simpáticos no
coração e dos neurónios noradrenérgicos centrais; o subtipo α2A inibiu a
liberação da transmissão em altas frequências de estimulação, enquanto o
subtipo α2C modulou a neurotransmissão em níveis mais baixos da atividade
nervosa. Embora as funções dos receptores pré-sinápticos α2A tenham recebido
imensa atenção, a maioria dos receptores α2 no cérebro encontram-se na verdade
localizados a nível pós-sináptico nos terminais noradrenérgicos, e, portanto,
participam na ação da norepinefrina. Muitos receptores α2A pós-sinápticos têm
efeitos importantes na função cerebral; por exemplo, os receptores α2A estão
localizados nos neurónios corticais pré-frontais, onde ajudam a regular a
função cognitiva.
Finalmente,
a estimulação dos receptores dopaminérgicos D1 e D2 no rim e na
vasculatura esplâncnica resulta em vasodilatação renal e mesentérica através da
ativação de sistemas complexos de segundos mensageiros.
As
respostas cardiovasculares específicas são ainda modificadas por alterações
autonômicas reflexas após alterações agudas da pressão arterial, que afetam a
frequência cardíaca, a RVS e outros parâmetros hemodinâmicos. Os receptores
adrenérgicos podem ser dessensibilizados e regulados negativamente em certas
condições, como na insuficiência cardíaca (IC) crônica. Finalmente, as
afinidades relativas de ligação de inotrópicos e vasopressores individuais aos
receptores adrenérgicos podem ser alteradas pela hipóxia ou acidose, o que
silencia seu efeito clínico.
A Tabela
1 extraída da revisão de Christopher B. Overgaard e Vladimír Džavík, traz
um resumo sobre as principais drogas inotrópicas e vasopressoras de uso no
manejo de doenças graves, indicação clínica para uso terapêutico, faixa de dose
padrão, ligação ao receptor (catecolaminas) e principais efeitos clínicos.
Entretanto,
na prática diária costuma-se padronizar o uso das principais catecolaminas da
seguinte maneira:
1.
DOPAMINA: Efeito dopaminérgico (+++++), α1 (+++), β1 (++++) e β2 (++). A
dopamina, um neurotransmissor central endógeno, é o precursor imediato da
norepinefrina na via sintética das catecolaminas. Se sintetiza a partir da
fenilalanina (fenilalanina – tirosina – L-dopa – Dopamina –
noradrenalina – adrenalina).
- Apresentação: ampolas de 10ml (50mg). 1ml = 5mg (5000 mcg).
- Diluição padrão: 5 ampolas + 200ml de SG 5% (ou SF 0.9%)
- Concentração padrão: 1000 mcg/ml
- Dose inicial: 2 mcg/kg/min
- Dose máxima: 20 mcg/kg/min
DOSAGEM[9]:
▪
Bradicardia ou bloqueio atrioventricular sintomático (que não responde à
atropina) (off-label): Infusão contínua: EVBIC: Inicial: 5
mcg/kg/minuto; aumentar 5 mcg/kg/minuto a cada 2 minutos até efeito desejado. Dose
máxima: 20 mcg/kg/minuto
▪
Choque cardiogênico (agente alternativo): Nota: Normalmente, não é o agente
inicial preferido no choque cardiogênico. Considerar outras opções inotrópicas
e/ou vasopressoras. Cautela com o uso de dopamina devido ao aumento de
arritmias e possivelmente mortalidade nesta população. O objetivo ideal da
terapia não está bem estabelecido, mas normalmente é titulado para manter a
perfusão do órgão-alvo. Infusão contínua: EV/BIC: Faixa posológica usual: 0,5 a
20 mcg/kg/minuto; titular com base no desfecho clínico (por exemplo, perfusão
de órgão final).
▪
Choque séptico e outros estados de choque vasoplégico (agente alternativo): Nota:
Não recomendado para choque séptico, exceto como alternativa à norepinefrina em
pacientes com bradicardia e baixo risco de taquiarritmias. Em comparação com a
noradrenalina, a dopamina está associada a um risco aumentado de taquiarritmias
e resultados potencialmente piores (por exemplo, aumento da mortalidade,
insuficiência renal). Em geral, manter a meta de pressão arterial média (PAM)
(por exemplo, ≥65 mmHg). Considere o uso se o paciente estiver em choque
ou tiver hipoperfusão durante ou após a ressuscitação com fluidos. Infusão
contínua: EV/BIC: Inicial: 2 a 5 mcg/kg/minuto; titular para meta de PAM até
uma dose de 20 mcg/kg/minuto.
▪
Choque pós-parada cardíaca (agente alternativo): Nota: Normalmente, não é o
agente inicial preferido no choque pós-parada cardíaca devido ao risco de
taquiarritmias; considerar outras opções inotrópicas e/ou vasopressoras. O
objetivo ideal da terapia não está bem estabelecido, mas normalmente titula-se
para PAM > 65 mmHg e preferencialmente > 80 mm Hg para otimizar a
perfusão cerebral e de órgãos-alvo. Infusão contínua: EV/BIC: Faixa posológica
usual: 5 a 20 mcg/kg/minuto. Titular com base em desfechos clínicos (por
exemplo, PAM, perfusão de órgão-alvo).
▪
Suporte inotrópico: Nota: Pode ser considerado em pacientes com disfunção
sistólica grave com diminuição da perfusão de órgãos-alvo. Infusão contínua: EV/BIC:
5 a 15 mcg/kg/minuto. As doses no limite inferior desta gama são preferidas,
uma vez que as ações inotrópicas predominam em doses mais baixas e as ações
vasoconstritoras predominam em doses mais elevadas.
CLASSIFICAÇÃO
DAS DOSES[10]:
▪
Até 5 mcg/kg/min = DOSE BAIXA. A estimulação dos receptores pós-sinápticos
dopaminérgicos D1 concentrados nos leitos coronariano, renal, mesentérico e
cerebral e dos receptores pré-sinápticos D2 presentes na vasculatura e nos
tecidos renais promove vasodilatação e aumento do fluxo sanguíneo para esses
tecidos. A dopamina também tem efeitos natriuréticos diretos através de sua
ação nos túbulos renais. O significado clínico da dopamina em “dose renal” é um
tanto controverso, entretanto, porque ela não aumenta a taxa de filtração
glomerular e um efeito protetor renal não foi demonstrado.
▪
> 5 até 10 mcg/kg/min = DOSE MODERADA: Estimula predominantemente o
receptor β1 com aumento do débito cardíaco (DC), pelo aumento do volume
sistólico com efeito variável na frequência cardíaca. Nesta dose garante melhor
efeito nas bradicardias sintomáticas. A ligação predominante os receptores
β1-adrenérgicos, promove ainda a liberação de norepinefrina inibindo a
recaptação nas terminações nervosas pré-sinápticas, o que resulta em
inotropismo e cronotropismo, com um ligeiro aumento na RVS. Embora a atividade
β1 da dopamina possa ser útil em pacientes com disfunção miocárdica, o maior
risco de arritmias limita seu uso.
▪
> 10 mcg/kg/min = DOSE ALTA: O efeito predominante da dopamina é sobre
os receptores α1-adrenérgicos, produzindo vasoconstrição com aumento da
resistência vascular sistêmica (RVS). A soma destes efeitos é um aumento na
pressão arterial média (PAM).
2.
DOBUTAMINA: Efeito β1 (+++++), β2 (+++) e α1 (+). A dobutamina é uma
catecolamina sintética com forte afinidade pelos receptores β1 e β2, aos quais
se liga na proporção de 3:1. Com seus efeitos estimuladores de β1 cardíaco, a
dobutamina é um inotrópico potente, com atividade cronotrópica mais fraca.
- Apresentação: ampolas de 20ml (250mg). 1ml = 12.5mg
- Diluição padrão: 1 ampola + 230ml de SG 5% (ou SF 0.9%)
- Concentração padrão: 1000 mcg/ml
- Dose inicial: 2 mcg/kg/min
- Dose máxima: 20 mcg/kg/min
DOSAGEM[11]:
▪
Insuficiência cardíaca aguda descompensada: Nota: Pode ser considerado para
uso de curto prazo em pacientes com baixo índice cardíaco e hipotensão ou
hipoperfusão de órgãos-alvo. Infusão contínua: EV/BIC: Inicial: 2 a 5
mcg/kg/minuto. Titular com base no desfecho clínico (por exemplo, perfusão
sistêmica ou perfusão de órgão-alvo). Faixa posológica usual: 2 a 10
mcg/kg/minuto. Dose máxima: 20 mcg/kg/minuto.
▪
Suporte inotrópico (off-label): Observação: em pacientes com choque
(por exemplo, sepse) que não conseguem atingir as metas hemodinâmicas com
terapia vasopressora (por exemplo, norepinefrina), a dobutamina pode ser
adicionada à terapia vasopressora se houver hipoperfusão contínua apesar da
ressuscitação volêmica. Infusão contínua: EV/BIC: Inicial: 2 a 5 mcg/kg/minuto.
Titular com base no desfecho clínico (por exemplo, PA, perfusão de órgão-alvo)
Faixa posológica usual: 2 a 10 mcg/kg/minuto; entretanto, doses tão baixas
quanto 0,5 mcg/kg/min têm sido utilizadas em descompensações cardíacas menos
graves. Dose máxima: 20 mcg/kg/minuto.
CLASSIFICAÇÃO
DAS DOSES[12]:
▪
Até 5 mcg/kg/min = DOSE BAIXA: A ligação ao músculo liso vascular resulta
em agonismo e antagonismo α1-adrenérgico combinados, bem como estimulação β2,
de modo que o efeito vascular resultante é frequentemente uma vasodilatação
leve. A dobutamina é a droga de escolha no choque cardiogênico. Entretanto, seu
início em doses baixas, deve garantir antes uma pressão mínima (PAS de 80mmHg)
tendo em vista que nessas doses o efeito vasodilatador poderia piora a
hipotensão. Ainda, estudos tem apontado para efeitos benéficos do uso associado
de vasopressores e inotrópicos positivos[13].
▪
>5 até 15 mcg/kg/min = DOSE MODERADA: Predomina efeito β1, aumentando
principalmente o inotropismo e o DC, com moderado efeito cronotrópico. Aumentam
a contratilidade cardíaca sem afetar muito a resistência periférica,
provavelmente devido aos efeitos contrapostos da vasoconstrição mediada por α1
e da vasodilatação mediada por β2.
▪
>15mcg/kg/min = DOSE ALTA: Aumento da contratilidade cardíaca (efeito β1)
sem provocar significativamente vasoconstrição e aumento da RVS (efeito α1),
provavelmente devido aos efeitos vasodilatadores de contrabalanço mediados
pelos receptores β2. Entretanto a vasoconstrição mediada por α1 passa a dominar
progressivamente com aumento da infusão. Ainda doses mais elevadas tornam mais
acentuados os feitos cronotrópicos podendo gerar arritmias. O aumento da
frequência cardíaca e o aumento do consumo miocárdico de oxigênio, são
provavelmente causa do aumento do número de extrassístoles e de episódios de
taquicardia ventricular.
Apesar
dos seus efeitos cronotrópicos leves em doses baixas a moderadas, a dobutamina
aumenta significativamente o consumo de oxigénio pelo miocárdio. Esse fenômeno
que simula o exercício é a base sobre a qual a dobutamina pode ser usada como
agente de estresse farmacológico para diagnóstico por imagem de perfusão, mas,
inversamente, pode limitar sua utilidade em condições clínicas nas quais a indução
de isquemia é potencialmente prejudicial. A tolerância pode desenvolver-se após
apenas alguns dias de terapia e arritmias ventriculares malignas e, nessas circunstâncias
podem ser observadas com qualquer dose.
3.
NORADRENALINA: Potente efeito α1 (+++++) com leve efeito β1 (+++) e β2
(++). Droga de escolha no choque séptico. A norepinefrina, o principal
neurotransmissor endógeno liberado pelos nervos adrenérgicos pós-ganglionares,
é um potente agonista do receptor α1-adrenérgico com atividade β-agonista
modesta, o que o torna um vasoconstritor poderoso com propriedades inotrópicas
diretas menos potentes. A noradrenalina aumenta principalmente a pressão
sistólica, diastólica e de pulso e tem um impacto líquido mínimo no DC. Além
disso, esse agente tem efeitos cronotrópicos mínimos, o que o torna atraente
para uso em ambientes nos quais a estimulação da frequência cardíaca pode ser
indesejável. O fluxo coronariano aumenta devido à pressão arterial diastólica
elevada e à estimulação indireta dos cardiomiócitos, que liberam
vasodilatadores locais. A infusão prolongada de norepinefrina pode ter um
efeito tóxico direto nos miócitos cardíacos, induzindo a apoptose por meio da
ativação da proteína quinase A e do aumento do influxo citosólico de Ca2+.
- Apresentação: ampolas de 4ml (4mg de nora base) 1ml = 1mg
- Diluição padrão[14]: 4 ampolas + 234ml de SG 5%
- Concentração padrão: 64 mcg/ml
DOSAGEM[15]:
▪
Choque cardiogênico: 0.05 a 0.4 mcg/kg/minuto
▪
Síndrome hepatorrenal tipo 1 ou lesão renal aguda (uso off-label, alternativa
à terlipressina). Use em combinação com albumina. Infusão contínua. Inicial:
5 a 8 mcg/minuto; a dose pode ser aumentada a cada 4 horas com base nos
desfechos clínicos (por exemplo, aumento da pressão arterial média de
aproximadamente 10 mmHg em relação ao valor basal, melhora do débito urinário).
Dose máxima: 10 mcg/minuto fora da UTI; 50 mcg/minuto na UTI.
▪
Choque pós PCR: 0.1 a 0.15 mcg/kg/minuto. Dose habitual: 0.05 a 1
mcg/kg/minuto. Dose máxima: 3.3 mcg/kg/minuto.
▪
Choque séptico: Inicial: 0.01 a 0.15 mcg/kg/minuto. Dose habitual: 0.025 a 1
mcg/kg/minuto. Dose máxima: 3.3 mcg/kg/minuto.
Observações:
* Não
administre bicarbonato de sódio (ou qualquer solução alcalina) através de uma
linha intravenosa contendo noradrenalina já pode ocorrer a inativação da
noradrenalina.
* Extravasamento:
interrompa a infusão imediatamente e desconecte (deixe a cânula/agulha no
lugar); aspire suavemente a solução extravasada (não lave a linha); remova a
agulha / cânula; eleve a extremidade. Usar:
>
Fentolamina: Dilua 5 a 10 mg em 10 a 20 mL de SF 0.9% e administre no local do
extravasamento o mais rápido possível; podendo administrar de novo se o
paciente permanecer sintomático ou diluir 5 a 10 mg em 10 mL de SF 0.9% e
administrar na área de extravasamento (dentro de 12 horas após o
extravasamento).
>
Nitroglicerina pomada 2%: Aplique numa área de 2,5 cm no local da isquemia;
pode repetir a cada 8 horas, conforme necessário.
>
Terbutalina: Grande extravasamento: infiltrar na área de extravasamento uma
solução de 1 mg diluída em 10 mL de SF 0.9% (volume de administração variando
de 3 a 10 mL) podendo repetir dose após 15 minutos. Pequeno extravasamento: ou 0,5
mg diluído em 1 mL SF 0.9% (volume varia de 0,5 a 1 mL) podendo repetir dose
após 15 minutos.
CLASSIFICAÇÃO
DAS DOSES:
▪
Até 0,1 mcg/kg/min = DOSE BAIXA
▪
0,1 - 0,5 mcg/kg/min = DOSE INTERMEDIÁRIA
▪
> 0,5 mcg/kg/min = DOSE ALTA
4.
ADRENALINA (OU EPINEFRINA): Potente efeito α1 (+++++) com moderado efeito
β1 (++++) e β2 (++)
- Apresentação: ampolas de 1ml (1mg)
- Diluição padrão: 12 ampolas + 188ml de SG 5% (ou SF 0.9%)
- Concentração padrão: 60 mcg/ml
DOSAGEM[16]:
▪
Choque anafilático: Bolus EV lento (off label): considerar apenas em
parada cardiorrespiratória iminente quando a epinefrina em infusão contínua não
estiver imediatamente disponível. A administração em bolus EV pode estar
associada a arritmias cardíacas e isquemia cardíaca. Inicial: 0,05 a 0,1 mg
utilizando a solução 0,1 mg/mL (adicionalmente diluída em 10 mL de SF 0.9%)
administrada em 1 a 10 minutos; pode repetir uma vez após 3 minutos se o
paciente não responder à dose inicial. Se a resposta for inadequada, medidas
adicionais devem ser instituídas (por exemplo, fluidos intravenosos e infusão
contínua de epinefrina intravenosa). Se o paciente desenvolver parada
cardiorrespiratória, use doses mais altas de bolus EV/intraósseo (isto é, 1 mg
[usando a solução de 0,1 mg/mL] a cada 3 a 5 minutos) administradas rapidamente.
Infusão contínua (off label) EV/BIC: Inicial: 0,1 a 0,2 mcg/kg/minuto
(ou 8 a 16 mcg/minuto para paciente de 80 kg) administrado com reposição
volêmica; a dose inicial depende da gravidade da anafilaxia; titular a cada 2 a
3 minutos em 0,05 mcg/kg/minuto (ou 4 mcg/minuto) até resposta; faixa de
dosagem usual: 0,01 a 0,2 mcg/ kg /minuto (ou aproximadamente 1 a 16 mcg/minuto
para um paciente de 80 kg).
▪
Asma aguda grave (off label): Em pacientes que não conseguem usar
beta-agonistas inalatórios. Embora raro e sem dados formais de suporte, pode
ser considerado em pacientes refratários à terapia padrão e com parada
respiratória iminente. IM (via preferencial), SC: 0,3 a 0,5 mg na concentração
de 1 mg/mL; se os sintomas graves persistirem após a dose inicial, pode repetir
a cada 20 minutos até um total de 3 doses. Nota: A administração IM é preferida
à SC devido à absorção mais rápida e concentrações máximas mais altas quando
administrada na coxa.
▪
Bradicardia e BAV sintomático, não responsivo à atropina (off label):
EV/BIC: Inicial: 2 a 10 mcg/minuto (ou 0,025 a 0,125 mcg/kg/minuto para
paciente de 80 kg); faixa posológica usual: 8 a 40 mcg/minuto (ou 0,1 a 0,5
mcg/ kg /minuto para paciente de 80 kg); titule até o efeito desejado
▪
Choque cardiogênico (off label): EV/BIC: Faixa posológica habitual:
0,01 a 0,5 mcg/kg/minuto; titular com base no desfecho clínico (por exemplo,
PA, perfusão de órgão-alvo) ou 1 a 40 mcg/minuto; titular com base no desfecho
clínico (por exemplo, PA, perfusão de órgão-alvo). Doses calculadas e arredondadas
para um paciente de 80 kg com base na dosagem baseada no peso usando as fontes
referenciadas.
▪
Choque pós-parada cardíaca (off-label): Nota: O objetivo ideal da
terapia não está bem estabelecido, mas normalmente é titulado para pressão
arterial média (PAM)> 65 mm Hg e preferencialmente 80 a 100 mm Hg para
otimizar a perfusão cerebral e de órgãos-alvo. Infusão contínua: EV/BIC: Faixa
posológica habitual: 0,01 a 1 mcg/kg/minuto; titular com base em desfechos
clínicos (por exemplo, PAM, perfusão de órgão-alvo). Dose máxima para choque
refratário: 2 mcg/kg/minuto ou 1 a 80 mcg/minuto; titular com base em desfechos
clínicos (por exemplo, PAM, perfusão de órgão-alvo). Dose máxima para choque
refratário: 160 mcg/minuto (doses calculadas e arredondadas para um paciente de
80 kg com base na dosagem baseada no peso usando as fontes referenciadas)
▪
Choque séptico e outros estados de choque vasoplégico (agente adjuvante): Nota:
Considerado como uso adjuvante quando a PAM meta não é atingida com vasopressor
inicial ou necessidade de terapia inotrópica. Em geral, manter a meta de PAM
(por exemplo, ≥ 65 mmHg). Considere o uso se o paciente estiver em choque
durante ou após a ressuscitação com fluidos. Infusão contínua: EV/BIC: Inicial:
0,01 a 0,2 mcg/kg/minuto; titular para meta de PAM ou perfusão de órgão-alvo. Faixa
de dose habitual: 0,01 a 0,5 mcg/kg/minuto. Faixa de dose máxima para choque
refratário: 0,5 a 2 mcg/kg/minuto, ou EV: Inicial: 1 a 15 mcg/minuto; titular
para meta de PAM ou perfusão de órgão-alvo. Faixa de dose usual: 1 a 40
mcg/minuto. Faixa de dose máxima para choque refratário: 40 a 160 mcg/minuto
(doses calculadas e arredondadas para um paciente de 80 kg com base na dosagem
baseada no peso usando as fontes referenciadas.
▪
Suporte inotrópico (off-label): Nota: As ações inotrópicas
predominam em doses mais baixas e as ações vasoconstritoras predominam em doses
mais altas. Infusão contínua: EV/BIC: Faixa posológica habitual: 0,01 a 0,5
mcg/kg/minuto; titular com base no desfecho clínico (por exemplo, PA, perfusão
de órgão-alvo) ou EV: Faixa posológica habitual: 1 a 40 mcg/minuto; titular com
base no desfecho clínico (por exemplo, PA, perfusão de órgão-alvo). Doses
calculadas e arredondadas para um paciente de 80 kg com base na dosagem baseada
no peso usando as fontes referenciadas).
▪
Midríase (indução e manutenção) durante cirurgia intraocular (específico do
produto): Nota: Deve utilizar apenas frascos sem conservantes e sem ácido
tartárico. Nem todas as formulações de injeção de epinefrina são adequadas para
uso intraocular. Consulte as informações de prescrição para detalhes da
formulação. Intraocular: Antes do uso, deve-se diluir 1 mL de uma solução de
uso único de 1 mg/mL para uma concentração de 1 a 10 mcg/mL ou se for usada
para injeção intracameral, 2,5 a 10 mcg /mL. Solução irrigadora (utilizando 1 a
10 mcg /mL): Utilizar conforme necessidade durante o procedimento. Injeção
intracameral (usando 2,5 a 10 mcg /mL): Volume de injeção: 0,1 mL.
▪
Parada cardíaca súbita devido a assistolia, atividade elétrica sem pulso (AESP),
fibrilação ventricular (TV) ou taquicardia ventricular sem pulso (TVSP) (off-label):
EV, Intraósseo: 1 mg (utilizando a solução 0,1 mg/mL) a cada 3 a 5 minutos
até retorno da circulação espontânea. Endotraqueal (via alternativa): 2 a 2,5
mg a cada 3 a 5 minutos até estabelecimento do acesso EV/intraósseo ou retorno
da circulação espontânea. Antes da administração, diluir em 5 a 10 mL de SF ou
água estéril (usando a solução de 1 mg/mL) e usar hiperventilação ou ventilação
manual após a administração. Observação: Pode causar leituras falso-negativas
com detectores de CO2 exalado. Use outro método para confirmar a colocação do
tubo se CO 2 não for detectado.
▪ Mesmas
observações que para noradrenalina quanto a extravasamento.
CLASSIFICAÇÃO
DAS DOSES[17]:
A
adrenalina é uma catecolamina endógena com alta afinidade pelos receptores β1,
β2 e α1 presentes no músculo liso cardíaco e vascular. Os efeitos
β-adrenérgicos são mais pronunciados em doses baixas e os efeitos
α1-adrenérgicos em doses mais altas.
▪
Até 0.2 mcg/kg/min = DOSES BAIXAS: Alguns consideram doses baixas <3
mcg/min)[18].
Maior efeito β1 e β2 destinado a estimular a contratilidade miocárdica[19].
Aumenta o débito cardíaco devido a efeitos inotrópicos e cronotrópicos mediados
pelo receptor β1. A vasoconstrição mediada pelo receptor α é frequentemente
compensada pela vasodilatação mediada pelo receptor β2. Aproveita-se este
efeito inotrópico para uso concomitante com noradrenalina. O resultado bruto é
um aumento do débito cardíaco com diminuição da RVS e efeito variável na PAM.
▪
> 0.2 mcg/kg/min = DOSES ELEVADAS: Predomina a vasoconstrição mediada
pelo receptor α que resulta em aumento da RVS além do aumento do DC. A pressão
venosa pulmonar é aumentada através de vasoconstrição direta e aumento do fluxo
sanguíneo pulmonar. O Surviving Sepsis Campaign recomenda adicionar epinefrina
à norepinefrina (recomendação fraca, baixa qualidade de evidência), em doses vasoconstritoras
visando atingir a PAM e reduzir as necessidades de norepinefrina. Nesse sentido
a epinefrina tem sido sugerida como vasopressor de segunda ou terceira linha
para pacientes com choque séptico. Entretanto, no momento em que a epinefrina
for associada, a norepinefrina já está em concentrações elevadas, pelo que os
receptores α1 podem já estar saturados e regulados negativamente. Assim, o uso
da epinefrina, que tem como alvo os mesmos receptores, pode ser de utilidade limitada
e a vasopressina poderia ser mais adequada neste cenário. A epinefrina pode ser
útil em pacientes com choque séptico refratário com disfunção miocárdica[20].
A administração de epinefrina em estágios avançados foi associada à baixa taxa
de resposta, o que poderia ser explicado pelo fato de que a resistência às
catecolaminas em pacientes com sepse muda ao longo do tempo. Essa alteração seria
causada pela sobrecarga de cálcio intracelular e comprometimento da sinalização
intracelular via receptores beta adrenérgicos em cardiomiócitos. Se a
epinefrina for administrada nos estágios mais avançados do choque séptico, o
aumento da resistência às catecolaminas pode atingir um nível que impede
qualquer resposta à epinefrina. Um estudo observacional retrospectivo de centro
único usando dados de pacientes adultos (≥ 18 anos) internados numa unidade de
emergência e terapia intensiva médica (UTI), mostrou que a administração
precoce de epinefrina após admissão na UTI (ou seja, dentro de 24 horas) está
associada a melhor estado hemodinâmico em pacientes com choque séptico
refratário[21].
O
fluxo sanguíneo coronário é aumentado através da estimulação dos miócitos para
liberar vasodilatadores locais, que contrabalançam a vasoconstrição coronária
direta mediada por α1. As pressões pulmonares arteriais e venosas são
aumentadas através da vasoconstrição pulmonar direta e aumentadas. Doses altas
e prolongadas podem causar toxicidade cardíaca direta através de danos às
paredes arteriais, o que causa necrose de bandas de contração miocárdica em
regiões focais, e através da estimulação direta do apoptose dos miócitos.
TABELA 1. Drogas inotrópicas e
vasopressoras, indicação clínica para uso terapêutico, faixa de dose padrão,
ligação ao receptor (catecolaminas) e principais efeitos clínicos |
||||||||
Medicamento |
Indicação Clínica |
Faixa de dosagem |
Ligação ao Receptor |
Principais efeitos colaterais |
|
|||
α1 |
β1 |
β2 |
DA |
|
||||
|
||||||||
Catecolaminas |
|
|||||||
Dopamina |
Choque (cardiogênico, vasodilatador). IC. Bradicardia sintomática que
não responde à atropina ou marcapasso |
2,0 a 20 mcg/kg/min (máx. 50 mcg/kg/min) |
+++ |
++++ |
++ |
+++++ |
Hipertensão grave (especialmente em pacientes em uso de betabloqueadores
não seletivos) Arritmias ventriculares Isquemia cardíaca Isquemia/gangrena
tecidual (doses altas ou devido a extravasamento de tecido) |
|
Dobutamina |
DC baixo (IC descompensada, choque cardiogênico, disfunção miocárdica
causada por sepse). Bradicardia sintomática que não responde à atropina ou marcapasso |
2,0 a 20 mcg/kg/min (máx. 40 mcg/kg/min) |
+ |
+++++ |
+++ |
N/A |
Taquicardia Aumento da taxa de resposta ventricular em pacientes com
fibrilação atrial Arritmias ventriculares Isquemia cardíaca Hipertensão
(especialmente pacientes com betabloqueadores não seletivos) Hipotensão |
|
Noradrenalina |
Choque (vasoplégico, cardiogênico) |
0,01 a 3 mcg/kg/min |
+++++ |
+++ |
++ |
N/A |
Arritmias Bradicardia Isquemia periférica (digital) Hipertensão
(especialmente pacientes com betabloqueadores não seletivos) |
|
Adrenalina |
Choque (cardiogênico, vasodilatador). Parada cardíaca.
Broncoespasmo/anafilaxia Bradicardia sintomática ou bloqueio cardíaco que não
responde à atropina ou marcapasso |
Infusão: 0,01 a 0,10 mcg/kg/min Bolus: 1 mg IV a cada 3 a 5 min (máx. 0,2 mg/kg) IM: (1:1000): 0,1 a 0,5
mg (máx. 1 mg) |
+++++ |
++++ |
+++ |
N/A |
Arritmias ventriculares Hipertensão grave resultando em hemorragia
cerebrovascular Isquemia cardíaca Morte súbita cardíaca |
|
Isoproterenol |
Bradiarritmias (especialmente torsades de pointes) Síndrome de Brugada |
2 a 10 mcg/min |
0 |
+++++ |
+++++ |
N/A |
Arritmias ventriculares Isquemia cardíaca Hipertensão Hipotensão |
|
Fenilefrina |
Hipotensão (mediada vagamente, causada por medicação) Aumentar a PAM com
EA e hipotensão. Diminuir o gradiente da VSVE na CMH |
Bolus: 0,1 a 0,5 mg IV a cada 10 a 15 min Infusão: 0,4 a 9,1 μg · kg −1 · min −1 |
+++++ |
0 |
0 |
N/D |
Bradicardia reflexa Hipertensão (especialmente com β-bloqueadores não seletivos) Vasoconstrição periférica e grave visceral Necrose
tecidual com extravasamento |
|
PDI |
|
|||||||
Milrinona |
Baixo DC (IC descompensada, após cardiotomia) |
Bolus: bolus de 50 mcg/kg durante 10 a 30 min. Infusão: 0,375 a 0,75 mcg/kg/min (ajuste de dose necessária em caso
de insuficiência renal) |
N/A |
Arritmias ventriculares. Hipotensão. Isquemia cardíaca. Torsades de
pointes |
|
|||
Amrinona |
Baixo DC (IC refratária) |
Bolus: 0,75 mg/kg durante 2 a 3 min Infusão: 5 a 10 mcg/kg/min |
N/A |
Arritmias, condução AV aumentada (taxa de resposta ventricular aumentada
na fibrilação atrial) Hipotensão Trombocitopenia Hepatotoxicidade |
|
|||
Vasopressina |
Choque (vasoplégico, cardiogênico). Parada cardíaca |
Infusão: 0,01 a 0,1 U/min (dose fixa comum 0,04 U/min) Bolus: bolus IV
de 40 U |
Receptores V1 (músculo liso vascular) Receptores V2 (sistema
de ductos coletores renais) |
Arritmias Hipertensão Diminuição do DC (em doses >0,4 U/min) Isquemia
cardíaca Vasoconstrição periférica grave causando isquemia (especialmente
cutânea) Vasoconstrição esplâncnica |
|
|||
Levossimendan |
IC descompensada |
Dose de ataque: 12 a 24 mcg/kg durante 10 min Infusão: 0,05 a 0,2 mcg/kg/min |
N/A |
Taquicardia, condução AV aumentada. Hipotensão |
|
α1: receptor α-1; β1: receptor β-1; β2: receptor β-2; DA, receptores
de dopamina; 0, efeito zero para o receptor; + até +++++, afinidade mínima
a máxima pelo receptor; N/A, não aplicável; IV, intravenoso; IM,
intramuscular; máx, máximo; EA, estenose aórtica; VSVE, via de
saída do VE; CMH, cardiomiopatia hipertrófica; AV, atrioventricular;
DC, débito cardíaco; PDI, inibidores da fosfodiesterase.
IV.
“UP-REGULATION” DAS CATECOLAMINAS E POTENCIAIS EFEITOS ADVERSOS
O
estresse da doença crítica resulta em sinalização massiva do Sistema Nervoso
Simpático (SNS) levando a uma “sobrecarga simpática ou hiperatividade simpática”.
A parada cardíaca e o choque séptico estimulam grandes elevações de epinefrina
circulante (até 300 vezes o valor basal) e de noradrenalina (14 vezes o valor
basal) por mecanismo de regulação positiva (up regulation). O óxido
nítrico (NO), um mediador reconhecido nos estados de choque vasoplégico, atua
como um mensageiro intercelular essencial nos sistemas nervosos central e
periférico. Um estudo, comprovou que o NO exerce ação de regulação positiva de
enzimas biossintéticas de catecolaminas. Os geradores de NO nitroprussiato de
sódio e S-nitroso- N -acetil- D, L-penicilamina, de maneira dose-dependente e através
do sistema guanilato ciclase solúvel/proteína quinase dependente de GMP cíclico
(cGMP), regularam positivamente os níveis de transcrição de tirosina
hidroxilase, dopamina β-hidroxilase e feniletanolamina N-metiltransferase,
acompanhada por aumentos a longo prazo nas suas atividades enzimáticas e nos
níveis intracelulares de catecolaminas[22].
Antigamente
considerava-se apenas a medula adrenal e o sistema nervoso simpático como os
únicos responsáveis pela produção, armazenamento e liberação de
catecolaminas. Há na verdade uma comunicação entre o eixo
hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) e o sistema nervoso autônomo (sistema nervoso
simpático adrenérgico, sistema nervoso parassimpático mediado pelo vago e
sistema nervoso entérico). Entretanto, evidências já conseguiram demonstrar que
os linfócitos e fagócitos (sistema imunológico) não só são capazes de
sintetizar e liberar neuropeptídeos, mas também neurotransmissores e hormônios,
como catecolaminas e acetilcolina, expressando funções adrenérgicas e
colinérgicas. Assim, fala-se hoje de uma rede moduladora neuroendócrino-imune,
que permite que o sistema nervoso, endócrino e imunológico regule e ajuste suas
respostas funcionais de forma positiva ou negativa e, assim, permitem que o
corpo se adapte rapidamente a diversas mudanças nos ambientes internos e
externos. Portanto, as catecolaminas são parte integrante e potentes
moduladores dessas redes interativas neuroendócrino-imunes/inflamatórias.
Através da comunicação direta através de fibras nervosas simpáticas que inervam
órgãos linfóides, as catecolaminas podem modular a proliferação, diferenciação
de linfócitos de camundongos, e produção de citocinas de células T hellper (Th)
de roedores e células mononucleares do sangue periférico humano. Essas
interações são facilitadas por receptores adrenérgicos expressos em linfócitos
murinos, células assassinas naturais de ratos ou T killer (Tk), macrófagos e
neutrófilos de roedores e células mononucleares humanas. Os linfócitos foram
descritos não apenas como contendo níveis intracelulares de catecolaminas, mas
essas catecolaminas foram secretadas, regulando negativamente a proliferação,
diferenciação e apoptose de linfócitos através de uma alça autócrina em
camundongos e humanos. Experimentos identificaram dopamina e norepinefrina em células
mononucleares humanas. Em consonância com estas descobertas, estudos adicionais
confirmaram a presença de catecolaminas em várias outras células, incluindo
mastócitos derivados da medula óssea murina, macrófagos e neutrófilos de
roedores, e numa linha celular de macrófagos humanos. Ao que parece, a
população de células produtoras de epinefrina são os linfócitos. As catecolaminas
derivadas de linfócitos ou fagócitos que inicialmente aumentam em quantidades
significativas (upregulation) são secretadas, afetando às próprias células
de forma autócrina/parácrina traves de um mecanismo de feedback negativo (downregulation).
As células imunológicas parecem regular sua atividade e a função das células
circundantes por meio de catecolaminas endógenas por dois mecanismos
diferentes: (a) as catecolaminas liberadas atuam de forma autócrina/parácrina e
(b) as catecolaminas produzidas pela medula adrenal ativam e modulam
diretamente as funções intracelulares. de células imunológicas/inflamatórias
produzindo citocinas pró e anti-inflamatórias. Após o término de suas ações e ocorrida
a recaptação celular, as catecolaminas são inativadas por oxidação intracelular
(citosólica e mitocondrial). Durante a inativação, as catecolaminas são
degradadas em vários produtos, incluindo grandes quantidades de espécies
reativas de oxigênio e outros metabólitos oxidativos citotóxicos, que são
conhecidos por induzirem apoptose celular em linfócitos de camundongos, e
monócitos circulantes humanos e linhas celulares. Isso explicaria a ocorrência
de linfopenia e monocitopenia. As catecolaminas intracelulares
recém-sintetizadas podem não ser liberadas imediatamente, mas armazenadas
dentro das células, o que pode colocar as células em risco de apoptose induzida
por estresse oxidativo e independente do receptor. No choque hemorrágico, o aumento
robusto de epinefrina e norepinefrina circulantes num modelo animal
experimental foram acompanhados por um número elevado de células assassinas
naturais circulantes (Tk) e níveis de linfócitos CD8 + significativamente
reduzidos. Além disso, foi observada uma taxa aumentada de apoptose de
esplenócitos 24 horas após a indução da hemorragia. Todos esses efeitos
poderiam ser abolidos pela administração de bloqueio adrenérgico não seletivo
ou β1 seletivo, sem afetar as concentrações séricas de citocinas de TNFα ou
IL-10. Num modelo experimental de sepse, a infusão de epinefrina foi associada
a alterações profundas das funções imunológicas celulares análogas às
observadas no choque hemorrágico: todos os subgrupos de linfócitos diminuíram,
enquanto a taxa de apoptose dos esplenócitos e o número de células Tk
circulantes aumentaram. Além disso, a proliferação de esplenócitos e a
liberação de citocinas foram inibidas, enquanto a taxa de apoptose de
linfócitos esplênicos foi aumentada. Paralelamente, a infusão de dopamina
diminuiu a taxa de sobrevivência de camundongos sépticos. Assim, parece haver
um padrão universal para os efeitos das catecolaminas durante a sepse, que pode
ser modulado pelos adrenoceptores celulares: os esplenócitos são levados à
apoptose, a contagem de linfócitos diminui (talvez devido à apoptose), enquanto
o número de células Tk aumenta. A dopamina também é um agonista dos receptores
α e β-adrenérgicos, mas exerce os seus efeitos principalmente através de
receptores dopaminérgicos específicos que podem ser encontrados num grande
número de células, incluindo linfócitos. Em concentrações fisiológicas, a
dopamina inibe a proliferação e a citotoxicidade dos linfócitos humanos CD4 + e
CD8 + in vivo e in vitro através dos receptores de dopamina, paralelamente aos
efeitos adversos da epinefrina e da norepinefrina. O intestino também tem sido
identificado como uma fonte alternativa de catecolaminas durante a sepse em
roedores, liberando norepinefrina na veia porta e alterando assim o estado
funcional dos hepatócitos e das células de Kupffer, contribuindo
inesperadamente para a disfunção hepatocelular durante a sepse. Este mecanismo
também parece ser mediado por receptores α2 – adrenérgicos. Surpreendentemente,
foi demonstrado que a ativação maciça do sistema nervoso simpático induzida por
trauma, com subsequente libertação robusta de norepinefrina, leva ao aumento do
crescimento in vivo de bactérias no sistema gastrointestinal num modelo animal
experimental, o que muito provavelmente contribui para a elevada incidência de
inflamação bacteriana sistêmica e sepse após hemorragia traumática. Mais
importante ainda (ou chocante), descobriu-se que as catecolaminas podem diretamente
estimular o crescimento bacteriano. Foi relatado que as catecolaminas
aumentaram o crescimento de várias bactérias gram-negativas e a produção de
fator de crescimento bacteriano em culturas de E. coli. Ao que parece, a
“tempestade de citocinas/quimiocinas” pró e anti-inflamatória que ocorre em
pacientes sépticos parece ser modulada, pelo menos em parte, pela epinefrina. As
ações imunossupressoras das catecolaminas parecem ser co-reguladas pelo
receptor β-adrenérgico em humanos. Assim, as catecolaminas contribuem
claramente para a grave desregulação imunológica que ocorre durante o choque
séptico. Embora as catecolaminas sejam medicamentos clássicos para vários
contextos em pacientes que sofrem de trauma grave, choque hemorrágico, sepse ou
choque séptico, sua administração precisa ser avaliada cuidadosamente de forma
individual para maximizar o benefício e minimizar os efeitos adversos da
administração de catecolaminas[23].
V.
EFEITOS NOCIVOS DAS CATECOLAMINAS[24]
- Alterar a função imunológica
- Ação imunossupressora sobre a resposta imunológica
(ação através de receptores β-adrenérgicos)
- Redução de linfócitos e fagócitos por apoptose (monócitos
e macrófagos).
- Ação trombogênica
- Ativação de plaquetas e fatores de coagulação
(ação β2)
- Prejudicar a eficiência metabólica
- Aumenta o consumo de energia em repouso. Promove
proteólise e lipólise e hiperglicemia
- Isquemia periférica devido a vasoespasmo em
altas doses
- Efeitos cardíacos
- Aumento da contratilidade, frequência cardíaca e
demanda de energia miocárdica de forma aguda.
- Lesão miocárdica e cardiomiopatia por
estimulação simpática excessiva. Na sepse, o aumento da contratilidade
cardíaca e da frequência cardíaca pode inicialmente atender ao aumento da
demanda metabólica sistêmica; no entanto, até 60% dos pacientes
desenvolvem subsequentemente fração de ejeção reduzida com balonamento
apical (takotsubo) e atordoamento miocárdico (isso pode ser mediado por
catecolaminas)
- Disritmias (especialmente dopamina)
- Estimula o crescimento bacteriano
- Adrenalina e outros agonistas β2 podem causar
acidose (não necessariamente prejudicial, mas torna a depuração de lactato
não confiável como alvo de tratamento)
- Na lesão cerebral aguda, desregulação
autonômica é comum e a ativação simpática pode mediar disfunção de
múltiplos órgãos.
Portanto,
níveis elevados de catecolaminas circulantes têm sido associados a aumento da
mortalidade e podem ser potencialmente usados como um fator adicional na
previsão da mortalidade. Essas catecolaminas circulantes mais altas podem
prever a mortalidade em pacientes gravemente enfermos, mas se a regulação
positiva das catecolaminas representa uma fisiopatologia tratável ou uma
compensação necessária inevitável atrelada à gravidade da doença e desfechos
mais desfavoráveis, permanece em debate.
Os
betabloqueadores adrenérgicos constituem uma classe terapêutica que apresenta
como mecanismo de ação comum o bloqueio dos receptores β-adrenérgicos, porém
com perfis farmacológicos diferentes. As diferenças relacionam-se à
seletividade dos receptores beta-adrenérgicos, à lipossolubilidade e às ações
vasodilatadoras de alguns medicamentos da classe. As diferenças mais
importantes relacionam- se ao grau de seletividade para os receptores
β1-adrenérgicos e à presença de propriedades associadas. Com base nessas
características, os β-bloqueadores têm sido subdivididos em três classes:
I)
Não seletivos (agentes de primeira geração), bloqueiam tantos os receptores
adrenérgicos β1, encontrados principalmente no miocárdio, quanto os β2,
encontrados no músculo liso, nos pulmões, nos vasos sanguíneos e em outros
órgãos. Em consequência, apresentam efeitos periféricos mais acentuados como aumento
da resistência arterial periférica e broncoconstrição. Os exemplos mais
utilizados desta categoria são propranolol, nadolol e timolol. Um
betabloqueador não seletivo, pindolol, se destaca por apresentar atividade simpatomimética
intrínseca, agindo como um agonista adrenérgico parcial e, portanto,
apresentando menos bradicardia e broncoconstrição que os demais
betabloqueadores desta categoria.
II)
Cardioseletivos (agentes de segunda geração), como metoprolol, atenolol, bisoprolol
e esmolol, bloqueiam apenas os receptores β1 adrenérgicos, presentes em
maior parte no coração, no sistema nervoso e nos rins e, portanto, sem os efeitos
de bloqueio periférico indesejáveis. No entanto, em doses muito altas podem
também ter ação nos receptores β2.
III)
Com ação vasodilatadora (agentes de terceira geração), manifesta-se por
antagonismo ao receptor α-1
periférico, como o carvedilol e o labetalol, e por produção de óxido
nítrico, como o nebivolol. Ademais, carvedilol possui propriedades especiais,
como ação antiproliferativa (de células musculares lisas vasculares) e
antioxidante (contra radicais livres).
A
solubilidade em lipídios e água de cada betabloqueador determina sua
biodisponibilidade e o perfil de efeitos colaterais. A lipossolubilidade
determina o grau no qual um betabloqueador penetra na barreira hematoencefálica
e assim leva aos efeitos colaterais no sistema nervoso central (SNC), tais como
letargia, pesadelos, confusões e depressão. O propranolol é muito lipossolúvel,
enquanto o metoprolol tem lipossolubilidade apenas moderada. Os hidrossolúveis,
como o atenolol, têm menor penetração tissular, meia-vida mais longa e causam
menos efeitos colaterais no SNC.
VII.
EFEITOS β CARDÍACOS
As
vias β-adrenérgicas regulam extensivamente a função cardíaca e,
especificamente, a hemodinâmica devido à extensa expressão cardíaca. O miocárdio
especializado é responsável pela condução do impulso elétrico, ele gera
esse impulso sem a necessidade de uma excitação neuronal. É composto pelo nodo
sinoatrial (NSA), nodo atrioventricular (NAV), feixe de His e fibras de
Purkinje. Possui quatro características: batmotropismo (excitabilidade,
capacidade de se excitar), automatismo (capacidade de se auto excitar), cronotropismo
(capacidade de gerar frequência cardíaca) e dromotropismo (capacidade de
conduzir o estímulo). Já o miocárdio contrátil é responsável pela ação
mecânica ou contrátil do órgão (função de bomba) realizando a sístole e a
diástole. Sua ação depende da parte elétrica, ou seja, do miocárdio
especializado. Possui três características: inotropismo (propriedade de
contração), lusitropismo (propriedade de relaxamento) e dromotropismo
(capacidade de conduzir o estímulo já que funciona como um sincício). β1
compreende 80% dos receptores β cardíacos e medeia inotropismo, cronotropismo,
lusitropismo e dromotropismo. No entanto, em altas concentrações de
catecolaminas, o lusitropismo é superado pelo cronotropismo e pelo inotropismo.
β2 produz efeitos cardíacos semelhantes a β1, mas a ativação sustentada de β2
leva a uma neutralização dos efeitos β1. Além disso, a resposta cardíaca
mediada pela epinefrina parece independente do β2 e está mediada principalmente
pelo β1 e depende da ativação do β1. Esta evidência experimental apregoa que a
ativação de β1 aparece como pró-apoptótica para miócitos cardíacos, enquanto β2
pode conferir proteção. Embora, curiosamente, dados pré-clínicos recentes em
camundongos tenham demonstrado a prevenção da disfunção mitocondrial cardíaca
por meio da ablação da sinalização β2 após queimaduras. A expressão cardíaca β1
predomina sobre a β2 (4:1), mas estados como IC podem inclinar a balança quase
uniformemente através da regulação negativa de β1 por estimulação adrenérgica
sustentada (downregulation). O aumento da expressão de β2 pode fornecer
benefícios através do aumento da contratilidade e angiogênese. As pesquisas
divergem na identificação de papéis cardioprotetores versus deletérios da maior
proporção de expressão de β2, pois alguns relatórios indicam melhorias na
contratilidade, angiogênese e remodelação cardíaca. Em contraste, outros
implicam que podem promover β2 como arritmogênico. No entanto, cepas de
camundongos transgênicos comumente usadas que super expressam os receptores β2
podem representar ambientes não fisiológicos, uma vez que a IC não regula
positivamente os receptores β2. Esta fisiologia aumentada do receptor pode
aumentar a taxa de arritmogenicidade atribuída aos receptores β2 nestes estudos
com animais. Ao contrário de β1 e β2, β3 induz inotropismo negativo e reduz a
resposta às catecolaminas, e a expressão é regulada positivamente em doenças
críticas (upregulation). O aumento da expressão de β3 pode predispor o
coração para consequências como depressão miocárdica séptica. Curiosamente,
Myagmar et al. descreveram recentemente a ausência de β2 e β3 em miócitos
cardíacos, enquanto β1 estava presente em todos os miócitos. β2 e β3 estão
principalmente em outros tipos de células (por exemplo, células endoteliais),
ressaltando a dependência de β1 no músculo cardíaco, o que levanta preocupações
adicionais sobre a adequação da super expressão artificial de β2 em miócitos
cardíacos.
Foram
relatadas evidências clínicas que apoiam efeitos nocivos prejudiciais mediados
por receptores β. β1 impulsiona taquicardia em doenças críticas aumentando o
risco de eventos cardíacos em pessoas com doença cardíaca pré-existente. Além
disso, a síndrome do balonamento apical do ventrículo esquerdo (VE) (ou seja,
síndrome de Takotsubo) tem ligação com a estimulação adrenérgica endógena e
especificamente com o β-agonismo. Na sepse, apesar das catecolaminas elevadas,
a regulação negativa geral dos receptores β contribui para a disfunção
miocárdica séptica. Cumulativamente, esses efeitos cardíacos apoiam a
justificativa do estudo por trás do BB seletivo para receptor β1 (por exemplo,
esmolol) em doenças críticas, uma vez que β2 e β3 são potencialmente
protetores.
VIII.
EFEITOS DO β-BLOQUEIO CARDÍACO NO CHOQUE SÉPTICO. PAPEL DO ESMOLOL.
O antagonismo
dos receptores β cardíacos produz efeitos inotrópicos e cronotrópicos
negativos, diminui a velocidade de condução através dos nódulos sinoatrial (SA)
e atrioventricular (A-V). A queda da frequência cardíaca (FC) pelo
cronotropismo negativo e da redução da contratilidade miocárdica pelo
inotropismo negativo, podem diminuir o débito cardíaco (DC) e a pressão
arterial (PA). Estudos experimentais demonstraram comprometimento da função
ventricular direita e piora da perfusão quando o BB foi utilizado no início do
choque séptico. Normalmente, esses efeitos limitam seu uso no manejo das
doenças críticas. No entanto, as avaliações experimentais são frequentemente
limitadas por tempos de observação curtos (várias horas) em comparação com um
acompanhamento mais prolongado em estudos clínicos que avaliariam o uso
criterioso de BB após a fase de ressuscitação e estabilização hemodinâmica.
Estudos pré-clínicos sugeriram efeitos positivos, pois o betabloqueio seletivo do
receptor β1 pode reduzir o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e a
interleucina 6 (IL-6) no soro e na inflamação miocárdica sistêmica e cardíaca.
No entanto, em contraste, o antagonismo do receptor β2 aumenta o TNF-α e a IL-6
podendo agravar a inflamação e exacerbar as alterações fisiológicas observadas
na sepse, apoiando ainda mais os benefícios do betabloqueio seletivo β1.
Os
benefícios hemodinâmicos do BB podem melhorar a função cardíaca em doenças
críticas, já que ao diminuir a FC aumentam o tempo de diástole ventricular,
isto é, aumentam o tempo de enchimento do ventrículo esquerdo, melhorando o
volume sistólico (VS) e com isso o débito cardíaco (DC) e a pressão arterial
(PA). Assim, à medida que a frequência cardíaca (FC) diminui, e há aumento do
volume sistólico, haverá um melhor acoplamento ventrículo-arterial (VA). O
acoplamento VA (VAC) é um parâmetro composto, definido como a relação entre a
elastância arterial (Ea) e a elastância sistólica final do ventrículo esquerdo
(Ees). Assim: VAC=Ea/Ees, onde VAC = 0.5 – 0.6 representa o máximo de
eficiência energética (trabalho sistólico normal com o menor trabalho
possível); VAC = 1 representa o máximo trabalho sistólico e VAC > 1 representa
desacoplamento VA. É uma propriedade fundamental do sistema cardiovascular,
integrando e avaliando a interação de todos os parâmetros individuais do
ventrículo (bomba) e da árvore arterial (pós-carga). Ea é uma alternativa para
o cálculo da pós-carga cujo conceito é baseado na relação linear entre os
volumes ejetados (volumes sistólicos) e as respectivas pressões geradas no
sistema arterial (pressões sistólicas). É calculada dividindo-se a pressão
arterial sistólica pelo volume sistólico: Ea = PS/VS (mmHg/ml). Como o tônus arterial
é um dos principais determinantes do acoplamento VA, a redução da FC pode
melhorar o acoplamento VA, aumentando o volume sistólico e diminuindo a
elastância arterial estática (Ea). Como a Ea é determinada linearmente pelo
volume sistólico (VS), qualquer melhora no tempo diastólico e no enchimento
pode diretamente influenciar na Ea. Vários estudos demonstraram que a rigidez
arterial aumentada (como por exemplo, na insuficiência cardíaca congestiva)
está associada com disfunção diastólica do ventrículo esquerdo (VE). Esses
dados são importantes, uma vez que uma maior rigidez arterial é responsável por
um acoplamento VA anormal, maior pós-carga cardíaca, estresse da parede do VE
aumentado, e fluxo coronário reduzido. Todos esses fatores levam à deterioração
da função do VE[27].
Pacientes com choque séptico apresentam desacoplamento VA associado à função
deficiente do VE. Apesar de atingir as metas hemodinâmicas recomendadas, o
desacoplamento ventrículo-arterial (VA) pode persistir em pacientes com choque
séptico. Esta dissociação é ainda mais exacerbada tanto por um aumento na
pós-carga através da administração de agentes vasoconstritores quanto pela
taquicardia. O desacoplamento está associado à ineficiência cardiovascular e à
energia miocárdica desfavorável que pode deteriorar-se progressivamente durante
o curso da doença. A taquicardia também aumenta o consumo de oxigênio pelo
miocárdio e, ao encurtar o tempo de relaxamento diastólico, pode prejudicar perfusão
coronariana. Esses efeitos podem contribuir ainda mais para disfunção
miocárdica e um desfecho desfavorável. Morelli et al. demonstraram que o esmolol,
um BB seletivo β1 de ação ultracurta, reduziu a elastância arterial, reduziu
a FC sem alterar o DC e a fração de ejeção do VE, aumentou o volume sistólico
no choque séptico, sugerindo melhor acoplamento VA[28].
A Fig.
4 descreve os efeitos hemodinâmicos do BB em diferentes cenários. Em
pacientes normais, observa-se queda do DC associado à queda da FC. No cenário
de pacientes sépticos com taquicardia, o aumento da FC provoca VS reduzido pelo
encurtamento da fase diastólica, o que reduz o DC e prejudica a perfusão tecidual.
Ao associar esmolol, o VS aumenta e, portanto o DC melhora juntamente com o VS
e a perfusão tecidual. A melhora do DC é atribuída às reduções da FC,
melhorando o enchimento diastólico final do ventrículo esquerdo e, assim,
aumentando a pré-carga e o VS. Em alguns estudos, houve uma redução do DC (pela
diminuição da FC) mas não foram observadas diferenças na oxigenação e na
perfusão tecidual. Experimentalmente, o esmolol protege a função miocárdica na
sepse, provavelmente através da mitigação das vias apoptóticas no miocárdio que
estão associadas à estimulação β1 elevada. Na verdade, o esmolol adicionado às
soluções cardioplégicas para cirurgia cardíaca reduziu as troponinas
pós-operatórias, sugerindo preservação do tecido cardíaco. Na IC aguda
descompensada, a continuação do BB de forma crônica parece prevenir a morte.
Embora possa parecer lógico interromper os inotrópicos negativos em pacientes
hospitalizados com insuficiência cardíaca, a descontinuação do BB não afetou
significativamente a hemodinâmica nesses pacientes. Uma meta-análise dos
efeitos do BB em ensaios de choque séptico apoia efeitos hemodinâmicos neutros
após a reanimação inicial, apesar da necessidade de suporte vasopressor após a
reanimação inicial. Tomados em conjunto, a extrapolação de dados pré-clínicos e
clínicos apoiam efeitos cardíacos e hemodinâmicos benéficos, ou pelo menos
seguros, do BB cardíaco no manejo de doenças críticas.
Figura 4. Efeitos hemodinâmicos na
sepse do β-bloqueio. No painel A, são apresentados o débito cardíaco (CO), o
volume sistólico (SV) e a frequência cardíaca (HR) de um indivíduo normal e
saudável. No painel B, devido ao cronotropismo negativo associado ao BB, que
causa redução da HR, o CO global é reduzido apesar do SV normal. No painel C, a
sepse resulta em taquicardia, devido à ativação simpática excessiva. Este
aumento da HR não permite o enchimento ventricular adequado causando diminuição
do CO secundário à diminuição do SV. No painel D, dado que o retorno venoso
(isto é, pré-carga) melhora pela redução da HR induzida pelo BB permitindo mais
tempo de enchimento ventricular esquerdo. O efeito positivo no CO provocado
pelo aumento do SV supera o efeito negativo que a redução da FC poderia gerar
no próprio CO. www.frontiersin.org
IX.
EFEITOS β PULMONARES
A
vasculatura pulmonar apresenta concentrações modestas de receptores β. Dentro
dos pulmões, os receptores β2 são os mais importantes, pois superam o β1 na proporção
de 3:1 na maioria dos tecidos pulmonares. O receptor β está presente no músculo
liso vascular pulmonar. Os receptores β2 presentes no epitélio contribuem para
a depuração do líquido alveolar, enquanto os do músculo liso brônquico promovem
a broncodilatação. Os receptores β1 presentes na parede alveolar e nas
glândulas submucosas contribuem para a depuração do fluido alveolar, embora não
na mesma magnitude dos β2.
A hiperestimulação
adrenérgica tem vários efeitos pulmonares que preocupam nas doenças críticas,
incluindo edema pulmonar e pressões pulmonares elevadas com disfunção cardíaca
direita, principalmente através da vasoconstrição mediada por receptores α. A
vasoconstrição mediada por receptores α aumenta o volume sanguíneo deslocado para
a circulação pulmonar, aumentando a congestão e o estresse na parede capilar. O
aumento da pressão e a retenção de líquidos transferem rapidamente o líquido
para o interstício pulmonar e para os alvéolos, especialmente quando a
inflamação rompe a barreira capilar. Embora menos influente que a estimulação
α, a estimulação β1 pode aumentar o débito ventricular direito, aumentando
ainda mais o volume sanguíneo pulmonar e as pressões capilares pulmonares. No
entanto, o β2-agonismo é frequentemente associado a melhorias nos mecanismos
que podem mitigar a prevenção do edema por meio da depuração do líquido
alveolar. O β2-agonismo pode produzir outros efeitos pulmonares protetores,
como reduções nas citocinas inflamatórias sistêmicas e pulmonares e prevenir a
permeabilidade capilar. Os ensaios clínicos não conseguiram traduzir as
evidências pré-clínicas em resultados positivos, uma vez que o agonismo β2
aumentou a mortalidade da síndrome do desconforto respiratório agudo. A falta
de benefício pode ocorrer secundariamente a receptores β2 disfuncionais durante
estados inflamatórios prolongados. Notavelmente, a vasodilatação mediada por β2
pode afetar prejudicialmente o desvio de sangue na ressuscitação
cardiopulmonar, levando à distribuição de sangue dos alvéolos não ventilados. O
modo de doença crítica provavelmente influencia o grau de fisiopatologia
pulmonar com a estimulação dos receptores β, com evidências insuficientes para
malignidade. Atualmente, não existem evidências suficientes para apoiar o papel
da estimulação β2 como útil ou prejudicial na doença crítica e possível dano na
disfunção pulmonar de longo prazo como a síndrome do desconforto respiratório
agudo.
X.
EFEITOS DO β-BLOQUEIO PULMONAR
BB fornece uma estratégia potencial para melhorar a resposta adrenérgica pulmonar. A prescrição de um BB normalmente requer cautela nas patologias pulmonares, principalmente doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e asma, pois o BB pode reverter os benefícios da broncodilatação mediada pelo receptor β2, embora a cardiosseletividade dos agentes bloqueadores β1 elimine essa preocupação. No entanto, um grande ensaio clínico recente determinou que o uso de metoprolol em pacientes com DPOC sem indicações cardíacas para BB resultou em aumento de exacerbações. No entanto, em pacientes gravemente enfermos com insuficiência respiratória aguda e DPOC, o BB cardiosseletivo não afetou o tempo de internação na UTI. Além disso, a continuação do BB cardiosseletivo para pacientes com indicações cardíacas subjacentes hospitalizados por exacerbações da DPOC parece seguro. Na asma, vários estudos clínicos e de bancos de dados sugeriram que o uso de BB não piora a hiperresponsividade das vias aéreas ou as exacerbações da asma. Uma meta-análise de rede de 24 ensaios clínicos concluiu que o BB não seletivo (especificamente medicações orais de timolol e propranolol) estava associado a uma maior incidência de ataques de asma do que o BB cardiosseletivo. Além disso, a terapia cardiosseletiva prévia com BB tem sido associada a menor mortalidade em pacientes de UTI com insuficiência respiratória aguda, e a retirada de BB pode piorar a mortalidade. Numa avaliação retrospectiva do início do BB após cerca de 7 dias de admissão na UTI, não ocorreram alterações na função pulmonar. Dadas as evidências atuais, indicações cardíacas convincentes (por exemplo, fibrilação atrial, doença cardíaca isquêmica) devem orientar o uso de BB em pacientes gravemente enfermos, e a DPOC e a asma não devem restringir o uso de BB.
Algumas
evidências pré-clínicas sugerem possíveis mecanismos protetores do BB
pertinentes a doenças críticas. Maccari et al. relataram vários βB seletivos e
não seletivos que preveniram a regulação negativa de β2 induzida por
catecolaminas in vitro. Outros estudos pré-clínicos demonstram efeitos
protetores pulmonares dos BB na lesão pulmonar aguda induzida por sepse. O BB de
ação ultrarrápida, landiolol, suprimiu a lesão pulmonar e reduziu a proteína
associada à lesão pulmonar [high-mobility group box 1, (HMGB-1)],
em um modelo de sepse por lipopolissacarídeo induzida em ratos. O mecanismo de
benefício pulmonar do BB nestes ambientes permanece uma conjectura, embora
quando aplicado em ambientes clínicos, os efeitos não pareçam prejudiciais à
fisiologia pulmonar.
XI.
USO DE Β-BLOQUEADORES EM DIFERENTES CENÁRIOS DE PACIENTES CRÍTICOS
1.
SEPSE/CHOQUE SÉPTICO
Este
é o cenário onde tem sido mais estudado o uso do BB, considerando a elevada incidência
de sepse no mundo.
O
choque séptico, é uma forma de choque distributivo em que a VASOPLEGIA e
VASODILATAÇÃO são causadas pela perda da resposta normal do músculo liso
vascular a agentes vasoconstritores associada a um efeito vasodilatador direto
causado por mediadores de resposta inflamatória (histamina, bradicinina, serotonina,
oxido nítrico etc.) levando a uma redistribuição do fluxo sanguíneo (desvio para
o sistema venoso de capacitância) e perda de volume para o terceiro espaço gerando
hipovolemia relativa por AUMENTO DA PERMEABILIDADE VASCULAR.
Inicialmente haverá uma fase hiperdinâmica (“quente”) caracterizada por
vasodilatação generalizada com diminuição da resistência e aumento da
permeabilidade vascular. Nesta fase precoce, o paciente apresenta a pele quente
e de cor rosada. O aumento da permeabilidade vascular leva a perda progressiva
de volume para o terceiro espaço provocando um estado de hipovolemia relativa. Este
estado de hipovolemia estimula a liberação de catecolaminas (epinefrina e
norepinefrina) que provocam taquicardia progressiva e vasoconstrição
periférica, renal e esplâncnica que tentam contrabalançar à vasodilatação
generalizada e preservar fluxo sanguíneo para órgãos nobres (cérebro, pulmão e
coração). A função ventricular é quase normal, e o débito cardíaco (DC) aumenta
pela taquicardia, mantendo inicialmente a pressão arterial normal ou baixa a
depender da intensidade da vasoplegia e queda da RVS (PA = DC x RVS). A
taquicardia inicialmente leva a um aumento do débito cardíaco (DC) mas com um
volume sistólico (VS) progressivamente baixo decorrente do encurtamento da
diástole associada a taquicardia (menor tempo de enchimento ventricular) e da
perda de volume para o terceiro espaço. Apesar de haver aumento do DC, haverá um
estado de hipoperfusão tecidual pelos seguintes motivos: (1) metabolismo
corporal aumentado gera grande demanda de O2 e nutrientes, o que leva a aumento
de consumo de O2 (VO2) por parte das células, de modo que até mesmo um débito
cardíaco normal ou aumentado levando a oferta de O2 aumentada (DO2) resultará
inadequada para a demanda; (2) a redistribuição de fluxo com vasodilatação
geral patológica e vasoconstrição compensatória de órgãos não nobres
(periférica, renal e esplâncnica), desvia o fluxo para preservar perfusão de
órgãos nobres (cérebro, pulmão e coração) de modo que a maior parte do débito
cardíaco passará por vasos sanguíneos de
territórios (órgãos não nobres) com vasoconstrição que portanto, não suprem de
O2 e nutrientes os tecidos (shunts funcionais); (3) nos tecidos alvo de
vasoconstrição haverá hipóxia tecidual, injuria mitocondrial e agora queda do
consumo de oxigênio (VO2) apesar da oferta aumentada (DO2 = DC x CaO2) que se
refletirá numa queda da taxa de extração de O2 (TEO2 = VO2/DO2) e
consequentemente aumento da SVcO2 (1 – TEO2). Trata-se de uma fase de
hiperfluxo com aumento da oferta de oxigênio (DO2) mas que se torna
insuficiente diante do baixo consumo efetivo (VO2) e uma baixa taxa de extração
de oxigênio (TEO2), levando a um aumento da SVcO2. O resultado líquido nesta
fase é um estado normo/hipotensivo-hiperdinâmico com aumento do DC e da SVcO2,
queda da TEO2 e evidência de isquemia tecidual manifesta por um aumento do
lactato sérico (hiperlactatemia). Na fase tardia ou hipodinâmica (“fria”),
haverá vasoplegia generalizada, mas a vasoconstrição compensatória se torna
máxima e a nível periférico se manifestará por pele fria e pálida. Nesta
fase a caraterística marcante é a diminuição importante da contratilidade
miocárdica (função ventricular reduzida) que somada à hipovolemia
relativa, leva a uma queda do débito cardíaco, mesmo com persistência da
taquicardia, induzindo uma redução marcada na pressão de perfusão de
órgãos. Neste momento a queda do DC leva a queda da DO2. O resultado é a
hipoperfusão de órgãos nobres inicialmente preservados, como o coração, cérebro
e fígado. Assim, no choque séptico precoce (quente ou hiperdinâmico) existe
vasoplegia com redução do retorno venoso e uma consequente redução da pressão
arterial diastólica; taquicardia e aumento do débito cardíaco compensatórios
levando a uma pressão de pulso ampla; extremidades mornas e quentes e
enchimento capilar rápido, mas com evidência de hipoperfusão tecidual (aumento
do lactato). No choque séptico tardio (frio ou hipodinâmico) a evidência de
miocardiopatia induzida pela sepse avançada torna-se um marcador prognóstico
importante pela disfunção múltipla de órgãos que ocorre como consequência do
processo avançado do choque[29]
[30]
[31].
Na
sepse, a resposta inflamatória desregulada e a regulação positiva das
catecolaminas afetam quase todos os sistemas orgânicos. Dois distúrbios
específicos que ocorrem na sepse podem abrir espaço para o uso agudo de BB: o
comprometimento hemodinâmico e as alterações metabólicas. Na sepse se
produzem citocinas pró-inflamatórias séricas em níveis elevadas (por exemplo,
TNF-α, IL-1β e IL-6) que se regulam positivamente. A regulação positiva de
citocinas tem múltiplos efeitos deletérios, que poderiam ser mitigados pelos BB.
De fato, foi proposto que o BB reduz a disfunção cardíaca induzida pela sepse,
melhora o estado hipermetabólico induzido pela sepse e desempenha um papel na
imunomodulação, prevenindo a apoptose de linfócitos prevalente nos mecanismos
inflamatórios da sepse. Além disso, como visto acima, a sepse cursa com
taquicardia, o que reduz o tempo de enchimento diastólico e aumenta o risco de
arritmias, exacerbando as alterações hemodinâmicas decorrentes da queda da resistência
vascular sistêmica (RVS). A redução da frequência cardíaca através do bloqueio
β1 estando a pré-carga adequada, pode diminuir o consumo de oxigênio
miocárdico, aumentar o tempo de enchimento diastólico e aumentar o tempo de
perfusão coronariana, reduzindo potencialmente o risco de isquemia miocárdica e
melhorando a perfusão de órgãos-alvo. Por outro lado, o bloqueio β1 com
pré-carga inadequada, pode resultar em hipotensão hemodinamicamente
significativa e, portanto, deve ser usado com cautela ou evitado nessas circunstâncias.
Destaque-se,
entretanto, que, as atuais Diretrizes de Sobrevivência à Sepse não fazem
recomendações sobre o uso do BB em pacientes sépticos, em razão de que os
efeitos de melhora na hemodinâmica com o uso agudo de BB na sepse permanecem ainda
controversos à luz das evidências. Séries de casos e pequenos estudos
retrospectivos e prospectivos estabeleceram um perfil de segurança plausível. Em
1972, Berk et.al., publicaram uma série de casos em pacientes com choque
séptico refratário documentando os efeitos hemodinâmicos do propranolol. Os
casos trouxeram os conceitos de choque hiperdinâmico vs. choque hipodinâmico,
dada a observação de que três pacientes que morreram após o uso de propranolol
tiveram DC gravemente reduzido em comparação com aqueles que sobreviveram. A
análise dos parâmetros hemodinâmicos continuou nas revisões retrospectivas posteriores
de pacientes sépticos. Ao contrário de Berk et. al., um estudo conduzido por
Schmiter et. al., não encontrou alteração no índice cardíaco (IC) após infusão
de milrinona com metoprolol enteral iniciada após estabilização hemodinâmica. O
controle alvo da FC (65–95 bpm) foi alcançado em 39 dos 40 pacientes, além de
um aumento significativo no índice de volume sistólico (IVS) e na pressão
venosa central (PVC), juntamente com dosagens diminuídas de norepinefrina, vasopressina
e milrinona. Outros pequenos estudos retrospectivos usando BB na sepse não
mostraram aumentos na mortalidade através do uso agudo.
Pequenos
estudos observacionais prospectivos subsequentes continuaram a analisar os
parâmetros hemodinâmicos com uso de BB na sepse, mas especificamente com esmolol.
Alguns estudos demonstraram diminuição significativa do DC proporcional às
reduções da FC, enquanto outros mostraram DC inalterado ou reduções não
significativas. Uma tendência mais consistente foi observada em relação ao VS,
com evidências documentadas de aumentos significativos e não significativos. Em
uma análise de subgrupo, Du et. al. demonstraram que em pacientes com VS
aumentado, a terapia com esmolol apresentou menor risco de diminuir o DC. Da
mesma forma que Schmiter et. al., Morelli et. al. observaram necessidades
reduzidas de norepinefrina após introdução do esmolol, embora nem todos os
estudos tenham observado uniformemente essa diferença. As medidas de perfusão
tecidual, incluindo os níveis de lactato, foram conflitantes entre os estudos,
com alguns mostrando reduções significativas no grupo esmolol, enquanto outros
tiveram reduções mais substanciais no grupo controle. Os estudos prospectivos
não analisaram o impacto na mortalidade com uso do esmolol, mas Shang et. al. observaram
duração significativamente menor da ventilação mecânica com esmolol em
comparação ao controle. No que diz respeito ao momento para o início do
esmolol, estes estudos prospectivos foram relativamente consistentes ao tentar
primeiro corrigir a pré-carga através da ressuscitação volêmica antes da
administração de uma dose de ataque de esmolol. No entanto, o tempo, os limiares
e os parâmetros para estabilização hemodinâmica variaram. Esses dados
retrospectivos e prospectivos são coletivamente limitados por amostras pequenas
e carecem de resultados clínicos relevantes, estabelecendo um incentivo para
ensaios randomizados maiores.
O estudo
de Morreli et.al. (2013), com uso de esmolol em pacientes com choque séptico
que necessitaram de vasopressores em altas doses reavivou a discussão sobre BB
na sepse. Esmolol atingiu a FC alvo (80-94 bpm) em todos os pacientes em
comparação com o tratamento padrão e resultou em uma redução média de 18 bpm. O
grupo esmolol exibiu melhorias no VS e no índice de trabalho sistólico do
ventrículo esquerdo e diminuição nas necessidades de norepinefrina e de fluidos.
O esmolol também melhorou o pH, o excesso de bases e o lactato arterial. Vários
outros ensaios clínicos randomizados (ECR) avaliaram BB na sepse. Cumulativamente,
estes ensaios foram recentemente avaliados em revisões sistemáticas e meta-análises.
Chacko et. al. em 2015 publicaram uma revisão sistemática em que avaliaram 9
estudos e encontraram benefícios na maioria dos estudos em relação ao controle
da frequência cardíaca, diminuição da mortalidade e parâmetros ácido-base,
embora a força da evidência seja limitada devido à heterogeneidade e à inclusão
de apenas um ECR. Sanfilippo et. al. foi a próxima revisão sistemática
publicada em 2015, que incluiu dois ECRs com evidências adicionais que
mostraram que o uso de BB em pacientes com choque séptico conferiu diminuição
da FC sem efeitos adversos significativos. As revisões sistemáticas anteriores
incluíram uma série de desenhos de ensaios, mas uma meta-análise realizada em
2018 avaliou o uso de esmolol no choque séptico e na sepse a partir de cinco ECRs.
Os três estudos que relataram taxa de sobrevida mostraram que o uso de esmolol,
quando comparado ao controle, foi associado a um aumento significativo na taxa
de sobrevida. Com relação à hemodinâmica, o uso de esmolol não mostrou
influência na PAM, PVC ou saturação venosa central de oxigênio (ScVO2), mas
reduziu a FC e o biomarcador cardíaco troponina I. Em 2019, Lee et. al. publicaram
uma revisão sistemática de 14 estudos que incluiu 5 ECRs, embora apenas três
desses ECRs fossem iguais aos incluídos no estudo de Liu et al. Seis dos
estudos avaliaram o uso de BB e mortalidade, que apesar de possíveis vieses no
estudo, mostraram benefícios no uso do BB.
Desde
a publicação dessas revisões sistemáticas e metanálises, tem havido um foco
crescente no tratamento de taquiarritmias na sepse. As evidências
iniciais que obtiveram suporte para o uso de BB em pacientes sépticos com
fibrilação atrial resultaram de um estudo de coorte de propensão correspondente
de 2016. Esta análise concluiu que os BB estavam associados a menor mortalidade
hospitalar quando comparados aos bloqueadores dos canais de cálcio (BCC),
digoxina e amiodarona. No que diz respeito ao controle da FC, Bosch et. al.
descobriram que, em comparação com BCCs, amiodarona e digoxina, o BB melhorou o
controle da FC para < 110 bpm em 1 hora quando usado no tratamento da
fibrilação atrial associada à sepse, embora esse efeito não tenha persistido
para mostrar diferença significativa em 6 horas. Embora esses estudos
incluíssem uma variedade de agentes BB, as evidências mais recentes mudaram
para focar exclusivamente no uso de BB de ação ultracurta, esmolol e
landiolol. É importante ressaltar que o landiolol não está disponível para
uso nos Estados Unidos. Kakihana et. al. analisaram a segurança e a eficácia do
landiolol em um ECR multicêntrico e aberto no Japão que mostrou melhorias
significativas no controle da FC e diminuição da incidência de arritmias de
início recente. Este estudo focou especificamente em uma população de pacientes
com FC ≥ 100 bpm mantida por pelo menos 10 minutos sem alteração na dose de
catecolaminas e com diagnóstico de fibrilação atrial, flutter atrial ou
taquicardia sinusal. O efeito adverso mais comum foi a hipotensão, que se
resolveu rapidamente em todos os casos, dada a natureza de ação ultracurta do
medicamento. Hasegawa et. al. publicaram em 2021 uma revisão sistemática com
metanálise de sete ECRs associados ao uso de esmolol e landiolol em pacientes
com taquicardia persistente (definida como FC > 95 bpm) apesar da reanimação
inicial. Seis dos ECRs incluídos relataram mortalidade em 28 dias. O uso de BB
de ação ultracurta nesta população de 572 pacientes foi associado a uma
mortalidade significativamente menor em 28 dias com uma redução absoluta do
risco de 18,2% conferindo um número necessário para tratar de 6 para evitar a
morte de um paciente.
O
uso de betabloqueadores em pacientes sépticos permanece controverso,
especialmente no que diz respeito ao momento de início. A taquicardia
nos estágios iniciais da sepse não ressuscitada é um importante mecanismo
compensatório para garantir o débito cardíaco, o fornecimento de oxigênio e a
perfusão. O uso de betabloqueadores, especificamente com esmolol e landiolol,
demonstrou reduzir a frequência cardíaca em pacientes sépticos sem efeitos
deletérios na perfusão de órgãos-alvo e pode estar associado a melhores taxas
de sobrevida. Apesar de alguma variação de dosagem e tempo nos ECRs realizados,
há um consenso de que o BB não deve ser iniciado antes de pelo menos 6 horas
e, em alguns ensaios, 24 horas, somente após da ressuscitação inicial com reposição
volêmica e compensação hemodinâmica com uso de vasopressores. Com isso em
mente, a terapia com BB pode ser iniciada enquanto os pacientes ainda
necessitam de vasopressores. Na verdade, muitos estudos descreveram o potencial
para diminuição das necessidades de norepinefrina com BB, levantando hipótese do
BB como poupador de vasopressores com potencial para evitar efeitos deletérios
de necessidades elevadas e prolongadas de catecolaminas. Portanto, o uso de
esmolol deve ser baseado em fatores específicos do paciente e provavelmente
deve ser considerado somente após a ressuscitação inicial e uma vez alcançada a
estabilização hemodinâmica com vasopressores. Entretanto, faltam grandes
ensaios clínicos randomizados avaliando e elucidando o regime de dosagem ideal
e as considerações sobre o momento de início.
Existem
numerosos estudos retrospectivos que investigaram a exposição previa ao BB
antes da admissão na UTI com diagnóstico de sepse (paciente já vinha usando BB),
o que conferiu benefício na mortalidade. Macchia et. al. realizaram um estudo
observacional retrospectivo em 9.465 pacientes sépticos que concluíram menor
mortalidade em 28 dias em pacientes nos quais haviam sido previamente
prescritos BB. A prescrição ambulatorial de BB foi associada a uma mortalidade
hospitalar em 30 dias significativamente reduzida, sem diferença em relação ao BB
cardiosseletivo em comparação ao BB não seletivo. Em contraste, um recente
estudo de coorte observacional realizado por Guz et. al. descobriram que o uso prévio
de BB cardiosseletivo estava associado a um efeito protetor mais forte na
redução da taxa de mortalidade em 30 dias do que o BB não cardiosseletivo para
pacientes internados com sepse. Com base em análises adicionais de subgrupos de
acordo com a estratificação da taquicardia, ambos os pacientes com taquicardia
absoluta e relativa na apresentação exibiram taxas de mortalidade reduzidas em
30 dias com o uso de BB.
Além
do início agudo do BB na sepse ou do impacto do uso crônico prévio, a continuação
do BB em pacientes internados com sepse e choque séptico permanece controversa,
sendo a prática comum a descontinuação na admissão. Um estudo prospectivo e
observacional avaliou 296 pacientes internados com sepse grave ou choque
séptico que estavam em terapia crônica com betabloqueadores. A terapia crônica
com betabloqueadores foi continuada em 167 pacientes e foi associada a reduções
significativas na mortalidade hospitalar, em 28 dias e em 90 dias em comparação
com a interrupção do BB. A continuação da terapia com betabloqueadores também
foi associada à diminuição das necessidades de cristaloides durante as
primeiras 24 horas sem aumento da necessidade de vasopressor, suporte
inotrópico ou esteroides em baixas doses. Para aproveitar estes resultados, uma
revisão sistemática incluindo um total de nove estudos e mais de 6.500
pacientes descobriu que a exposição prévia a betabloqueadores,
independentemente da continuação, em pacientes com sepse estava associada à
redução da mortalidade. Embora o mecanismo preciso de benefício nestes cenários
seja desconhecido, explicações potenciais além dos mecanismos mencionados
anteriormente nesta seção incluem a prevenção de efeitos rebote de taquicardia,
hipertensão e arritmias causadas pela retirada abrupta de BB.
Em
resumo, o impacto hemodinâmico do uso de BB na sepse foi comprovado, pois
há numerosos estudos demonstrando diminuição da FC sem alteração significativa
na PAM, PVC ou ScVO2. Além disso, as evidências recentes de uso de BB de ação curta
e ultracurta (esmolol e landiolol), especialmente no que diz respeito à
diminuição da incidência de arritmias e ao benefício da mortalidade em 28 dias,
são clinicamente significativas. Na verdade, alguns estão percebendo a
necessidade de estratificar subgrupos dentro de coortes sépticas com base no
benefício potencial da intervenção cardiovascular para diminuir as
consequências negativas das taquiarritmias. As controvérsias referentes a
dosagem e momento de início dentro das evidências existentes requerem
investigação subsequente em ensaios clínicos randomizados robustos.
Forma
de uso do Esmolol: BB cardioseletivo (bloqueio seletivo β1)
de ação ultracurta, com início de ação em 2 minutos, meia-vida de 9 minutos,
duração de ação 10 a 20 minutos, metabolizado por esterases nos glóbulos vermelhos
pelo que não necessita ajuste renal ou hepático[32].
As
apresentações no nosso meio do fármaco correspondem a:
- Brevibloc injetável:100mg/10mL (frasco com 10ml contendo 10mg/ml)
- Brevibloc injetável: 2500mg/10mL (frasco com 10ml contendo 250mg/ml)
- Brevibloc injetável - 2500mg/250mL (frasco com 250ml contendo 10mg/ml)
Início:
após da ressuscitação inicial com reposição volêmica e compensação
hemodinâmica com uso de vasopressores.
Dose
sugerida na sepse (EV/BIC): doses iniciais nos estudos variaram em uma
ampla faixa de dosagem baseada no peso (mais comumente 0,05 mg/kg/min ou
3mg/kg/h ou 3000mcg/kg/h) ou usando uma dosagem padrão (mais comumente 25
mg/h ou 25,000mcg/h) com doses tituladas de acordo com a meta de controle
ou aparição de feitos adversos, como hipotensão severa que indique sua
suspensão. No estudo de referência de Morelli et.al (2013) a infusão de esmolol
começou com 25 mg/h com aumentos progressivos de 50mg/h ou menos, a cada
20 minutos, com um limite máximo de 2.000 mg/h, para atingir a meta predefinida
dentro de 12 horas. A média usada foi de 100mg/h. A infusão de esmolol foi
continuada para manter a meta de FC predefinido até a alta da UTI ou a morte[33].
Usando
a apresentação de 100mg/10ml: diluir 5 ampolas de esmolol (500mg) + 50 ml de SF
0.9% ou SG 5% perfazendo uma solução de 5mg/ml (concentração máxima em acesso
periférico: 10mg/mL). Usando BIC/EV iniciar com 5ml/h (25mg) + aumentos ≤
10ml (50mg), mantendo monitorização multiparametrica continua com PAI.
Meta
de controle de FC: reduções de frequência de 20% ou uma meta de frequência
cardíaca de 70–100 bpm.
Interessante
comparar o uso na taquicardia intra e pós-operatória e/ou na hipertensão
(controle pressórico imediato) em que a dose inicial de ataque é de 80mg
(aproximadamente 1mg/kg), EV direto em 30 segundos, seguida por uma infusão de
150mcg/kg/min (9mg/kg/h), se necessário. Ajustar a velocidade de infusão até
300mcg/kg/min (18mgkg/h). Taquicardia supraventricular: 50 - 200mcg/kg/min (3 a
12mg/kg/h). Notadamente doses mais elevadas, inclusive com dose de ataque em
bolus[34]
2.
QUEIMADURAS
Queimaduras
graves levam a liberação de catecolaminas e a um estado hipermetabólico
caracterizado por aumento do débito cardíaco, aumento das necessidades de energia,
degradação muscular e catabolismo geral (por exemplo, redução da densidade
óssea, etc.). Esta resposta dura pelo menos 9 meses e até 2 anos, e está
associada a um estado hipercatabólico que leva à perda de massa muscular e
óssea. A lipólise mediada pelo receptor β1 e o agonismo dos receptores β2 podem
causar glicogenólise e gliconeogênese dentro dos hepatócitos por estimulação das
catecolaminas. O hipermetabolismo pode impactar negativamente na função do
músculo esquelético, da pele e do sistema imunológico, resultando em disfunção
de múltiplos órgãos e até morte.
Os BB
são uma intervenção atraente para prevenir a cascata hiperadrenérgica que se
segue à queimadura. Estudos pré-clínicos em animais que examinaram o propranolol
para melhorar a cicatrização de feridas após queimaduras observaram melhora
na cicatrização de feridas e redução da atividade de vias inflamatórias locais.
Quase todos os estudos que investigam o BB em queimaduras foram realizados em
pacientes pediátricos em uso de propranolol. O propranolol tem sido associado à
diminuição da FC e do consumo de oxigênio e à reversão do catabolismo,
evidenciado por reduções significativas no gasto energético de repouso (GER) e
prevenção da perda de massa corporal magra.
Barão
et. al. consideraram o uso de propranolol por ≥10 dias seguro e eficaz após
queimaduras graves (≥40% da área de superfície corporal total [ASCT]) em 22
crianças de 1 a 10 anos de idade. Nesta população, o uso de propranolol
demonstrou diminuição significativa da FC e do produto de frequência pressórica
(PFP), definido como a PAM multiplicada pela FC, sem efeitos adversos. Herndon
et. al. estenderam esse período para pelo menos 2 semanas avaliando o
propranolol em 25 pacientes pediátricos queimados (> 40% da ASCT). O
propranolol mostrou atenuação bem-sucedida da resposta hipermetabólica,
diminuindo o GER, o consumo de oxigênio e o catabolismo muscular. Além disso, a
perda de massa magra em 2 semanas foi prevenida pelo propranolol. Da mesma
forma, Jeschke et. al. encontraram melhora no GER com propranolol em 245
crianças gravemente queimadas. Num ensaio separado, Herndon et. al. investigaram
o propranolol administrado dentro de 96 horas após a admissão e continuado por
um ano em comparação ao controle em 179 pacientes pediátricos com queimaduras
>30% da ASCT. Embora não tenha havido diferença significativa na mortalidade,
o uso de propranolol resultou na redução do trabalho cardíaco e na melhora da
massa corporal magra e da densidade óssea sem eventos adversos. Nos pacientes
que receberam propranolol, a porcentagem da FC prevista foi significativamente
menor e persistiu até um ano após a queimadura; no entanto, reduções
significativas no GER e no PFP só foram sustentadas durante 6 meses, enquanto
nenhuma diferença foi observada em 1 ano.
Um
grande ensaio clínico avaliou os efeitos do propranolol na função cardíaca
quando iniciado 24-72 horas após a admissão versus controle em 406 crianças com
queimaduras >30% da ASCT. O DC diminuiu após 2 semanas do início do
propranolol e a redução continuou durante todo o estudo. O VS, quando comparado
a crianças não queimadas da mesma idade, foi maior em pacientes que receberam
propranolol versus controle, provavelmente em função da FC reduzida, permitindo
tempo de enchimento maior. O PFP diminuiu no grupo que recebeu propranolol,
indicando menor consumo de oxigênio miocárdico. Esses resultados sugerem que o
propranolol tem um impacto hemodinâmico significativo em pacientes pediátricos
queimados.
Os
dados sobre o uso de BB em adultos queimados são limitados, mas as evidências
disponíveis apoiam conclusões comparáveis aos estudos pediátricos. Arbabi et.
al. compararam três coortes de pacientes adultos queimados: uso prévio de BB,
continuado durante a hospitalização; novo uso de BB no hospitalar e, nenhum uso
de BB. Ao contrário dos estudos pediátricos, a seleção do BB variou, com a
maioria recebendo metoprolol, atenolol e esmolol, e poucos recebendo
propranolol. O BB usado já previamente foi associado a uma taxa de mortalidade
significativamente menor do que o início do BB durante a hospitalização e do
que nenhum uso de BB (5 vs. 27% e 13%, respectivamente). A maior taxa de
mortalidade no grupo BB iniciado no hospital pode ser devida à presença de
taquiarritmias tratadas com BB e doença de base mais grave, que foi apoiada por
internações prolongadas na UTI e no hospital. O uso prévio do BB foi associado
a um tempo médio de cicatrização mais curto de 21 dias quando comparado ao
controle. Esses dados sugerem que o uso prévio de BB pode conferir menor risco
de mortalidade e tempo de cura acelerado, o que complementa os dados para
melhores resultados em outros estados de estresse adrenérgico, como a sepse.
Em
2009, Mohammadi et. al., randomizaram 79 pacientes adultos queimados para uso
de propranolol ou controle e avaliaram a dinâmica de cicatrização de feridas.
Os pacientes que receberam propranolol tiveram tempos de cicatrização mais
rápidos e reduções no tamanho necessário do enxerto, além de menor tempo de
internação hospitalar. Para aproveitar esses resultados, Ali et. al. avaliaram
o efeito do propranolol na cicatrização de feridas e na perda de sangue em uma
coorte de 69 pacientes adultos queimados. Os pacientes que receberam
propranolol iniciado dentro de 48 horas após a admissão tiveram um tempo de
recuperação mais curto, com uma média de 10 ± 5 dias entre os procedimentos de
enxerto de pele, enquanto os pacientes do grupo controle tiveram uma média de 17
± 12 dias entre os procedimentos. Quando os níveis de hematócrito foram medidos
no perioperatório, os pacientes que receberam propranolol apresentaram um
aumento de 5–7% em comparação com o controle. Notavelmente, os pacientes com
propranolol necessitaram de enxertos maiores, mas não foram observadas
diferenças nas transfusões de sangue, concluindo assim a utilidade do
propranolol para diminuir a perda de sangue durante procedimentos de enxerto de
pele e melhorar a cicatrização de feridas. Investigações adicionais em um
recente ensaio clínico paquistanês de propranolol em 70 pacientes iniciado no
terceiro dia pós-queimadura demonstraram reduções semelhantes no tempo de
cicatrização (redução de cerca de 1 semana) e no tempo para preparação do
enxerto (redução de 10 dias). O propranolol também resultou em menor tempo de
internação.
No
geral, as evidências sugerem que os BB são eficazes na melhoria da recuperação
de queimaduras em pacientes pediátricos e adultos. Ao mitigar a resposta
adrenérgica nos primeiros momentos após as queimaduras, o BB pode diminuir os
efeitos negativos do estado hiperadrenérgico da queimadura. O Resumo da
Conferência de Consenso sobre Qualidade de Queimaduras da American Burn
Association (ABA) de 2012 concordou que o uso de BB é benéfico em pacientes
pediátricos e adultos queimados, mas recomendou mais pesquisas devido à falta
de evidências de nível 1 naquele momento. A Sociedade Internacional para Lesões
por Queimaduras (ISBI) divulgou as Diretrizes Práticas para Tratamento de
Queimaduras, Parte 2 em 2018 com uma recomendação para usar um BB não seletivo
em pacientes queimados com ≤18 anos de idade com o objetivo de reduzir a FC
para 75% da FC da admissão. Desde a publicação das diretrizes do ISBI em 2018,
não houve novas evidências em pacientes pediátricos queimados; no entanto, o
estudo de Cheema et. al. fornece evidências adicionais e robustas em pacientes
adultos queimados, o que pode levar a uma maior orientação nesta população.
Embora essas diretrizes façam recomendações para o uso e monitoramento de BB,
incluindo FC e perda de peso, elas não especificam o momento ou a dosagem. Com
base nos estudos avaliados, o propranolol iniciado dentro de 1 a 3 dias após a
queimadura tem a evidência mais forte tanto em crianças como em adultos.
A
dosagem avaliada nestes estudos com a evidência mais forte em crianças e
adultos foi de propranolol 1–3 mg/kg/dia dentro de 1 a 3 dias após a
queimadura e titulada com base nos efeitos hemodinâmicos. Adultos já em uso
de outro agente BB pode ser melhor manejados continuando com seu BB em vez de trocar
para propranolol; no entanto, nenhuma evidência abordou comparações diretas de BB,
fornecendo uma área para pesquisas futuras.
3.
TRAUMATISMO CRÂNIO ENCEFÁLICO (TCE)
Após
traumatismo crânio encefálico (TCE), desenvolve-se um estado hiperadrenérgico
sistêmico, caracterizado pela liberação adrenal de catecolaminas e ativação
simpática. O aumento nos níveis de catecolaminas causa vasoconstrição,
agravamento da isquemia cerebral, aumento da pressão intracraniana, tudo
levando a lesões secundárias contínuas no tecido cerebral. O BB pode,
teoricamente, inibir a interação das catecolaminas com os receptores
beta-adrenérgicos, obstruindo assim a hiperatividade prejudicial do sistema
nervoso simpático associada ao TCE grave. O benefício também pode ser observado
com BB, diminuindo a demanda cerebral de oxigênio, melhorando assim a isquemia
relativa.
Evidências
pré-clínicas substanciais descobriram coletivamente que o BB reduz a isquemia
cerebral e aumenta a perfusão cerebral após insulto traumático. Os escores de
déficit neurológico e os volumes de infarto diminuíram em ratos ou camundongos
que foram tratados com BB. As diferenças na via de administração, agente
escolhido, dose e momento variaram, mas globalmente o uso de BB parece conferir
benefícios. Propranolol e landiolol foram investigados. Não encontraram
diferença entre administração intravenosa versus administração intratecal. Song
et. al. investigaram apenas a administração intraventricular, e todos os outros
estudos utilizaram administração intravenosa. Iwata et. al. foi o único estudo
que indicou preferência medicamentosa onde o esmolol e o landiolol apresentaram
neuroproteção superior em comparação ao propranolol no tratamento pós-isquêmico.
Doses mais altas de propranolol (4 mg/kg) foram preferidas a doses mais baixas
(1 mg/kg), enquanto nenhuma diferença foi observada entre doses variadas de
esmolol e landiolol. Existem evidências conflitantes sobre o momento da
administração do BB. Ley et. al. observaram que o benefício em pacientes com início
de uso de BB pré-TCE era equivalente ao pós-TCE, enquanto Iwata et.al., encontraram
benefício apenas no início pós-TCE.
Até
o momento, apenas um ECR sobre o uso de BB no TCE foi conduzido por Cruickshank
et. al. Entretanto, o ensaio foi desconsiderado devido a um alto risco de viés.
No entanto, mostrou uma correlação positiva entre a concentração arterial de
noradrenalina e o dano cardíaco. Além disso, menos pacientes do grupo BB
apresentaram taquicardia supraventricular e alterações do segmento ST e da onda
T. O uso de BB também inibiu aumentos adicionais na isoenzima miocárdica MB da
creatina quinase (CKMB) e aboliu lesões necróticas miocárdicas focais em
comparação ao placebo. O restante da evidência clínica sobre o uso de BB no TCE
provém de um estudo multicêntrico, prospectivo e observacional e de nove
estudos de coorte observacionais, mas esmagadoramente, esta evidência conclui
um benefício de mortalidade para o uso de BB no TCE.
Dos
nove estudos de coorte retrospectivos realizados, oito analisaram um desfecho
primário de mortalidade hospitalar. Após ajustes, o uso de BB após TCE foi
associado com menor mortalidade estatisticamente significativa em sete dos oito
estudos com desfechos primários de mortalidade intra-hospitalar. Schroeppel et.
al. mostraram probabilidades ajustadas de mortalidade semelhantes entre todos
os indivíduos, mas a análise de subgrupos revelou probabilidades mais baixas de
mortalidade em pacientes que receberam propranolol. As coortes BB normalmente
eram compostas por indivíduos mais velhos com lesões crânio encefálicas mais
graves conforme indicado por níveis mais baixos do GCS e, portanto, os
investigadores ajustaram para possíveis fatores de confusão. A mortalidade
hospitalar foi um desfecho secundário no estudo de Murry et. al. onde não foi
observada diferença, embora não tenham sido feitos ajustes. Uma metanálise de
todos os nove estudos de coorte, que incluiu 8.245 pacientes, revelou uma
redução estatisticamente significativa da mortalidade quando os pacientes foram
expostos a betabloqueadores após TCE. Em todos os estudos de coorte, os BB
foram iniciados durante a internação hospitalar após a ocorrência do TCE e
continuaram por períodos variados. Dois dos estudos mais recentes de 2016
fizeram um esforço para administrar propranolol mais cedo no período (dentro de
12 ou 24 horas após a admissão). Vários BB foram utilizados entre os estudos
sem preferência citada entre os agentes, exceto no já mencionado no estudo de Schroeppel
et. al. onde o propranolol reduziu a mortalidade em comparação com atenolol,
carvedilol, esmolol, labetalol, metoprolol e sotalol. Em 2017, com base em uma
meta-análise desses estudos de coorte observacionais, a Associação Oriental de
Cirurgia e Trauma (EAST), fez uma recomendação condicional para o uso hospitalar
de BB em adultos internados na UTI com TCE agudo grave e sem contraindicações para
BB. A recomendação exige que a hipotensão (pressão arterial sistólica [PAS]
< 90 mmHg) e a bradicardia sintomática (FC < 50 bpm) sejam evitadas, mas
não há recomendação formal sobre quando iniciar o BB, qual BB usar e como
titular a terapia com BB. Em geral, a hipotensão deve justificar a
descontinuação do BB ou a redução da dose.
Em
2018, para aproveitar as descobertas otimistas desses pequenos ensaios
unicêntricos, a Associação Americana para a Cirurgia do Trauma (AAST) conduziu
um ensaio observacional prospectivo multicêntrico. Após análise de 2.252
pacientes, o estudo concluiu que os pacientes que receberam BB após TCE tiveram
uma taxa de mortalidade ajustada e não ajustada significativamente menor, em
congruência com o Recomendação da diretriz EAST de 2017. Investigações
adicionais revelaram uma redução na mortalidade associada ao uso de propranolol
em comparação com todos os outros BB. Este estudo não revelou diferença nos
desfechos neurológicos associados ao uso de BB e os pacientes que receberam
propranolol aumentaram o tempo de internação, apesar da vantagem de sobrevida
mencionada.
NCT02957331,
um ensaio intervencionista randomizado e aberto, divulgou os resultados do
estudo em 4 de junho de 2020 investigando o uso de propranolol após TCE. Os resultados
mostram uma diferença de 7,7% no braço com propranolol versus 33,33% no braço
sem propranolol para mortalidade por todas as causas em 30 dias, embora nenhuma
análise tenha sido publicada. O propranolol foi usado com meta de atingir FC
< 100 bpm e suspenso caso o paciente apresentasse hipotensão (PAS < 100
mmHg) ou bradicardia (FC < 60 bpm). O DASH After TBI trial (NCT01322048) é
um ensaio em andamento, randomizado e duplo-cego que compara o uso de
propranolol e clonidina ao placebo. O resultado primário são dias sem
ventilação complementados por múltiplos resultados secundários, incluindo
mortalidade por todas as causas e resultados neuropsicológicos. Dados
provisórios demonstram diminuição dos dias sem ventilação e diminuição da porcentagem
de mortalidade por todas as causas associadas ao bloqueio adrenérgico
(propranolol e clonidina). Nenhum resultado neuropsicológico foi relatado neste
momento. Apenas um estudo de caso-controle com correspondência de propensão abordou
os resultados neuropsicológicos até o momento, onde o betabloqueio foi
associado a um menor tempo de internação hospitalar e à redução do risco de
resultados funcionais ruins a longo prazo.
Em
resumo, o uso de BB após TCE foi associado à diminuição da mortalidade
hospitalar em um ensaio multicêntrico, prospectivo e observacional e em nove
estudos de coorte retrospectivos. Apenas um ECR foi realizado onde a
mortalidade não foi investigada; no entanto, as evidências existentes apoiam as
recomendações mais recentes da diretriz EAST de 2017 sobre o uso de BB após
TCE. Estudos avaliaram uma variedade de BB seletivos e não seletivos em
pacientes com TCE; no entanto, a dosagem não foi relatada na maioria dos casos.
A investigação contínua em desenhos de ensaios mais robustos pode ajudar no
esclarecimento do agente preferido, dosagem, titulação e momento de início.
4.
PARADA CARDÍACA
A
adrenalina faz parte do algoritmo de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) do ACLS
para tratar taquicardia ventricular sem pulso (TVSP) e fibrilação ventricular
(FV). Entretanto, a adrenalina por ser uma catecolamina, pode aumentar a
necessidade de oxigênio de um coração já distendido e pode ainda potencializar
o risco de FV. Assim, além da liberação endógena de catecolaminas que pode
ocorrer durante a isquemia, o ciclo de administração de adrenalina durante a RCP
por PCR em ritmo de FV pode levar paradoxalmente à FV refratária (FVR) ou a tempestade
elétrica. Sabe-se que a adrenalina causa vasoconstrição seletiva devido às suas
ações nos receptores α-2 adrenérgicos. Embora aumente a pressão de perfusão
coronariana, a adrenalina pode causar disfunção miocárdica e novas arritmias. A
ativação dos receptores β-adrenérgicos pela adrenalina causa aumento do consumo de
oxigênio pelo miocárdio por meio de seus efeitos cronotrópicos e inotrópicos
positivos. A estimulação β-1 da adrenalina promove a hiperfosforilação do receptor
de rianodina 2 (RyR2) no miocárdio, levando ao influxo excessivo de cálcio no
citoplasma, o que contribui ainda mais para a instabilidade elétrica,
desencadeando arritmias e morte súbita cardíaca. A adrenalina também atua na
circulação pulmonar produzindo aumento do shunt direita-esquerda e ventilação
do espaço morto alveolar, piorando a isquemia[35].
Foi
levantada a hipótese de que BB melhora os resultados na FV, inibindo níveis
elevados de catecolaminas para diminuir a demanda de oxigênio do miocárdio e
diminuir o limiar para FV. Estudos em animais mostraram que o BB melhorou as
taxas de ressuscitação quando usado na parada cardíaca. Vários pequenos ensaios
avaliaram o uso de BB na FV refratária e no tratamento de tempestades elétricas
e concluíram que seu uso aumenta as taxas de RCE e sobrevida global.
Um
pequeno estudo avaliou o uso de esmolol versus controle na incidência de RCE
sustentada em pacientes com FVR. O RCE sustentado foi maior nos pacientes que
receberam esmolol em comparação com aqueles do grupo controle. Embora tenha
havido significativamente mais pacientes que receberam esmolol que sobreviveram
à admissão na UTI, a sobrevida e o resultado neurológico em 30 dias, 3 meses e
6 meses não foram significativos. Da mesma forma, Driver et. al. avaliaram os
resultados de 6 pacientes que receberam esmolol versus 19 pacientes controle
que tiveram FVR que começou como TV ou FV fora do hospital ou no
pronto-socorro. Os pacientes do grupo esmolol apresentaram maior incidência de
RCE sustentada e sobrevida até admissão na UTI. Diferentemente do estudo
anterior, os pacientes que receberam esmolol neste estudo tiveram frequências
aumentadas de sobrevida até a alta hospitalar e alta com resultado neurológico
razoável, embora esses resultados não tenham sido estatisticamente
significativos devido a tamanho amostral pequeno.
Nademanee
et. al. estudaram os efeitos do bloqueio simpático em 27 pacientes versus
agentes antiarrítmicos em 22 pacientes com tempestade elétrica. Esses pacientes
tiveram um infarto do miocárdio entre 72 horas e 3 meses antes do
desenvolvimento da tempestade elétrica. Os pacientes do grupo de bloqueio
simpático receberam propranolol, esmolol ou bloqueio ganglionar estrelado
esquerdo (LSGB). Como os pacientes que receberam BB foram analisados em um
grupo combinado com aqueles que receberam LSGB, isso limita nossa interpretação
das análises estatísticas do estudo. Nenhuma análise de subgrupo do uso de BB
isoladamente foi apresentada. Os pacientes do grupo controle receberam
lidocaína, procainamida e/ou tosilato de bretílio como agente antiarrítmico. Os
pacientes que receberam bloqueador simpático tiveram uma taxa de sobrevida significativamente
maior em 1 semana do que os pacientes que receberam um antiarrítmico. A taxa de
sobrevida em 1 ano também foi maior em pacientes que receberam bloqueador
simpático versus antiarrítmico.
Os
três estudos, o de Lee et. al., Driver et. al. e Nademanee et. al. foram
recentemente analisados numa revisão sistemática e meta-análise por Gottlieb et.
al. Cumulativamente, 115 pacientes foram incluídos com resultados semelhantes
aos estudos individuais de associação de betabloqueio com melhores resultados,
variando de RCE até sobrevida com desfecho neurológico favorável. O risco de
viés foi considerado moderado a grave dada a influência dos fatores de confusão
e da seleção dos participantes.
O
propranolol foi comparado ao metoprolol para tempestades elétricas em
combinação com amiodarona para pacientes com insuficiência cardíaca congestiva
e um cárdio-desfibrilador implantável (CDI) para avaliar o último evento de TV
ou FV que exigiu disparo do CDI para o término da arritmia. Os pacientes que
receberam propranolol tiveram 2,67 vezes menos eventos de TV ou FV, bem como
2,34 vezes menos incidências de disparos do CDI. Após 24 horas, mais pacientes
que receberam propranolol do que metoprolol não apresentaram arritmia. O
propranolol foi associado a maior probabilidade de término da arritmia, término
mais rápido da arritmia e menor tempo de internação hospitalar quando comparado
ao metoprolol. Como tal, o bloqueio não seletivo de β1 e β2 pareceu resultar em
reduções mais significativas das catecolaminas e do transbordamento de norepinefrina
cardíaca, levando a melhorias no controle de tempestades elétricas, enquanto os
bloqueadores β1-seletivos foram associados ao aumento do transbordamento de
norepinefrina cardíaca.
O
metoprolol também foi estudado em pacientes ressuscitados de FV
extra-hospitalar em uma análise de regressão logística múltipla para prever a
sobrevida. De um total de 102 pacientes, 79 receberam agentes betabloqueadores
(80%) que incluíram o uso de metoprolol (intravenoso ou oral) ou bisoprolol
(oral). O uso de BB durante as primeiras 72 horas de cuidados pós-reanimação
foi associado à sobrevida aos 6 meses do evento tanto na análise univariada
quanto na análise de regressão logística múltipla.
As
Diretrizes AHA/ACC/HRS de 2017 para o Tratamento de Pacientes com Arritmias
Ventriculares e Prevenção de Morte Cardíaca Súbita (MSC) apoiam o uso de BB
como terapia antiarrítmica de primeira linha para o tratamento de arritmias
ventriculares e redução do risco de MSC. Além disso, o uso de BB está associado
a uma redução significativa na mortalidade no cenário de infarto agudo do
miocárdio (IAM), além de suprimir a FV recorrente em pacientes com IAM recente.
Entretanto, o ACLS não recomenda o uso de BB durante ou após a RCP dadas as
evidências limitadas. Após revisão, a dose de ataque de esmolol 300–500 μg/kg
seguida de infusão de 0–100 μg/kg/min foi o BB mais avaliado nos estudos de
parada cardíaca, mas propranolol, bisoprolol e metoprolol em doses variáveis
foram adicionalmente estudados. Há também alguma controvérsia, pois um estudo
utilizou uma dose de ataque de esmolol 300–500 μg/kg, enquanto outro estudo
usou esmolol numa dose de 300–500 mg/kg, mil vezes maior, representando uma
diferença substancial.
Em
resumo, a demonstração de melhores taxas de RCE e resultados sustentados, além
do aumento da sobrevida do uso de BB (principalmente com esmolol) em pacientes
com FVR é promissora; entretanto, estudos maiores são necessários para oferecer
maior orientação sobre o uso de BB durante e após a PCR/RCP nos próximos anos.
Além disso, são necessárias pesquisas adicionais para comparar agentes BB
específicos na PCR/RCP para aproveitar as evidências existentes de que os
agentes não seletivos podem levar a menos arritmias, melhorar o término da
arritmia e diminuir o tempo de internação hospitalar quando comparados ao agente
β1 seletivo. No entanto, uma vez alcançada a estabilização hemodinâmica, as
evidências atuais estão de acordo com as recomendações das diretrizes para
iniciar a terapia com BB para reduzir o risco de FV refratária.
XII.
CONCLUSÃO
Existem
evidencias que permitem o uso de betabloqueadores em diferentes doenças críticas
(sepse, TCE, queimaduras e PCR), sendo a sepse e no choque séptico, talvez o
cenário de maior respaldo na literatura. Entretanto, resta claro que o uso deve
ser iniciado somente após a reposição volêmica e compensação hemodinâmica com
vasopressores, mantendo o paciente sob monitorização contínua, se atentando aos
possíveis efeitos negativos que poderiam surgir. Para tanto, a escolha de um BB
de ação ultracurta como o esmolol e o labdiolol se mostram promissórios. Além
disso, as evidências existentes sugerem que o uso de BB pode melhorar a
recuperação após queimadura, reduzir a taxa de mortalidade no TCE e aumentar a
obtenção do RCE na parada cardíaca por FVR.
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