ENCEFALOPATIA
INDUZIDA PELO CONTRASTE (EIC) e EDEMA AGUDO DE PULMÃO INDUZIDO PELO CONTRASTE
(EPIC).
Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas.
Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São
Jose dos Campos.
O uso de contraste,
principalmente o iodado, é bastante usado em exames de imagem para melhor visualizar
determinadas estruturas. Uma das maiores aplicações é no uso de exames
vasculares (angiografia coronariana, cerebral, carotídea, aórtica, etc).
Entretanto, a exposição ao meio de contraste iodado não está isenta de
complicações.
Uma das complicações que mais se
pesquisa é a Nefropatia Induzida pelo Contraste (NIC) e as maiores controvérsias
giram em torno da sua prevenção[1].
Entretanto, essa patologia merecerá uma abordagem separada neste Blog.
O meio de contraste iodado é
geralmente administrado por via oral previamente ao procedimento e/ou por via
endovenosa durante o exame, permitindo dar maior definição às imagens contrastadas.[2]
O contraste iodado pode ser
classificado, pela sua capacidade de dissociação, em iônico ou não iônico. O contraste
iodado iônico é aquele que, quando em solução, dissocia-se em partículas com
carga negativa e positiva, enquanto os não iônicos não liberam partículas com
carga elétrica. A quantidade de partículas em relação ao volume de solução
determina a osmolaridade do contraste. Portanto, o contraste iodado iônico tem
maior osmolaridade do que o não iônico. Outras propriedades do contraste dizem
respeito à sua densidade e viscosidade. Quanto maior a densidade e a viscosidade,
maior será a resistência ao fluxo do contraste, o que torna menor a velocidade
de injeção e dificulta sua diluição na corrente sanguínea. É importante
assinalar que todas estas propriedades se vinculam à eficácia e à segurança dos
meios de contraste iodado.
Duas patologias pouco pesquisadas
pela comunidade científica são a ENCEFALOPATIA INDUZIDA PELO CONTRASTE (EIC) e
o EDEMA AGUDO DE PULMÃO INDUZIDO PELO CONTRASTE (EPIC). Ambas entidades são
descritas com base em reporte de casos e sua análise é feita com base na fisiopatologia
associada às propriedades do tipo de contraste, sua farmacocinética e
farmacodinâmica.
O EDEMA PULMONAR INDUZIDO PELO
CONTRASTE (EPIC), vem sendo reportando desde os anos 70, como uma complicação rara
em pessoas jovens, que não podia ser explicada apenas por anafilaxia clássica, overdose
de meio de contraste, sobrecarga de sódio e fluido (volume de contraste
administrado) ou infarto agudo do miocárdio. À época propunha-se um mecanismo
osmótico não imunológico que provocaria extravasamento capilar pulmonar
reversível, o que poderia explicar os eventos clínicos observados, que
respondiam a tratamento com ventilação a pressão positiva contínua das vias
aéreas (CPAP)[3]. Nesse
caso, o contraste iônico gerava hiperosomolaridade o que levava a hipervolemia com
conseguinte insuficiência cardíaca, aumento da pressão capilar pulmonar e perda
de fluido para o extravascular (interstício e alvéolo) por aumento da pressão
hidrostática (EPIC cardiogênico de alta pressão). Além da hiperosmolaridade e
hipervolemia gerada pelo contraste em pacientes com previa disfunção cardíaca[4],
postulava-se que o contraste poderia ser diretamente tóxico para células
endoteliais. Tal toxicidade para as células endoteliais pulmonares aumentaria a
permeabilidade vascular o que poderia ser responsável pela ocorrência de edema
pulmonar não cardiogênico (EPIC não cardiogênico de baixa pressão)[5]
[6]
[7]
[8].
Assim, mesmo contrastes iodados não iônicos, por este mecanismo poderiam causar
EPIC[9].
Posteriormente, também tem se postulado que meio de contraste em altas doses produziria
edema pulmonar por inibição endotelial da produção de óxido nítrico (NO)[10].
Reportes de casos mais recentes tem apontado para essa mesma explicação fisiopatológica,
embora reconheçam que ainda não está definitivamente clara a etiologia,
prevalecendo a hipótese de fatores associados como reação alérgica ou
imunológica, a toxicidade direta com aumento da permeabilidade capilar e a hiperosmolaridade
com hipervolemia e disfunção cardíaca associada. Nesse sentido, na maioria dos
casos reportados recomenda-se uma abordagem de tratamento baseada na em oxigenoterapia,
diurético, inotrópicos quando necessário e ventilação a pressão positiva (VNI
ou VMI). O Tratamento com corticosteroides para tratar fator de anafilaxia
também pode ser útil[11]
[12]
[13].
A ENCEFALOPATIA
INDUZIDA PELO CONTRASTE (EIC), é considerada uma neurotoxicidade reversível causada
pelo contraste iodado, considerada também uma complicação rara do procedimento
de angiografia (de carótidas, coronariana, cerebral, etc) que pode ocorrer
tanto com contraste iônico quanto não iônico. A neurotoxicidade associada ao uso
de contraste está relacionada com a osmolaridade, solubilidade lipídica,
viscosidade e propriedades iônicas do agente de contraste. O meio de contraste
abre conexões capilares apertadas e passa a barreira hematoencefálica ao
aumentar a pinocitose endotelial. Então alcança o córtex cerebral e afeta a
membrana neuronal. Assim, a explicação deste fenômeno pode ser encontrada nas
propriedades químicas de altas doses de contraste causando ruptura osmótica da
barreira hematoencefálica particularmente no córtex occipital, resultando em extravasamento
fluido e edema cerebral. As manifestações do EIC são várias, e incluem cegueira
cortical (mais comum), hemiparesia, afasia, perda de coordenação, confusão, apreensão
e coma. Em razão da falta de homogeneidade na apresentação clínica, sinais
radiológicos associados à EIC, tais como como edema cerebral, são de extrema importância
em diferenciar esta condição de outras patologias neurológicas como AVCi ou HSA.
TC de crânio sem contraste pode mostrar hiperatenuação cortical difusa na
maioria dos casos sem efeito de massa ou sinais de hemorragia, enquanto a RM
pode revelar achados que inclui áreas de hipersinal em T2- FLAIR cortical. O
córtex occipital é uma das regiões com maior permeabilidade do sangue no
cérebro, o que poderia explicar por que é a região mais vulnerável. Os fatores
predisponentes que levam a EIC são hipertensão arterial crônica, ataque isquêmico
transitório (TIA), autorregulação cerebral alterada, função renal prejudicada, grandes
volumes de contraste, angiografia vertebro-basilar seletiva e gênero masculino.
A evolução é benigna com bom prognóstico de resolução, e o tratamento da EIC é a
base de hidratação adequada com cristaloides intravenosos e profilaxia para
convulsão. Em alguns casos, pacientes foram tratados com corticoides
intravenosos com bom resultado. Os sintomas podem aparecer entre 2 a 12 horas
após a injeção do contraste e a duração dos déficits neurológicos tem sido
reportada de forma variável com períodos de 15 minutos a 5 dias. Curiosamente,
a reinjeção do meio de contraste não necessariamente provoca novo evento. O
diagnóstico correto de EIC evita os riscos associados ao diagnóstico e tratamento
errado, tais como uso de agentes trombolíticos (pensando em AVCi) ou de cirurgia
(pensando em edema cerebral com HIC por HSA)[14]
[15]
[16]
[17]
[18]
[19].
Em 2016, um estudo de revisão feito por Spina e col. analisou 52 reportes de
casos, encontrando que EIC é uma entidade clínica importante que deve ser
considerada no diagnóstico diferencial de acidente vascular cerebral após
cateterismo cardíaco[20].
Também tem saído publicações associando ocorrência de delirium ao uso de
contraste em procedimentos de cinecoronariografia, com manejo a base do uso de
haloperidol[21] [22].
[1]
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