domingo, 26 de abril de 2020


COAGULOPATIA NA COVID 19: C.A.C. OU C.I.D.?

Elaborado por: Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.


I. INTRODUÇÃO

Evidências atuais indicam que pacientes com formas graves da COVID-19 pode desenvolver um estado hipercoagulável, que foi associado a desfechos ruins. Distúrbios da coagulação observados nesses pacientes incluem a (CAC), formas de coagulação intravascular disseminada (CID) trombóticas, tromboembolismo venoso, níveis elevados de Dímero-D e de fibrinogênio e trombose microvascular na vasculatura pulmonar[1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] [8].

II. CONCEITO

A forma mais comum de COAGULOPATIA ASSOCIADA À COVID 19 (CAC) observada em pacientes hospitalizados é caracterizada por elevações nos níveis de fibrinogênio e Dímero-D e aumento paralelo dos marcadores de inflamação (por exemplo, IL-6, PCR). Diferentemente da forma clássica de COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA (CID), decorrente sepse bacteriana ou trauma, na CAC o grau de elevação do TTPa geralmente é menor que a elevação do TAP (provavelmente devido ao aumento dos níveis de fator VIII), a trombocitopenia é leve (contagem de plaquetas entre 100,000 e 150,000/uL) e a microangiopatia não está presente. Entretanto, alguns pacientes com infecção grave pelo COVID-19 podem desenvolver uma coagulopatia que atenda aos critérios de CID da ISTH (International Society of Thrombosis and Haemostasis) avaliados pelo Escore de CID (Tabela 1)[9], com intensa ativação da coagulação e do consumo de fatores de coagulação. Isso é refletido por trombocitopenia moderada a grave (contagem de plaquetas <100,000 e < 50,000/uL respectivamente), alargamento do TAP e do TTPa, elevação grave do Dímero D e diminuição do fibrinogênio (<100mg/dl). Observou-se que o fibrinogênio diminuiu drasticamente ao longo de 3 dias. A utilidade da tromboelastometria de rotação ou da tromboelastografia está sob investigação para CAC/CID, mas não deve ser usada rotineiramente para o manejo do paciente.

                                                                        TABELA 1



Em um estudo realizado por Tang e cols. em Wuhan, 71% dos não sobreviventes de infecção por COVID-19 atenderam aos critérios da ISTH para CID em comparação com 0,4% dos sobreviventes. Dímero-D elevado na admissão e níveis significativamente elevados (3 a 4 vezes) ao longo do tempo foram associados a alta mortalidade, provavelmente refletindo a ativação da coagulação por infecção/sepse, tempestade de citocinas e falência de órgãos[10].

Recomenda-se o monitoramento da contagem de plaquetas, TAP/TTPa, Dímero-D e fibrinogênio. O agravamento desses parâmetros, especificamente o Dímero-D, indica gravidade progressiva da infecção por COVID-19 e prevê que serão necessários cuidados críticos mais agressivos e que terapias experimentais para a infecção por COVID-19 podem ser consideradas nesse cenário. A melhoria desses parâmetros, juntamente com a condição clínica estável ou melhorada, fornece confiança de que a retirada do tratamento agressivo pode ser apropriada.

III. TRATAMENTO

*Anticoagulação precoce em infecção grave por COVID-19 pode melhorar os resultados dos pacientes e reduzir as complicações trombóticas. Dados limitados da China sugerem que pacientes com infecção grave por COVID-19 ou níveis marcadamente elevados de Dímero-D (> 6X o limite superior da normalidade) diminuíram a mortalidade quando administrados doses profiláticas de HBPM ou HNF[11] [12] . Desta forma, para Dímero-D o cut-off de 6 vezes o limite superior da normalidade pode ser adotado como o limiar entre a forma moderada e grave de elevação. Usualmente um valor de corte de 500 ug/L é adotado como limite superior da normalidade. Assim, para este valor valores de 3000 ug/L seria o limiar entre as formas moderadas e graves. No entanto, a maioria dos pacientes europeus e norte-americanos de UTI recebe HBPM de rotina/profilaxia da HNF, independentemente do diagnóstico.

* Um benefício adicional anti-inflamatório se atribui às heparinas[13] [14].

*Como para todas as coagulopatias, o tratamento da condição subjacente é primordial. A experiência até o momento sugere que a infecção pelo COVID-19 raramente leva a sangramento, apesar dos parâmetros anormais de coagulação.

*Os cuidados de suporte, incluindo transfusão de produtos sanguíneos, devem ser individualizados. A terapia com componentes sanguíneos não deve ser instituída apenas com base nos resultados laboratoriais, mas deve ficar reservada para pacientes com sangramento ativo, que precisem de procedimento invasivos ou que, de outra forma, apresentem alto risco de complicações hemorrágicas. Aplicam-se fatores de risco tradicionais para sangramento. Não há dados para apoiar qualquer corte "seguro" específico para parâmetros hematológicos e os limiares abaixo são apenas para orientação.

*Em pacientes com CAC/CID que não estão sangrando, não há evidências de que a correção dos parâmetros laboratoriais com produtos sanguíneos melhore os resultados. A substituição pode piorar a trombose disseminada e esgotar ainda mais os escassos produtos sanguíneos.

*Em paciente com CAC/CID que está sangrando ativamente, transfunda as plaquetas (1U/10Kg) se a contagem de plaquetas for menor que 50,000/uL, Plasma Fresco Congelado -PFC (4 unidades) se o INR estiver acima de 1,8 e peça concentrado de fibrinogênio (4 gramas) ou crioprecipitado (10 unidades) se o nível de fibrinogênio for menor que 1,5 g/L (150mg/dl).

*Para pacientes com coagulopatia grave e sangramento devido a disfunção hepática, considere Complexo Protrombínico (derivado do plasma liofilizado e industrializado que contém os fatores II, VII, IX, X da coagulação) em vez de PFC, pois o status do volume parece ser um fator significativo associado ao comprometimento respiratório.

*A eficácia hemostática do ácido tranexâmico (ATX) é desconhecida nesse cenário e não é recomendada.

IV. ANTICOAGULAÇÃO

A anticoagulação terapêutica (plena) de rotina não está indicada, a menos que esteja documentada a existência de Tromboembolismo Venoso – TEV (TVP/TEP) ou fibrilação atrial (FA). Está em estudo a eficácia da anticoagulação terapêutica intermediária ou plena em pacientes com COVID-19 gravemente enfermos sem TEV documentado[15]. Em pacientes que já fazem anticoagulação para TEV ou fibrilação atrial, as doses terapêuticas da terapia anticoagulante devem continuar, mas eventualmente poderia ser necessário suspender se a contagem de plaquetas for menor que 30,000-50,000/uL ou se o fibrinogênio for menor que 100 mg/dl. A avaliação individualizada de pacientes, no entanto, é necessária para equilibrar os riscos de trombose e sangramento.

A anticoagulação profilática com HBPM é recomendada para todos os pacientes hospitalizados com COVID-19, na ausência de sangramento ativo, independente dos testes anormais de coagulação, sendo suspensa/contraindicada se a contagem de plaquetas for menor que 25,000/uL ou fibrinogênio menor que 50mg/dl. TAP ou TTPa anormais não são uma contraindicação para tromboprofilaxia farmacológica.
Um estudo retrospectivo de Tang e col., que avaliou 449 pacientes com Covid-19 grave admitidos em um hospital de Wuhan entre 01 de janeiro e 13 de fevereiro de 2020. Noventa e nove indivíduos (22%) receberam heparina por, no mínimo, 7 dias: 94 receberam heparina de baixo peso molecular (40-60 mg/dia) e 5 receberam heparina não fracionada (10.000-15.000 U/dia). Apesar do título (anticoagulant treatment), é importante notar que as doses usadas foram, na verdade, profiláticas. O Dímero-D, o tempo de protrombina e a idade foram positivamente e a contagem de plaquetas negativamente, correlacionadas com a mortalidade em 28 dias na análise multivariada. Não foi encontrada diferença na mortalidade global em 28 dias entre usuários de heparina e não usuários (30,3% vs 29,7%, P = 0,910). Porém, a mortalidade em 28 dias dos usuários de heparina foi menor do que os não usuários no grupo de pacientes com pontuação do escore SIC (sepsis-induced coagulopathy, que considera plaquetometria, INR e o escore SOFA) ≥4 (40,0% vs 64,2%, P = 0,029), ou Dímero-D > 6 vezes (>3000 ug/L) o limite superior da normalidade (32,8% vs 52,4% , P = 0,017). Vale lembrar que outras condições podem interferir nos resultados de plaquetas e coagulograma, como hepatopatia e uso de anticoagulantes, o que deve ser levado em consideração na avaliação dos pacientes. O estudo conclui que a terapia anticoagulante profilática principalmente com HBPM parece estar associada a um melhor prognóstico em pacientes graves com COVID ‐ 19 que atendem aos critérios da SIC ou com um dímero D marcadamente elevado[16]. Uma estratégia individualizada mais agressiva pode ser necessária em alguns casos[17].

Sepsis-Induced Coagulopaty – SIC:

– Contagem de plaquetas:
* Se entre 100.000 e 150.000: 1 ponto;
* Se < 100.000: 2 pontos.

– INR:
* Se entre 1.2 e 1.4: 1 ponto;
* Se > 1.4: 2 pontos

– SOFA Score:
* Se pontuação no SOFA de 1: 1 ponto;
* Se pontuação no SOFA ≥ 2: 2 pontos

Interpretação:  SIC score é positivo quando ≥ 4

No caso de gestantes, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), sugere que as formas graves de insuficiência respiratória na gravidez ou pós-parto por Covid 19 que necessitam de hospitalização recebam anticoagulação profilática (enoxaparina 40 mg/dia de 50 a 90 kg) desde que os riscos de sangramento não superem os benefícios da anticoagulação (sangramento ativo, plaquetas < 70 mil por mm3 , inr > 2, insuficiência renal creatinina > 1,5 mg/dl). Uma vez prescrita a anticoagulação profilática, esta deve ser mantida por quinze dias após a alta hospitalar[18].

A tromboprofilaxia mecânica deve ser usada quando a tromboprofilaxia farmacológica estiver contraindicada.

V. DOSES HABITUAIS

O UpToDate traz orientações que podem ser usadas como guia de orientação para realizar a ANTICOAGULAÇÃO PROFILÁTICA nos pacientes, a despeito de protocolos de pesquisa que estejam em andamento buscando determinar uma dose especifica para pacientes com COVID 19[19].

1. Heparina Não Fracionada (HNF):

* A dosagem profilática típica para HNF é de 5000 unidades por via subcutânea duas ou três vezes ao dia. A frequência da dosagem de HNF é controversa.

* A dose ideal para pacientes obesos é desconhecida, de modo que a dosagem deve ser individualizada caso a caso. Geralmente, preferimos tratar empiricamente com UFH 5000 a 7500 unidades três vezes ao dia; alterações na dose e na frequência devem ser adaptadas a pacientes individuais.

* Comparada à HBPM, a dose de HNF não precisa ser ajustada para pacientes com insuficiência renal.

2. Heparina de Baixo Peso Molecular (enxoxaparina):

* A dosagem profilática é de 40 mg por via subcutânea uma vez ao dia.

* A dose ideal para pacientes obesos é desconhecida, porém existem recomendações baseadas no peso corporal usadas para profilaxia na cirurgia bariátrica.

* Nos casos de insuficiência renal é necessário realizar ajustes conforme Clearance de Creatinina (ClCr).


VTE: Tromboembolismo venoso
ABW: Peso Corporal Atual
BMI: Índice de Massa Corporal


VI. RECOMENDAÇÕES NACIONAIS

Quanto a recomendações nacionais, a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) ainda não publicou recomendações quanto a dosagem. Consta no seu site apenas documento contendo análise das evidencias, manifestando, em primeiro lugar, que o antecedente isolado de tromboembolismo venoso (TVP, ou embolia pulmonar sem sequelas cardiovasculares significativas ou comorbidades associadas), ou de trombofilias hereditárias não aumentam o risco de COVID-19, e até onde se sabe, não representam um risco para formas graves. Da mesma forma, não há dados indicando que o uso de anticoagulantes ou antiplaquetários representem um fator de risco para infecção ou para formas graves. De fato, o uso destes agentes é fundamental para o controle de comorbidades potencialmente graves e sua interrupção, salvo aquelas justificadas pela avaliação usual dos riscos trombótico e hemorrágicos, pode causar danos para a saúde de nossos pacientes[20].

Por outro lado, a Associação Brasileira de Medicina Intensiva (AMIB), na sua mais recente publicação de “Recomendações para a abordagem do COVID-19 em medicina intensiva” (16.04.2020) estabelece 3 diretrizes[21]:

Recomendação 1
Não recomendamos, neste momento, o uso rotineiro de heparina em dose plena para pacientes com COVID-19.

Recomendação 2
Os pacientes devem receber a melhor profilaxia para TVP possível, farmacológicas e não-farmacológicas, resguardadas as contraindicações habituais.

Recomendação 3
Se a dose da heparina profilática dobrada é mais efetiva que a habitual nestes pacientes (em especial aqueles com D-dímero muito alto) também é desconhecida, mas tem base fisiopatológica, recomenda-se que seu uso seja
Individualizado.



[1] Deng Y, Liu W, Liu K. Clinical characteristics of fatal and recovered cases of coronavirus disease 2019 (COVID-19) in Wuhan, China: a retrospective study. Chin Med J (Engl). 2020. PMID:32209890 DOI:10.1097/CM9.0000000000000824.
[2] Li T, Lu H, Zhang W. Clinical observation and management of COVID-19 patients. Emerg Microbes Infect. 2020; 9: 687-690. PMID: 32208840 DOI: 10.1080/22221751.2020.1741327
[3] Wu C, Chen X, Cai Y. Risk Factors Associated With Acute Respiratory Distress Syndrome and Death in Patients With Coronavirus Disease 2019 Pneumonia in Wuhan, China. JAMA Intern Med. 2020. PMID: 32167524 DOI:10.1001/jamainternmed.2020.0994
[4]  American Society of Hematology. COVID-19 and coagulopathy: frequently asked questions. From the ASH website. Accessed 2020 Apr 15. Available from https://www.hematology.org/covid19/covid-19-and-coagulopathy
[5] International Society of Thrombosis and Haemostasis Interim Guidance on Recognition and Management of Coagulopathy in COVID-19. From the ISTH website. Accessed 2020 Apr 15. Available from https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/jth.14810
[6] Tang N, Li D, Wang X. Abnormal coagulation parameters are associated with poor prognosis in patients with novel coronavirus pneumonia. J Thromb Haemost. 2020; 18: 844-847.
PMID:32073213 DOI: 10.1111/jth.14768
[7] Kawamura K, Ichikado K, Takaki M et al. Adjunctive therapy with azithromycin for moderate and severe acute respiratory distress syndrome: a retrospective, propensity score-matching analysis of prospectively collected data at a single center. Int J Antimicrob Agents. 2018; 51:918-924. (PubMed 29501821) (DOI 10.1016/j. ijantimicag.2018.02.009)
[8] Abrams EM, Raissy HH. Emerging therapies in the treatment of early childhood wheeze. Pediatr Allergy Immunol Pulmonol. 2019; 32:78-80. (PubMed 31508261) (DOI 10.1089/ped.2019.1043)
[9] https://reference.medscape.com/calculator/dic-score
[10] Tang N, Li D, Wang X, Sun Z. Abnormal Coagulation parameters are associated with poor prognosis in patients with novel coronavirus pneumonia. J Thromb Haemost. 2020. 10.1111/jth.14768. [PMC free article] [PubMed] [Ref list]
[11] American Society of Hematology. COVID-19 and coagulopathy: frequently asked questions. From the ASH website. Accessed 2020 Apr 15. Available from https://www.hematology.org/covid19/covid-19-and-coagulopathy
[12] International Society of Thrombosis and Haemostasis Interim Guidance on Recognition and Management of Coagulopathy in COVID-19. From the ISTH website. Accessed 2020 Apr 15. Available from https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/jth.14810

[13] MacLaren R, Stringer KA. Emerging role of anticoagulants and fibrinolytics in the treatment of acute respiratory distress syndrome. Pharmacotherapy. 2007; 27: 860-73. PMID: 17542769 DOI:10.1592/phco.27.6.860
[14] MedPage Today. Anticoagulation Guidance Emerging for Severe COVID-19. From the MedPage Today website. Accessed 2020 Apr 15. Available from https://www.medpagetoday.com/infectiousdisease/covid19/85865
[15] U.S. National Library of Medicine. ClinicalTrials.gov. Accessed 2020 Mar 15. Available at https://www.clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT04345848?term=NCT04345848&draw=2&rank=1
[16] Ning Tang e col. Anticoagulant treatment is associated with decreased mortality in severe coronavirus disease 2019 patients with coagulopathy. 2020Journal of Thrombosis and Haemostasis. March 2020. DOI: 10.1111/jth.14817
[17] Kollias A, Kyriakoulis KG, Dimakakos E, Poulakou G, Stergiou GS, Syrigos K. Thromboembolic risk
and anticoagulant therapy in COVID-19 patients: Emerging evidence and call for action. Br J
Haematol. 2020 Apr 18. doi: 10.1111/bjh.16727
[18] https://www.febrasgo.org.br/pt/covid19/item/1009-prevencao-de-mortes-maternas-por-covid-19-com-heparina-de-baixo-peso-molecular
[19] https://www.uptodate.com/contents/prevention-of-venous-thromboembolic-disease-in-acutely-ill-hospitalized-medical-adults?search=Prophylaxis%20for%20venous%20thromboembolic%20events&source=search_result&selectedTitle=5~150&usage_type=default&display_rank=5
[20] https://abhh.org.br/wp-content/uploads/2020/03/Hemostasia.COVID19.pdf
[21] https://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/amib/2020/abril/13/Recomendaco__es_AMIB-atual.-16.04.pdf

domingo, 5 de abril de 2020




ANÁLISE LABORATORIAL  NA COVID 19


Elaborado por: Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.




A COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, que apresenta um espectro clínico que varia de infecções assintomáticas a quadros graves. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a maioria (cerca de 80%) dos pacientes com COVID-19 podem ser assintomáticos ou oligossintomáticos, e aproximadamente 20% dos casos detectados requer atendimento hospitalar por apresentarem dificuldade respiratória, dos quais aproximadamente 5% podem necessitar de suporte ventilatório. O vírus SARS-CoV-2 é transmitido de pessoa a pessoa, por meio de gotículas de saliva ou secreção nasal quando uma pessoa infectada tosse ou espirra. No momento, não existem vacinas ou tratamentos específicos para a COVID-19. No entanto, existem muitos ensaios clínicos em andamento avaliando possíveis tratamentos[1].

No meio desta pandemia que assola já muitos países e que vem colapsando os grandes sistemas de saúde do mundo, nos deparamos com grandes desafios não apenas quanto ao diagnóstico e tratamento desses pacientes, mas também quanto a diretrizes tanto para admissão e alta no hospital e na UTI, como para alta e des-isolamento.

Nesse cenário, muita controversa e confusão vem sendo gerada na interpretação dos resultados dos testes de real time RT-PCR feitos nas amostras de secreção respiratória coletadas por swab orofaríngeo /nasofaringeo usado para detecção do vírus (RNA) e dos testes imunológicos para detecção de anticorpos (IgM, IgG, IgA) a exemplo do denominado “teste rápido” que deverá começar a ser usado no Brasil (imunocromatografia).

Entender aspectos de SENSIBILIDADE (S), ESPECIFICIDADE (E), VALOR PREDITIVO POSITIVO (VPP) E VALOR PREDITIVO NEGATIVO (VPN) é importante para interpretação dos resultados.


- Quando um teste dá positivo, o que se quer saber se esse teste é realmente positivo (VP) ou não (FP). Isto será de suma relevância para definir se o paciente é verdadeiramente um Covid 19 (+). Da mesma forma para um teste negativo é de todo desejável saber se ele pode ser um verdadeiro negativo (VN) ou um falso negativo (FN) para descartá-lo ou não como paciente doente pelo Covid 19.


Fonte: Diagnósticos da América S/A (DASA). COVID 19 RECOMENDAÇÃO DE USO DE EXAMES LABORATORIAIS
Versão 1.0 de 28/03/20202





Fonte: Guia de Vigilância Epidemiológica Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional pela Doença pelo Coronavírus 2019. Ministério da Saúde. 03.04.2020.



1) TESTE MOLECULAR: RT-PCR EM TEMPO REAL (RT-PCR) - Reverse transcription polymerase chain reaction quantitative real time - RT-PCR)
É uma técnica de laboratório baseada no princípio da reação em cadeia da polimerase (PCR) para multiplicar ácidos nucleicos, onde o material genético inicial na reação de PCR é o RNA, que é transcrito de forma reversa gerando um DNA complementar (cDNA) usando a enzima transcriptase reversa. A partir deste cDNA se estabelece uma replicação em cadeia através da enzima polimerase. 

Trata-se, portanto, de detecção do RNA do vírus Sars-Cov-2 (carga viral) em amostras de secreção respiratória (naso/orofaringe, lavado brônquico ou secreção traqueal) por metodologia de biologia molecular com amplificação de regiões específicas dos genes N, E, S e RdRP, e utilização de RNAseP como controle positivo. Entre alguns protocolos existentes para detecção desses genes, o que tem sido adotado pela maior parte dos países e recomendado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) é o protocolo internacional desenvolvido pelo Instituto Charité/Berlim. Esse método tem sido amplamente utilizado por estabelecimentos de saúde pública e da saúde suplementar, incluindo laboratórios da rede privada e, até esse momento, é considerado o método de referência no Brasil para confirmar COVID-19.

O RNA do vírus e a carga viral, podem ser detectados por metodologias moleculares entre 0 a 12 dias de sintomas, mas segundo a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial, a detecção do vírus por RT-PCR em tempo real (reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa) permanece sendo o teste laboratorial de escolha para o diagnóstico de pacientes sintomáticos na fase aguda (entre o 3º e 7º dia de doença, preferencialmente). Detecção mais prolongada tem sido observada, em situações de maior gravidade.

O real time RT-PCR é considerado ALTAMENTE ESPECÍFICO (E), em razão de ser praticamente impossível um resultado falso positivo (FP). Talvez uma exceção seria erro humano com troca involuntária de resultados. Pela mesma razão possui em ALTO VALOR PREDITIVO POSITIVO (VPP).

DESTA FORMA UM RESULTADO (+) CONFIRMA A DOENÇA, SENDO DESNECESSÁRIO A COLETA DE UMA SEGUNDA AMOSTRA.

Em contrapartida existe uma maior possibilidade de haver falsos negativos (FN) pelo que a SENSIBILIDADE (S) e o VALOR PREDITIVO NEGATIVO (VPN) NÃO SÃO ALTOS, em razão de:

- Amostra insuficiente muito tardia em pacientes convalescentes (pouca carga viral após o 7º dia do início dos sintomas) ou muito precoce (antes do 3º dia de início dos sintomas).
- Má técnica de coleta de material de naso e orofaringe e/ou trato respiratório inferior
- Inadequada conservação
- Inadequado transporte
- Demora no processamento.
- Razões técnicas inerentes ao teste como, por exemplo, mutação do vírus ou inibição de PCR.

DESTA FORMA UM RESULTADO (-) NÃO EXCLUI DOENÇA, PODENDO SER NECESSÁRIO UMA SEGUNDA COLETA, caso exista alta suspeita clínica, radiológica e epidemiológica ou a suspeita de algum dos fatores causadores de falso (-). Haverá, portanto, que justificar adequadamente a coleta desta segunda amostra, já que enquanto não chegar o resultado desse segundo teste, manterá o paciente na condição ainda de “caso suspeito aguardando exame” com todas as implicâncias que disso decorra, especialmente se o paciente vier a óbito antes de chegar o resultado desse segundo teste.  Dessa forma, se um resultado negativo foi obtido de um paciente com alta probabilidade de infecção por SARS-CoV-2, particularmente quando foram analisadas apenas amostras do trato respiratório superior, é indicado, se possível, coletar amostras de vias respiratórias inferiores e testar novamente.

É importante destacar que para as amostras negativas para COVID-19 por teste molecular e que sejam de pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), deve-se aproveitar o material já com RNA extraído e realizar amplificação para detecção de Influenza e outros vírus respiratórios (painel viral respiratório)[2] [3].

Importante salientar neste ponto que o PROTOCOLO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, considera como CASO POSITIVO OU NEGATIVO DO PONTO DE VISTA LABORATORIAL O RESULTADO APENAS DE UM TESTE LABORATORIAL.

CASOS CONFIRMADOS

POR CRITÉRIO LABORATORIAL: caso suspeito de SG ou SRAG com teste de:
Biologia molecular (RT-PCR em tempo real, detecção do vírus SARS-CoV2, Influenza ou VSR):
  1. §  Doença pelo Coronavírus 2019: com resultado detectável para SARS-CoV2.
  2. §  Influenza: com resultado detectável para Influenza.
  3. §  Vírus Sincicial Respiratório: com resultado detectável para VSR.
Imunológico (teste rápido ou sorologia clássica para detecção de anticorpos):
  • Doença pelo Coronavírus 2019: com resultado positivo para anticorpos IgM e/ou IgG. Em amostra      coletada após o sétimo dia de início dos sintomas.


CASO DESCARTADO DE DOENÇA PELO CORONAVÍRUS 2019 (COVID-2019)

Caso suspeito de SG ou SRAG com resultado laboratorial negativo para CORONAVÍRUS (SARSCOV- 2 não detectável pelo método de RT-PCR em tempo real), considerando a oportunidade da coleta OU confirmação laboratorial para outro agente etiológico.

Desta feita, entendo que nos casos de teste negativo, em que uma segunda amostra bem fundamentada e justificada for solicitada, o paciente deverá manter sua condição de “caso suspeito aguardando exame” tanto para fins de manejo e isolamento quanto para fins de declaração de óbito.

Esclareça-se ainda que esse segundo exame a ser solicitado não significa “contraprova”. Sempre que um teste positivo é constatado por uma rede particular, por exemplo, a amostra é enviada para as instituições, que realizam a “contraprova”. Confirmado o caso, o laboratório está apto a fazer os demais testes na população. No Brasil, existem três laboratórios de referência, segundo o Ministério da Saúde: Instituto Adolfo Lutz (SP), Fundação Oswaldo Cruz (RJ) e Instituto Evandro Chagas (PA). O processo ocorre apenas no primeiro teste positivo.

2) TESTE IMUNOLÓGICOS

  • Imunocromatográficas - Teste Rápido (Wondfo – China): IgM/IgG – VPP: 100% e VPN: 19%
  • Quimioluminescência (Snibe – China): IgM + IgG isolados VPP: 94% VPN: 41% para ambos anticorpos
  • ELISA (Euroimmun – Alemanha): IgA + IgG isolados VPP/IgA: 100% VPN/IgA: 45% e VPP/IgG: 92% VPN/IgA: 37%

  • Estes dados são preliminares e novos estudos de validação estão sendo realizados em diferentes dias da janela imunológica e serão divulgados nas próximas versões deste documento.
    Os dados até o momento demonstram que um resultado positivo confirma a doença, porém um resultado negativo não exclui a doença.
    Os anticorpos podem ser detectados com melhor sensibilidade à partir do 7º dia de sintomas, dependendo do método. Existem limitações e variações de sensibilidade do teste conforme o tempo de doença.

    Detecção de anticorpos (anticorpos totais IgA/IgG ou IgM/IgG ou anticorpos isolados IgA / IgG / IgM) no sangue total (testes rápidos ou point of care) ou soro/plasma (Quimioluminescência ou ELISA) para avaliação da resposta imunológica à infecção pelo Sars-Cov-2

    RECOMENDAÇÃO PRIORITÁRIA DE SOLICITAÇÃO

    1) Paciente sintomático moderado/grave, com mínimo de 7 dias de sintomas, com critérios clínicos/radiológicos de internação hospitalar, para racionalização do uso do RT-PCR (RT-PCR realizado se sorologia negativa) e diagnóstico de Covid-19 (sorologia positiva)
    2) Profissional de Saúde afastado com suspeita de Covid-19 para triagem do retorno às atividades profissionais, com realização após o 7º dia de sintomas para racionalização do uso do RT-PCR. Deve ser realizado o RTPCR se a sorologia for negativa e a manutenção do isolamento individual se a sorologia positiva até 14 dias.


    RECOMENDAÇÃO NÃO PRIORITÁRIA DE SOLICITAÇÃO (depende de disponibilidade de recursos)
    1) Pacientes sintomáticos sem critérios clínicos de internação hospitalar, para racionalização do uso do RT-PCR (RT-PCR realizado se sorologia negativa) e diagnóstico de Covid-19 (sorologia positiva) e vigilância epidemiológica, com realização do teste após 7º dia.

    Conforme a mais recente versão do Guia de Vigilância Epidemiológica Emergência de Saúde Pública do Ministério da Saúde (03.04.2020) usada para esta análise, até o momento, o Ministério da Saúde, só dispõe do ensaio imunocromatográfico para detecção rápida e qualitativa dos anticorpos IgG/IgM da síndrome respiratória aguda grave por coronavírus 2 (SARS-CoV2), em amostras de sangue total, soro ou plasma humano. O teste deve ser usado como uma ferramenta para auxílio no diagnóstico da doença por infecção por coronavírus (COVID 19), causada pelo SARS-CoV2. São testes qualitativo para triagem e auxílio diagnóstico. Resultados negativos não excluem a infecção por SARS-CoV2 e resultados positivos não podem ser usados como evidência absoluta de SARS-CoV2. O resultado deve ser interpretado por um médico com auxílio dos dados clínicos e outros exames laboratoriais confirmatórios.

    Atualmente, há muitas empresas produzindo testes rápidos para diagnosticar COVID-19. De forma geral, os testes sorológicos visam detectar anticorpo específico produzido pelo corpo humano contra o vírus SARS-CoV2 ou detectar antígeno desse vírus. Para isso, os métodos sorológicos são desenvolvidos para detecção de anticorpos IgG e IgM ou detecção de antígenos específicos do vírus, alguns por ensaios imunoenzimáticos (ELISA) e imunocromatográficos (teste rápido) e outros por imunofluorescência.

    No âmbito da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e Internacional, deve-se avaliar se o produto possui registro na Anvisa, avaliar a documentação do fabricante e considerar que os dados podem ser insuficientes para tomada de decisão. Portanto, esses testes, até o momento, não devem ser adotados para decisão clínica, mas apenas para finalidade de vigilância por meio de estudos de inquéritos populacionais e também como auxílio diagnóstico.

    É essencial que qualquer teste passe por um processo de validação por meio do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (INCQS/Fiocruz), a fim de avaliar se os parâmetros de qualidade do teste (sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo) são úteis para alguma etapa da estratégia de resposta à emergência em saúde pública.

    Em março de 2020, quando foi oferecida a doação deste teste para a resposta ao COVID-19, era a única opção disponível em quantidade suficiente para todo o território nacional. Esta estratégia deve ser reavaliada regularmente, para ajustar as definições operacionais da vigilância epidemiológica. Este teste visa atender exclusivamente no período a ESPIN e sua qualidade deve ser objeto de monitoramento pelos Laboratórios Centrais de Saúde Pública em conjunto com o INCQS/Fiocruz.

    Qualquer desvio de qualidade deve ser comunicado à Anvisa. Tais informações são de extrema importância para a precisão da indicação de medidas não farmacológicas de COVID-19, pois um paciente com um resultado falso negativo pode sair erroneamente do isolamento domiciliar e disseminar o vírus, como também fazer com que profissionais de saúde tenham que se afastar do trabalho e deixar de ajudar a salvar vidas, pelo resultado falso positivo. De forma geral, recomenda-se que antes de se utilizar um teste rápido, deve-se verificar se o mesmo já foi avaliado pelo INCQS. Mesmo validados, é importante saber que os testes rápidos apresentam limitações e a principal delas é que precisa ser realizado, de forma geral, a partir do 8º (oitavo) dia do início dos sintomas. É necessário que o caso suspeito ou contato de caso confirmado de COVID-19 espere esse tempo para que o sistema imunológico possa produzir anticorpos em quantidade suficiente para ser detectado pelo teste.




    [1] Guia de Vigilância Epidemiológica Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional pela Doença pelo Coronavírus 2019. Ministério da Saúde. 03.04.2020.
    [2] Diagnósticos da América S/A (DASA). COVID 19 RECOMENDAÇÃO DE USO DE EXAMES LABORATORIAIS Versão 1.0 de 28/03/20202
    [3] Métodos Laboratoriais para Diagnóstico da Infecção pelo SARS-CoV-2. Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial.