quarta-feira, 30 de agosto de 2017

CRITÉRIOS DE ADMISSÃO E ALTA DA U.T.I. À LUZ DA RESOLUÇÃO C.F.M. Nº 2156/2016

Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista pela AMIB. 

A Unidade de Tratamento Intensivo (U.T.I.) constitui-se de uma área com um conjunto de elementos funcionalmente agrupados, destinada prioritariamente ao atendimento de pacientes graves/críticos com alta probabilidade de recuperação, que necessitem de intervenções de suporte de vida, e para os quis não exista qualquer limitação terapêutica quer por parte do próprio paciente, quer por parte da instituição onde ele se encontra.

CRITÉRIOS DE ADMISSÃO NA U.T.I.:

Definir qual paciente deve ser admitido numa U.T.I. certamente não é tarefa fácil em razão da alta demanda de pacientes e da pouca oferta de vagas existente nas diferentes regiões do pais.Muito frequentemente a definição de "quem vai para U.T.I." é feita com grande carga de subjetivismo por parte do médico solicitante, baseado apenas na impressão de gravidade que se tem do paciente. Não poucas vezes, o exagero da gravidade do diagnóstico ou  do prognóstico quando se trata de pacientes de convênios e particulares torna-se indicação de internação desnecessária na U.T.I. .Finalmente, a judicialização da indicação de admissão na U.T.I. tem se tornado uma problema crescente no pais.

Em agosto de 2016 a Sociedade Americana de Cuidados Críticos (SCCM) atualizou suas diretrizes para admissão, alta e triagem da UTI de 1999 cuja estratégia admissional era baseada em três modelos: modelo de priorização, modelo de diagnóstico e modelo de parâmetros objetivos. Entretanto, essa Sociedade aponta que todos esses modelos têm limitações, e nenhum foi validado corretamente, não havendo estudos conclusivos que mostrem critérios abrangentes e definitivos para internações na UTI. Sugere, portanto, que as admissões da UTI sejam feitas com base numa combinação de elementos a ponderar: necessidades específicas do paciente que só podem ser atendidas dentro do ambiente da UTI (exemplo: terapias de suporte de vida); experiência clínica disponível; priorização de acordo com a condição do paciente; diagnóstico; disponibilidade de leito; parâmetros objetivos no momento do encaminhamento (como a frequência respiratória); potencialidade para o paciente se beneficiar das intervenções na UTI e prognóstico[1].

Pouco depois, em novembro de 2016, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução nº 2156/2016[2], que estabelece os critérios de admissão e alta em unidade de terapia intensiva. Por se tratar de uma norma vinculante para todos os médicos do Brasil, incluindo diretores médicos das instituições de saúde, sua observância e obediência torna-se obrigatória.
  
Dentre outras determinações, a Resolução estabelece que as admissões em unidade de tratamento intensivo (UTI) devem ser baseadas levando em consideração (artigo 1º):

I) diagnóstico e necessidade do paciente;
II) serviços médicos disponíveis na instituição;
III) priorização de acordo com a condição do paciente;
IV) disponibilidade de leitos;
V) potencial benefício para o paciente com as intervenções terapêuticas e o prognóstico.

A seguir, nos seus dispositivos traz uma série de de orientações que devem ser seguias para definir não só a indicação do tipo de paciente que deve ser internado numa UTI, mas a sua priorização quando uma vaga de UTI seja solicitada para mais de um paciente. Nesse sentido e, para melhor entendermos o que a norma estabelece, mister se faz antes, refletir sobre alguns conceitos:

  • Paciente Grave: paciente que apresenta instabilidade definida pela presença de 1 ou mais disfunções orgânicas agudas, agudizadas ou descompensadas capazes de colocar o paciente em risco de morte (disfunção orgânica ameaçadora da vida), necessitando, portanto, de assistência imediata e contínua composta de monitoração intensiva e intervenções de suporte de vida. Essa necessidade de intervenções de suporte de vida é, portanto, real, ou seja, de fato necessária nesse momento. Necessário também distinguir do paciente portador de disfunções orgânicas crônicas, decorrentes de doenças também crônicas, mas estabilizadas ou compensadas (paciente com doença renal crônica, plaquetopenia crônica, anemia crônica, hepatopatia crônica, etc).
  • Paciente Crítico: paciente grave cujo risco de morte é iminente, isto é, está prestes a acontecer pelo que as medidas a serem adotadas devem visar também efeitos imediatos ou em curto prazo (minutos ou horas). Tratar-se-ia de uma forma de paciente grave, muito embora na literatura encontre-se por vezes que os termos “paciente grave” e “paciente crítico” sejam usados indistintamente.
  • Paciente em Risco de Gravidade (potencialmente grave): paciente que, na avaliação médica, possua alguma condição potencialmente determinante de instabilidade ou alguma disfunção orgânica não ameaçadora da vida. Estes pacientes necessitam de monitorização ou vigilância intensiva por ter uma necessidade potencial de intervenções de suporte de vida e/ou de algumas terapias de uso não exclusivo na UTI (por exemplo, ventilação não invasiva). Pacientes de pós-operatórios de alto risco ou pacientes com insuficiência respiratória tolerando a ventilação não invasiva intermitente são exemplos.
  • Monitorização intensiva (vigilância intensiva): todos os pacientes graves e/ou críticos em regra, necessitam de monitorização intensiva clínica ou não invasiva e de forma contínua de tipo neurológica, renal, respiratória ou hemodinâmica (neurocheck, oximetria de pulso, controle de PANI, controle de diurese etc).
  • Intervenções de suporte de vida: incluem procedimentos que somente podem ser realizados na UTI como ventilação mecânica invasiva, hemodiálise, uso de drogas vasoativas, suporte circulatório mecânico (balão intra-aórtico, ECMO), manobras de reanimação cardiopulmonar e/ou uma monitorização intensiva invasiva (monitorização de PIC, PAI, PIA, PAP com cateter de Swan Ganz, etc.).
  • Probabilidade de recuperação: refere-se à chance de o paciente poder retornar ao estado prévio no qual se encontrava antes de adoecer (doença aguda ou agudizada). Variáveis como diagnóstico da localização, grau e extensão da lesão e estado prévio de comorbidades, são fatores determinantes para estabelecer o prognóstico e a probabilidade de recuperação
  • Limitação do suporte terapêutico: refere-se às limitações impostas ao tratamento indicado em razão das condições inerentes do próprio paciente (intolerância, alergia, contraindicação, análise de risco/beneficio, escolha do paciente ou do seu responsável legal, etc.) ou decorrente de limitações nos serviços médicos disponíveis na instituição (vide art. 1º, II da Resolução nº 2156/2016).
  • Unidade de Cuidados Intermediários (UCI) ou Semi-intensiva: Unidade destinada precipuamente a pacientes com risco de gravidade e/ou com baixa probabilidade de recuperação e/ou que possuem limitações terapêuticas. Trata-se de Unidade destinada a pacientes com Prioridade 2 e 4.
  • Unidade de Cuidados Paliativos (UCP): Unidade destinada a pacientes com doença irreversível, com indicação de cuidados paliativos proporcionais ou em fase de terminalidade. Trata-se de Unidade destinada a pacientes com Prioridade 5. Destaque-se que em regra, todo paciente terminal deve ser internado numa UCP, mas as UCP não são exclusivas para pacientes terminais, podendo também nela ser internados pacientes em cuidados paliativos proporcionais. Exemplo: lesões cerebrais irreversíveis grave, disfunção múltiplos órgãos irreversível, câncer metastático que não responde à quimioterapia e / ou terapia de radiação (a menos que o paciente esteja em um protocolo de tratamento específico), pacientes com capacidade de tomada de decisões que recusam tratamento intensivo e / ou monitorização invasiva e que recebem apenas cuidados paliativos, morte cerebral em paciente não doador,  pacientes em estado vegetativo persistente, os pacientes que estão permanentemente inconscientes, etc.
  • Paciente crítico crônico: tem se denominado assim, àquele paciente que segue uma evolução subaguda após sobreviverem ao primeiro insulto, sem conseguir uma recuperação completa, mantendo algum tipo de disfunção orgânica, tornando-se dependentes por um longo período de tempo de algum tipo de suporte para a manutenção da vida. Tem sido mais frequentemente relacionada à ventilação mecânica (VM) prolongada e a necessidade de traqueotomia por VM prolongada. Estes pacientes geralmente apresentam estados de desnutrição, hiperglicemia, doença metabólica óssea, depressão, úlceras de pressão e disfunção do eixo neuroendócrino, com aumento no período de internação e geração de gastos excessivos durante e após a hospitalização[3].Esses pacientes tendem a ter infecções recorrentes, fraqueza profunda e delírio. Pelo menos metade falecem dentro de 1 ano. Entre os que sobrevivem, as taxas de readmissão são altas, a maioria permanece institucionalizada e menos de 12% estão em casa e funcionalmente independentes 1 ano após a doença aguda[4].
 DISFUNÇÃO ORGÂNICA AMEAÇADORA DA VIDA:

A definição de “paciente grave” está intimamente ligada ao de disfunção de órgãos e sistemas que coloca o paciente em risco de morrer (disfunção ameaçadora da vida). A seguir, elencam-se apenas uma lista dos diagnósticos mais frequentes, não se esgotando nela, toda vez que cabe ao médico avaliador estabelecer outros diagnósticos que caracterizem gravidade no paciente e que não estejam listados na presente relação.

A. Sistema Cardiovascular:

a. Infarto agudo do miocárdio com complicação.
b. Choque cardiogênico.
c. Arritmias complexas necessitando monitorização e intervenção.
d. Insuficiência cardíaca congestiva com insuficiência respiratória e/ou necessidade de suporte hemodinâmico.
e. Emergências hipertensivas.
f. Angina instável, particularmente se associada com arritmia, instabilidade hemodinâmica, ou dor torácica persistente.
g. Parada cardíaca e/ou respiratória.
h. Tamponamento cardíaco com instabilidade hemodinâmica.
i. Aneurisma dissecante da aorta.
j. Bloqueio cardíaco completo.
k.Pacientes em uso de drogas vasoativas e/ou inotrópicas
l. Pacientes com monitorização hemodinâmica invasiva
m. Pacientes que receberam transfusão maciça.

B. Sistema Respiratório:

a. Insuficiência respiratória aguda necessitando de ventilação mecânica continua.
b. Embolia pulmonar com insuficiência respiratória.
c. Pacientes em unidade intermediária com deterioração da condição respiratória.
d. Necessidade de cuidado respiratório ou de enfermagem não disponível em outro setor.
e. Hemoptise maciça.
f. Insuficiência respiratória com intubação iminente.
g. Obstrução aguda de vias aéreas.

C. Sistema neurológico:

a. Acidente vascular cerebral com alteração do nível de consciência.
b. Coma
c. Hemorragia intracraniana com potencial de herniação.
d. Hemorragia subaracnóidea aguda.
e. Meningite com alteração da consciência ou comprometimento respiratório.
f. Doença neuromuscular ou do sistema nervoso central com deterioração neurológica ou comprometimento respiratório.
g. Estado de Mal Epiléptico.
h. Morte cerebral em paciente doador de órgãos.
i. Vasoespasmo cerebral
j. Trauma Cranioencefálico grave.
k. Monitorização invasiva da Pressão Intracraniana e da Pressão de Perfusão Cerebral.

D. Sistema Renal:

a. Insuficiência renal aguda ou crônica agudizada com necessidade de hemodiálise de urgência.

E. Sistema gastrintestinal:

a. Hemorragia digestiva com hipotensão, angina, não controlada, ou com comorbidades.
b. Falência hepática fulminante.
c. Pancreatite aguda grave.
d. Perfuração esofágica, com ou sem mediastinite.

F. Sistema endócrino/metabólico/ácido-base:

a. Cetoacidose diabética complicada por instabilidade hemodinâmica, alteração da consciência, insuficiência respiratória ou acidose grave.
b. Tempestade tiroidiana ou mixedema com instabilidade hemodinâmica.
c. Estado hiperosmolar com coma e/ou instabilidade hemodinâmica.
d. Crise adrenal com instabilidade hemodinâmica.
e. Hipercalcemia grave com alteração da consciência, necessitando monitorização hemodinâmica.
f. Hipo ou hipernatremia com alteração da consciência, necessitando de monitorização hemodinâmica.
g. Hipo ou hipermagnesemia com alteração hemodinâmica ou arritmia.
h. Hipo ou hipercalemia com arritmia ou fraqueza muscular.
i. Hipofosfatemia com fraqueza muscular.
J. Distúrbio ácido-base grave com instabilidade clínica e/ou hemodinâmica.
k. Insuficiência suprarrenal aguda.

G. Cirúrgicos:

a. Pós-operatório com necessidade de monitorização hemodinâmica, suporte ventilatório ou enfermagem intensiva.
b. Trauma múltiplo grave.
c. Abdome agudo com instabilidade hemodinâmica.

H. Intoxicação exógena.

a. Em pacientes hemodinamicamente instáveis.
b. Com alteração da consciência ou proteção inadequada da via aérea.
c. Com convulsão.

H. Miscelânea:

a. Choque distributivo (inflamatório, séptico, neurogênico e anafilático), hipovolêmico, neurogênico,
b. Monitorização hemodinâmica continua
c. Condição clínica com necessidade de enfermagem de terapia intensiva.
d. Lesões ambientais.

SISTEMA DE PRIORIZAÇÃO DE PACIENTES PARA ADMISSÃO NA UTI DE ACORDO COM RESOLUÇÃO CFM Nº 2156/2016.

O conceito de que “todo paciente grave deve ser admitido numa UTI” tem mudando nos últimos tempos, para o de “todo paciente grave pode ser admitido na UTI”. Gravidade é critério de admissão, entretanto não absoluto, mas relativo. Isto porque diante da escassez do recurso “vaga de UTI”, deve-se “priorizar” a admissão de pacientes que além se ser graves/críticos, cumpram 3 critérios de priorização indispensáveis:

1º Deve necessitar de intervenções de suporte de vida (e não apenas de monitorização intensiva)
2º Deve ter alta probabilidade de recuperação e,
3º Não deve ter nenhuma limitação de suporte terapêutico, quer por parte dele, quer por parte da instituição onde ele esteja sendo atendido.

Estando ausente um ou mais desses critérios o paciente não terá prioridade 1 para ser admitido na UTI, podendo ainda ser admitido (dependendo da prioridade estabelecida) preferencialmente numa Unidade de Cuidados Intermediários-UCI ou Semi-intensiva (prioridades 2 e 4) ou numa Unidade de Cuidados Paliativos-UCP (prioridade 5). Entretanto, na ausência dessas unidades o paciente poderia ser admitido numa UTI respeitada a ordem de prioridade. Ainda, pacientes com doença incurável e/ou em fase terminal que usualmente não se beneficiam do tratamento em UTI, podem ser tratados com dignidade em outras unidades de internação (enfermaria, apartamentos, unidades intermediárias), desde que lhe sejam garantidas todas as medidas de conforto e preservando, sempre que possível, a autonomia do paciente ou do seu responsável legal.

Parte-se, portanto, do princípio de contar idealmente com uma estrutura composta de UTI, UCI e UCP. Entretanto, na ausência de UCI ou de UCP os pacientes poderão permanecer na UTI conforme uma escala de priorização.

Uma vez feito o diagnóstico de paciente grave/crítico, deve se definir a necessidade de monitorização e/ou suporte intensivo, sua probabilidade de recuperação e a existência ou não de limitações terapêuticas. Uma sistematização baseada em perguntas aqui é proposta :

1. É grave?   (    ) SIM    (      ) NÃO
2. Necessita de intervenções de suporte de vida? (     )SIM   (      )NÃO
3. Necessita de Monitorização Intensiva? (    ) SIM   (       )NÃO
4. A probabilidade de recuperação é alta? (      )SIM   (      ) NÃO
5. Existe limitação terapêutica por parte do paciente? (     )SIM  (      )NÃO
6. Existe limitação terapêutica por parte do hospital? (      )SIM  (      ) NÃO
7. O estado da doença é avançado e irreversível, com prognóstico de morte iminente e inevitável? (     )SIM  (      )NÃO

Dependendo das respostas a tais quesitos resultará a PRIORIZAÇÃO:

PRIORIDADE 1 – Pacientes que necessitam de intervenções de suporte de vida, com alta
probabilidade de recuperação e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico. São pacientes com indicação absoluta que sempre devem ser internados na UTI.

PRIORIDADE 2 – Pacientes que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata de suporte de vida (necessidade potencial), e sem nenhuma limitação de suporte terapêutico. São pacientes devem ser internados na UCI e somente na ausência dessa unidade ou na falta de leito nela poderão ser admitidos na UTI e desde que não existam pacientes com prioridade 1 aguardando por essa mesma vaga.

PRIORIDADE 3. Pacientes que necessitam de intervenções de suporte à vida, com baixa probabilidade de recuperação ou com limitação de intervenção terapêutica. São pacientes podem ser internados na UTI, porém, desde que ausentes pacientes com prioridade 1 ou 2 aguardando vaga respectiva. Ainda, caso defina-se sua condição de paliatividade ou terminalidade poderiam ser internados na UCP.

PRIORIDADE 4 – Pacientes que necessitam de monitorização intensiva, pelo alto risco de
precisarem de intervenção imediata de suporte de vida, mas com limitação de intervenção terapêutica. São pacientes que pela sua condição previa e/ou atual também tem baixa probabilidade de recuperação ou limitação terapêutica, mas a necessidade de intervenções de suporte de vida é potencial. São pacientes devem ser internados na UCI e somente na ausência dessa unidade ou na falta de leito nela poderão ser admitidos na UTI, desde que ausentes pacientes com prioridade 1, 2 ou 3 aguardando vaga respectiva.

PRIORIDADE 5 – Pacientes com doença em fase de terminalidade, ou moribundos, sem possibilidade de recuperação. Em geral, esses pacientes não são apropriados para admissão na UTI (exceto se forem potenciais doadores de órgãos) e deveriam ser internados numa Unidade de Cuidados Paliativos (UCP) para receber apenas cuidados paliativos básicos ou estritos. No entanto, seu ingresso pode ser justificado em caráter excepcional, considerando as peculiaridades do caso e condicionado ao critério do médico intensivista.

CRITÉRIOS DE ALTA DA UTI.

O estado do paciente deve ser revisado constantemente para identificar os pacientes que não mais tem indicação de permanecer na UTI.

CRITÉRIOS GERAIS DE ALTA:

A. Quando o estado clínico/hemodinâmico do paciente estiver estabilizado e as intervenções de suporte de vida e de monitorização intensiva não sejam mais necessárias. Define-se a alta para UCI, UCP, enfermaria ou até para o domicilio dependendo do caso especifico. O paciente não necessita mais de cuidados intensivos.

B. Quando o estado clínico/hemodinâmico do paciente sofrer deterioração, evoluindo para um estado de irreversibilidade, esgotando-se as opções terapêuticas ou tornando-se não mais benéficas ou até maléficas. Neste momento deve ser oferecida a opção de cuidados paliativos com transferência para a UCP ou eventualmente para enfermaria ou até para casa de acordo com a vontade do paciente ou do seu responsável legal. O paciente não se beneficia mais de cuidados intensivos.


 CRITÉRIOS ESPECIFICOS DE ALTA:

Ausência das condições que levaram ao diagnóstico de gravidade. 
Desnecessidade de intervenções de suporte de vida
Redução importante da probabilidade de recuperação
Aparição de limitações terapêuticas
Definição de cuidados paliativos proporcionais
Estado de terminalidade
Transferência Inter hospitalar 
Vontade do paciente ou do seu responsável legal

AVALIAÇÃO DO RISCO DE READMISSÃO:

Para todo paciente de alta da UTI deverá ser estimado o RISCO DE READMISSÃO pelo uso da Escala SWIFT (Stability and Workload Index for Transfer), de maneira objetiva, para orientar as estratégias de cuidado pós alta. Sabe-se que as readmissões precoces (< 48 horas) e as mortes inesperadas após a alta (< 7 dias) são eventos ainda frequentes, apesar da melhora na qualidade assistencial, e que quase 10% dos pacientes de CTI estão em risco de readmissão:

Fonte: Gakic O. et.al., The Stability and Workload Index for Transfer score predicts unplanned intensive care unit patient readmission: initial development and validation. Crit Care Med. 2008 Mar;36(3):676-82. 


Interpretação: ALTO RISCO: >15 pontos.   BAIXO RISCO: até 15 pontos.


* Pacientes com Alto Risco de Readmissão, deverão ser transferidos para UCI, salvo que tenham indicação e UCP




[1] ICU Admission, Discharge, and Triage Guidelines: A Framework to Enhance Clinical Operations, Development of Institutional Policies, and Further Research. Nates J.L. et.al. Society of Critical Care Medicine. Crit Care Med. 2016 Aug;44(8):1553-602. doi: 10.1097/CCM.0000000000001856.
http://www.sccm.org/News/Pages/SCCM-Releases-ICU-Admission,-Discharge,-and-Triage-Guidelines.aspx
[2] RESOLUÇÃO CFM Nº 2156/2016: Estabelece os critérios de admissão e  alta  em unidade de terapia intensiva.  Acessível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2016/2156. Vide também: https://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=26557:2016-11-17-13-28-46&catid=3
[3] Sérgio Henrique Loss. Epidemiologia e Características do Doente Crítico Crônico. Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-Graduação em Medicina: Ciências Médicas, para obtenção do título de Mestre em Medicina. Acessar em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/18770/000732006.pdf
[4]Daniela Lamas, M.D. Chronic Critical Illness. N Engl J Med 2014; 370:175-177January 9, 2014DOI: 10.1056/NEJMms1310675
[5] Gakic O. et.al., The Stability and Workload Index for Transfer score predicts unplanned intensive care unit patient readmission: initial development and validation. Crit Care Med. 2008 Mar;36(3):676-82. doi: 10.1097/CCM.0B013E318164E3B0.

sábado, 26 de agosto de 2017

RELAÇÃO S/F x P/F

USO DA RELAÇÃO S/F COMO SUBSTITUTA DA RELAÇÃO P/F
(Revisão de Literatura)
Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Coordenador da UTI do H.M. Jose de Carvalho Florece. São Jose dos Campos.

- A Hipoxemia traduz a queda da Pa02 que por sua vez provocará uma redução do gradiente capilar-celular, levando a hipóxia tissular.

- A nível da interface alvéolo -capilar a Pa02 resultante é consequência do G (A-a)02, sendo a PA02 (pressão alveolar) a força motriz para a difusão do 02 através da membrana alvéolo-capilar. A PA02 por sua vez, guarda uma relação direta com a Fi02[1].

- Em ar ambiente com Fi02 de 0.21(21%) a hipoxemia se define com Pa02 < do valor esperado para a faixa etária. Entretanto, a Insuficiência Respiratória define-se pela Pa02<60mmHg (equivalente a uma Relação P/F < 60/0.21 = <286).

- A Relação Pa02/Fi02 (P/F) tem sido melhor usada como ferramenta para diagnosticar Insuficiência Respiratória, especialmente quando a Fi02 >0.21.

·         PaO2/FiO>400 mmHg – normal;
·    PaO2/FiO>300-400 mmHg – déficit de oxigenação, mas ainda não em níveis convencionalmente estabelecidos de insuficiência respiratória;
·         PaO2/FiO<300 mmHg – insuficiência respiratória;
·         PaO2/FiO<200 mmHg – insuficiência respiratória grave.

- A Relação P/F é usada também para estratificar a Gravidade da S.A.R.A de acordo com a definição de Berlim (Leve ≤ 300; Moderada ≤ 200 e Grave ≤ 100).

- A Relação P/F também é usada como parâmetro de disfunção orgânica (respiratória) nos Escores Prognósticos de UTI como SOFA e SAPS3.

- A Pa02 é consequência do 02 dissolvido no sangue (aproximadamente 2% do total do conteúdo arterial de 02).

- Por outro lado, a Saturação arterial da hemoglobina com oxigênio (Sa02) representa o 02 transportado ou carregado pela Hb (aproximadamente 98%). Existe uma relação direta, não linear (sigmoidal) entre a Sa02 e a Pa02 (Curva de Dissociação da Hb). Assim, aumentando a Pa02 aumentará a Sa02. 

- É possível então analisar as relações entre a Fi02, a Pa02 e a Sa02.

- A Sa02 pode ser obtida à beira leito pela oximetria de pulso, devendo se atentar às limitações e fatores determinantes de erro de leitura: pele escura, unhas postiças, esmalte, hipotermia, má perfusão periférica, hiperlipidemia, anemia com hematócrito abaixo de 15%, luminosidade excessiva incidindo sobre o sensor, má adaptação do sensor à pele permitindo a “contaminação” com a luz ambiental e carboxihemoglobinemia (eleva falsamente a leitura da Sa02), metahemoglobinemia, hiperbilirrubinemia[2].

- O uso da Relação Sa02/Fi02 (Relação S/F) tem sido, há muito tempo, estudada como possível substituto da Relação P/F para PACIENTES EM VENTILAÇÃO MECÂNICA.

- Em 2006, Pratik P. Pandharipande e col., apresentaram um trabalho no 36th Critical Care Congress, publicado na revista Critical Care Medicine, correlacionado a Relação S/F e P/F usando um modelo de regressão linear, visando o uso da Relação S/F no escore de SOFA em substituição da Relação P/F em pacientes de anestesia de trauma e cirúrgicos, para valores de Sa02 <99%. Aqui a Tabela de correlação apresentada: [3].


- Em 2007, Todd W. Rice e col., com base nos dados do ARDS Network trial (ARMA database), usando um modelo de regressão linear encontrou que uma relação SaO2/FiO2 de 235 correlaciona-se com a relação Pa02/Fi02 de 200 e uma Relação SaO2/FiO2 de 315 correlacionada com uma Relação PaO2/FiO2 de 300[4]. Tornou-se um trabalho de referência levando em conta o número de pacientes com SARA considerados. Entretanto a relação foi apenas validada para valores de Sa02 ≤ 97%, para minimizar o viés que o platô da curva de dissociação da Hb poderia gerar acima desse valor.

- Em 2008, Pandharipande (anestesista) e Rice (pneumologista) ambos do mesmo hospital (Nashville – Tenesse – USA) junto com outros colaboradores, preocupados com a influência da PEEP nos pontos de corte da Relação S/F, usando os dados também do ARDS Network trial (ARMA database), publicam um trabalho usando modelo de regressão linear, correlacionado a Relação S/F com a Relação P/F dentro de faixas de PEEP como substituto no SOFA[5]. A relação foi apenas validada para valores de Sa02 ≤ 98%.



-Em 2009, Pratik P. Pandharipande e Todd W. Rice juntam os dados dos bancos da Anestesia e do ARMA para pacientes com Sa02 ≤ 98% estabelecendo duas Tabelas. Uma, considerando apenas pacientes com SARA repetindo o trabalho de 2008, e outra em que fixaram valores de corte para uma população mista avaliando conjuntamente por regressão linear logaritmica 4728 pareados (1742 da anestesia e 2986 da SARA) [6] .


-Mais recentemente, em 2016, Mehta T. R. e col. avaliaram 50 pacientes (101 amostras) a correlação entre a Relação S/F e P/F no diagnóstico de Insuficiência Respiratória, usando tambem modelo de regressão linear, encontrando que a relação P/F de 300 correlaciona-se muito bem com a razão S/F de 325,6 e que a relação P/F de 200 correlaciona-se com a Relação S/F de 269,7[7]. Foram usados valores de Sa02 <97%. Concluiu que seus valores se aproximavam aos encontrado por Rice e col.

EM CONCLUSÃO:

* Para pacientes em ventilação espontânea sem suporte de oxigênio (respirando ar ambiente), nos quais não tenha sido coletada gasometria, estando o paciente sem sinais clínicos de desconforto respiratório e sem sinais de hipoperfusão tissular, poder-se-ia adotar uma Relação P/F >400, não pontuando no SOFA. Pacientes com dispneia, mesmo que leve ou com oxigenoterapia (cateter, máscara, etc.) ou em uso e VNI, deverá ser obrigatoriamente coletada gasometria arterial para calcular a relação P/F.

* Para Pacientes em Ventilação Mecânica, usar-se-á as Tabelas referenciadas no trabalho de Pandharipande e Rice para pacientes com Sa0298%:



CORRELAÇÃO GERAL ENTRE A RELAÇÃO P/F x RELAÇÃO S/F PARA PACIENTES EM V.M. E Sa0298%
ESCORE DE SOFA
RELAÇÃO P/F
RELAÇÃO S/F
1
<400
<512
2
<300
<357
3
<200
<214
4
<100
<89











Fonte: Pratik P. Pandharipande, MD. et. al., Derivation and validation of SpO2/FiO2 ratio to impute for PaO2/ FiO2 ratio in the respiratory component of the Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) Score. Crit Care Med. 2009 April ; 37(4): 1317–1321.

CORRELAÇÃO ENTRE A RELAÇÃO P/F x RELAÇÃO S/F PARA PACIENTES COM S.A.R.A. E Sa0298%



RELAÇÃO S/F

ESCORE DE SOFA
RELAÇÃO P/F
PEEP <8
PEEP 8 - 12
PEEP >12
1
<400
<502
<515
<425
2
<300
<370
<387
<332
3
<200
<240
<259
<234
4
<100
<115
<130
<129
Fonte: Pratik P. Pandharipande, MD. et. al., Derivation and validation of SpO2/FiO2 ratio to impute for PaO2/ FiO2 ratio in the respiratory component of the Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) Score. Crit Care Med. 2009 April ; 37(4): 1317–1321.

- Para o SAPS3 embora não existam trabalhos de validação, poder-se-ia por analogia, usar a Relação S/F para valores <100, conforme as tabelas acima.





[1] G(A-a)O2 = PA02 – Pa02 = [(PB - PH2O) x FiO2 - PaCO2/R] – Pa02
[2] OXIMETRIA DE PULSO ARTERIAL. ARTIGO PRODUZIDO PELO COREN/SP. http://portal.coren-sp.gov.br/sites/default/files/oximetria%2022-12.pdf
[3] Pratik P. Pandharipande, MD. et. al., CALCULATING SOFA SCORES WHEN ARTERIAL BLOOD GASSES ARE NOT AVAILABLE: VALIDATING SpO2/FiO2 RATIOS FOR IMPUTING PaO2/ FiO2 RATIOS IN THE SOFA SCORE. Critical Care Medicine: December 2006 Volume 34 Issue 12 (suppl) p A1
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