sábado, 8 de maio de 2021


CÁLCULO DA Pmus PELA P0.1


Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Responsável Técnico e Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos. Coordenador da Residência em Medicina Intensiva – COREME e membro do Grupo Técnico de Enfrentamento à COVID -19 da Santa Casa de São Jose dos Campos.


Ao que parece, uma tendência em ventilação mecânica para os próximos anos será o desenvolvimento de novas estratégias e ferramentas que utilizem o próprio drive e esforço muscular do paciente de forma monitorizada e ajustada, visando garantir parâmetros de mecânica respiratória protetores tanto contra Lesão Pulmonar Induzida pela Ventilação Mecânica (VILI) quanto contra a Lesão Pulmonar Auto-infligida pelo Paciente (P-SILI).

Nesse sentido o grupo canadense capitaneado pelo Prof. Laurent Brochard tem publicado estudos interessantes, como já mostrado aqui em post anteriores.

Brasil, faz parte de um estudo multicêntrico de endpoint fisiológico usando uma combinação de estratégia de  titulação da PEEP pela tomografia de impedância elétrica (TIE) e mantendo o paciente com essa PEEP em modo assistido (PSV) com PS idealmente de zero (CPAP) deixando o paciente ventilar com seu drive e esforço respiratório, sendo a mecânica respiratória  monitorizada através de manobras, tanto de oclusão inspiratória (pausa ins) para avaliar Pressão de Platô (Pplat), Driving Pressure (ΔP) e Pressão Muscular (Pmus) na forma de Índice de Pressão Muscular (IPM = pressão de platô – pressão de pico); quanto de oclusão expiratória (pausa exp) para avaliar a Pressão de Oclusão nos 100 primeiros milissegundos (P0.1), a Pressão de Oclusão Expiratória (ΔPooc) e a Variação da Pressão Transpulmonar Dinâmica (ΔPLdyn), conforme já explicado aqui em post anteriores e no nosso Blog: http://blogdeterapiaintensiva.blogspot.com/?m=1.

Conforme explicou o Prof. Marcelo Brito Amato numa aula recentemente divulgada em que trata do que aprendemos até agora na ventilação mecânica do paciente com COVID-19 (https://vimeo.com/539428343), estratégias inovadoras podem ajudar a modular o drive e o esforço muscular (com níveis baixos de pressão de suporte (PS), aumentos da FiO2 para meta de  SaO2 mais elevada como 98%, sedação leve com propofol, pequenos aumentos de PEEP para retificar o diafragma, bloqueio neuromuscular parcial, etc.). Aguardamos os resultados dessa inovadora estratégia ventilatória mecânica assistida, associada a recrutabilidade.

Conforme descrito em post anteriores e no Blog, a beira leito, existem vários métodos para medir e calcular a Pmus, mas eles costumam ser complexos, invasivos e geralmente dependem de equipamentos não acessíveis na maioria das unidades (por ex. cateter com balão esofágico e monitores específicos). Os métodos padrão ouro para estimar a Pmus que podem refletir o esforço da musculatura respiratória citados na literatura são o trabalho respiratório (WOB)[1], o produto de pressão-tempo (PTP)[2] [3], pressão trans-diafragmática (Pdi)[4] e atividade elétrica do diafragma (Edi)[5] [6] [7]

Entretanto, conforme publicações mais recentes e, considerando esforços para obter ferramentas mais práticas e versáteis, a Pmus pode ser estimada de duas formas:

1. Pela manobra de oclusão inspiratória, obtendo o Índice de Pressão Muscular (IPM)

2. Pela manobra de oclusão expiratória, como 3/4 ou 75% do valor do ΔPooc.

Pmus, normalmente varia entre 4 e 10 cm H2O, sendo considerados valores "excessivos" 10 - 15 cm H2O.

Durante a ventilação mecânica, a Pressão total (Ptotal) geradora de um volume tidal ou corrente (VT) depende dos seguintes componentes: a pressão fornecida pelo ventilador (Pvent) através dos ajustes e parâmetros escolhidos de pressão, volume e fluxo (Pva) e a pressão do esforço muscular feito principalmente pelo diafragma (Pmus) que classicamente tem sido medida através da pressão pleural (Ppl):

 

Ptotal = Pvent (Pva) + Pmus(Ppl)

 

Quando o paciente está em ventilação mecânica controlada, sem fazer qualquer esforço muscular, ou seja, encontra-se com paralisia muscular seja por alguma doença de base (como miastenia gravis, síndrome de Guillain-Barre, disfunção diafragmática, etc.) ou provocada por medicação (BNM), a Ptotal será gerada apenas pela Pvent (já que neste caso a Pmus =0). Já em pacientes que estão em ventilação assisto-controlada ou assistida (PSV) em que parte ou todos os ciclos são disparados pelo seu esforço muscular, naqueles ciclos assistidos a Ptotal equivale à soma da Pvent + Pmus.

Por outro lado, usando conceitos de mecânica respiratória, a Pmus, pode ser estimada usando a Equação de Movimento:

Ptotal = Pvent + Pmus = Pelástica + Presistiva + PEEPtotal.

                       PTotal = PVent + Pmus = VT/Crs   +   Raw x V + (PEEPt)

 

Onde:

Pvent: pressão exercida pelo ventilado nas vias aéreas (Pva), em cmH2O

Pmus: pressão muscular do paciente, em cmH2O

VT: Volume Tidal ou corrente, em ml.

Csr: Complacência do sistema respiratório, em mL/cmH2O

Raw: Resistência da via aérea, em cmH2O/L/seg.

V: Fluxo, em L/seg.

PEEP: Pressão positiva no final da expiração, em cmH2O incluindo PEEP intrínseca se houver.

Usando essa fórmula poderíamos ter as seguintes situações:

1. Um paciente hígido, de 70 kg em respiração espontânea (Pvent=0) com Crs normal de 100 ml/cmH2O e Raw normal de 2 cmH2O/L/s, sem PEEP intrínseca (PEEP =0), VT de 500 ml (0.5 L), uma frequência respiratória de 15 (janela de tempo = 60/15 = 4 segundos).

O cálculo do tempo inspiratório (Tins) seria estimado a parir da janela de tempo e da relação I: E selecionada, que no caso de paciente normal é de 1:2:

                                                            1X + 2X = 4 seg (janela)

                                                                 3X = 4 seg -------X = 4/3

                                   Tins = 4/3 = 1,33 segundos; Texp = 2(4/3) = 2,67 segundos


O fluxo inspiratório é igual ao VT (0,5 L) dividido pelo tempo inspiratório (1,33 segundos), ou seja 0,37 L/seg.

Pmus = 500/100 + 2 (0,37) + (0 PEEP) = 5,75 cmH2O

 

2. O mesmo paciente intubado, sob VM assistida (PSV), com a mesma Crs de 100 ml/cmH2O, mas Raw de 10 cmH2O/L/s devido à via aérea artificial (TOT), com PS de 0 cmH2O (se comportaria como um CPAP) e PEEP de zero cmH2O (ZEEP), FR de 15 respirações/min, mesmo VT de 500 ml, com a mesma relação I: E de 1: 2, o inspiratório, fluxo de 40 L/min ou 0,66 L/s (o fluxo inspiratório é influenciado pelos efeitos da resistência e Pmus, ou seja, diminui com maior resistência, mas aumenta com maior Pmus):

Pmus = 500/100 + 10 (0,66) + 0 (PEEP) = 11.66 cmH2O


Um grupo de Hawaii - USA (Natsumi T. Hamahata MD e col.) vem pesquisando sobre a existência de uma correlação entre a P0.1 (variável disponível na maioria dos respiradores) e a Pmus.

Em 2019, publicaram um bench study (estudo de bancada), usando simulador de pulmão (ASL 5000) para simular um paciente com respiração ativa com Pmus de 1 a 40 cmH2O e com incrementos de 1 cmH2O. A P 0.1 foi medida usando o ventilador Hamilton G5 no modo de suporte adaptativo (ASV). As Pmus foram correlacionadas com a P0.1 (20 respirações ativas para cada Pmus), usando análise de regressão linear. Houve excelente correlação entre P 0,1 e Pmus (R2 = 0,98) encontrando a seguinte equação: P 0,1 (8,1752) + 1.6884[8].

Em 2020, num novo estudo de bancada publicado, Hamahata N. e col., calcularam a mudança da P0.1 em 30 configurações diferentes de esforços inspiratórios simulados (Pmus). O experimento foi conduzido com um simulador de pulmão (Ingmar ASL 5000, Pensilvânia, EUA). O cenário clínico foi programado como um pulmão normal com uma configuração fixa de Crs de 60 ml/cmH2O e Raw de 10 cmH2O /L/s, de acordo com os parâmetros de estudos anteriores. Todas as respirações espontâneas tiveram padrão sinusoidal, (os parâmetros inspiratórios foram: 10% de rise, 5% de hold e 10% de release enquanto a expiração era passiva). Todos os experimentos foram conduzidos usando o modo PSV e respiradores Hamilton-G5 (Hamilton Medical AG, Suíça), Puritan Bennett 840TM (Covidien-Nellcor, CA) e Avea (CareFusion, CA). As configurações foram: PSV e PEEP de 5 cm H2O, respectivamente, com corte definido em 25%.

As medições de P0.1 foram feitas usando Pmus de 1 a 30 cmH2O em incrementos de 1 cmH2O em cada ventilador. 20 respirações ativas foram medidas para cada Pmus. A análise estatística foi feita usando o coeficiente de correlação de Pearson para testar a correlação linear da P0.1 com a Pmus com intervalo de confiança (IC) de 95%. A análise de regressão foi realizada para criar uma equação para a estimativa de Pmus a partir da P0.1. Uma p <0,05 foi considerada para significância estatística.

Houve correlações significativas entre P 0,1 e Pmus em todos os três ventiladores testados. Os dados combinados dos três ventiladores Hamilton-G5, Puritan Bennett 840TM, and Avea, revelaram que o coeficiente de correlação foi de - 0,992 (IC 95%: -0,995 para -0,988, valor de p <0,001)[9].

Usando a análise de regressão, a Equação Simplificada entre Pmus e P0.1 foi a seguinte (Fig. 1):

Pmus = -2,99 x (P0,1) + 0,53

 

Fig. 1. Gráfico de dispersão de Pmus versus P0.1 com regressão linear Y = -2,99 (X) + 0,53 (X = P0,1, Y = Pmus).


Um dos principais objetivos da ventilação mecânica, nos modos assistidos é monitorar e modular o esforço respiratório, para mantê-lo o mais próximo possível dos padrões fisiológicos. Isso certamente, tornará também a ventilação mecânica mais próxima da ventilação fisiológica. O aproveitamento do esforço respiratório já é feito nos modos mais novos de ventilação, como a Ventilação Assistência Proporcional (PAV) e a Assistência Ventilatória Neuralmente Ajustada (NAVA), onde a assistência do ventilador é proporcional ao esforço do paciente.

Guillaume e col., examinaram os efeitos da titulação da assistência do ventilador em modo PAV de ventilação para atingir Pmus máxima de 5-10 cmH2O e mostrou que é viável, simples e frequentemente suficiente para ventilar os pacientes até a extubação[10].

Apesar do estudo que ora fornece uma ferramenta para calcular a Pmus a partir da P0.1 ter sido realizado num simulador de pulmão e não em pacientes reais, essa limitação não o invalida, uma vez que o objetivo principal foi investigar uma correlação potencial entre Pmus e P0.1. 

Entretanto, certamente mais estudos são necessários para validar corretamente a correlação in vivo.



[1] Banner MJ, Jaeger MJ, Kirby RR. Components of the work of breathing and implications for monitoring ventilator-dependent patients. Crit Care Med 1994; 22(3):515–523.

[2] ASL 5000 Operating Manual SW 3.1.14 – IngMar Medical. Accessed 6/2020 at www.ingmarmed.com

[3] Colombo D, Cammarota G, Alemani M, et al. Efficacy of ventilator waveforms observation in detecting patient–ventilator asynchrony. Crit Care Med 2011; 39(11):2452–2457.

[4] Sharshar T, Desmarais G, Louis B, et al. Transdiaphragmatic pressure control of airway pressure support in healthy subjects. Am J Respir Crit Care Med 2003; 168(7):760–769.

[5] Daoud E, Katigbackk R, Ottochian M. Accuracy of the ventilator automated displayed respiratory

mechanics in passive and active breathing conditions. Bench study. Respir Care 2019; 64(12):1555-1560.

[6] Bellani G, Mauri T, Coppadoro A, et al. Estimation of patient's inspiratory effort from the electrical activity of the diaphragm. Crit Care Med 2013; 41(6):1483–1491.

[7] Bellani G, Pesenti A. Assessing effort and work of breathing. Curr Opin Crit Care 2014; 20(3):352– 358.

[8] Natsumi Hamahata MD and Ehab Daoud. Estimating actual muscle pressure from airway occlusion pressure at 100 msec. Chest Journal. Tuesday abstract posters| volume 156, issue 4, supplement , a1079, october 01, 2019. DOI:https://doi.org/10.1016/j.chest.2019.08.994

[9] Hamahata NT, Sato R, Yamasaki K, et al. Estimating actual inspiratory muscle pressure from airway occlusion pressure at 100 msec. J Mech Vent 2020; 1(1):8-13.

[10] Carteaux G, Mancebo J, Mercat A, et al. Bedside adjustment of proportional assist ventilation to target

a predefined range of respiratory effort. Crit Care Med 2013; 41(9):2125–2132.

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