sábado, 29 de dezembro de 2018

SABEMOS MEDIR A DRIVING PRESSURE?

Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.






Driving Pressure (DP) ou Pressão de Distensão Pulmonar (ou pressão motriz), dentro da estratégia de ventilação mecânica protetora, foi sugerida em 2015 por Amato e col. como a variável-chave para otimizar a ventilação mecânica protetora em pacientes com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) prevenindo a Lesão Pulmonar Induzida pela Ventilação Mecânica (Ventilation Induced Lung Injury - VILI). DP, há muito tempo já é conhecida como a relação entre volume corrente e complacência estática do sistema respiratório (DP = VC/Cst). Para fins de cálculo foi definida como a diferença entre a Pressão de Platô (Ppl) – Pressão positiva no final da expiração (PEEP). No clássico estudo do professor Amato e col., a DP demonstrou ser um forte preditor de mortalidade em pacientes com SDRA[1]. Outros estudos replicaram os resultados[2] [3]. Uma crítica feita a tais estudos tem sido seu desenho retrospectivo baseado em revisão de estudos anteriores.

Assim, a ventilação mecânica protetora hoje não como meta obrigatória uma Ppl de <30cmH20, mas uma DP de 15cmH20 ou menos. O controle da DP como fator protetor é superior ao controle da Ppl. tornando esta última até mesmo pouco relevante.

COMO MEDIR A DRIVING PRESSURE?

O cálculo da DP depende diretamente do cálculo correto da Ppl, cuja sistemática ainda não tem consenso definido. Na maioria dos estudos revisados por Amato e outros pesquisadores, a Ppl foi medida  com o paciente sendo ventilado em modo controlado,  modalidade VCV, com onda de fluxo quadrada (para estimar a Cst), e fazendo uma pausa inspiratória de 0,5seg. após o fechamento da válvula inspiratória (zerando o fluxo inspiratório), de acordo com preconizado pelo estudo ARMA[4]; e a PEEP utilizada foi aquela ajustada no ventilador (PEEP programada) em vez de usar a PEEP total (PEEPtot = PEEP programada + PEEP intrínseca). Essa forma de medição não levava em consideração a queda na pressão na via aérea que ocorre após o início da pausa inspiratória, e o valor da auto-PEEP ou PEEP intrínseca que poderia ocorrer (PEEPtot). Em 2003, Barberis, Guerin e col., publicaram um estudo recomendando o uso de uma pausa inspiratória de 3 segundos para o cálculo da Ppl, já que uma pausa de 0.5seg após o início da oclusão da válvula inspiratória levaria a dados errados de inter-relação entre a pressão da via aérea e seus componentes resistivos e elásticos, por não levar em consideração a referida queda na pressão na via aérea[5].

Com essas considerações fisiológicas, tradicionalmente o cálculo da DP vinha sendo feito com uma pausa inspiratória de 2 a 5 segundos (estimativa da Ppl) e, com uma pausa expiratória de 3 a 5 segundos para medir a PEEP total (PEEP programada + auto-PEEP se houver). As pressões calculadas são aquelas correspondentes ao ponto final do platô inspiratório e expiratório, encontradas usando o cursor do próprio ventilador[6] [7].




Da mesma forma, no Brasil, as Diretrizes Brasileiras de Ventilação Mecânica de 2013 orientavam a respeito da medida da Ppl[8]:

“Comentário: A mensuração da pressão alveolar na prática clínica pode ser obtida meio de uma pausa inspiratória de pelo menos dois segundos de duração. A pressão ao final da pausa é denominada de pressão de platô ou pressão de pausa. O fluxo inspiratório para a medição deve ser do tipo “quadrado” para cálculo da Rva, e deve ser convertido para l/s (pagina 44)”.

“Recomendação: São requisitos para mensuração acurada da pressão de pausa: ausência de esforço muscular respiratório, tempo de pausa 2 a 3 segundos e ausência de vazamentos (pagina 44)”.

“Recomendação: Buscar manter Pplatô ≤ 30 cm H2O.

Recomendação: Buscar manter o diferencial de pressão Platô - PEEP (chamado de Pressão de Distensão, Pressão motriz inspiratória ou “driving-pressure”) menor ou igual a 15 cmH2O para todas as categorias de gravidade SARA.

Sugestão: Em casos de SARA moderada e grave, quando a PEEP usada for elevada (geralmente acima de 15 cm H2O), pode-se tolerar Pplatô de no máximo 40 cm H2O, desde que necessariamente a Pressão de Distensão seja mantida ≤ 15 cm H2O (página 70)”.



Como visto acima, o cálculo da Ppl e, por conseguinte da DP, exigia a mudança da modalidade ventilatória para VCV quando o paciente estava sendo ventilado em PCV, mais ainda porque em PCV a onda de fluxo é decrescente, não permitindo sua mudança para onda de fluxo quadrada.

Entretanto, as próprias Diretrizes de VM trouxeram uma ressalva a esse respeito:

Recomendação: ....Em PCV, o valor da Pressão das vias aéreas se equipara a pressão de platô ou pressão alveolar quando o fluxo inspiratório cai a zero (página 69).

Passou-se a aceitar, portanto, que a Ppl poderia ser estimada nos pacientes ventilados em PCV bastando que o ventilador permita a realização de uma pausa inspiratória ou quando se tenha certeza que o fluxo inspiratório caiu para zero. Não se confunde com o valor da pressão de pico (Ppi) que representa a pressão máxima no final da inspiração ainda com a válvula inspiratória aberta e nem com a complacência dinâmica (Cdin) cujo valor depende da pressão de pico e é influenciada pelo fluxo inspiratório. Outros estudos têm estimado Ppl também no modo PCV [9]. Em recente estudo retrospectivo publicado na revista Chest, no qual não se encontrou associação entre DP e mortalidade em pacientes sem SDRA, a Ppi foi usada como substituta da Ppl para o cálculo da DP[10] o que certamente seria correto se houver certeza que o fluxo inspiratório caiu para zero (onda de fluxo decrescente), que se conseguirá quando o tempo inspiratório seja suficientemente longo para o fluxo inspiratório atingir zero conforme recomendam as Diretrizes brasileiras de VM (https://de-de.facebook.com/cursoventilacaomecanicaaroncalli/videos/voc%C3%AA-considera-o-delta-press%C3%B3rico-do-ventilador-em-modo-pcv-como-driving-pressur/873702796112821/)

Mais recentemente, Mezidi, Guerin e col. num estudo retrospectivo acharam valores de DP mais altos quando usada uma pausa inspiratória curta (0.5seg) e PEEP programada (como no estudo ARMA) que se usada uma pausa inspiratória maior (2seg.) e uma pausa expiratória de 3 seg. para considerar o valor de eventual PEEP intrínseca no cálculo da PEEP total[11].

Em contrapartida, Santini e col. num comentário feito ao artigo do Mezidi e Guerin, apontam que a ventilação mecânica é um processo dinâmico que geralmente não inclui pausas prolongadas. Certamente enquanto a DP, for definida como Pplat – PEEP (DP estática), quanto maior a pausa, mais confiável seria a medição. Mas se a Ppl e a DP pretendem refletir o aumento máximo na pressão alveolar durante a ventilação contínua, uma pausa prolongada provavelmente subestimaria seus valores. Os autores mencionam que, após o fechamento da válvula inspiratória e o início da pausa, a pressão das vias aéreas cai inicialmente para um valor “P1” enquanto o fluxo cai para zero. Posteriormente, ele ainda declina para a Ppl valor que corresponde ao momento final do platô (antes de abrir a válvula expiratória) principalmente por causa da redistribuição de gás e do relaxamento do estresse no tecido pulmonar. P1 (mas não Ppl) incluiria este gradiente de pressão nas últimas vias que "artificialmente" se dissipa durante pausas inspiratórias prolongadas. Esse valor de P1 hoje pode ser facilmente medido por ventiladores modernos, através de cursores que mostram os valores de pressão ao longo da curva da pausa inspiratória.





Finalmente questionaram que se a P1 deveria substituir o Pplat para calcular a DP e, dessa forma para se aproximar mais ao processo fisiológico dinâmico, pausas inspiratórias de 0.5seg poderiam ser “longas” para estimar a P1 certa. Em resposta ao questionamento, Mezidi e Guerin responderam que a queda da P1 para o Ppl resulta de dois mecanismos: (1) propriedades visco-elásticas do pulmão e tecidos de parede torácica, e (2) fenómeno pendelluft. Já que o equilíbrio inspiratório estático é alcançado no momento da pressão de platô, verifica-se que, a rigor, é apenas a DP calculada com a Ppl que realmente reflete as propriedades elásticas do pulmão. Por outro lado, como o pulmão heterogêneo da SDRA é caracterizado por desigualdades estruturais, também, a rigor, seria apenas a DP estimada pela P1 (a qual denominaram de “DP dinâmica”) que refletiria a carga elástica total e também as propriedades viscoelásticas do pulmão e tecidos da parede torácica. Entretanto, Mezidi e Guerin realizaram uma análise suplementar dos seus dados comparando a denominada DP dinâmica (usando a P1 após pausa inspiratória de 0.5 segundos) e a PEEP ajustada no ventilador, com a DP conforme a definição do professor Amato (DP estática com pausa inspiratória de 2 segundos) encontrando uma correlação bastante estreita entre os valores, concluindo não ter certeza de que de fato a DP dinâmica traga informação adicional em comparação à DP estática[12].

Mas recentemente tem se reforçado que o cálculo da DP não deve usar pausas muito longas (> 2 segundos) que superestimem a DP ou curtas demais (<0.5 segundos) que a subestimem. 




[1] Amato, Marcelo B.P. et al. Driving Pressure and Survival in the Acute Respiratory Distress Syndrome. The New England Journal of Medicine, February 19, 2015 DOI: 10.1056/NEJMsa1410639
[2] Baedorf Kassis E, Loring SH, Talmor D (2016) Mortality and pulmonar mechanics in relation to respiratory system and transpulmonary driving pressures in ARDS. Intensive Care Med 42:1206–1213. doi:10.1007/ s00134-016-4403-7
[3] Guérin C, Papazian L, Reignier J et al (2016) Effect of driving pressure on mortality in ARDS patients during lung protective mechanical ventilation in two randomized controlled trials. Crit Care 20:384. doi:10.1186/
s13054-016-1556-2
[4] The Acute Respiratory Distress Syndrome Network (2000) Ventilation with lower tidal volumes as compared with traditional tidal volumes for acute lung injury and the acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med 342:1301–1308. doi: 10.1056/nejm200005043421801
[5] Barberis L, Manno E, Guérin C (2003) Effect of end-inspiratory pause duration on plateau pressure in mechanically ventilated patients. Intensive Care Med 29:130–134. doi:10.1007/s00134-002-1568-z
[6] https://www.hamilton-medical.com/pt_BR/News/Newsletter-articles/Article~2017-05-09~Bedside-tip:-How-to-measure-driving-pressure~d86f5713-a749-49ec-988f-e3403f7ca4dc~.html
[7] Measuring plateau and the driving pressures with xlung 2.0. Acessivel em: https://www.youtube.com/watch?v=Ab-8_Dy8Muw
[8] Diretrizes Brasileiras de Ventilação Mecânica 2013. AMIB -SBPT. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/237544/mod_resource/content/1/Consenso%20VM%202013.pdf
[9] Mojoli et al.: Automatic monitoring of plateau and driving pressure during pressure and volume controlled ventilation. Intensive Care Medicine Experimental 2015 3(Suppl 1):A998.
[10] Marcello F. S. Schmidt, e col. Driving Pressure and Hospital Mortality in Patients Without ARDS. CHEST 2018; 153(1):46-54
[11] Mezidi M, Yonis H, Aublanc M et al (2016) Effect of end-inspiratory plateau pressure duration on driving pressure. Intensive Care Med 43:587–589. doi:10.1007/s00134-016-4651-6
[12] Santini Alessandro e col. Driving airway pressure: should we use a static measure to describe a dynamic
phenomenon?. Intensive Care Med. DOI 10.1007/s00134-017-4850-9

sábado, 15 de dezembro de 2018

AFINAL, INTERESSA SABER SE UM PACIENTE É “RETENTOR CRÔNICO DE C02”?

*Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
*Dr. Jorge Yoshiyuki Morita. Médico da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.





O diagnóstico de “DPOC exacerbado” é frequente nas emergências e nas unidades de terapia intensiva, muito embora o próprio diagnóstico de DPOC seja na maioria das vezes “presumido” (pelo antecedente de tabagismo, mas sem confirmação pela espirometria). São pacientes que dão entrada nas emergências com quadro de dispneia e por vezes em franca insuficiência respiratória. Muito poucas vezes o profissional que presta o primeiro atendimento se atenta a solicitar de imediato uma exame de gasometria arterial antes de instaurar as medidas de suporte oxigenatório e/ou ventilatório, não apenas para definir o tipo de insuficiência respiratória (tipo I hipoxêmica ou tipo II hipercapnica), mas para diagnosticar se o paciente encontra-se com acidose respiratória aguda, crônica ou crônica agudizada. Ainda, esse exame de gasometria seria de extrema relevância para definir se o paciente poderia se tratar de um paciente “retentor crônico de CO2”.

Mas afinal, interessa definir se esse paciente é um “retentor crônico de C02”? 

A resposta inequivocamente é SIM.

Se esse paciente for um “retentor crônico de CO2” e for, como costumeiramente se faz, submetido a oxigenoterapia com alto fluxo de 02 ou a intubação endotraqueal com ventilação mecânica e elevados níveis de Fi02, poderíamos estar fazendo iatrogênia (hiperóxia deletéria) e esse paciente poderá piorar seu quadro clínico decorrente de um agravamento da hipercapnia de base que provavelmente já possui, levando a uma acidose respiratória por vezes fatal.

Ainda, recentemente o Conselho Federal de Medicina (CFM) exarou parecer que orienta excluir pacientes retentores crônicos de C02 dos protocolos de morte encefálica (ME)[1]. No mesmo sentido recente Parecer-Consulta nº 15/2018 do Conselho Regional do Espírito Santo (CRM-ES)[2].Portanto, para evitar perder desnecessariamente doadores importante se faz definir se um paciente potencial doador é ou não um retentor crônico de CO2.

Entretanto, essa condição de “retenção crônica de CO2” não se limita ao paciente portador de DPOC, mas poderia estar presente em outras doenças tais como hipoventilação associada a obesidade (síndrome de pickwick), doenças infecciosas (pneumonia) ou estruturais (fibrose pulmonar) ou doenças neuromusculares crônicas que provoquem hipoventilação.

COMO FAZER O DIAGNÓSTICO DE “RETENTOR CRÔNICO”?

1. DOENÇA DE BASE. Invariavelmente o paciente deverá ser portador de doença capaz de provocar retenção crônica de CO2 pelo seu estágio avançado ou grau de severidade: DPOC, pickwick, fibrose pulmonar etc.

2. CRITÉRIO GASOMÉTRICO (ARTERIAL). Esse paciente terá hipoxemia e hipercapnia na sua admissão (Pa02 < 60mmHg e PaCO2 >45mmHg). Daí a importância de coletar imediatamente sangue e solicitar uma gasometria arterial de urgência cujo resultado possa ser disponibilizado no mais breve prazo. Paciente trazido por sistema de remoção pré-hospitalar já com oxigenioterapia sem coleta previa de gasometria arterial poderá ter viés de interpretação, toda vez que a hipoxemia poderá ter melhorado e a hipercapnia piorado quando da entrada na emergência hospitalar.

Sabe-se que aproximadamente 60% dos portadores de DPOC, quando recebem oxigênio, apresentam pouca ou nenhuma alteração relacionada à elevação da PaCO2, diminuição do pH ou deterioração da consciência e do reflexo da tosse. Ele se apresenta hígido. O oxigênio pode ser ofertado tranquilamente. Em aproximadamente 30% dos pacientes ocorre elevação de 20 mmHg nos níveis da PaCO2 e se estabiliza, o pH se mantém em níveis satisfatórios (7,25-7,30), e o paciente permanece colaborativo e lúcido. O oxigênio pode ser mantido em conjunto com as outras medidas e em fluxo baixo. Finalmente, em torno de 10% dos casos apresentam, após administração de O2, elevação rápida nos níveis da PaCO2 - 30 mmHg ou mais em 1-2 horas, o pH cai a valor inferior a 7,25, e a consciência também se deteriora rapidamente, podendo chegar ao torpor e coma. A acidose respiratória que esses pacientes desenvolvem pode manifestar-se por sinais clínicos clássicos de hipertensão intracraniana (cefaleia, vômitos com veias ingurgitadas e edema de papila), conhecida como encefalopatia respiratória ou hipercápnica[3]. Este quadro de depressão respiratória com sintomas neurológicos é conhecido como carbonarcose.


O Tratado de Fisiologia de Guyton[4] nos ensina que o centro respiratório do tronco cerebral é formado por vários grupos de neurónios localizados, bilateralmente, no bulbo raquidiano e na ponte.


                                Fonte: Tratado de Guyton

O controle químico da respiração visa manter concentrações adequadas de oxigênio (O2), dióxido de carbono (CO2) e íons hidrogênio (H+) no sangue e nos tecidos.

O aumento da PaCO2 ou dos H+ estimula principalmente o centro respiratório do tronco cerebral (quimiorreceptores centrais), determinando aumento acentuado da força dos sinais inspiratórios e expiratórios para os músculos da respiração. Por outro lado, a PaO2 não parece exercer efeito direto significativo sobre o centro respiratório do encéfalo para controlar a respiração. Com efeito, a PaO2 atua quase inteiramente sobre quimiorreceptores periféricos localizados nos corpúsculos carotídeos e aórticos; os quais, uma vez estimulados, transmitem sinais nervosos apropriados para o centro respiratório, a fim de controlar a respiração.
Como visto acima existem três áreas distintas do centro respiratório: o grupo respiratório dorsal de neurônios, o grupo respiratório ventral e o centro pneumotáxico. Todavia, acredita-se que nenhuma dessas áreas seja afetada diretamente por variações das concentrações sanguíneas de CO2 ou de H+. Com efeito, existe uma zona quimiosensível muito excitável, de localização bilateral, a menos de 1 mm abaixo da superfície ventral do bulbo. Essa área que é muito sensível a mudanças da PaCO2 ou da concentração de H+; que por sua vez, excitam o centro respiratório. Para tanto, o C02 e/ou o H+ teriam que atravessar a membrana celular desses neurônios quimiosensíveis para exercer seu efeito estimulante a nível intracelular.



                                           Fonte: Tratado de Guyton

Os neurônios sensores da zona quimiosensível são principalmente excitados pelos íons H+. Com efeito, acredita-se que o íon hidrogênio talvez seja o único estímulo direto importante para esses neurônios. Infelizmente, os íons H+ não atravessam facilmente a barreira hemantoencefálica (BHE), a barreira hematoliquórica (BHL) e as membranas celulares dos neurônios quimiosensíveis, enquanto o CO2 as atravessa facilmente.  Apesar da PaCO2 ter efeito direto muito pequeno sobre a estimulação dos neurônios na zona quimiosensível, ela tem um efeito indireto muito poderoso. Com efeito, o CO2 dentro dos neurônios, reage com a água, formando ácido carbônico (H2CO3). Este, por sua vez, dissocia-se em H+ e HCO3. A seguir, os íons H+ exercem poderoso efeito estimulador direto.

Por conseguinte, sempre que houver elevação da PaCO2 do sangue, também haverá aumento da PaCO2 do líquido intersticial do bulbo, do líquido cefalorraquidiano e do liquido intracelular. Nesses líquidos, o CO2 reage imediatamente com a água para formar íons hidrogênio. Assim, paradoxalmente, ocorre liberação de maior número de íons hidrogênio na área quimiosensível respiratória quando a fonte é a concentração sanguínea de CO2 elevada do que quando a concentração sanguínea de H+ aumenta (estes não atravessam facilmente a BHE). Por essa razão, as alterações na concentração sanguínea de íons H+ (estados de acidemia) exercem, na verdade, efeito consideravelmente menor sobre a estimulação dos neurônios quimiosensíveis do que as alterações da concentração de CO2. Por esta razão, pode se concluir que o principal determinante da respiração seja a PaCO2.

A alteração da PaCO2 no líquido cefalorraquidiano que banha a superfície da área quimiosensível do tronco cerebral excita a respiração da mesma maneira que o aumento da PaCO2 nos líquidos intersticiais também excita a respiração. Todavia, a excitação ocorre mais rapidamente no primeiro caso. Acredita-se que isso se deva ao fato de o líquido cefalorraquidiano ter quantidade muito pequena de tampões proteicos acidobásicos. Por conseguinte, a concentração de H+ aumenta quase de modo instantâneo quando o CO2 proveniente dos vasos sanguíneos da aracnoide penetra no líquido cefalorraquidiano. Por outro lado, os tecidos cerebrais possuem grandes quantidades de tampões de proteína, de modo que a alteração da concentração de H+ em resposta ao CO2 é acentuadamente retardada. Como consequência, a rápida excitação inicial do sistema respiratório pelo CO2 que penetra no líquido cefalorraquidiano ocorre dentro de segundos, em comparação com a duração de 1 minuto ou mais para a estimulação que ocorre pelo liquido intersticial cerebral. Entretanto, estímulo primário para a excitação dos neurônios da área quimiossensível é a concentração dos íons hidrogênio no interior do corpo celular desses neurônios o que se consegue em maior grau quando o CO2 ingressa dentro dessas células nervosas. Existe uma alteração muito grande da ventilação alveolar na faixa da PaCO2 sanguínea entre 35 e 75 mm Hg. Por outro lado, a mudança da respiração na faixa de pH entre 7,3 e 7,5 é mais de 10 vezes menos pronunciada. A provável razão dessa enorme diferença reside justamente na reduzida permeabilidade da barreira hematoencefálica aos íons hidrogênio sanguíneos em comparação com sua extrema permeabilidade ao dióxido de carbono.

A excitação do centro respiratório pelo CO2 é muito acentuada nas primeiras horas, porém declina gradualmente nos próximos 1 a 2 dias, até atingir apenas cerca de um quinto do efeito inicial. Parte desse declínio resulta da compensação renal após o aumento da concentração de H+ gerada pelo CO2. Os rins executam essa função ao elevar a concentração sanguínea de bicarbonato. A difusão do HCO3 é lenta (horas e dias) através das barreiras hematoencefálica, hematoliquórica e das membranas celulares, reduzindo a concentração de íons hidrogênio em torno e dentro dos neurônios respiratórios. O bicarbonato liga-se aos íons hidrogênio reduzindo sua concentração e, portanto, seu efeito estimulador. Embora o liquido intracelular disponha de mecanismos tampão para neutralizar os H+ intracelulares, a difusão lenta do HCO3 reabsorvido para o espaço intraneuronal ao longo de horas e dias, participa do mecanismo de compensação e queda progressivo do estimulo respiratório desempenhado pelo CO2. Por conseguinte, as mudanças na concentração sanguínea de CO2 exercem poderoso efeito agudo sobre o controle da respiração, mas apenas efeito crônico fraco depois de alguns dias de adaptação, em que o bicarbonato começa a neutralizar esse efeito inicial.

Conforme o tratado de Gayton, com aumento agudo (sem compensação pelo bicarbonato) dos valores de PaCO2 de 60 a 75mmHg o paciente apresentará “fome de ar” (taquipneia por estimulação do centro respiratório). Caso a PaCO2 aumente de 80 a 100mmHg, a pessoa ficará letárgica, e algumas vezes mesmo semicomatosa. Anestesia e morte pode resultar quando a PaCO2 aumente para 120 a 150mmHg. Com esses altos níveis de PaCO2, o excesso de CO2 gerando acidose respiratória começa a deprimir o centro respiratório (carbonarcose) levando a um circulo vicioso de depressão respiratória, hipoventilação, piora da hipercapnia/acidose respiratória/morte respiratória.

A hipercapnia produz aumento acentuado no fluxo sanguíneo cerebral, que parece depender da formação de óxido nítrico (NO) em várias espécies. No entanto, o mecanismo preciso que explica essa dependência não está claro. Uma possibilidade é que o NO seja o mediador do relaxamento do músculo vascular durante a hipercapnia. Essa possibilidade é apoiada pela observação de que a acidose (que ocorre durante a hipercapnia) aumenta a atividade da NO sintase cerebral e aumenta o GMP cíclico no cérebro. Uma segunda possibilidade é que níveis basais normais de NO (ou GMP cíclico) sejam necessários para a vasodilatação durante a hipercapnia. Embora a vasodilatação durante a hipercapnia seja pelo menos parcialmente dependente da produção de NO, a fonte celular de NO não é conhecida[5].

A hipercapnia atua como vasodilatador direto na circulação sistêmica e cerebral e como vasoconstritor direto na circulação pulmonar. É também um depressor cardíaco direto. O fluxo sanguíneo cerebral aumenta em proporção ao CO2 arterial. Hipercapnia estimula a secreção de catecolaminas pelas suprarrenais. Aumento nas catecolaminas é responsável pela maioria dos sinais e sintomas clínicos da hipercapnia. A hipercapnia provoca um aumento da frequência cardíaca, da contratilidade miocárdica e da frequência respiratória, juntamente com uma diminuição da resistência vascular sistêmica. Pressão arterial sistólica mais elevada, pressão de pulso mais ampla, taquicardia, maior débito cardíaco, maiores pressões pulmonares e taquipneia são achados clínicos comuns. Nos pacientes acordados, os sintomas incluem dor de cabeça, ansiedade / inquietação e até alucinações. A hipercapnia extrema produz hipoxemia, uma vez que o CO2 desloca o O2 nos alvéolos[6].

A hipercapnia ocorre na insuficiência respiratória, quer secundária a doença pulmonar (por exemplo, doença pulmonar obstrutiva crónica), quer a problemas mecânicos, tais como doença neurológica (por exemplo, miastenia grave). Clinicamente, a hipercapnia apresenta cefaléia, papiledema, lentificação mental, sonolência, confusão, coma e asterixis. O mecanismo não é claro, mas acredita-se que seja devido a um efeito direto do dióxido de carbono, possivelmente na concentração do íon hidrogênio (pH) do líquido cefalorraquidiano (LCR). A hipercapnia pode ser confirmada pela medição da PCO2 em uma amostra de sangue arterial. Coma pode ocorrer com PCO2> 9 kPa (>67mmHg). O tratamento é da causa subjacente e, uma vez corrigido, não há dano cerebral prolongado[7].

A hipercapnia aguda é frequentemente associada a ansiedade acentuada, falta de ar grave, desorientação, confusão, incoerência e combatividade. Um efeito semelhante ao narcótico não é incomum em pacientes com hipercapnia crônica, e pode-se observar sonolência, diminuição do estado de alerta, desatenção, esquecimento, perda de memória, irritabilidade, confusão e sonolência. Distúrbios motores, incluindo tremores, contrações mioclônicas e asterixis, são freqüentemente observados com hipercapnia aguda e crônica. Mioclonias sustentadas e atividade convulsiva também podem se desenvolver. Sinais e sintomas de aumento da pressão intracraniana (pseudotumor cerebral) são ocasionalmente evidentes em pacientes com hipercapnia aguda ou crônica, e parecem estar relacionados aos efeitos vasodilatadores do CO2 nos vasos sanguíneos cerebrais. Dor de cabeça é uma queixa frequente. Apagamento dos discos ópticos e papiledema pode ser encontrado quando a hipercapnia é grave. O coma hipercápnico ocorre caracteristicamente em pacientes com exacerbações agudas de insuficiência respiratória crônica que são tratados de forma prejudicial com O2 de alto fluxo[8].

Os efeitos do C02 no centro respiratório também dependem da gravidade da hipercapnia. Em níveis baixos, o C02 atua como um estimulante do centro respiratório. Em níveis baixos a moderados de hipercapnia, a circulação é hiperdinâmica devido à estimulação do sistema adrenérgico simpático como parte de uma resposta de estresse generalizada. Um aumento na frequência cardíaca, contratilidade e volume de ejeção resulta em hipertensão. À medida que a PaCO2 aumenta e o pH diminui, os efeitos diretos da acidose tendem a predominar, o que resulta em um efeito depressivo no músculo liso vascular e na contratilidade cardíaca. Hipertensão pode então ser seguida por hipotensão e colapso circulatório. Várias arritmias cardíacas também foram relatadas; as arritmias são modificadas pelo uso de vários anestésicos. Alterações do ST, ritmos juncionais, e contrações atriais e taquicardia ventricular relatadas, mas são incomuns com um PCO2 < 80mmHg[9]. Hipercapnia severa (PaCO2 = 80-95 mmHg) resulta em uma depressão de longa duração da atividade do nervo frênico e do nervo hipoglosso, que persiste por pelo menos 1 h após o episódio hipercápnico. A hipercapnia ativa os neurônios noradrenérgicos do tronco encefálico e a noradrenalina liberada desses neurônios pode inibir o drive respiratório pela ativação dos receptores α2-adrenérgicos. A liberação de norepinefrina induzida por hipercapnia substitui a facilitação a longo prazo, agindo nos receptores α2-adrenérgicos, causando depressão em longo prazo[10].

A hipercapnia aguda leve aumenta a frequência respiratória como um mecanismo homeostático compensador contra a acidose respiratória tentando eliminar o CO2. De modo geral, a resposta do drive respiratório a uma acidose respiratória é maior que a resposta a uma acidose metabólica com o mesmo pH. Isso ocorre porque o centro de controle respiratório está localizado dentro da barreira hematoencefálica. O CO2 é capaz de penetrar facilmente nessa barreira, enquanto os íons de hidrogênio não podem. Entretanto, se a hipercapnia e a acidose respiratória persistir em níveis graves, tende a deprimir e finalmente abolir a atividade dos centros de controle respiratório. Esta depressão respiratória pode provavelmente ser atribuída à acidose intracelular neuronal que se desenvolve em hipercapnia severa. O livro de Nunn (Nunn's Applied Respiratory Physiology) refere um famoso artigo de 1960 de RA Millar,  titulado "Plasma adrenaline and noradrenaline during diffusion respiration" que relata uma série de experimentos que foram realizados em cães anestesiados com tiopental e suxametônio. Os cães foram ventilados por "difusão", ou seja, contando com a transferência de massa de O2 sendo arrastado através de uma via aérea permeável. À medida que a apeia prosseguia, o CO2 arterial subia cada vez mais. Os pesquisadores coletaram amostras e mediram as concentrações de PaCO2, noradrenalina e adrenalina.



Fonte:Pharmacology of carbon dioxide. https://derangedphysiology.com/main/cicm-primary-exam/required-reading/respiratory-system/Chapter%203.1.1/pharmacology-carbon-dioxide

Assim, o ambiente acidótico da hipercapnia extrema tende a produzir uma enorme tempestade de catecolaminas. Como se pode ver claramente, em estágios iniciais da hipercapnia (na faixa "usual", do normal até aproximadamente 100 mmHg) são caracterizados por uma queda da pressão diastólica e um aumento moderado da pressão sistólica. Então, à medida que a PaCO2 sobe, a pressão sanguínea aumenta, até um patamar de 200 mmHg de PaCO2. Após este patamar, a acidose (e provavelmente os efeitos do receptor β-2 da adrenalina) provocam em uma queda da pressão arterial. O excesso de catecolaminas parece vir das glândulas suprarrenais, talvez sem qualquer influência do sistema nervoso simpático. Ratos com medula adrenal desnervada tiveram uma resposta normal às catecolaminas frente a hipercapnia (mas não a hipóxia, que parece ser mediada por arcos reflexos simpáticos entre os corpos carotídeos e as glândulas suprarrenais). Em resumo, a medula suprarrenal continuará bombeando catecolaminas em resposta a um aumento de CO2, independentemente do que mais esteja acontecendo no sistema nervoso autônomo. Outros estudos em animais têm sido relatados para estudar a tolerância destes a níveis de hipercapnia extrema. Os limites superiores da hipercapnia em sobrevivente humano são relatados em um artigo frequentemente citado que detalha a sobrevivência de um paciente após uma aspiração maciça de grãos (era trigo). O paciente era um menino de 16 anos e 65kg que caiu (e foi imediatamente engolido) em um vagão que estava cheio de grãos de trigo. Levaram cinco minutos para tirá-lo. Este paciente sobreviveu a uma chocante PaCO2 de 501mmHg, o maior já relatado em um paciente sobrevivente. Os limites superiores da PaCO2, que ainda são consistentes com a cognição normal, foram explorados de forma não-intencional por um paciente com DPOC que surpreendeu médicos próximos ao permanecer "acordado e alerta" com uma PaCO2 de 160 mmHg. Este caso demonstra que potencialmente algum tipo de condicionamento ocorre na hipercapnia crônica, que pode protegê-lo da narcose por CO 2. Esse condicionamento pode estar relacionado à concentração de bicarbonato (reabsorvido pelo rim) no líquido cefalorraquidiano. O principal mecanismo de narcose por CO2 parece estar intimamente relacionado com o desenvolvimento de acidose intracelular neuronal. Na verdade, os relatórios de livros didáticos de Nunn (com base nos estudos em animais) apontam que o grau de narcose se correlaciona mais estreitamente com pH cerebral do que com PCO2 arterial. Além dos efeitos anestésicos “diretos” mencionados acima (acidose intracelular neuronal), a hipercapnia "extrema" também pode causar inconsciência ao prejudicar a autorregulação cerebral, permitindo o fluxo excessivo de sangue no cérebro e, assim, gerando edema e aumento na pressão intracraniana. Parece que o CO2 influência o diâmetro dos vasos cerebrais pelos seguintes mecanismos: alteração do pH periarteriolar leva a uma mudança na atividade do óxido nítrico sintase. A síntese do óxido nítrico catalisa a produção intracelular do GMPc. O GMPc atua como um segundo mensageiro que modula disponibilidade de cálcio ionizado intracelular. Aparentemente, existe um aumento no fluxo sanguíneo 1-2 mL para cada mudança 1mmHg em pCO 2 (isto é o fluxo sanguíneo em termos de ml por 100 g de tecido cerebral, por minuto). Este número parece ter sido emprestado de um artigo de 1970, co-escrito pelos famosos Plum e Posner  (autores do famoso livro "stupour and coma")[11].

Além do controle direto da atividade respiratória exercido pelo C02 no centro respiratório, existe outro mecanismo acessório para controlar a respiração. Trata-se do sistema quimiorreceptor periférico, sensível principalmente à PaO2. Receptores químicos especiais, denominados quimiorreceptores, localizam-se em diversas áreas fora do cérebro e são especialmente importantes para detectar mudanças nas concentrações de oxigênio no sangue, embora também respondam a alterações nas concentrações de dióxido de carbono e de íons hidrogênio. Por sua vez, os quimiorreceptores transmitem sinais nervosos para o centro respiratório, para ajudar a regular a atividade respiratória.

O maior número de quimiorreceptores é encontrado nos corpos carotídeos. Todavia, um número considerável também é encontrado nos corpos aórticos e alguns localizam-se em outras áreas, em associação com outras artérias das regiões torácica e abdominal. Os corpos carotídeos localizam-se bilateralmente nas bifurcações das artérias carótidas comuns, e suas fibras nervosas aferentes passam pelos nervos de Hering até os nervos glossofaríngeos e, daí, para a área respiratória dorsal do bulbo. Os corpos aórticos localizam- se ao longo do arco da aorta; suas fibras nervosas aferentes passam pelos vagos para a área respiratória dorsal. Cada um desses corpos quimiorreceptores recebe suprimento sanguíneo especial por meio de artéria muito pequena, diretamente do tronco arterial adjacente. Além disso, o fluxo sanguíneo por esses corpos é muito alto, correspondendo a 20 vezes o peso dos próprios corpos a cada minuto.

Por conseguinte, a percentagem de remoção do oxigênio é praticamente nula. Isso significa que os quimiorreceptores estão sempre expostos a sangue arterial, e não a sangue venoso, de modo que sua PO2 corresponde à PO2 arterial.

As variações da concentração arterial de oxigênio não exercem efeito estimulante direto sobre o centro respiratório; todavia, quando a concentração de oxigênio no sangue arterial cai abaixo do normal, os quimiorreceptores são fortemente estimulados. Convém observar que esse estímulo é particularmente sensível a alterações da PO2 arterial na faixa situada entre 60 e 30 mm Hg, que é a faixa em que a saturação da hemoglobina arterial com oxigênio diminui rapidamente. Os quimiorreceptores periféricos são relativamente insensíveis a mudanças da Pa02. Eles respondem quando o Pa02 diminui abaixo de 60 mmHg. Desta forma, se o Pa02 está entre 100 mmHg e 60 mmHg, a frequência respiratória é praticamente constante. No entanto, se a Pa02 é inferior a 60 mmHg, a frequência respiratória aumenta de forma acentuada e linear[12].

Por outro lado, o aumento da concentração de dióxido de carbono ou da concentração de íons hidrogênio também excita os quimiorreceptores e, dessa maneira, aumenta indiretamente a atividade respiratória. Todavia, os efeitos diretos desses fatores sobre o centro respiratório são muito mais potentes que seus efeitos mediados pelos quimiorreceptores (cerca de sete vezes mais), de modo que, para finalidades práticas, não é necessário considerar os efeitos indiretos por meio dos quimiorreceptores. Contudo, existe uma diferença entre os efeitos periféricos e centrais do CO2: a estimulação periférica dos quimiorreceptores ocorre cinco vezes mais rapidamente que a estimulação central, de modo que os quimiorreceptores periféricos podem aumentar a velocidade da resposta ao dióxido de carbono no início do exercício.

Ainda se desconhece o modo exato pelo qual a baixa PaO2, excita as terminações nervosas nos corpos carotídeos e aórticos. Todavia, esses corpos possuem dois tipos de células glandulares diferentes e muito características. Por esta razão, alguns pesquisadores sugeriram que essas células poderiam funcionar como quimiorreceptores e, a seguir, estimular, por sua vez, as terminações nervosas. Todavia, outros estudos sugerem que as próprias terminações nervosas são diretamente sensíveis à baixa PaO2.

Quando a pessoa respira ar contendo muito pouco oxigênio, essa situação obviamente irá diminuir a PaO2 do sangue e excitar os quimiorreceptores carotídeos e aórticos, aumentando, assim, a respiração. Entretanto, o efeito costuma ser bem menor que o esperado, visto que a respiração aumentada (hiperventilação) irá remover dióxido de carbono dos pulmões, diminuindo a PaCO2 e a concentração de íons hidrogênio no liquido cefalorraquidiano. Essas duas alterações deprimem acentuadamente o centro respiratório, de modo que o efeito final dos quimiorreceptores no sentido de aumentar a respiração em resposta à PaO2 diminuída será em grande parte, suprimido.

Contudo, o efeito da baixa PO2 arterial sobre a ventilação alveolar é bem maior em algumas outras condições, como: (1) PO2 arterial baixa quando as concentrações de dióxido de carbono do sangue arterial e de íons hidrogênio permanecem normais, a despeito da respiração aumentada, e (2) respiração de oxigênio em baixas concentrações durante muitos dias.

O impulso ventilatório devido ao dióxido de carbono e aos íons hidrogênio não se modifica, havendo apenas o impulso ventilatório decorrente do efeito das baixas concentrações de oxigênio sobre os quimiorreceptores. Não há efeito sobre a ventilação enquanto a PO2 arterial permanece acima de 100 mm Hg. Todavia, em pressões abaixo de 100 mm Hg, a ventilação quase duplica especialmente quando a PO2 arterial cai para 60 mm Hg e aumenta por quase seis vezes quando cai para 20 mm Hg. Por conseguinte, nessas condições, a PO2 arterial diminuída pode estimular fortemente o processo ventilatório.

Na pneumonia, no enfisema ou em qualquer outra doença pulmonar que impeça a ocorrência de trocas gasosas adequadas através da membrana pulmonar, a absorção de oxigênio pelo sangue arterial será muito pequena, e, ao mesmo tempo, a PaCO2 e a concentração de íons H+ no sangue arterial geralmente permanecem quase normais ou, às vezes, chegam a aumentar devido ao transporte deficiente de CO2 através da membrana. Nessas situações, o impulso ventilatório estimulado pela baixa PaO2 não é bloqueado por alterações da PaCO2 e da concentração de íons hidrogênio do sangue. Por conseguinte, a baixa concentração de oxigênio é muito importante para ajudar a aumentar a respiração.

Com efeito, se a pessoa receber alta concentração de oxigênio, ela perderá o impulso estimulador desencadeado pela PO2 arterial baixa, e sua ventilação pulmonar quase sempre irá diminuir o suficiente para causar morte, devido à excessiva elevação da PaCO2 e da concentração de íons hidrogênio.

Entretanto, a administração excessiva de oxigênio pode levar à insuficiência respiratória hipercápnica em alguns pacientes com DPOC. Pacientes com DPOC e hipoxemia mais grave apresentam maior risco de retenção de CO2 pela administração descontrolada de O2. O mesmo fenômeno também foi descrito na asma grave, pneumonia adquirida na comunidade e síndrome da hipoventilação da obesidade, e qualquer paciente com insuficiência respiratória crônica pode estar em risco. A teoria tradicional é que a administração de oxigênio aos retentores de CO2 causa dessestimulação dos quimiorreceptores periféricos e consequentemente perda do drive hipóxico, resultando em hipoventilação e insuficiência respiratória tipo 2, não explica completamente o quadro de carbonarcose. Os pacientes que sofrem de exacerbações da DPOC, independentemente de terem retenção de CO2, geralmente apresentam um impulso respiratório supra-normal (a menos que haja coma hipercápnico iminente) em razão de uma maior incompatibilidade de V/Q (mais importante) e pelo efeito Haldane. Na DPOC, os pacientes otimizam suas trocas gasosas pela “vasoconstrição hipóxica”. A hipóxia provoca vasoconstrição das áreas lesadas (isquêmicas) e vasodilatação e aumento de fluxo compensatório nos alvéolos melhor ventilados. A administração excessiva de oxigênio (hiperoxia) provoca vasoconstrição das áreas melhor ventiladas e vasodilatação com aumento do fluxo sanguíneo para alvéolos mal ventilados e, assim, aumentando o desajuste entre V/Q e o aumento do espaço morto fisiológico, piorando a hipercapnia. A hemoglobina desoxigenada (Hb) liga-se ao CO2 com maior afinidade que a hemoglobina oxigenada (HbO2). Entretanto nas áreas de hiperoxia, o oxigênio induz um deslocamento para a direita da curva de dissociação de CO2, que é chamada de efeito Haldane. Em pacientes com DPOC grave que não conseguem aumentar a ventilação por minuto, o efeito de Haldane é responsável por cerca de 25% do aumento total de PaCO2 devido à administração de O2[13].

Esta é a base das alterações ocorridas no RETENTOR CRÔNICO DE CO2. Estes pacientes, que apresentam hipercapnia (aumento da PCO2) por períodos prolongados, conseguem “se adaptar” a tais níveis elevados de CO2, em razão do “tamponamento” que o bicarbonato reabsorvido pelos rins, exerce sobre os H+ do liquido cefalorraquidiano que banha a área quimiosensivel. Assim, sendo os H+ “neutralizados”, seu efeito sobre o centro respiratório tornara-se reduzido. Daí que, fala-se que em tais pacientes o “centro respiratório fica insensível ao aumento da PaCO2” passando a depender fortemente do estímulo dos quimiorreceptores periféricos estimulados pela baixa PaO2.

Também é a base da distinção entre insuficiência respiratória aguda e crônica. A primeira se instala em minutos ou horas e se caracteriza por instabilidade, isto é, a troca gasosa piora à medida que o quadro evolui. Já a segunda, se instala ao longo de dias, semanas ou meses e se estabiliza através de mecanismos fisiológicos compensatórios. Tal distinção é particularmente importante na avaliação de pacientes com pneumopatias prévias, tais como a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), doenças neuro-musculares de longa evolução ou deformidades da caixa torácica como cifoescoliose. Nestes casos, o impacto da retenção de CO2 por disfunção ventilatória sobre o pH sanguíneo é “compensado” pela retenção de bicarbonato pelos rins. Alguns pacientes podem desenvolver uma insuficiência respiratória aguda superimposta à insuficiência respiratória crônica (insuficiência respiratória crônica agudizada). Na vigência de hipercapnia, a presença de níveis elevados de bicarbonato com pH normal ou em valores acima daqueles esperados para o grau de retenção de CO2 indica que o quadro de insuficiência respiratória tem duração de pelo menos alguns dias ou mais[14].
Quando a hipercapnia se desenvolve de forma lentamente progressiva, há tempo suficiente para os rins reterem bicarbonato (HCO3), uma resposta compensatória bastante eficaz para manter o pH sanguíneo e liquórico próximos à normalidade, como acontece nos retentores crónicos de CO2.

Portanto, no paciente que deu entrada na emergência poderemos ter as seguintes possibilidades diagnósticas:

Possibilidade 1: pH = 7,32 PaCO2 = 80mmHg HCO3 = 40mEq/L BE = + 10mEq/L.
Esta gasometria é característica de um paciente com DPOC compensado, revelando uma acidose respiratória crónica (PaCO2 bem aumentado, bicarbonato bem aumentado e um pH discretamente reduzido). Por definição, neste distúrbio acidobásico, teremos um base excess (BE) elevado, representando uma retenção de bases pelo organismo (bicarbonato etc). O paciente tolera bem a hipercapnia (80mmHg) e a acidose leve. Agora compare a gasometria acima com esta outra gasometria arterial:

Possibilidade 2: pH = 7,15 PaCO2 = 80mmHg HCO3 = 27mEq/L BE = + l,5mEq/L
Para o mesmo nível de hipercapnia (80mmHg), o pH sanguíneo encontra-se muito mais baixo e o base excess está normal (entre -3,0 e +3,0mEq/L). Ela reflete uma acidose respiratória aguda, que pode ter ocorrido em algumas horas ou poucos dias. O paciente não tolera este distúrbio, evoluindo rapidamente com a síndrome da carbonarcose, caraterizada por uma acidose liquórica grave, depressão da consciência, edema cerebral (hipertensão intracraniana), instabilidade hemodinâmica e, caso não seja revertida de imediato, óbito em parada cardiorrespiratória. Para finalizar, analise esta última gasometria:

Possibilidade 3: pH = 7,15 PaCO, = 120mmHg HCO3 = 42mEq/L BE = + 10mEq/L
Esta é a gasometria do paciente 1 que acabou de descompensar a função ventilatória. Trata-se de uma acidose respiratória crónica agudizada. A PaCO2 aumentou rapidamente de 80mmHg para 120mmHg, sem tempo hábil para os rins reterem mais base (o bicarbonato continuou próximo a 40mEq/L). Por isso, o pH sanguíneo despencou.

Como saber, olhando para esta gasometria, que é uma acidose crónica descompensada, e não uma acidose aguda?

E só analisar o base excess: se estiver elevado, é porque já havia retenção prévia de bases (acidose crónica agudizada)[15].

3. DEPENDÊNCIA DE ESTIMULO RESPIRATÓRIO HIPOXÊMICO. Alguns pacientes darão entrada sabidamente dependentes de oxigênio domiciliar em baixo fluxo (2-3L/min), com dispensa basal referida por ele ou familiares ou com antecedente de narcose por suplemento de oxigênio em alto fluxo. Entretanto, boa parte dos pacientes não terão esse dado prévio. Um critério a ser usado para suspeitar estimulo respiratório dependente de quimiorreceptores periféricos (carotídeos e/ou aórticos) seria hipoxemia basal (Pa02) <60mmHg. Em tais circunstâncias deverá o paciente ser assumido como “retentor crônico” e fornecer suplemento de oxigênio em baixo fluxo. Caso a hipoxemia não seja grave, o fornecimento de fluxos maiores de 02 deverão ser rigorosamente monitorizados, tanto pela gasometria arterial para acompanhar a hipercapnia, quanto pelo quadro clínico evolutivo que levanta a suspeita de quadro de carbonarcose.

4. REVERSIBILIDADE/CRONICIDADE. O paciente poderá estar num estágio de doença irreversível que provoque uma hipercapnia crônica com acidose respiratória crônica ou crônica agudizada. Neste caso o diagnóstico de retentor crônico será definitivo e permanente. Outras vezes o quadro poderá ser potencialmente reversível (hipercapnia permissiva na SARA, pneumonia, etc) mas a situação do momento do paciente será de retentor crônico, mesmo que transitória.

CONCLUSÃO

De acordo com a revisão da literatura observa-se que existe pouca evidência ou critérios claros para definir um paciente retentor crônico, sendo hoje um diagnóstico que se sustenta mais pelo fisiologismo e pelo quadro clínico-laboratorial de alta suspeita.

Propõe-se a adoção de 4 critérios para realização de retentor crônico, conforme acima descrito:

1. DOENÇA DE BASE.

2. CRITÉRIO GASOMÉTRICO (ARTERIAL).

3. DEPENDÊNCIA DE ESTIMULO RESPIRATÓRIO HIPOXÊMICO

4. REVERSIBILIDADE/CRONICIDADE.

Aguarda-se mais estudos a respeito para poder definir com maior precisão o termo, o que permitirá sua inclusão dentro de diretrizes de diagnóstico e manejo.

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[1] Parecer CFM nº 25/2018 (Processo-consulta CFM nº 25/2017, exarado em 20 de julho de 2018)
[2] Parecer-Consulta CRM-ES nº 15/2018 (Processo consulta CRM-ES N° 001/2018)  exarado em 31/07/2018. Acessível em:(https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/pareceres/ES/2018/15_2018.pdf
[3] Parecer-Consulta CRM-ES nº 15/2018 (Processo consulta CRM-ES N° 001/2018)  exarado em 31/07/2018. Acessível em:(https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/pareceres/ES/2018/15_2018.pdf
[4] Tratado de Fisiologia Médica. Arthur C. Guyton, M.D. 9ª. Edição
[5] Frank M. Faraci. Nitric Oxide Synthase: Characterization and Functional Analysis. In Methods in Neurosciences, 1996. https://www.sciencedirect.com/topics/medicine-and-dentistry/hypercapnia.
[6] Matthew D. Coleman MD. Respiratory and Pulmonary Physiology. in Anesthesia Secrets (Fourth Edition), 2011. https://www.sciencedirect.com/topics/medicine-and-dentistry/hypercapnia.
[7] Paul Hart et.al. Biochemical aspects of neurological disease. In Clinical Biochemistry: Metabolic and Clinical Aspects (Third Edition), 2014. https://www.sciencedirect.com/topics/medicine-and-dentistry/hypercapnia.
[8] Horacio J. Adrogué, Nicolaos E. Madias. Respiratory Acidosis, Respiratory Alkalosis, and Mixed Disorders. In Comprehensive Clinical Nephrology (Fourth Edition), 2010. https://www.sciencedirect.com/topics/medicine-and-dentistry/hypercapnia.
[9] NAJIB AYAS, M.D. et L. Unrecognized Severe Postoperative Hypercapnia: A Case of Apneic Oxygenation. Mayo Clin Proc 1998;73:51-54)
[10] K. B. Bach, and G. S. Mitchell. Hypercapnia-induced long-term depression of respiratory activity requires α2-adrenergic receptors. Journal of Applied PhysiologyVol. 84, No. 6.
[11] Pharmacology of carbon dioxide. https://derangedphysiology.com/main/cicm-primary-exam/required-reading/respiratory-system/Chapter%203.1.1/pharmacology-carbon-dioxide
[12] Linda S. Constanzo. Fisiologia. 4ª edição. 2011.
[13] https://lifeinthefastlane.com/ccc/oxygen-and-co2-retention-in-copd/
[14] https://xlung.net/manual-de-vm/insuficiencia-respiratoria-aguda
[15] http://followscience.com/content/302602/funcao-respiratoria-introducao-e-anatomo-histologia/