domingo, 2 de outubro de 2022

 

O PORTE DA CIRURGIA COMO FATOR NA ESTRATIFICAÇÃO DO RISCO DE TEV

Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Responsável Técnico e Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos. Supervisor do Programa de Residência em Medicina Intensiva – COREME. 


Diversos protocolos de Profilaxia de Tromboembolismo Venoso (TEV) para pacientes cirúrgicos contém Fluxogramas que seguem as recomendações das diretrizes de profilaxia em pacientes cirúrgicos da American College of Chest Physicians (ACCP) e suas atualizações[1]. Fluxogramas de instituições brasileiras importantes como o Hospital Sirio Libanes e do Hospital do Coração (HCor) são referências no mesmo sentido[2] [3].

Tais protocolos afirmam que em pacientes cirúrgicos, o Risco de TEV depende de 3 fatores:

  1. Idade
  2. Tipo de cirurgia (porte, duração)
  3. Presença de outros fatores de risco associados.

No último Consenso e Atualização na Profilaxia e no Tratamento do Tromboembolismo Venoso da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV) – Regional São Paulo de 2019, também se adota esse entendimento[4].

Para estabelecer o Risco de TEV em pacientes cirúrgicos, escores têm sido sugeridos, sendo o mais conhecido o Escore de Caprini (Fig. 1) cuja pontuação permite estratificar o risco como: muito baixo risco (escore 0), baixo risco (escores 1 e 2), risco moderado (escores 3 e 4) e alto risco (escore ≥ 5). No caso do referido escore, no tocante ao tipo de cirurgia a ser considerada como fator de risco, usa-se os termos “cirurgia maior e menor” (major and minor surgery). Entretanto, apesar de tais termos serem comumente usados ​​na literatura científica, a falta de critérios claros e de consenso para estabelecer uma distinção entre os dois termos, tem grandes implicações na interpretação de pesquisas, práticas clínicas e resultados, como recentemente apontado por Newsome K. e col.[5].

 


Fig 1. Escore de Caprini

Os nossos protocolos de referência no Brasil têm adotado uma forma diferente de estratificar o Risco de TEV no momento de avaliar o fator tipo de cirurgia, baseando-se no uso dos termos “cirurgias de pequeno, médio e grande porte”. Entretanto, tais protocolos não trazem uma definição completa de tais termos, que possa ser usada para qualificar a cirurgia do paciente que deverá receber a profilaxia, se limitando apenas a dar exemplos.

O Fluxograma do HCor, define apenas cirurgia de pequeno porte, como aquela de duração < 60’ e internação ≤ 2 dias, sem restrição da mobilidade (Fig. 2). Não define, no entanto, a de médio e grande porte[6].

 


                                                Fig.2 Fluxograma do HCor

 

Já o Fluxograma do Hospital Sirio Libanes (HSL), define a cirurgia de pequeno porte como aquela de duração < 60’ e internação ≤ 2 dias, citando que esse tipo de cirurgia inclui a cesárea, a maioria das cirurgias de cabeça e pescoço, procedimentos ginecológicos e urológicos simples, como retirada de cisto ovariano ou ressecção transuretral de próstata, cirurgias ortopédicas de ombro ou membros superiores, cirurgias de membros inferiores distais ao joelho, artroscopia de joelho, procedimentos vasculares não complicados, etc. No entanto, faz a ressalva que caso o paciente apresente restrição aguda da mobilidade e associação de fatores de risco ou fatores de risco significativos, como história prévia ou familiar de TEV ou câncer, o risco deva ser individualizado (Fig. 3). Não define tampouco a de médio e grande porte[7].

 

 


                                                   Fig. 3 Fluxograma do HSL

 

Desta forma, deve se buscar aprimorar a definição de cada porte cirúrgico para fins de enquadrar cada cirurgia numa dessas categorias. Outros termos que porventura sejam adotados como “operações maiores e menores” também necessitariam de ter suas definições inclusas nos protocolos.

Entretanto, não se encontra muita informação na literatura a respeito desse assunto, a semelhança do que ocorre com os conceitos de cirurgia maior e menor.

Apesar disso, duas referências tratam sobre a classificação das cirurgias contendo informações sobre a questão do porte.

1) A primeira é o Parecer do Conselho regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES) nº 06 de 2015, que trata sobre a necessidade de auxiliar nos procedimentos cirúrgicos. No bojo do referido parecer destaca-se a seguinte classificação pelo porte[8]:

As cirurgias podem ainda ser classificadas quanto ao porte cirúrgico ou risco cardiológico (pequeno, médio ou grande porte), ou seja, a probabilidade de perda de fluidos e sangue durante a sua realização:

  • GRANDE PORTE: com grande probabilidade de perda de fluido e sangue. Por ex.: cirurgias de emergência, vasculares arteriais, prótese de quadril.
  • MÉDIO PORTE: com média probabilidade de perda de fluido e sangue. Por ex.: cabeça e pescoço, herniorrafia.
  • PEQUENO PORTE: com pequena probabilidade de perda de fluido e sangue. Por ex.: mamoplastia e endoscopia.

Quanto ao tempo de duração as cirurgias ainda podem ser classificadas como:

  • PORTE I: com tempo de duração de até 2 horas. Por ex.: rinoplastia.
  • PORTE II: cirurgias que duram de 2 a 4 horas. Por ex.: colecistectomia, gastrectomia.
  •  PORTE III: de 4 a 6 horas de duração. Por ex.: craniotomia.
  • PORTE IV: com tempo de duração acima de 6 horas. Por ex.: transplante de fígado.

Como visto, o critério para definir pequeno, médio ou grande é a quantidade de fluido e/ou sangue que pode se perder ou que de fato se perdeu durante o ato cirúrgico. Entretanto, não se estabelece algum valor quantitativo de perda para definir cada porte.

2) A segunda é a Resolução CFM 2174/2017 que trata sobre a prática do ato anestésico, estabelece no seu Anexo V, a Estratificação do risco do procedimento cirúrgico (porte) e do paciente (antecedentes clínicos) da seguinte maneira (Tabela 1)[9]:


 


Tabela 1. Estratificação do risco pelo Porte

 

Importante ressaltar que os transplantes de alta complexidade deve ser estratificados como de alto risco.

Observa-se que o % de risco (baixo, intermediário e alto) refere-se ao risco de ocorrer infarto agudo de miocárdio ou morte dentro de 30 dias após cirurgia. Ainda, o % de risco (e consequentemente o porte da cirurgia) deverá ser sempre estabelecido por critérios definidos pela própria Resolução:

Critérios maiores:

1. Idade superior a 70 anos, com doença crônica descompensada.

2. Doença cardiovascular, cerebrovascular ou respiratória grave descompensada.

3. Doença vascular grave ou doença neurológica crônica descompensada.

4. Abdome agudo descompensado.

5. Previsão ou estimativa de grandes perdas sanguíneas (maior que 20% da volemia ou maior de 1000 ml no adulto; e maior que 7 ml.kg-1 ou maior que 10% da volemia na criança).

6. Choque de qualquer etiologia.

7. Insuficiência respiratória.

8. Insuficiência renal, aguda ou crônica descompensada.

9. Cirurgia oncológica extensa.

10. Insuficiência hepática descompensada.

11. Cirurgia de urgência ou emergência.

Critérios menores:

1. História de doença cardiovascular, cerebrovascular ou respiratória grave compensada.

2. Insuficiência renal crônica dialítica compensada.

3. Diabetes mellitus, insulinodependente.

4. Síndrome da apneia obstrutiva do sono grave.

5. Obesidade em grau maior ou igual a II (IMC maior ou igual a 35 kg.m-2).

Destaque-se que a perda de volemia é considerada de forma quantitativa dentro do respectivo critério maior.

Assim, os termos cirurgia de pequeno porte (risco baixo, <1%), médio porte (risco intermediário, entre 1% e 5%) e grande porte (risco elevado, >5%), ficariam definidos assim:

  1. Grande Porte (Alto Risco): 3 (três) ou mais critérios maiores ou 4 (quatro) ou mais critérios menores;
  1. Médio Porte (Risco Intermediário): 2 (dois) critérios maiores ou 3 (três) critérios menores;
  1. Pequeno Porte (Baixo Risco): que não se enquadrem nas condições acima.

Os protocolos poderiam adotar estes critérios para melhor orientar seus fluxogramas. Entretanto, importante salientar que embora a adoção de critérios permita uma melhor orientação para poder qualificar o porte da cirurgia, sempre deverá prevalecer a avaliação clínica do paciente caso a caso para definir, em última instancia, o porte mais adequado para cada paciente.



[1] https://www.chestnet.org/Newsroom/Press-Releases/2021/08/CHEST-releases-new-guidelines-for-antithrombotic-therapy-for-VTE-disease

[2] http://blog.abdofarret.com.br/wp-content/uploads/2018/04/protocolo-profilaxia-tromboembolismo-H-Si%CC%81rio-Libane%CC%82s.pdf

[3] https://www.hcor.com.br/area-medica/wp-content/uploads/2020/11/2.-Protocolo-TEV.pdf

[4] https://sbacv.org.br/wp-content/uploads/2021/03/consenso-e-atualizacao-no-tratamento-do-tev.pdf

[5] Newsome K, McKenny M, Elkbuli A. Major and minor surgery: Terms used for hundreds of years that have yet to be defined. Ann Med Surg (Lond). 2021 May 25;66:102409. doi: 10.1016/j.amsu.2021.102409. PMID: 34136208; PMCID: PMC8178080.

[6] https://www.hcor.com.br/area-medica/wp-content/uploads/2020/11/2.-Protocolo-TEV.pdf

[7] http://blog.abdofarret.com.br/wp-content/uploads/2018/04/protocolo-profilaxia-tromboembolismo-H-Si%CC%81rio-Libane%CC%82s.pdf

[8] https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/pareceres/ES/2015/6_2015.pdf

[9] https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2017/2174