terça-feira, 19 de junho de 2018

 “REPOUSO DE 1 HORA NA VENTILAÇÃO MECÂNICA PÓS T.R.E. BEM-SUCEDIDO REDUZ TAXA DE FALHA DE EXTUBAÇÃO ?

Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.

Na edição do Intensive Care Medicine de novembro de 2017, foi publicado em estudo titulado: 

“Reconexão à ventilação mecânica por 1 h após um teste bem-sucedido de respiração espontânea reduz a reintubação em pacientes graves: um estudo multicêntrico randomizado controlado”[1].

Trata-se de um ensaio clínico espanhol controlado randomizado, não cegado, conduzido por Maria del Mar Fernandez, Médica Adjunta do Serviço de Medicina Intensiva do hospital Mutua de Terrassa (Barcelona, Espanha), que trouxe um desfecho interessante, toda vez que mostrou uma redução na taxa de falha de extubação e de reintubação por insuficiência respiratória. Entretanto, trata-se de um ensaio único no seu desenho, não encontrando outros estudos similares que conduzam a uma análise mais aprimorada da sua validade externa. Ainda, pelos desfechos mostrados, importante fazer uma análise mais acurada do estudo no tocante à sua metodologia e eventuais limitações e vieses que possam ter acontecido.

Apresenta-se um resumo do estudo e seus resultados.

QUESTÃO A SER RESPONDIDA
  • Em pacientes adultos gravemente enfermos que passam por um teste de respiração espontânea (TRE), extubação após descanso de 1 hora na VM comparada à extubação imediata reduz as taxas de reintubação em 48 horas?


FUNDAMENTOS DA PESQUISA
  • Os TRE são usados ​​para avaliar se os pacientes poderão ser desmamados da ventilação mecânica com sucesso. A falha de extubação e a necessidade de reintubação ocorrem em 5 a 30% dos pacientes e tais pacientes têm um risco aumentado de mortalidade.
  •  É sabido que a ventilação mecânica provoca disfunção diafragmática, fraqueza muscular e redução da espessura do diafragma e os autores levantam a hipótese de que um TRE pode levar à fadiga e aumentar a probabilidade de falha.
  • Nesse contexto, os efeitos do repouso após o esforço realizado num TRE bem-sucedido nunca foram propositadamente estudados.
  •  Os músculos respiratórios podem desenvolver fadiga contrátil de alta frequência (ou de curta duração) ou de baixa frequência (ou de longa duração). Os pacientes podem recuperar-se da fadiga de alta frequência em 10-15 min; entretanto, a fadiga de baixa frequência pode persistir por mais de 24 horas, sugerindo que o diafragma precisa de mais de 24 horas para recuperar depois de um esforço intenso. No entanto, metade da recuperação da fadiga de baixa frequência ocorre na primeira hora. Fadiga de alta frequência não é uma causa comum de falha de desmame em pacientes que preenchem critérios para desmame, embora muitos pacientes com falha no desmame tenham fraqueza diafragmática.


OBJETIVO DA PESQUISA
  • Este estudo tentou determinar se manter os pacientes por período de descanso no ventilador mecânico após um TRE levaria a uma taxa de sucesso maior que extubá-los imediatamente após o TRE.


DESENHO
  • Ensaio clínico controlado randomizado, na cegado.
  • Aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro de Coordenação do Hospital Universitário Mútua Terrasa (Universidade de Barcelona, Terrasa, Espanha). O Comité institucional de cada UTI participante analisou e aprovou o protocolo de estudo). Pacientes ou representantes legais autorizaram a inclusão no estudo através do Termo de Consentimento Informado.
  • Randomização centralizada usando tabelas computadorizadas de números aleatórios em blocos de 4 para cada hospital.
  • Estratificação por centro e pelo risco previsto de falha de extubação antes do TRE.
  • Alocação cancelada[2]. Ocultação de alocação mantida através de envelopes opacos numerados. Investigadores que coletaram endpoints excluídos de decisões clínicas.
  • Impossibilidade de mascarar pessoal e pacientes (não cegado). Em razão disso, o banco de dados foi monitorado por terceiros sem envolvimento no estudo e sem interesse no resultado, e os dados foram analisados ​​exatamente de acordo com o plano de análise estatística decidido antes de iniciar o estudo.

ANÁLISE ESTATÍSTICA
  •  Cálculo do tamanho da amostra: 1372 pacientes. Precisar-se-ia detectar uma redução de risco absoluto de 5% no grupo de intervenção de uma linha de base de 15%, com uma taxa de falso-negativo de 20% e uma taxa de falso-positivo de 5%.
  • Análise de intenção de tratar: significa que todos os pacientes que foram incluídos e alocados aleatoriamente para tratamento são incluídos na análise e são analisados nos grupos para os quais foram randomizados.
  • Variáveis ​​categóricas comparadas com Cochran-Mantel-Haenszel x2 ou teste exato de Fisher
  • Variáveis ​​contínuas normalmente distribuídas comparadas com o teste t de StudentVariáveis ​​contínuas de distribuição não normal comparadas com o teste U de Mann-Whitney.
  • Modelo multivariada avaliado com a curva ROC (AUROC) e a adequação do ajuste pelo teste de Hosmer-Lemeshow

DATA E LOCAL DA PESQUISA
  • ·         Local: 17 UTIs médico-cirúrgicas da Espanha
  • ·         Data da coleta: outubro de 2013 a janeiro de 2015
  • ·         Registrado no clinicaltrials.gov


DEFINIÇÕES
  •  Grupo Intervenção:

·         Reconectado ao ventilador por 1 hora (“grupo repouso”)
§  Após concluir com sucesso o TRE
§  Reconectado nos parâmetros ventilatórios prévios
§  Após 1 hora de “repouso” extubação direta
  •       Grupo Controle:

·      Extubação imediata
§  Pós TRE com sucesso. 
  • ·         Critérios de Inclusão:

§  Ventilação mecânica invasiva por ≥ 12 horas
§  Ter completado com sucesso um TRE (realizado diariamente) 
  • ·         Critérios de Exclusão:

·   Idade <18 anos, traqueostomizado, secreção respiratória copiosa (necessidade de >2 aspirações nas últimas 8 horas), incapacidade de obedecer a comandos, pacientes com ordem de não reanimar ou de não reintubar, extubação fora do protocolo, participação em outros estudos, indicação formal de ventilação não invasiva após a extubação (principalmente devido a hipercapnia durante o TRE. 
  • ·         Busca de paciente candidatos para TER: diariamente
  • ·         Critérios para realização de TRE (candidatos ao TRE):

§  Subjetivos: resolução da fase aguda da doença que motivou a intubação, tosse efetiva, ausência de secreções traqueobrônquicas copiosas (necessidade de >2 aspirações nas últimas 8 horas)
§  Objetivos: FC <140bpm e PAS 90-160mmHg, sem ou com vasopressores em doses mínimas; Tº < 38ºC; nível de consciência adequado; SpO2> 90% com FiO2 ≤ 0,4 e PEEP < 8; FR <35rpm; volume minuto <10L /min; e índice de Tobin (f/VT) <105 respirações.min/L
  • ·      Técnica para TRE (Tubo T, Pressão de Suporte (PS: 5-7 cmH20), Pressão Positiva Contínua nas vias Aéreas (CPAP) e duração (30, 60 ou 120 min) a critério do médico assistente.
  •           TRE bem-sucedido foi definido como:

§  Troca gasosa correta: SpO2 ≥85-90%; PaO2 ≥50-60mmHg com FiO2 ≤0,4; pH ≥7,32
§  Aumento da PaCO2 <10mmHg em relação à basal
§  Estabilidade hemodinâmica: FC <140bpm; PAS <180-200mmHg e > 90mmHg sem vasopressores)
§  Padrão ventilatório estável: FR <30-35 e <150% da basal

  •     Critérios para alto risco de falha na extubação: quando preenchiam pelo menos um dos seguintes critérios:

§  Idade acima de 65 anos
§  Insuficiência cardíaca congestiva como a principal razão para intubação
§  Doença pulmonar obstrutiva crônica - DPOC (moderada ou grave)
§   APACHE II > 12 no dia da extubação
§  IMC > 30 (calculado em peso em quilogramas dividido pela altura em metros ao quadrado)
§  Tosse ineficaz ou secreções respiratórias copiosas (> 2 aspirações dentro de 8 horas antes da extubação)
§  Desmame difícil ou prolongado (mais de um TRE sem sucesso)
§  Duas ou mais comorbidades
§  Problemas relacionados com a via aérea superior
§  Ventilação mecânica por mais de 7 dias

  •  Definição de insuficiência respiratória pós-extubação (falha de extubação): Em ambos os grupos de estudo, a insuficiência respiratória pós-extubação foi definida como a necessidade de reintubação ou suporte ventilatório com ventilação não invasiva (VNI) devido ao aparecimento e à persistência de dois ou mais dos seguintes critérios dentro de 48 horas após a extubação:

§   Critérios objetivos de falha: FR > 35 rpm; FC > 140 bpm; PAS > 180-200 mmHg ou < 90 mmHg; SpO2 < 90% ou PaO2 < 60 mmHg com FiO2 ≥0,5; pH arterial <7,32 com PaCO2 > 45 mmHg; ou arritmia
§   Critérios subjetivos de falha: agitação ou angústia; estado mental deprimido; diaforese; batimento de asas do nariz; atividade vigorosa dos músculos esternomastóideos; tiragem supraesternal; supraclavicular e intercostal; respiração paradoxal; e obstrução das vias aéreas superiores ou secreções excessivas. 
  • Protocolo próprio de cada hospital participante foi seguido tanto para o desmame quanto para o tratamento da insuficiência respiratória por falha de extubação. Re-intubation e o uso de ventilação não invasiva realizada a critério dos médicos assistentes. Cânula nasal de alto fluxo não foi utilizada.

·          
RESULTADOS

  • ·         470 pacientes randomizados
  • ·         Tempo médio de VM em ambos grupos: 5 dias.

  • ·         Comparação das características iniciais dos grupos controle versus intervenção

·         Idade: 62 vs. 65, p = 0,96
·         APACHE II: 18,3 vs. 17,8, p = 0,41
·         Co-morbidades > 1: 37% vs. 47%, p = 0,03
·         Problemas das vias aéreas superiores: 22% vs. 29%, p = 0,08
·         DPOC: 14% vs. 17%, p = 0,58
·         1 falha no TRE: 11% vs. 12%, p = 0,75
·         Secreções copiosas: 15% vs. 9%, p = 0,06
·         Duração da ventilação mecânica antes do TRE: 5,5 versus 5,7 dias, p = 0,85
·         Técnica do TRE:
Ø  Tubo T: 87% vs. 94%
Ø  Duração do TRE de 120min: 31,7% vs. 20,7%, p = 0,009

·      Alto risco de reintubação: 85% vs 84%. 
  • ·         9 (3,7%) pacientes do grupo intervenção, 3 com alto risco de reintubação (1,5%) e 6 de baixo risco (11%) não toleraram reconexão ao ventilador (agitação). Todos foram extubados e nenhum teve falha de extubação. Eles permaneceram no grupo de intervenção pela analise de intenção de tratar.

  • ·         Comparação do tipo e duração do TRE entre os grupos (grupo controle versus intervenção)

§  CPAP
Ø  30 min: 1,2% vs. 1,3%
Ø  60 min: 1,2% vs. 1,3%
§   Pressão e Suporte
Ø 30 min: 4,9% vs. 2,6%
Ø 60min: 4,9% vs. 0,4%, p <0,05
     §  Tubo “T”
Ø 30 min: 30,9% vs. 37,9%
Ø 60min: 26,7% vs. 36,1%, p <0,05
Ø 120min: 30% vs. 20,3%, p <0,05
DESFECHOS

·    Desfecho primário: Re-intubação dentro de 48 horas - significativamente mais comum no grupo controle
  •    14% vs. 5%, OR 0,33, 95% C.I. 0,16-0,65, p <0,001
  •    Número necessário para tratar: 11
  •   Índice de Fragilidade: 8
  •   Motivo da reintubação, comparando os grupos controle (n = 35) vs. intervenção   (n=12)

Ø  Incapacidade de manejo das secreções: 63% vs. 50%, p = 0,43
Ø  Nível de consciência: 11% vs. 50%, p = 0,005
Ø  Gasping: 11% vs. 0%, p = 0,56
Ø  Parada cardíaca: 8% vs. 8%, p = 0,98
Ø  Cirurgia: 3% vs 17%, p = 0,16
Ø  Outros: 15% vs. 17%, p = 0,87

·         Desfechos secundários
§  Insuficiência respiratória pós-extubação dentro das 48 horas (necessidade de reintubação ou suporte ventilatório com VNI devido a critérios pré-definidos) - significativamente mais comum no grupo controle
Ø  24% vs. 10%, OR 0,35 (0,21-0,61), p <0,001
Ø  Em ambos os grupos, uma proporção semelhante de pacientes foi submetida a VNI de resgate e reintubação direta
§  Causas da insuficiência respiratória, comparando os grupos controle (n = 58) versus intervenção (n = 24)
Ø  SpO2 <90%: 43% vs. 50%, p = 0,57
Ø  Taquipneia: 62% vs. 50%, p = 0,31
Ø  Fadiga muscular: 58% vs. 41%, p = 0,16
Ø  Acidose respiratória: 17% vs. 12%, p = 0,75
Ø  Baixo nível de consciência: 10% vs. 21%, p = 0,2
·                   Análise de subgrupo, comparando os grupos controle versus intervenção
§  Re-intubação dentro das 48 horas
Ø  Pacientes de alto risco: 16% vs. 6%, p = 0,001
Ø  Pacientes de baixo risco: 7% vs. 3%, p = 0,36
Ø  Duração da ventilação mecânica
ü  <1 dia: 6% vs. 0% (2/42 vs. 0/37)
ü  <8 dias: 9% vs. 4%, OU 0,42 (0,15-1,11)
ü  > 8 dias: 24% vs. 8% ou 0,27 (0,10-0,72)

DISCUSSÃO DOS AUTORES
  • ·     A ventilação mecânica é conhecida por causar atrofia diafragmática (mostrado pela USG e pela autópsia, evidente após 3 dias de VM). O TRE, representa um teste que demanda esforço e trabalho respiratório do paciente. Nessa lógica, um descanso após o TRE bem-sucedido e antes da extubação resulta em menor taxa de falha de extubação.

  •   A VNI como método de resgate é perigosa, pois pode mascarar a fadiga: 60% das extubações fracassadas continuaram a ter VNI: 34% delas foram reintubadas.

  • Acredita-se que o repouso de 1 hora poderia trazer um efeito benéfico contra a atelectasia e o desrecrutamento que poderia se gerar durante o TER.   

  •  O estudo seguiu mais uma abordagem pragmática, reflexo da prática clínica diária em diferentes centros com diferentes abordagens para insuficiência respiratória pós extubação, incluindo o repouso de 1 hora pós TRE, melhorando assim a validade externa do estudo.


CONCLUSÕES DOS AUTORES
  • Permitir que os pacientes descansem por 1 hora após um TRE bem-sucedido reduziu a re-intubação e a insuficiência respiratória pós-extubação. Como esta abordagem não exige monitor especial ou equipamento respiratório, pode prontamente ser implementado em qualquer UTI.


PONTOS FORTES DA PESQUISA
  • ·         Ensaio controlado randomizado
  • ·         Multicêntrico
  • ·         Análise de intenção de tratar
  • ·         Exclusão de médicos que coletaram endpoints de decisões clínicas
  • ·         Registrado com clinicaltrials.gov


LIMITAÇÕES DA PESQUISA
  • ·         Subjetividade de alguns dos resultados, incluindo a definição de insuficiência respiratória.
  • ·         Estudo não cegado, havendo preocupação de que isso possa resultar em viés.
  • ·   Houve algumas diferenças nas características basais dos dois grupos (secreções, co-  morbidades).
  •     Pacientes nos diferentes grupos foram tratados de forma diferente. Alguns pacientes do grupo controle tiveram uma maior duração do TRE em comparação com o grupo de intervenção.
  • ·    Somente após a conclusão do estudo os autores perceberam que haviam calculado mal o tamanho da amostra. Eles recrutaram apenas 470 pacientes, onde deveriam ter recrutado 1372 pacientes.
  • ·   Por outro lado, não foi protocolizado o desmame, os cuidados de extubação ou pós-extubação. Cada centro seguiu seu protocolo.
  • ·     Não foram rotineiramente analisados os gases sanguíneos arteriais e a pressão inspiratória máxima (Pimax), não havendo dados sobre o trabalho respiratório durante o TRE.
  • ·      Não houve diferença no tempo de permanência na UTI ou no hospital ou na mortalidade
  • ·     Não foi medida diretamente a extensão da recuperação alcançada pelos pacientes durante o período de repouso após a reconexão ao ventilador, confiando na percepção dos médicos sobre o conforto dos pacientes. Além disso, uma pequena porcentagem de pacientes pode ter desenvolvido assincronia, que reduziu o repouso muscular.

* VIDEO ILUSTRATIVO:




https://www.youtube.com/watch?v=SVOkxdZBwmA


Após a publicação do estudo, sucederam-se cartas contendo comentários e críticas que também são importantes analisar.

1. Kazuya Kikutani et. al[3]:

Acredita que vários fatores podem ter afetado esses resultados. Primeiro, a proporção de pacientes que realizaram TRE com um tubo “T” parece muito alto (90%), sugerindo possível desvio da prática do padrão atual (40%). Perda de humidificação e compensação do tubo durante um teste com tubo T pode inibir o movimento ciliar e aumentar a fadiga muscular respiratória, podendo se constituir num fator confundidor. Além disso, não há informações sobre tratamentos concomitantes que poderiam provocado fraqueza muscular. O uso de corticosteroides, bloqueadores neuromusculares e disglicemia estão associados à fraqueza adquirida na UTI. Há ausência de informações sobre a avaliação precisa da via aérea superior antes do TRE, o que também poderia afetar o risco de reintubação. Edema laríngeo pós-extubação pode induzir a falha de extubação e a necessidade de reintubação, enquanto disfunções da glote e da laringe também poderia estar associado ao risco de aspiração e consequente falha de extubação.

Resposta da Dra. Fernandez.

Atualmente, as últimas diretrizes de desmame sugerem apenas preferência  pelo PSV mas sem evidências consistentes sobre a sua superioridade sobre as outras técnicas de TRE. No entanto, estudamos o possível papel confundidor do tipo e duração do TRE. Nós incluímos uma análise multivariada de regressão logística descartando fatores confundidores e demonstrando que apenas o repouso tem um efeito na reintubação. Ainda, mesmo tendo havido heterogeneidade nos protocolos nos diferentes centros, o repouso por 1 h mostrou redução na falha de extubação e reintubação. Pacientes com problemas relacionados às vias aéreas, como edema de laringe, foram incluídos em "outros" (Tabela 2), e os números foram semelhantes nos dois grupos, sem um diferença significativa (15% dos pacientes reintubados no grupo de controle vs. 17% no grupo de descanso). Certamente, esse tipo de problema não deve melhorar com repouso, representando a falha residual de extubação. Nós concordamos que pacientes em risco de estridor pós-extubação, como pacientes com intubação traumática e entubados por mais de 1 semana, poderia ser submetido ao teste do vazamento da via aérea (cuf leak test), conforme recomendado pela The American Thoracic Society, mas com muito pouca certeza sobre a evidencia que o sustenta.

2. Quentin Cherel et. al.[4]:

Algumas questões merecem ser pontuadas. Primeiro, embora os autores tenham ressaltado uma possível fadiga associada ao TRE, outros autores já relataram que o trabalho respiratório no tubo T não foi maior que o pós extubação. Em segundo lugar, a validade externa é questionável. A taxa de pacientes traqueostomizados foi bastante alto (13% dos pacientes ventilados mais de 12 h).O uso reduzido de VNI preventiva (3,7%) e frequente de VNI de resgate (mais de 50% dos pacientes com insuficiência respiratória pós-extubação) tem que ser sublinhado também. Em terceiro lugar, a ocorrência de secreções copiosas, que foi um das mais frequentes razões para o resgate com VNI e reintubação, foi mais frequente no grupo controle em comparação ao grupo de repouso (respectivamente, 15 vs. 9%, p = 0,06). Finalmente, em razão do erro de amostragem existiria o viés de que os bons resultados representem  apenas o efeito do acaso.

Resposta da Dra. Fernandez

O estudo não foi projetado para responder se a fadiga induzida por TER existe ou não com as diferentes tecnicas. A carga do trabalho respiratório imposta pelo TRE  provavelmente não é o suficiente para fadigar o diafragma em pacientes que passaram por ele, mas alguns desses pacientes poderiam experimentar falha após a extubação horas depois. Em segundo lugar, 13% pacientes traqueostomizados nesta população não é alto, pois a taxa reportada varia entre 10 e 40% dependendo do mix de casos. Apesar da falta de consenso sobre a utilidade da VNI na pós-extubação, no estudo, como reflexo da prática cotidiana real, > 50% dos pacientes com falha de extubação receberam VNI de resgate. Acredita-se que a variabilidade na prática diária com diferentes abordagens do desconforto respiratório pós-extubação melhora a validade externa de nossos resultados. Terceiro, o erro de amostragem é muito improvável que tenha provocado vies nos resultados, conforme análise de regressão logística. Em quarto lugar, a incapacidade de manejo das secreções foi a principal causa de reintubação em ambos os grupos sem diferença. Finalmente, concordamos em que, apesar de não ser totalmente conclusivo, o estudo abre uma nova janela para investigação no futuro nesta área.

3. A.H. Jonkman, após fazer um resumo do estudo, conclui que dadas as limitações do estudo, não recomendamos a reconexão rotineira de pacientes para o ventilador 'para descanso' após um TRE bem sucedido[5].

CONCLUSÃO PESSOAL:

Certamente, se faz necessário a realização de novos estudos prospectivos com ajustes do desenho e minimização dos vieses para avaliar o real impacto do descanso de 1hora pós TRE bem-sucedido na taxa de falha de extubação e de reintubação.


[1] M. Mar Fernandez, et.al. Reconnection to mechanical ventilation for 1 h after a successful spontaneous breathing trial reduces reintubation in critically ill patients: a multicenter randomized controlled trial. Intensive Care Medicine. November 2017, Volume 43, Issue 11, pp 1660–1667
[2] Uma técnica usada para evitar o viés de seleção, ocultando a sequência de alocação daqueles que atribuem participantes aos grupos de intervenção, até o momento da atribuição. A ocultação de alocação impede que os pesquisadores influenciem (inconscientemente ou de outra forma) quais participantes são designados para um determinado grupo de intervenção.
[3] Kazuya Kikutani, et.al., Potential confounders affecting the reintubation rate: Discussion on "Reconnection to mechanical ventilation for 1 h after a successful spontaneous breathing trial reduces reintubation in critically ill patients: a multicenter randomized controlled trial".Intensive Care Med. 2018 Apr;44(4):542-543. doi: 10.1007/s00134-018-5082-3.
[4] Cherel Q. et.al., Does a 1-h rest after a successful spontaneous breathing trial really improve extubation outcome? : Discussion on whether reconnection to mechanical ventilation for 1 h after a successful spontaneous breathing trial reduces reintubation in critically ill patients: a multicenter randomized controlled trial.  Intensive Care Med. 2018 Jan;44(1):137-138. doi: 10.1007/s00134-017-4984-9
[5] A.H. Jonkman. Is reconnection to mechanical ventilation for one hour after a successful spontaneous breathing trial recommended in order to reduce reintubation rate in critically ill patients?. NETH J CRIT CARE - VOLUME 26 - NO 1 - JANUARY 2018

domingo, 10 de junho de 2018

 “DOSE DE IMPREGNAÇÃO DE AMIODARONA”: CONCEITO ULTRAPASSADO?.

Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.




I. INTRODUÇÃO

Muito frequentemente ouvimos expressões como “dose de impregnação de amiodarona” ou “fase de impregnação de amiodarona”. Entretanto, não poucas vezes, este conceito é mal-entendido, confundindo-se com o de “dose inicial de infusão rápida”. Este post tem por objetivo esclarecer alguns conceitos pertinentes a esse respeito.

Em primeiro lugar, importante distinguir entre o conceito de dose de ataque (loading dose) e dose de manutenção de um fármaco (maintenance dose). Para tanto, vejamos o que nos ensina a última edição do tratado de farmacologia de Goodman e Gilman[1]:

*Dose de ataque: dose de carga inicial de um medicamento, administrada em uma vez ou dividida em vezes com o objetivo de atingir rapidamente a concentração-alvo (intervalo ou janela de concentração plasmática desejada). Esta dose é feita em função de atingir num curto período de tempos doses efetivas para tratar determinadas patologias que por sua gravidade podem colocar em risco a vida do paciente. Assim, em regra são administrados por via endovenosa em bolus, de forma intermitente ou em infusão continua. Entretanto, traz a desvantagem de eventuais efeitos tóxicos adversos.

*Dose de manutenção: série de doses de um medicamento administradas de forma intermitente ou em infusão contínua para manter uma concentração constante da droga dentro da janela terapêutica.

Dentro da complexidade da farmacocinética e farmacodinâmica de um medicamento, outro conceito importante a levar em consideração é o do volume de distribuição tecidual. Isto porque a partir de uma determinação concentração plasmática (compartimento central) a droga deve se distribuir para diferentes órgãos, principalmente aquele ou aqueles que são alvo da ação desejada da medicação e nos quais deve-se alcançar uma determinada concentração (concentração tecidual) que traduza uma ação efetiva dessa droga, que vai depender essencialmente da perfusão tecidual desse órgão. Dentro dessa visão, os grandes vasos e os vasos de órgãos que sejam altamente profundidos como como coração, cérebro, fígado, pulmão e rins podem ser vistos como um único compartimento central, enquanto tecidos mais lentamente perfundidos como músculo, pele, gordura e osso se comportam como o compartimento final periférico. Se o fluxo sanguíneo para certos tecidos muda dentro de um indivíduo, as taxas de distribuição de drogas para esses tecidos também vão mudar. Alterações no fluxo sanguíneo poderá levar a alguns tecidos que estavam originalmente no compartimento “central” serem levados ao compartimento “final”. Isso significa que os volumes centrais poderão variar com estados que alterem o fluxo sanguíneo regional (como por exemplo, na cirrose hepática). Após uma dose intravenosa em bolus de um medicamento, as concentrações plasmáticas (central) do fármaco podem ser maiores em indivíduos com má perfusão periférica (por exemplo, choque) do que seria se a perfusão fosse melhor. Essas concentrações sistêmicas mais altas podem por sua vez causar maiores concentrações (e maiores efeitos) em tecidos como cérebro e coração, que geralmente são preservados da queda de perfusão pela redistribuição do fluxo sanguíneo.

Outro assunto relevante no assunto ora discutido refere-se ao conceito de forma de administração de medicamentos: bolus, infusão rápida, lenta, contínua e intermitente.

No Brasil, de modo geral, os modos e tempos de administração de medicamentos por via intravenosa podem ser classificados da seguinte forma[2]:

1) Bolus: é administração IV realizada em tempo menor ou igual a 1 minuto.

2) Infusão rápida: administração IV realizada entre 1 e 30 minutos.

3) Infusão lenta: administração IV realizada entre 30 e 60 minutos.

4) Infusão contínua: administração IV realizada em tempo superior a 60 minutos ininterruptamente (por exemplo, de 6 em 6 horas).

5) Infusão intermitente: administração IV realizada em tempo superior à de 60 minutos, não
contínua (por exemplo, em 4 h, uma vez ao dia).

II. DOSE DE IMPREGNAÇÃO DE AMIODARONA

A amiodarona é principalmente um agente antiarrítmico de classe III, mas também atua como antiarrítmico da classe I, classe II e classe IV. A capacidade da amiodarona de exercer essa diversidade de efeitos pode ser explicada pelo seu mecanismo de ação: por ser altamente lipofílica, altera a camada lipídica da membrana celular da célula miocárdica, na qual se localizam os canais iônicos e os receptores[3]. Em todos os tecidos cardíacos, a amiodarona como agente de classe III, aumenta o período refratário efetivo através do bloqueio dos canais de K+ responsáveis pela repolarização; esse prolongamento da duração do potencial de ação diminui a reentrada. Como potente agente de classe I, a amiodarona bloqueia os canais de Na+ e, portanto, diminui a frequência de disparo nas células marcapasso; exibe bloqueio dos canais de Na+ dependente do uso através de sua ligação preferencial aos canais que estão na conformação inativada. A amiodarona exerce atividade antiarrítmica de classe II através do antagonismo não-competitivo dos receptores alfa-adrenérgicos e beta-adrenérgicos. Por fim, como um bloqueador dos canais de Ca2+ (classe IV), a amiodarona pode causar bloqueio significativo do nó AV e bradicardia, embora, felizmente, o seu uso esteja associado a uma incidência relativamente baixa de torsades de pointes[4].

Fonte: Fisiologia do Músculo Cardiaco:
http://www.ffis.es/volviendoalobasico/12fisiologia_del_musculo_cardiaco.html

A amiodarona é um análogo estrutural do hormônio tireoidiano. Contém um teor de iodo muito alto (num comprimido de 200 mg, 75 mg correspondem a iodo). Após uma administração oral, a concentração máxima ocorre em aproximadamente 7 horas e a concentração plasmática terapêutica (janela terapêutica) tem sido estabelecida entre 0,5 a 2 μg /mL. A amiodarona por ser altamente lipofílica, acumula-se em muitos tecidos e é eliminada e forma extremamente lenta; pelo que tanto seus efeitos terapêuticos quanto adversos podem se resolver também muito lentamente. Em razão disso, tem se preconizado realizar cardioversão farmacológica da taquiarritmia  sem instabilidade hemodinâmica, administrando amiodarona por via oral (VO) em doses elevadas, muito embora o uso endovenoso seja usado com maior frequência. A biodisponibilidade oral da amiodarona é muito variável oscilando entre 22 e 86% com uma média de 30% devido a sua pobre absorção (maior com alimentos, menor em jejum)[5]. A amiodarona sofre metabolismo hepático pelo CYP3A4 gerando a desetil-amiodarona, um metabolito com efeitos semelhantes aos do medicamento original. Quando a terapia com amiodarona é retirada de um paciente que tenha recebido terapia por vários anos, as concentrações plasmáticas declinam em período de semanas a meses. Os mecanismos de eliminação da amiodarona e da desetil-amiodarona não foram bem estabelecidos. Entretanto, a eficácia e toxicidade aparentemente dependem tanto duração do tratamento, como da concentração plasmática. Por causa do acúmulo lento da amiodarona nos tecidos, uma dose de ataque oral alta (por exemplo, 800 a 1600 mg /d) geralmente é administrada por período prolongado antes de iniciar a dose de manutenção. A dose de manutenção será ajustada com base nos efeitos adversos e na arritmia tratada. Se a arritmia foi grave e ameaçadora da vida, dosagens superiores a 300 mg /d são geralmente utilizadas, a menos que a toxicidade ocorra. Por outro lado, doses de manutenção de 200 mg /d ou menos são usadas se a recorrência de uma arritmia for tolerada, como em pacientes com fibrilação atrial, porque a amiodarona retarda a frequência ventricular da fibrilação atrial (controle de frequência). Os ajustes de dosagem não são necessários diante de disfunção hepática, renal ou cardíaca. A amiodarona inibe potencialmente o metabolismo hepático ou eliminação renal de muitos compostos. Mecanismos identificados até o momento incluem inibição do CYP3A4, CYP2C9 e glicoproteína P. Doses de warfarina e outros antiarrítmicos (por exemplo, flecainida, procainamida e quinidina), ou de digoxina geralmente requerem redução durante a terapia com amiodarona[6]. Em caso de se optar pela cardioversão farmacológica com amiodarona endovenosa, as doses recomendadas geralmente são infundidas em infusão rápida, lenta ou contínua a depender da diretriz de referência adotada. Entretanto, a amiodarona endovenosa possui pH de 3,8-4,0 e maior taxa de flebite em doses com concentração final superior a 2 mg/ml. Outra característica da amiodarona e do seu veículo (polissorbato 80) é a capacidade de extração de substâncias presentes em componentes sólidos através da sua dissolução no meio líquido (lixiviação). O composto DEHP [ftalato de di-(2-etil-hexila)] presente nos compostos plastificados é um exemplo de componente sólido lixiviável (utilizado para dar flexibilidade ao PVC, que sozinho é um material rígido). Desta forma, a solução endovenosa de amiodarona não deve exceder uma concentração de 2 mg/ml para infusão em tempo superior a 1 hora, em via periférica. Uma concentração maior que 2 mg/ml, deverá ser feita por acesso venoso calibroso (central)[7] [8]. A administração intravenosa (EV) em bolus (< 1 minuto) é recomendada para tratamento de taquiarritmias graves ameaçadoras da vida como a taquicardia ventricular (TV) ou fibrilação ventricular(FV) associadas a parada cardiorrespiratória (PCR).

O termo "IMPREGNAÇÃO" reflete o fato do acumulo tecidual da amiodarona em razão de sua alta liposolubilidade, principalmente naqueles tecidos com alta concentração de gordura (musculo estriado, pele, osso) em detrimento dos tecidos magros (coração, fígado, rins). Após o início da terapia com amiodarona existe um período de refratariedade (latência terapêutica), em razão da sua ampla distribuição tecidual, preferentemente no tecido lipídico até atingir a concentração terapêutica no tecido magro miocárdico (alvo), ocasionando por isso um retardo do início do seu efeito. Assim, já é bem conhecido que as concentrações teciduais de amiodarona no músculo do miocárdio devem exceder em aproximadamente 44-50 vezes os níveis plasmáticos (entretanto no tecido adiposo podem atingir nível 500 vezes maiores)[9]. Por isso, uma maneira potencial de reduzir a latência terapêutica consiste em usar altas doses de ataque na fase de impregnação. Assim, a impregnação miocárdica da amiodarona seria o efeito alvo desejado, mas a impregnação de outros tecidos seria um efeito colateral adverso.

Nesses últimos anos, os resultados de diversos estudos clínicos foram responsáveis pelo aumento da popularidade da amiodarona, que era um agente utilizado como último recurso e tornou-se um fármaco de uso frequente no tratamento das arritmias. A gravidade da arritmia é que determina a dose e via de administração de amiodarona. Como apresenta toxicidade significativa em altas doses, tais doses somente devem ser administradas seguindo diretrizes em vigor para tratamento de arritmias graves. Entretanto, em doses reduzidas, a amiodarona constitui um dos agentes mais efetivos na prevenção de arritmias ventriculares graves em pacientes com insuficiência cardíaca e/ou história de infarto do miocárdio recente. A amiodarona também é altamente efetiva na prevenção da fibrilação ou flutter atrial paroxístico recorrente. O amplo espectro de ação da amiodarona é acompanhado de um conjunto de efeitos adversos graves quando o fármaco é utilizado por longos períodos e/ou em altas doses. Esses efeitos incluem complicações cardíacas, pulmonares, da tireoide, hepáticas, neurológicas e idiossincrásicas. No coração, a amiodarona pode diminuir a função do nó AV ou do nó SA através do bloqueio dos canais de Ca2+. Como antagonista alfa-adrenérgico, a amiodarona pode causar hipotensão. A amiodarona pode exercer um efeito inotrópico negativo ao inibir os receptores beta-adrenérgicos, especialmente quando o fármaco é utilizado de modo crônico. Podem ocorrer complicações pulmonares graves em pacientes em uso de altas doses de amiodarona (400 mg ao dia). A mais temida de todas as complicações associadas ao uso de amiodarona é a pneumonite, que leva à fibrose pulmonar. Felizmente, essas complicações são raramente observadas em pacientes em uso de doses profiláticas (200 mg ao dia) para prevenção das arritmias ventriculares ou atriais. Em virtude de sua semelhança estrutural com a tiroxina, a amiodarona afeta o metabolismo dos hormônios da tireoide ao inibir a conversão periférica da tiroxina (T4) em triiodotironina (T3). Podem ocorrer hipertireoidismo ou hipotireoidismo em consequência dessa desregulação do metabolismo dos hormônios da tireoide. 10 a 20% dos pacientes em uso de amiodarona apresentam uma elevação anormal das enzimas hepáticas, embora esse efeito seja reversível quando se diminui a dose do fármaco. Os sintomas neurológicos podem incluir neuropatia periférica, cefaleia, ataxia e tremores. Os pacientes tratados com amiodarona devem ser monitorados à procura de anormalidades da função pulmonar, tireóidea e hepática. A amiodarona está contraindicada para pacientes com choque cardiogênico, bloqueio cardíaco de segundo ou de terceiro grau ou disfunção grave do nó SA com bradicardia sinusal pronunciada ou síncope[10].

Esta base farmacológica centrada no conceito de “impregnação da amiodarona” sustentou por muitos anos a publicação de recomendações nas quais se estabelecia que a DOSE DE IMPREGNACAO DE AMIODARONA seria alcançada com uma dose média total de 10 gramas de amiodarona. Se considerarmos que por dia se administrava em média 1 grama a impregnação somente aconteceria em aproximadamente 10 dias. Da mesma forma a “desimpregnação” também demorará um tempo prolongado (vida média de eliminação de 10 a 100 dias[11]). Quanto à dosagem, duas escolas podem ser distinguidas, a americana ou de "impregnação rápida" (começando com até 1200 mg / 1º dia) e outra, a britânica ou de “impregnação lenta” (com até 800 mg / dia 1º).

Nesse sentido até 2011 o Guideline Americano para Manejo da Fibrilação Atrial orientava para realização da cardioversão farmacológica[12]:

*ORAL:
-Paciente internado: dose de ataque: 1,2 a 1,8 g por dia em dose dividida (ou 30mg/kg em dose única/dia) até completar 10 g em total. A seguir dose de manutenção de 200 a 400 mg por dia.
-Paciente ambulatorial: 600 a 800mg por dia em dose dividida até completar 10g em total. A seguir, dose de manutenção de 200 a 400 mg por dia

*ENDOVENOSO/ORAL:
-Dose de ataque de 5 a 7 mg / kg em infusão lenta (30 a 60 min). A seguir 1,2 a 1,8 g por dia EV em infusão continua ou VO até completar 10 g em total. Depois, dose de manutenção de 200 a 400 mg por dia

Entretanto, 3 publicações de 2003, sendo uma revisão sistemática sem metanálise (Khan[13])  e duas com metanálise (Chevalier[14] e Letelier[15]), deram ensejo a uma mudança nas diretrizes americanas em 2014, que passaram a orientar[16]:

*ORAL: Dose de ataque: 400 a 600 mg por dia em doses divididas por 2-4 semanas. Dose de manutenção: 100- 200 mg 2 vezes/dia.

*ENDOVENOSO/ORAL: Dose de ataque: 150 mg ao longo de 10 min; depois 1 mg / min durante 6 h; a seguir 0,5 mg/min por 18 h ou mudar para dosagem oral. Após as primeiras 24horas, considere diminuir a dose de infusão apara 0,25 mg /min caso opte-se por continuar.

Nas diretrizes atuais europeias encontramos recomendação para uso EV[17]: 5 a 7 mg /kg em 1 a 2 horas. A seguir 50 mg /hora com máximo de 1,0 g ao longo de 24 horas.

Por fim, nas atuais diretrizes brasileiras (SBC) encontramos[18]:

*Oral: dose de ataque: 800-1.600mg/dia por 15-20 dias. Manutenção de 200-400mg/dia

*EV: dose de ataque: 150-1.200mg. Manutenção de 100-300mg/dia.

Em que pese às recomendações atuais acima citadas não enfatizarem a meta de 10 gramas como “dose de impregnação de amiodarona”, talvez por uma relativa razoável taxa de sucesso de cardioversão farmacológica nas primeiras 24 horas com as doses altas preconizadas; com fundamento na farmacocinética da amiodarona já bastante estudada conforme textos atuais de farmacologia, deve ainda ser levada em consideração essa meta para aqueles casos refratários nos quais a cardioversão não ocorra nas primeiras 24 horas e decida-se continuar com doses elevadas de amidoarona na forma de infusão continua ou VO, sem prejuízo de estar atentos à ocorrência de eventuais efeitos adversos decorrentes dessa fase de impregnação.

EM CONCLUSÃO:

- A “dose de impregnação de amiodarona” é um conceito farmacocinético que se refere à dose de ataque com ao amplo depósito da medicação nos tecidos com maior proporção de tecido lipídico. Sendo o tecido cardíaco de baixo conteúdo lipídico em comparação com outros tecidos do organismo, sua impregnação sofrerá um retardo inicial (latência terapêutica) pelo que se recomenda doses iniciais altas de amiodarona EV, VO ou EV/VO.

- Estima-se que a dose de ataque para impregnação de amiodarona no tecido miocárdico que promova uma cardioversão farmacológica da fibrilação atrial aguda seja variável, tendo sido referenciada em média 10 gramas.

- A dose de impregnação pode ser administrada VO, EV ou numa associação EV inicial (primeiras 24hora) + VO conforme diretrizes em vigor. Considerando que a cardioversão farmacológica pode levar um tempo de horas ou até dias, justificar-se-ia falar em “fase de impregnação”.

- Após sucesso na cardioversão farmacológica ou atingir a meta de 10 gramas, aconselha-se mudar para dose de manutenção, salvo suspensão da medicação pela ocorrência de efeitos adversos graves.

- Em que pese às recomendações atuais não enfatizarem a meta de 10 gramas como “dose de impregnação de amiodarona”, talvez por uma relativa razoável taxa de sucesso de cardioversão farmacológica nas primeiras 24 horas com as doses altas preconizadas; com fundamento na farmacocinética da amiodarona já bastante estudada conforme textos atuais de farmacologia, deve ainda ser levada em consideração essa meta para aqueles casos refratários nos quais a cardioversão não ocorra nas primeiras 24 horas e decida-se continuar com doses elevadas de amidoarona na forma de infusão continua ou VO, sem prejuízo de estar atentos à ocorrência de eventuais efeitos adversos decorrentes dessa fase de impregnação.




[1] Goodman e Gilman´s. The Pharmacological Basis of Therapeutics. 13th. ed. Laurence L. Brunton, PhD, Randa Hilal-Dandan, PhD, Björn C. Knollmann, MD, PhD (Editors). 2018, pp.28-29.
[2] Fakih FT. Manual de Administração de Medicamentos Injetáveis. Rio de Janeiro, Reichmann & Affonso Editores; 2000. 221p
[4] Princípios de Farmacologia - A Base Fisiopatológica da Farmacologia. Golan,David E. Guanabara Koogan. Capitulo 18. April W. Armstrong e David E. Clapham. Farmacologia do Ritmo Cardíaco
[5] João Carlos Vieira da Costa Guaragna, et.al. Emprego de Altas Doses de Amiodarona Via Oral na Reversão
da Fibrilação Atrial no Pós-Operatório de Cirurgia Cardíaca. Arq Bras Cardiol, volume 69 (nº 6), 401-405, 1997
[6] Goodman e Gilman´s. THE PHARMACOLOGICAL BASIS OF THERAPEUTICS. 13th. ed. Laurence L. Brunton, PhD, Randa Hilal-Dandan, PhD, Björn C. Knollmann, MD, PhD (Editors). 2018, pp.28-29.
[7] http://www.hucff.ufrj.br/download-de-arquivos/category/9-ccih?download=266:orientacoes-e-recomendacoes.
[8] Infusion Nurses Society Task Force, Gorskey; et al. (January–February 2017). "Development of an Evidence-Based List of Noncytotoxic Vesicant Medications and Solutions". Journal of Infusion Nurses Society. 40 #1: 26–40.
[9] Petr Petr. et.al., Amiodarone – excellent antiarrhythmic drug? (Happy end after 40 years of problems) . Journal of Applied Biomedicine 1: 127–139, 2003
[10] Princípios de Farmacologia - A Base Fisiopatológica da Farmacologia. Golan,David E. Guanabara Koogan. Capitulo 18. April W. Armstrong e David E. Clapham. Farmacologia do Ritmo Cardíaco
[11] H.P. Rang, et.al. Farmacologia. 7ª edição. 2012, Elsevier Editora Ltda. Tradução autorizada do idioma inglés
[12] 2011 ACCF/AHA/HRS Focused Updates Incorporated Into the ACC/AHA/ESC 2006 Guidelines for the Management of Patients With Atrial Fibrillation. Acessível em: http://circ.ahajournals.org/content/circulationaha/123/10/e269.full.pdf
[13] Khan IA, Mehta NJ, Gowda RM. Amiodarone for pharmacological cardioversion of recent-onset atrial fibrillation. Int J Cardiol. 2003;89:239-48.
[14] Chevalier P, Durand-Dubief A, Burri H, Cucherat M, Kirkorian G, Touboul P. Amiodarone versus placebo and class Ic drugs for cardioversion of recent-onset
atrial fibrillation: a meta-analysis. J Am Coll Cardiol 2003;41:255–262.
[15] Letelier LM, Udol K, Ena J, et al. Effectiveness of amiodarone for conversion of atrial fibrillation to sinus rhythm: a meta-analysis. Arch Intern Med. 2003;163:777-85.
[16] 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the Management of Patients With Atrial Fibrillation: Executive Summary. Journal of the American College of Cardiology Volume 64, Issue 21, December 2014. DOI: 10.1016/j.jacc.2014.03.021
[17] 2016 ESC Guidelines for the management of atrial fibrillation developed in collaboration with EACTS. European Heart Journal (2016) 37, 2893–2962
[18] II Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial. Sociedade Brasileira de Cardiologia • ISSN-0066-782X • Volume 106, Nº 4, Supl. 2, Abril 2016