domingo, 15 de abril de 2018


USO DA ALBUMINA NO BRASIL

Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.



O uso terapêutico da solução de albumina humana nos hospitais e principalmente nas unidades de terapia intensiva tem sido frequente desde os anos 80 e 90, baseado em estudos que apontavam benefícios[1] [2]. Entretanto, a longa controvérsia também data da mesma época[3] [4]

Ao longo dos anos novas evidências têm surgido tanto a favor quanto contra o uso da albumina em pacientes graves/críticos, adotando-se o entendimento que seria benéfica apenas em determinados subgrupos de pacientes[5] [6] [7] [8] [9] [10] [11].

Um dos maiores problemas que tem sido óbice para flexibilizar seu uso em maior ou menor grau à luz das evidências controversas existentes, é o custo elevado do produto, principalmente em países com menos recursos para atender a saúde da população. Hoje o preço do frasco de albumina 20% (com 50ml) pode variar entre 170 a 250 reais no brasil[12].

A presente revisão tem por objetivo analisar a situação atual do uso da albumina no Brasil, apontando para questões tanto normativas quanto técnicas que são determinantes para seu uso.

I. QUESTÕES NORMATIVAS (MARCO LEGAL).

No Brasil a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou em 2004 a Resolução RDC nº 115 de 10 de maio de 2004[13] que fixou as Diretrizes para o uso de Albumina, estabelecendo:


INDICAÇÕES FORMAIS

1. Preenchimento (priming) da bomba de circulação extracorpórea nas cirurgias cardíacas.
2. Tratamento de pacientes com ascites volumosas, por paracenteses repetidas.
3. Após paracenteses evacuadoras nos pacientes com ascites volumosas.
4. Como líquido de reposição nas plasmaféreses terapêuticas de grande monta (retirada de mais de 20 ml/kg de plasma por sessão).
5. Prevenção da síndrome de hiperestimulação ovariana no dia da coleta do óvulo para fertilização in vitro.
6. Pacientes com cirrose hepática e síndrome nefrótica, quando houver edemas refratários aos diuréticos e que coloquem em risco iminente a vida dos pacientes.
7. Grandes queimados, após as primeiras 24 horas pós-queimadura.
8. Pós-operatório de transplante de fígado, quando a albumina sérica for inferior a 2,5 g%.

INDICAÇÕES DISCUTÍVEIS

1. Em pacientes críticos com hipovolemia, hipoalbuminemia e má-distribuição hídrica.
2. Hiperbilirrubinemia do recém-nato por doença hemolítica perinatal (dhpn).
3. Em pacientes com cirrose que apresentem peritonite bacteriana espontânea.

INDICAÇÕES NÃO FUNDAMENTADAS

1. Correção de hipoalbuminemia.
2. Correção de perdas volêmicas agudas, incluindo choque hemorrágico.
3. Tratamento de pacientes com cirrose hepática ou com síndrome nefrótica.
4. Peri-operatório, exceto nos casos mencionados anteriormente.

Por muitos anos, referida Resolução tem sido a referência para autorizar o uso de albumina tanto no âmbito do SUS quanto no sistema de saúde suplementar (convênios). Assim, hospitais públicos, pelo custo, têm limitado seu uso às indicações formais e, convênios tem mostrado resistência a autorizar o uso do produto gerando muitas vezes problemas de glosa[14]. Isso tem provocado, não poucas vezes conflitos, tendo em vista a dinâmica das evidências e a ampliação do campo de uso do produto.

Entretanto, talvez poucos saibam, mas a referida Resolução RDC 115/2004 foi revogada completamente em 2012[15] pela Resolução RDC - Anvisa nº 47 de 29 de agosto de 2012[16] sem que se tenha noticia de uma outra Resolução superveniente substitutiva.

Quais seriam então as atuais Diretrizes para uso de albumina no Brasil, considerando que a Resolução 115/2004 encontra-se revogada?

Haveria necessidade de aguardar uma nova Resolução por parte da Anvisa?

Do ponto de vista normativo provavelmente não seria necessário e por isso até a presente data a Anvisa sequer fez uma nova consulta publica sobre o assunto.

Uma das razões talvez seria pelo fato que em 2000 o Ministério da Saúde já tinha publicado uma Portaria emanada as Secretaria de Assistência à saúde (SAS): A Portaria SAS/MS nº 247 de 14 de julho de 2000[17] que se encontra em plena vigência[18] e que determinou as indicações do uso de albumina no âmbito do SUS:

Art. 1º - Estabelecer padrões de referência para adoção de conduta terapêutica de Albumina Humana no âmbito do SUS.

§ 1º - Descrição: a Albumina Humana de origem plasmática é uma solução proteica, estéril e apirogênica, obtida por fracionamento de plasma ou soro humano e que corresponde eletroforeticamente à fração albumina do plasma

§ 2º - Indicações para utilização de infusão intravenosa de albumina humana:

I - choque:
- séptico;
- hipovolêmico associado a hipoalbuminemia grave.
II - doença hepática:
- crônica associada a hipoalbuminemia grave;
- ascite não responsiva ao tratamento clássico;
- insuficiência hepática aguda.
III - síndrome nefrótica associada a:
- edema refratário aos diuréticos e associados à oliguria;
- edema genital associado não responsivo ao terapêutica clássica.
IV - dermatites esfoliativas generalizadas;
V - diálise associada à hipoalbuminemia;
VI - fistulas liquóricas ou derivação ventricular externa;
VII - hipoalbuminemia grave;
VIII - peritonite com drenagem externa;
IX - plasmaferese e exsanguíneo-transfusão parcial;
X - queimaduras;
XI - transplante hepático;
XII- hemorragia meníngea espontânea;
XIII – pré-eclampsia grave;
XIV - enteropatia com perda de proteína;
XV - reposição volêmica com indicação de colóide;
XVI - mediastinite;
XVII - cirugias externas de abdomen;
XVIII - bypass cardiopulmonar com hemodiluição;
XIX - insuficiência cardíaca.

Muito embora, tais indicações possam suscitar algumas dúvidas quanto à indicação específica pela falta de definição clara (por exemplo o que seria hipoalbuminemia grave ou cirurgias externas de abdome), não resta dúvida que vindo de norma emanada de órgão ministerial tais indicações tem a devida força legal que vincula as instituições prestadoras de saúde públicas e privadas conveniadas com o SUS ao seu devido cumprimento, isto é, o fornecimento da albumina nas situações ali elencadas.

No ano de 2013, o Ministério da Saúde emitiu a NOTA TÉCNICA Nº 216/2013 com aval da sua Consultoria Jurídica/Advocacia Geral da União. Referida Nota Técnica salienta que a albumina deve ser administrada apenas em ambiente hospitalar, que possui registro na Anvisa e na Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED, sendo que suas indicações de uso são aquelas constantes na Portaria SAS/MS nº 247 de 14 de julho de 2000. Destaque-se ainda parte do conteúdo da referida Nota Técnica[19]:

A presente Nota Técnica foi elaborada por médicos e farmacêuticos que fazem parte do corpo técnico e consultivo do Ministério da Saúde e possui caráter informativo, não se constituindo em Protocolo Clínico ou Diretriz Terapêutica. A Nota apresenta a política pública oferecida pelo Sistema Único de Saúde - SUS e tem por objetivos subsidiar a defesa da União em juízo e tornar mais acessível, aos operadores jurídicos em geral, informações de cunho técnico e científico, disponibilizadas em documentos oficiais produzidos pelos órgãos competentes do SUS e/ou outras agências internacionais, sem substituí-los.

Considerando que o medicamento deve ser administrado em ambiente hospitalar com intensa monitorização e está padronizado no SUS como procedimento hospitalar salienta-se que na estrutura e organização do Sistema Único de Saúde, quando o paciente está internado em ambiente hospitalar, o hospital, seja público, filantrópico ou privado conveniado ao Sistema de Saúde é responsável pelo atendimento integral ao paciente, fornecendo inclusive os medicamentos necessários à recuperação da saúde do paciente sob sua responsabilidade. Os procedimentos desenvolvidos em âmbito hospitalar têm seu custo definido por procedimento, sendo o medicamento um item do gasto com a internação hospitalar e são financiados na modalidade AIH – Autorização de Internação Hospitalar pelo Sistema Único de Saúde. Além disso, o financiamento hospitalar está inserido nos recursos da Média e Alta Complexidade, onde os hospitais recebem recursos para manutenção dos procedimentos rotineiros, como a manutenção de medicamentos e outros insumos necessários à suas atividades.

O hospital, ao se credenciar como uma instituição capaz de cuidar, atender e promover a recuperação da paciente tem a responsabilidade médica e legal de oferecer todo o suporte, incluindo insumos e medicamentos necessários ao perfeito atendimento à paciente. Reconhece-se que o Hospital pode ter eventuais dificuldades na disponibilização de um medicamento, seja porque é medicamento não padronizado no uso hospitalar pelo seu excepcional uso, seja por outras dificuldades operacionais e administrativas. Entretanto, essa dificuldade não suprime sua responsabilidade e não poderia ensejar que a paciente que está sob sua responsabilidade precise constituir ação civil pública para receber atendimento medicamentoso enquanto está internada. A boa gestão hospitalar deveria levar a que o próprio Hospital, através de sua direção médica e administrativa, se não conseguiu adquirir o medicamento em caráter excepcional para atender o paciente sob sua responsabilidade, busque junto à gestão local do Sistema Único de Saúde (secretaria estadual e/ou secretaria municipal de saúde), a disponibilização do medicamento necessário para proceder o atendimento a sua paciente.

Destaque-se que, no Brasil, a existência de indicações constantes da Portaria nº 247/2000 já vinha sendo salientada desde 2011, no estudo do Haroldo Falcão e André Miguel Japiassú, como “indicações não contempladas nas recomendações da ANVISA, mas com pagamento previsto pelo Sistema Único de Saúde (SUS)”[20].

II. QUESTÕES TÉCNICAS (EVIDÊNCIAS):

Em 2011, Falcão e Japiassú (citados acima), apontam para possíveis efeitos benéficos do uso da albumina nas seguintes situações:

- Na Sepse: Analise pos-hoc do Estudo SAFE pacientes com choque séptico tenderam a melhorar com a albumina.

- Na Hepatopatia Grave associada a 3 contextos clínicos principais: prevenção de disfunção circulatória após realização de paracenteses seriadas ou de grandes volumes; reduzir a disfunção renal e a mortalidade de pacientes com peritonite bacteriana espontânea, sendo superior à administração de coloides sintéticos; por fim, no tratamento da síndrome hepato-renal (SHR).

- No Trauma e nos pós-operatório. albumina não mostrou superioridade em relação aos cristaloides ou outros coloides no contexto da reposição volêmica em pós-operatórios em geral.(42) .Embora um estudo tenha mostrado que  uso de albumina hiperoncótica associada a furosemida reduziu o edema cerebral contusional e se associou com melhora significativa do desfecho funcional em 18 pacientes com traumatismo crânio-encefálico (TCE), numa análise post hoc do Estudo SAFE, mostrou que pacientes com TCE e trauma grave tiveram desfechos piores com albumina e pacientes com choque séptico tenderam a melhorar com a albumina.

Em 2012, Daniel Trabulo e Col. publicam uma revisão sobre o uso de albumina em hospitais de Portugal, recomendando seu uso nas seguintes situações[21]:

-Peritonite Bacteriana Espontânea (se creatinina > 1 mg/dL, Ureia > 30 mg/dL, Bilirrubina > 4 mg/dL)
- Ascite sob tensão/refratária (se paracentese >5L)
- Síndrome Hepato-renal (Poderá ser considerada em doentes com SHR tipo 1, associada a terlipressina)
- Plasmaferese
- Grande Queimado (nas 24-48 h após a queimadura)
- Cirurgia Hepática
- Hiperbilirrubinémia neonatal
- Gravidez/Hiperestimulacão ovárica (reposição da volemia e prevenção da mesma na S. hiperestimulacão ovárica)

Em 2013, Paolo Caraceni, publica uma revisão sobre as indicações de uso de albumina. Destaca como principais indicações aquelas relacionadas com a CIRROSE HEPÁTICA sendo as principais e universalmente aceitas[22]:

- Na prevenção da disfunção circulatória pós-paracentese e da insuficiência renal induzida por peritonite bacteriana espontânea (PBE); e no tratamento da síndrome hepatorrenal (SHR) em associação com drogas vasoconstritoras. Além dessas indicações, o uso da albumina tem sido proposto em pacientes com cirrose para o tratamento de ascite refratária a diuréticos, hiponatremia hipervolêmica e encefalopatia hepática, embora todas as estas indicações esperam ser apoiadas por uma evidência científica clara.

- Na prevenção de disfunção circulatória pós paracentese volumosa (>5L): com base em evidências, recomenda a administração de 8 g de albumina por litro de ascite removida, com maior força de recomendação para paracentese de pelo menos 4-5 L.

- Na prevenção de insuficiência renal aguda após Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE): mesmo na ausência de choque séptico, PBE pode desencadear descompensação hemodinâmica, precipitando insuficiência renal que pode evoluir para síndrome hepato-renal tipo 1. (SHR tipo 1). A recomendação seria usar 1.5gr/kg no 1ºdia e 1gr/kg no 3º dia.

-No diagnóstico e tratamento da Sindrome-Hepato-Renal (SHR): a administração de albumina na dose de1 g / kg de peso corporal por dia até um máximo de 100 g / dia por pelo menos 2 dias são recomendados para excluir insuficiência renal hipovolêmica. O painel de especialistas do International Club of Ascites recomenda que a expansão volêmica deva ser realizada com albumina em lugar de solução salina, em razão de ser mais sustentada. Estabelecido o diagnóstico de SHR tipo 1 deve ser feito o uso concomitante de albumina com vasoconstritor esplâncnico (especialmente terlipresina). O uso na SHR tipo 2 é ainda controversa.

Outras indicações citadas na revisão de Caraceni, não universalmente aceitas no paciente cirrótico, incluem:

- Tratamento prolongado de ascites: na revisão de 2012, Ceraceni salientava que o uso prolongado o crônico de albumina associado ao uso de diurético era controverso. Entretanto, recente publicação do ANSWER Study do grupo do próprio Ceraceni demonstrou que a administração de albumina a longo prazo melhora a sobrevida pacientes com cirrose descompensada, melhora o controle da ascite, reduz a incidência de complicações graves da doença e necessidade de hospitalizações, além de melhorar a qualidade de vida. O estudo incluiu pacientes com cirrose e ascite não complicada tratada com anti-mineralocorticóides (≥200 mg / dia) e furosemida (≥ 25 mg / dia)  + albumina (40 g duas vezes por semana durante 2 semanas e depois 40 g semanalmente por um período mínimo de até 18 meses, a menos que ocorresse antes morte, transplante de fígado, TIPS ou ascite refratária requerendo ≥3 paracentese / mês[23].

- Uso em infecções bacterianas diferentes da PBE em pacientes com cirrose: visando prevenção de insuficiência renal ou circulatória. Entretanto, salienta que o baixo nível de evidências não sustenta sua recomendação.

- Hiponatremia hipervolêmica: muito embora exista substrato fisiopatológico para esse distúrbio (hipovolemia que leva a estimulo de secreção da HAD e hipervolemia por reabsorção de água livre com consequente hiponatremia), não aponta para sua recomendação pela falta de evidencia.

Finalmente Caraceni, faz uma revisão das indicações em paciente CRÍTICOS, NÃO CIRRÓTICOS:

- Ressuscitação volêmica:  embora usada em várias doenças, incluindo choque, sepse, trauma, síndrome do desconforto respiratório agudo, queimaduras ou situações clínicas agudas associadas à hipoproteinemia, um longo debate existiu ao longo dos anos a respeito da escolha do fluido (cristaloides versus coloides).Em 1998, uma meta-análise Cochrane de 30 ensaios clínicos randomizados sugeriu fortemente que a infusão de soluções de albumina no manejo de pacientes com hipovolemia por lesão ou cirurgia, queimaduras e hipoproteinemia aumentou o risco de morte em 6%[24]. No entanto, alguns anos depois, uma meta-análise de Wilkes et.al., incluindo 55 ensaios clínicos na comparação da terapia com albumina versus terapia com cristaloide, não encontraram efeito significativo da albumina na mortalidade (entretanto houve grande heterogeneidade de estudos)[25]. O último achado foi então confirmado por uma terceira meta-análise publicada sobre este tópico pelo grupo Cochrane em 2004[26]. No mesmo ano, o Saline versus Albumin Fluid Evaluation Study (SAFE) avaliando 6.997 pacientes admitidos na UTI e randomizados para receber solução salina ou albumina a 4% para ressuscitação volêmica, demonstrou que a mortalidade em 28 dias foi semelhante nos dois grupos, apoiando o uso de seguro de albumina em pacientes criticamente doentes[27]. Nas análises post hoc do Estudo SAFE, pacientes com TCE e trauma grave tiveram desfechos piores com albumina[28] e pacientes com choque séptico tenderam a melhorar com a albumina[29]. Os pacientes com SDRA melhoram com a albumina[30]. A seguir, o estudo multicêntrico Sepsis in European Intensive Care Units (SOAP) foi realizado em UTIs europeias, para avaliar características clínicas de pacientes com sepse. A administração de albumina esteve associada de modo independente à menor sobrevida em 30 dias. Esta associação se manteve mesmo na avaliação dos subgrupos de trauma e de sepse grave. Além disso, a taxa de mortalidade em 30 dias, mortalidade na UTI e mortalidade hospitalar foram maiores nos pacientes que receberam albumina. Os autores deixaram novas perguntas, revelando a complexidade da questão: possivelmente a administração da albumina pode ter impacto variado (tanto em termos de eficácia clínica quanto de segurança) dependendo do momento clínico em que é aplicada ao paciente grave. As críticas destas conclusões giram em torno da falta de indicações de uso do medicamento que não foram consideradas, nem foi considerado o alcance das metas terapêuticas propostas. Deste modo, não houve como afirmar que o uso de albumina causa prejuízo ao paciente no estudo SOAP, que foi estudo puramente observacional[31]. Mais recentemente, em 2011, outra meta-análise da Cochrane em 38 ensaios, comparando albumina e outros coloides com solução cristaloide em pacientes criticamente doentes com hipovolemia, queimaduras ou hipoalbuminemia, não mostrou evidências de benefício da albumina em comparação com as outras alternativas mais baratas[32].

No entanto, todos esses estudos incluíram uma população muito heterogênea de pacientes gravemente doentes, enquanto o efeito da albumina pode ser bastante diferente dependendo das condições clínicas específicas. Ainda, além de atuar como expansor volêmico, a albumina pode exercer efeito benéfico nesses pacientes, aumentando a capacidade antioxidante e anti-inflamatória e reduzindo a permeabilidade capilar e, portanto, a perda de líquido em direção ao interstício.

Além do SAFE Study, outros 2 estudos relativamente recentes tem sido marcantes nesta controvérsia. No estudo multicêntrico francês EARSS, 798 pacientes com choque séptico com menos de 6 horas de duração foram randomizados para receber 100 ml de albumina a 20% ou 100 ml de solução salina a 0,9% a cada 8 horas por 3 dias. Quase todos os pacientes apresentavam hipoalbuminemia grave na inclusão no estudo. Não houve diferenças significativas nas taxas de mortalidade entre os dois grupos[33]. O Estudo ALBIOS (Albumin Italian Outcome in Sepsis) publicado por Caironi et.al., em 2014, foi um grande estudo multicêntrico, aberto, randomizado e controlado, projetado para examinar os efeitos da suplementação de albumina em mais de 1800 pacientes com sepse ou choque séptico em 100 UTIs italianas. Os pacientes foram randomizados para receber albumina 20% e cristaloides, ou apenas cristaloides. Aqueles no grupo albumina receberam 300 ml de albumina a 20% na randomização e infusões subsequentes conforme necessário para manter uma concentração sérica de albumina> 30g / l. Não houve diferença na mortalidade entre os grupos aos 28 dias ou 90, embora pacientes tratados com albumina teve um tempo menor para cessação de agentes vasopressores. Entretanto uma análise post-hoc de 1121 pacientes com choque séptico, como definido pelo escore de SOFA, houve uma tendência de redução na mortalidade em 90 dias com a administração de albumina[34]. Revisões mais atualizadas têm apontados para as mesmas conclusões acima apontadas[35] [36].

Muito embora essa travessia de evidências, as atuais recomendações do Surviving Sepsis Campaing 2016, além de recomendar cristaloides balanceados para a ressuscitação volêmica inicial,  continua a sugerir o uso da albumina da seguinte maneira: “Sugerimos a utilização de albumina em adição aos cristaloides para a ressuscitação e substituição subsequente do volume intravascular em pacientes com sepse e choque séptico, quando os pacientes exijam quantidades substanciais de cristaloides (recomendação fraca, baixa qualidade das evidências)[37].

Após a revisão da literatura e das normas em vigor pode-se concluir que:

1º A Resolução RDC nº 115/2004 encontra-se revogada desde 2012.

2º No âmbito do SUS, as indicações seriam aquelas constantes na Portaria SAS/MS nº 247 de 14 de julho de 2000

3º Inexiste embasamento legal para que no sistema de saúde suplementar sejam feitas glosas com base no disposto na Resolução 115/2004 (revogada).

Entretanto, salienta-se a necessidade que as indicações do uso de albumina sejam devidamente atualizadas através do devido Protocolo de Diretrizes de uso emanado do Ministério da Saúde.

Por enquanto, cabe a cada instituição hospitalar, normatizar internamente através de protocolo específico de uso de albumina que leve em consideração as indicações da Portaria SAS/MS nº 247 de 14 de julho de 2000 e as evidências cientificas em vigor para cada uma delas. O inciso XV - reposição volêmica com indicação de coloide- da referida portaria deverá ter seu campo delimitado pelas atuais indicações que a literatura recomenda e poderá sustentar a indicação da síndrome hepato-renal que expressamente não consta.

No âmbito do Sistema de Saúde Suplementar tais protocolos institucionais deverão ser discutidos com cada convenio para dessa forma se evitar conflitos de glosa no pagamento respectivo.




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[12] https://consultaremedios.com.br/albumina-humana/pa
[13] http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2004/rdc0115_10_05_2004.html
[14] https://www.unimed.coop.br/documents/2159147/2162831/2011-albumina-humana-em-pacientes-criticos.pdf
[15]http://portal2.saude.gov.br/saudelegis/leg_norma_espelho_consulta.cfm?id=4002432&highlight=&tipoBusca=post&slcOrigem=0&slcFonte=0&sqlcTipoNorma=186&hdTipoNorma=186&buscaForm=post&bkp=pesqnorma&fonte=0&origem=0&sit=0&assunto=&qtd=10&tipo_norma=186&numero=115&data=%20&dataFim=&ano=&pag=1
[16] http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2012/rdc0047_29_08_2012.html
[17] Portaria SAS/MS nº 247, de 14 de julho de 2000. Publicada no DOU 136-E, de 17/7/2000.
[18]http://portal2.saude.gov.br/saudelegis/leg_norma_espelho_consulta.cfm?id=3647217&highlight=&tipoBusca=post&slcOrigem=0&slcFonte=0&sqlcTipoNorma=27&hdTipoNorma=27&buscaForm=post&bkp=pesqnorma&fonte=0&origem=0&sit=0&assunto=&qtd=10&tipo_norma=27&numero=247&data=%20%20%20&dataFim=&ano=2000&pag=1
[19] file:///C:/Users/alexb/Downloads/albumina_humana%20(6).pdf
[20] Haroldo Falcão e André Miguel Japiassú. Uso de albumina humana em pacientes graves: controvérsias e recomendações. Rev Bras Ter Intensiva. 2011; 23(1):87-95
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