sábado, 30 de janeiro de 2021

        EXAMES DE ROTINA VERSUS POR DEMANDA NA UTI  

                            PARTE I: RADIOGRAFIAS


Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Responsável Técnico e Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos. Coordenador da Residência em Medicina Intensiva – COREME e membro do Grupo Técnico de Enfrentamento à COVID -19 da Santa Casa de São Jose dos Campos.



Exames de rotina diária para pacientes internados dentro da UTI é uma prática bastante comum dentro da maioria das unidade do Brasil, principalmente radiografias e exames laboratoriais.

Há muito tempo que o assunto vem sendo estudado e debatido sob a denominação de “controvérsia entre exames de rotina diária versus exames por demanda (apenas por indicação específica)”.

Neste cenário importante tecer alguns esclarecimentos a respeito dessas solicitações:

1. EXAMES DE ROTINA DIÁRIA. O conceito se aplica aos pedidos feitos diariamente sem haver qualquer indicação para tanto. Trata-se de pedidos diariamente repetitivos sem avaliar antes a sua real necessidade, caso a caso. Nesse contexto, o pedido é feito apenas “para ver como está determinado parâmetro laboratorial ou radiológico do paciente todos os dias”, sem a existência de qualquer distúrbio ou alteração mesmo que suspeita. Exemplo: hemograma, sódio, potássio, cálcio, magnésio diariamente. Radiografia de tórax para todos os intubados, “apenas pelo fato de estarem intubados” também é uma prática frequente.

2. EXAMES POR DEMANDA. Neste caso os pedidos de exames laboratoriais e/ou radiológicos são feitos sempre com base em alguma indicação clínica (diagnóstico e monitorização de alguma patologia) ou para verificar os resultado de alguma medida ou procedimento realizado na UTI. Neste cenário, tem havido certa confusão entre certas “rotinas” adotadas no pedido de exames com o conceito de “exames de rotina diária”. Uma prática costumeira ou obrigatória de pedido de exame após alguma intervenção não deixa de ser uma “rotina”, mas sempre obedecerá a uma indicação precisa e não a um mero pedido repetitivo.  Assim, por exemplo, admitir a possibilidade de solicitar uma bateria de exames laboratoriais para todo paciente admitido na UTI denomina-se de “rotina laboratorial admissional”. Entretanto, essa “rotina admissional” não se confunde com a denominada “rotina diária laboratorial”, toda vez que no primeiro caso existe uma indicação precisa, qual seja, avaliar o estado em que o paciente é admitido na UTI, tentando diagnosticar ou avaliar suas disfunções orgânicas ou mesmo para avaliar os escores prognósticos como SOFA (paciente com sepse) ou SAPS 3 (avaliar mortalidade prevista). Da mesma forma, uma gasometria arterial feita 1 hora após a intubação ou ajuste de modo/parâmetros ventilatórios, não deixa de ser uma “rotina”, mas com indicação precisa guiada por diretrizes ou guidelines. Já no caso da rotina laboratorial diária os pedidos são feitos de forma diária e meramente repetitiva sem avaliar antes a sua necessidade real caso a caso. Da mesma forma com os exames radiológicos. Solicitar uma radiografia de tórax após a passagem de um tubo endotraqueal, de um cateter venoso profundo ou de um dreno de tórax; ou uma radiografia de abdome após a passagem de uma sonda gástrica ou enteral, são denominados de “radiografias de rotina pós passagem de dispositivo”. Entretanto, todas elas, mesmo se constituindo uma “rotina” não se confundem com a mera prática de “rotina de radiografia de tórax” feito a todos paciente apenas e unicamente pelo fato de estar intubados.

EXAMES RADIOLÓGICOS

No tocantes a exames de radiografia na UTI, feitos à beira leito com aparelho portátil, a rotina diária tem se concentrado no pedido de radiografia diária de tórax, uma prática bastante antiga[1]. Atualmente essa prática tem sido desencorajada recomendando-se seu abandono, não apenas em razão das evidências existentes e recomendações internacionais, mas também em razão da redução de custos desnecessários e menor exposição a radiação por parte de pacientes e profissionais da saúde.

A esse respeito, há muitos anos vários estudos vem debatendo sua necessidade e a referência internacional adotada como guia tem sido o Colégio Americano de Radiologia (ACR - American College of Radiology) que periodicamente revisa sua diretrizes ou orientações sobre os critérios apropriados de solicitação de exames de imagem sob a denominação de “Appropriateness-Criteria”[2]. No brasil, o Colégio Brasileiro de Radiologia tem também adotado os critérios da ACR, embora não tenha acompanhado as atualizações dessa entidade americana[3].

Até 2011 o painel de especialistas do Colégio Americano de Radiologia (ACR) recomendava como “conduta mais apropriada” a realização de radiografia de tórax no leito de forma diária para pacientes com problemas cardiopulmonares agudos e para pacientes que estavam sob ventilação mecânica. Em pacientes estáveis internados para monitoramento cardíaco ou em pacientes estáveis internados apenas por doença extratorácica, uma radiografia inicial na internação era recomendada, com radiografias de controle obtidas somente para indicações cardiopulmonares específicas[4] [5] [6]. Em 2005, o Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR) já havia aderido a essa recomendação e até a presente data não se atualizou conforme publicações no seu portal oficial[7]. Vários estudos, no entanto, incluindo ensaios clínicos, vinham já questionado essa prática, advogando pelo pedido de exames por demanda.

Em 2009, Hejblum e col., publicam um grande estudo prospectivo multicêntrico em que avaliam a eficiência e eficácia da rotina diária versus por indicação clínica (sob demanda) de radiografias de tórax para pacientes ventilados mecanicamente na UTI em um projeto randomizado de cluster de dois períodos. No primeiro período, 11 UTIs foram alocadas aleatoriamente para usar a estratégia de radiografias de tórax diárias e 10 UTIs para usar uma estratégia sob demanda, baseada em indicações clínicas específicas. 424 pacientes tiveram 4.607 radiografias diárias de tórax e 425 pacientes tiveram 3.148 radiografias de tórax sob demanda, o que significou estatisticamente uma redução significativa de 32% no uso de radiografias de tórax sem uma redução na qualidade do atendimento ou segurança dos pacientes[8].

Em 2010, Yuji Oba e Tareq Zaza, publicaram uma metanálise de 8 estudos (02 ensaios randomizados) com um total de 7078 pacientes adultos internados em UTI, examinando se o abandono da rotina diária de radiografia de tórax afetaria adversamente os resultados, como mortalidade e tempo de permanência. Concluíram que a radiografia de tórax de rotina diária sistemática, mas não seletiva por demanda, poderia provavelmente ser abandonada sem aumentar desfechos em pacientes adultos em UTIs[9]. Ele não incluíram, entretanto, o estudo de Hejblum e col.

Em 2011, em resposta a evidências emergentes, o Colégio Americano de Radiologia (ACR) mudou sua orientação passando a recomendar que radiografias de tórax diárias de rotina não sejam indicadas para pacientes com problemas cardiopulmonares agudos. Ainda para pacientes estáveis admitidos para monitoramento cardíaco, ou pacientes internados estáveis apenas por doença extratorácica, radiografia inicial de admissão na UTI não seria recomendada e finalmente, radiografias de acompanhamento deveriam ser obtidas apenas com indicações clínicas"[10].

Em 2012, Ganapathy A. e col., publicam uma outra metanálise de 9 estudos (03 ensaios randomizados incluindo o estudo de Hejblum e col.) comparando uma rotina diária de radiografia de tórax vs sob demanda (ou seja, para indicação clínica específica). O estudo demonstrou que a realização de radiografias apenas quando clinicamente indicado não afetou adversamente a mortalidade hospitalar, tempo de internação na UTI, ou duração de ventilação mecânica[11].

Em 2013, o Colégio Americano de Radiologia (ACR), com base nos estudos até então publicados reafirma suas recomendações para solicitações de radiografias de tórax em pacientes internados na UTI[12]:

·         Ao monitorar um paciente estável ou em ventilação mecânica na UTI, uma radiografia portátil de tórax é apropriada apenas seguindo indicações clínicas.

·         É apropriado obter uma radiografia de tórax após a colocação de um tubo endotraqueal, linha venosa central, Cateter de Swan-Ganz, tubos endotraqueais, drenos de tórax e sonda nasogástricas ou enterais.

Em 2014, o Grupo Colaborativo formado pela American Thoracic Society/American Association of Critical-Care Nurses/American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine Policy Statement, publicam a Declaração da política de medicamentos para cuidados intensivos: The Choosing Wisely® Top 5, cuja primeira Recomendação assim orienta[13]

1. Não solicite testes de diagnóstico em intervalos regulares (como todos os dias), mas sim em resposta a questões clínicas específicas.

Muitos estudos de diagnóstico (incluindo radiografias de tórax, gasometria arterial, análises e contagens de sangue e ECGs) são solicitados regularmente intervalos (por exemplo, diariamente). Comparado com a prática de solicitar testes apenas para ajudar a responder a questões clínicas, ou quando isso afetará gestão, a solicitação rotineira de exames aumenta os custos de saúde, não beneficia os pacientes e pode de fato prejudicá-los. Potenciais danos incluem anemia devido a flebotomia desnecessária, que pode exigir uma transfusão arriscada e cara, e a investigação agressiva de resultados incidentais e não patológicos encontrados em estudos de rotina.

De lá para cá novos estudos tem sido publicados reafirmando a necessidade do abandono da prática de realização de rotinas diárias de radiografia de tórax[14] [15] [16] [17].

A última versão de 2020 dos Critérios Apropriados do Colégio Americano de Radiologia (ACR), traz uma atualização das suas recomendações mantendo as orientações já consolidadas em 2011. Estabelece diretrizes para solicitar exames de imagem inicial para pacientes da UTI, baseado em 5 cenários ou situações, excluindo, portanto, a possibilidade que tais exames sejam solicitados sem uma indicação precisa[18]:


DEFINIÇÃO DE EXAME INICIAL DE IMAGEM

Exame inicial de imagem (procedimento de ultrassonografia, radiografia, tomografia etc.) é definido como a imagem no início de um atendimento dentro da condição médica definida pelo cenário ou situação. Mais de um procedimento poderão ser considerados “geralmente adequados” quando:

·         Existam procedimentos que sejam alternativas equivalentes (apenas um procedimento será solicitado para fornecer as informações destinadas gerenciar com eficácia o atendimento ao paciente) OU;

·         Existam procedimentos complementares (ou seja, mais de um procedimento é solicitado como um conjunto ou simultaneamente em que cada procedimento fornece informações exclusivas e diferentes para gerenciar com eficácia o cuidado do paciente).

As possibilidades de recomendação são fornecidas de acordo coma seguinte classificação[19]:

·         Usualmente apropriada: Os benefícios superam os riscos. O procedimento de imagem ou tratamento é indicado nos cenários clínicos.

·         Categoria Intermediária: Descreve cenários em que a relação risco/benefício é ambígua, pouco clara ou questionável.

Pode ser apropriado: O procedimento de imagem ou tratamento pode ser indicado nos cenários clínicos especificados, como alternativa a procedimentos de imagem ou tratamentos que tem uma relação risco-benefício mais favorável.

Pode ser apropriado (discordância): As avaliações individuais estão muito dispersas da mediana do painel de especialistas.

·         Usualmente não apropriado: Os riscos superam os benefícios. O procedimento de imagem ou tratamento é improvável de ser indicado no cenário clínico especificado.

 

 

CENÁRIO 1: Admissão ou transferência para unidade de terapia intensiva. Exame de imagem inicial.

1.       Radiografia de tórax portátil: usualmente apropriada. A estratégia de solicitar radiografias de tórax de rotina diária para pacientes em estado crítico e ventilados mecanicamente está mudando lentamente de radiografias de tórax diárias para radiografias sob demanda apenas.

2.       Ultrassonografia de Tórax (POCUS): pode ser apropriada (discordâncias).

CENÁRIO 2: Paciente estável da unidade de terapia intensiva. Nenhuma mudança no estado clínico. Exame de imagem inicial.

1.       Radiografia de tórax portátil: Pode ser apropriado (discordância).

2.       Ultrassonografia de Tórax (POCUS): usualmente não apropriada.

CENÁRIO 3: Paciente da unidade de terapia intensiva com piora clínica. Exame de imagem inicial.

1.       Radiografia de tórax portátil: usualmente apropriada.

2.       Ultrassonografia de Tórax (POCUS): pode ser apropriada (discordâncias).

CENÁRIO 4: Paciente da unidade de terapia intensiva após a colocação do dispositivo de suporte. Exame de imagem inicial.

1.       Radiografia de tórax portátil: usualmente apropriada.

2.       Ultrassonografia de Tórax (POCUS): pode ser apropriada (discordâncias).

CENÁRIO 5: Paciente da unidade de terapia intensiva. Após a remoção do tubo torácico ou do tubo mediastinal. Exame de imagem inicial.

1.       Radiografia de tórax portátil: Pode ser apropriado (discordância).

2.       Ultrassonografia de Tórax (POCUS): usualmente não apropriada.

 

CONCLUSÃO

A literatura atualizada assim como as recomendações internacionais de referencia vem consolidando o entendimento que a prática de “rotina diária de exames radiográficos na UTI” sem qualquer indicação clinica diagnóstica, de monitorização ou para avaliar procedimentos invasivos no tórax, deve ser abandonada, dando lugar à solicitação de exames de imagem, principalmente radiografias de tórax por demanda, dentro de cenários nos quais se estabeleça uma indicação clara, evitando assim, uma desnecessária exposição a radiação por parte de pacientes e profissionais da saúde e o dispêndio de gastos e recursos humanos que poderiam ser utilizados para melhorar a qualidade do atendimento dentro da UTI.

Menos ainda, no atual contexto de pandemia entro das unidades de terapia intensiva destinadas exclusivamente a pacientes portadores de Covid-19, em que não bastasse a necessidade de paramentação rigorosa dos técnicos em radiologia, obriga a muitas vezes quebrar as barreiras de isolamento (quando o exame for realizado em quartos com pressão negativa) e expõe desnecessariamente todos os profissionais de saúde à contaminação e/ou infecção pelo SARS-CoV-2.


[1] Trotman-Dickenson B: Radiology in the intensive care unit (Part I). J Intensive Care Med 2003, 18:198-210.

[2] https://www.acr.org/Clinical-Resources/ACR-Appropriateness-Criteria

[3] https://cbr.org.br/publicacoes-digitais/

[4] Expert Panel on Thoracic Imaging of the American College of Radiology: Routine Chest Radiograph Appropriatenes Criteria. 2008.

[5] American College of Radiology: Routine daily portable X-ray.[http://www.acr.org/].

[6] American College of Radiology . ACR Appropriateness Criteria. Routine Chest Radiograph. http://www.acr.org/SecondaryMainMenu Categories/quality_safety/app_criteria/pdf/ ExpertPanelonThoracicImaging/Routine ChestRadiographDoc7.aspx .

[7] https://cbr.org.br/publicacoes-digitais/

[8] Hejblum G, Chalumeau-Lemoine L, Ioos V, et al. Comparison of routine and on-demand prescription of chest radiographs in mechanically ventilated adults: a multicentre, cluster-randomised, two-period crossover study. Lancet 2009;374:1687-93.

[9] Oba Y, Zaza T. Abandoning daily routine chest radiography in the intensive care unit: meta-analysis. Radiology 2010;255:386-95.

[10] American College of Radiology ACR Appropriateness Criteria. Review 2011. https://formsus.datasus.gov.br/novoimgarq/19051/3230788_218117.pdf

[11] Ganapathy A, Adhikari NK, Spiegelman J, Scales DC. Routine chest x-rays in intensive care units: a systematic review and meta-analysis. Crit Care. 2012;16(2):R68. doi:10.1186/cc11321

[12] ACR Appropriateness Criteria Routine Chest Radiographs in Intensive Care Unit Patients. J Am Coll Radiol. 2013 Mar;10(3):170-4. doi: 10.1016/j.jacr.2012.11.013.

[13] Halpern SD, Becker D, Curtis JR, et al; Choosing Wisely Taskforce; American Thoracic Society; American Association of Critical-Care Nurses; Society of Critical Care Medicine. An oficial American Thoracic Society/American Association of Critical-Care Nurses/American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine policy statement: the Choosing Wisely Top 5 List in Critical Care Medicine. Am J Respir Crit Care Med. 2014;190 (7):818-826. doi:10.1164/rccm.201407-1317ST

[14] Abdullah Al Shahrani and Khaled Al-Surimi. Daily routine versus on-demand chest radiograph policy and practice in adult ICU patients- clinicians’ perspective. BMC Medical Imaging (2018) 18:4

[15] Trumbo SP, IamsWT, Limper HM, et al. Deimplementation of routine chest x-rays in adult intensive care units. J HospMed. 2019;14(2):83-89. doi:10.12788/jhm.3129

[16] Jinel Scott, et.al., Restricting Daily Chest Radiography in the Intensive Care Unit: Implementing Evidence-Based Medicine to Decrease Utilization. J Am Coll Radiol. 2020 Jul 9 doi: 10.1016/j.jacr.2020.05.035 [Epub ahead of print]

[17] Maley JH, Stevens JP. Low-Value Diagnostic Imaging in the Intensive Care Unit: A Teachable Moment. JAMA Intern Med. 2020 Oct 1;180(10):1368-1369. doi: 10.1001/jamainternmed.2020.2681. PMID: 32730564.

[19] https://www.acr.org/-/media/ACR/Files/Appropriateness-Criteria/RatingRoundInfo.pdf




terça-feira, 5 de janeiro de 2021

  

A P 0.1 COMO FERRAMENTA NO AUXÍLIO DO 

DIAGNÓSTICO DE ASSINCRONIAS

 

Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas[1].

Dr. Conrado de Oliveira Valadares[2]

Dra. Nathália Faria de Paula[3]

Dr. Dr. Jorge Yoshiyuki Morita[4].



INTRODUÇÃO

No post anterior, fizemos uma revisão atualizada sobre o conceito de drive respiratório em pacientes críticos sua fisiopatologia e implicâncias no manejo de pacientes na UTI. Destacamos que estudos realizados em pacientes sob ventilação mecânica tem demonstrado efeitos deletérios tanto do alto quanto do baixo drive respiratório. Altos esforços inspiratórios podem ocasionar lesão pulmonar auto infligida pelo paciente (P-SILI), e baixos esforços inspiratórios, fraqueza/atrofia do diafragma, comprometimento hemodinâmico e inadequada interação paciente-ventilador. Ainda, salientamos a importância da associação do alto e baixo drive respiratório com a ocorrência de assincronias ventilatórias. (http://blogdeterapiaintensiva.blogspot.com/).

O impulso ou drive respiratório, refere-se ao estímulo nervoso que sai dos centros respiratórios e que, por sua vez, determina o início da ação mecânica dos músculos respiratórios, também conhecida como esforço respiratório, definição que inclui tanto a magnitude quanto a frequência da contração dos músculos respiratórios[5] [6].

Atualmente, não existe um método para medir diretamente a atividade dos centros respiratórios (drive respiratório) a nível bulbar ou do tronco encefálico, portanto, esta é inferida clinicamente (visualização direta dos sinais clínicos de esforço respiratório) e por alguns dispositivos que tentam medir o esforço respiratório (atividade elétrica e contrátil da musculatura respiratória, principalmente do diafragma) como reflexo do drive respiratório. A contração muscular do diafragma provocará uma queda na pressão pleural e intratorácica que deflagará a inspiração. A atividade elétrica e contrátil do diafragma podem ser medidos indiretamente através da inserção de um cateter com balão esofágico. A ultrassonografia também podem ajudar a avaliar tanto a mobilidade (excursão) quanto o espessamento do diafragma (contração). Levando-se em consideração que a passagem de um balão esofágico para estimativa da pressão esofágica ou a avaliação da atividade elétrica do diafragma ou mesmo a realização de ultrassom diafragmático requerem tempo, equipamento e treinamento, a P 0.1 por sua uma estreita correlação com o esforço respiratório torna-se um instrumento útil e acessível para monitorização a beira leito do drive respiratório e seus efeitos nos pacientes da UTI[7].


CONCEITO

Define-se como P0.1 à pressão de oclusão das vias aéreas gerada durante os primeiros 100 mseg de um esforço inspiratório contra uma via aérea ocluída. A manobra para sua aferição foi descrita pela primeira vez em 1975 por William A. Whitelaw e col., que fizeram pacientes jovens de sexo masculino saudáveis inspirar aleatoriamente contra uma via aérea ocluída (ambas válvulas). Eles descobriram que a diminuição da pressão das vias aéreas (Pva) durante os primeiros 100 mseg (ou seja, 0,1 seg) de uma inspiração contra uma via aérea ocluída foi relativamente constante, e chamaram este novo parâmetro de P0.1. A partir do estudo do Whitelaw e de outros que se sucederam, a manobra foi padronizada de acordo com as seguintes caraterísticas e condições[8] [9] [10] [11] [12] [13]:

1. Durante o 100 primeiros mseg, não há reação consciente ou inconsciente do paciente frente a uma oclusão da via aérea inesperada.

2. Deve iniciar no final da expiração, onde qualquer queda na Pva será independente da pressão de recuo do pulmão ou do tórax.

3. No final da expiração, sendo o fluxo zero, a P0.1 será independente da resistência da via aérea, e não haverá mudança no volume pulmonar que poderia induzir reflexos respiratórios inibitórios ou modificar a relação força-velocidade.

4. P0.1 se correlaciona bem com o ETCO2, o esforço inspiratório medido tanto pelo trabalho da respiração (WOB) ou o produto pressão-tempo (PTP).

5. P0.1 ainda é confiável até certo ponto, durante estados de fraqueza do músculo respiratório, se a respiração espontânea estiver preservada

6. Classicamente a manobra é feita com fechamento de ambas as válvulas (insp. e exp.) por um curto período (<300mseg). Entretanto, equipamentos modernos a realizam apenas com fechamento da válvula inspiratória ou ainda ciclo a ciclo, sem fechamento de válvulas, extrapolando o valor para 100mseg.

7. P0.1 aumenta proporcionalmente com o aumento da pCO2, principal determinante do impulso respiratório, mesmo durante a fraqueza dos músculos respiratórios.

8. Na maioria dos respiradores a P0.1 começa a ser medida quando houver uma queda mínima de 0.5cmH2O abaixo da pressão basal (ZEEP ou PEEP)

As Fig. 1, resume graficamente o conceito clássico da P0.1:

 


Figura 1. Medição da pressão de oclusão das vias aéreas (P 0.1)
Adaptado de: https://coemv.ca/airway-occlusion-pressure-p0-1/

 

VALORES DE REFERÊNCIA[14] [15] [16]:

  • A P 0.1 representa pressões negativas, apesar de tradicionalmente ser reportada em valores positivos.
  • Em indivíduos saudáveis, P0.1 varia entre 0,5 e 1,5 cmH2O (média de 1cmH2O).
  • Em pacientes estáveis não intubados com DPOC, P0,1 varia entre 2,5 e 5,0 cmH2O.
  • Em pacientes com SARA sob ventilação mecânica, intervalos de P0.1 de 3,0 a 6,0 cmH2O foram relatados
  • Durante o desmame valores de 1,0 a até 13 cmH2O tem sido relatados.
  • Em pacientes ventilados mecanicamente, valores acima de 3,5 cmH2O foram associados ao aumento do esforço (sensibilidade de 92% e especificidade de 89%). Porém, mais estudos são necessários para validar que valores abaixo de 1,5 e acima de 3,5 cmH2O podem ser baixos ou excessivos em pacientes sob ventilação assistida
  • Pode se considerar como P0.1 alta (drive elevado) valores >3.5 – 4.0 cmH2O como P0.1 baixa (drive baixo) valores <1.1 cmH2O.


CÓMO É MEDIDA A P0.1 NOS VENTILADORES?

Os ventiladores usam métodos diferentes para medir a P0.1 e isso tem sido uma preocupação constante a respeito de, se tais valores aferidos refletem com acurácia o drive respiratório. Alguns realizam verdadeiramente uma oclusão da via aérea no final da expiração com fechamento de ambas as válvulas (insp. e exp.) por um curto período (<300mseg). Entretanto, equipamentos modernos a realizam apenas com fechamento da válvula inspiratória ou ainda ciclo a ciclo, sem fechamento de válvulas, extrapolando o valor para 100mseg.

Em setembro de 2019, Beloncle e col., avaliaram a medida da P0.1 aferida por cinco ventiladores diferentes (Covidien - PB980®, Drager - Evita 4®, GE - Carescape R860®, Löwestein - Elisa 800® e Maquet - Servo-u®). Para tanto, a P0.1 de referência era estimada por um simulador de esforço que determinava P0.1 de 2,5, 5 e 10cmH2O (P0.1ref), comparando com valores obtidos com um pneumotacógrafo que inferia a P0.1 das vias aéreas (P0.1aw), com valores obtidos por um sensor posicionado em vários pontos do circuito (P0.1circuit) e com a P0.1 mensurada por cada ventilador (P 0.1vent). Este estudo demonstrou que as mudanças relativas nos valores de P0.1 exibidos na tela do ventilador se correlacionam bem com as mudanças na P0.1 de referência (P0.1ref). No entanto, subestimam a medida absoluta da P0.1, com diferenças marcantes entre os diferentes ventiladores. Todos os ventiladores realizam uma oclusão de 100ms, exceto o Servo-u®, que faz uma medição contínua (respiração a respiração), baseada no delay entre o início do esforço e o disparo do ventilador, mas supreendentemente mostrou valores mais próximos à P0.1 referência que outros ventiladores. De um ponto de vista geral, as variações de P0.1 podem ser mais interessantes do que os valores absolutos de P0.1. Portanto, para um determinado paciente, as alterações na P0.1 exibidas pelo ventilador devem estimar com segurança as alterações no drive respiratório[17].

Mais recentemente, em fevereiro de 2020, Telias I. e col., publicaram um estudo em que realizam uma análise de três ensaios clínicos em pacientes (APRV/BiPAP, MYOTRAUMA e EFFORT) e um em indivíduos saudáveis (RegAIN), sob ventilação assistida, comparando o esforço inspiratório e drive medido pela pressão esofágica (Peso) e/ou atividade elétrica do diafragma (EAdi), pela P0.1 referência estimada através de simulador (P0.1 ref) e pela P0.1 de cada ventilador (P0.1vent).  Além disso, eles determinaram a relação entre P0.1 e o produto pressão-tempo dos músculos inspiratórios (PTP). Houve um viés médio baixo para P0.1vent em comparação com P0.1ref para a maioria ventiladores, mas a precisão variou; em pacientes de estudos clínicos a precisão foi menor que em saudáveis. A P0.1 estimativa por ventiladores que não realizam oclusões poderiam subestimar P0.1ref. Concluem, entretanto, que a P0.1 é uma ferramenta confiável à beira do leito para avaliar o impulso respiratório e detectar lesões potencialmente graves associadas a ventilação mecânica, usando os valores de alto drive respiratório como P0.1 > 4.0 cmH2O e baixo drive respiratório como P0.1 < 1,1 cm H2O medido pela P0.1ref, apesar das diferenças encontradas entre a P0.1vent e a P0.1ref[18]. Esses resultados são encorajadores, pois sugerem que P0.1 medido por alguns ventiladores pode ser usado para identificar pacientes com valores anormalmente altos ou baixos de drive respiratório. Algumas ressalvas permanecem, no entanto. Primeiro, como os autores reconhecem, os limiares usados ​​para definir limites dos riscos são derivados de análises retrospectivas de pacientes com fracasso no desmame. Não está claro se a produção do músculo respiratório nestes pacientes foi a única ou principal razão para o insucesso do desmame. Segundo, os limites selecionados aqui se aplicam a apenas uma pequena fração dos pacientes; na maioria dos pacientes, P0.1 estava entre o alto e o baixo limiares, e em tais pacientes os resultados de P0.1 seriam ambíguos. O Conhecimento em fisiologia na interpretação de P0.1 é indispensável. Certos fatores ​podem modificar as medições P0.1 e dificultar a interpretação em relação ao drive respiratório. Por exemplo, hiperinsuflação dinâmica, atividade muscular expiratória, distorção da parede torácica, fraqueza muscular respiratória, uso de bloqueador neuromuscular e a forma da onda de pressão inspiratória. Na presença de fraqueza muscular, elastância alta da parede torácica, hiperinsuflação dinâmica ou respiração paradoxal, um alto impulso respiratório associado a desconforto respiratório pode resultar em baixa P0.1 gerando conflito entre a impressão clínica e o “esforço muscular inspiratório” obtido pela P0.1vent. Por outro lado, um baixo impulso respiratório não está necessariamente associado com baixo esforço muscular inspiratório e baixa P0.1. Por exemplo, recrutamento de músculos expiratórios em resposta a PEEP extrínseca poderia estar associada a P0.1 alta, apesar de um fraco esforço inspiratório. Apesar dos avanços, algumas questões importantes permanecem ainda para serem definidas: 1) qual seria o limiar para lesão induzida por esforço muscular inspiratório (P-SILI) e 2) monitorar P0.1 e esforços musculares inspiratórios em pacientes críticos sob ventilação mecânica alteram os desfechos? Estudos prospectivos futuros precisarão abordar essas questões[19].

Alguns exemplos de medição da P0.1 por alguns modelos de ventiladores são mostrados a seguir.


1. RESPIRADOR DIXTAL (TECME).

 

  • Ao selecionar o teste no menu de Mecânica Respiratória, o ventilador passa automaticamente ao modo CPAP com PSV zero. Ao começar a manobra, o ventilador analisa o ciclo respiratório durante 2 respirações, identificando inspiração e expiração.
  • Durante a última expiração, produz-se a oclusão da válvula inspiratória, e a válvula expiratória fica aberta. A medição da P0.1 começa quando o ventilador detecta uma queda de pressão de –0,5cmH2O com relação ao nível de pressão basal.
  • A partir desse momento, começam a contagem de 100ms e a medição da P0.1. O resultado é expresso como valor absoluto obtido em referência ao nível de pressão basal (Fig. 2, VIDEO 1).

 

Fig.2. Manual do Respirador Dixtal 3012



2. RESPIRADOR HAMILTON MEDICAL[20]


  •  Maximiza a liberdade do paciente. 
  • Sem oclusão. As válvulas inspiratórias permanecem abertas para garantir a respiração livre a qualquer momento (conceito bifásico).
  •  Uma resposta rápida compensa as quedas de pressão antes de 100 mseg. A pressão é compensada antes dos primeiros 100 mseg.
  • O ventilador calcula a tangente mais acentuada da queda na curva de pressão durante um esforço inspiratório. Isso é mostrado no gráfico como um triângulo branco e descreve o gradiente mínimo de ∆t / ∆P.
  •  Uma vez que o gradiente mínimo é calculado, o valor P0.1 é a extrapolação para 100 mseg após a pressão cair abaixo da PEEP.
  •  Mostrado no gráfico como um triângulo com linhas brancas pontilhadas, P0.1 é a queda de pressão abaixo da PEEP.
  •  No exemplo abaixo: P0.1 = Paw (100 ms) - PEEP = - 4 (extrapolada) – 5 = -9 cmH2O (Fig.3).


Fig. 3. Medida da P0.1 pelo ventilador Hamilton

 

3. RESPIRADOR MAQUET[21] [22]


Os ventiladores servo não realizam uma oclusão para medir P0.1. P0.1vent é estimado extrapolando a queda na Pva durante a fase de gatilho de cada respiração a 100 mseg (Fig.4).


                                            Fig.4 Medida da P0.1 no ventilador da Maquet.

 

4. RESPIRADOR DA COVIDIEN (PURITAN BENNET 840) E DA DRAGGER[23] [24]

 

No Puritan Bennet 840 e nos da Dragger (Alemanha), a P0.1 é calculada por uma oclusão expiratória final  (<300 mseg) e critérios específicos

 

Fig.5 Medida da P0.1 no ventilador da Covidien

 

 

FATORES DE ERRO[25] [26] [27]

 

  • Variabilidade respiração a respiração significativa de P0.1. Deve ser obtida uma média de 3-4 valores de P0.1.
  • Descompressão de ar no circuito (vazamentos) pode resultar em subestimação de P0.1.
  • Ventiladores podem usar métodos diferentes para medir P0.1. Alguns ventiladores realizam uma curta oclusão apenas da válvula inspiratória quando uma manobra é ativada, mas outros realizam uma estimativa com base na fase de disparo, frequentemente inferior a 50 mseg, o que poderia resultar em subestimação de P0.1, especialmente se o esforço inspiratório é alto. 
  • Hiperinsuflação dinâmica, atividade muscular expiratória, respiração paradoxal, distorção da parede torácica, fraqueza muscular respiratória, uso de bloqueador neuromuscular e a forma da onda de pressão inspiratória podem subestimar a P0.1. Por outro lado, recrutamento de músculos expiratórios em resposta a uma PEEP extrínseca poderia estar associada a superestimação da P0.1 alta, apesar de um fraco esforço inspiratório.
  • Em pacientes com PEEP intrínseca há um atraso entre o início do esforço inspiratório e a queda na pressão das vias aéreas durante a manobra, podendo a P0.1 restar subestimada. Entretanto, essa diferença pode ser pequena desde que o fluxo seja zero durante a fase de disparo (fig. 6).





Fig.6 Efeito da PEEP intrínseca na medida da P0.1
Referência: https://coemv.ca/airway-occlusion-pressure-p0-1/
 

 

USOS DA P0.1[28] [29]

  • A P 0.1 tem sido utilizada para avaliar insucesso no desmame da ventilação mecânica assim como para avaliar o suporte oferecido, principalmente no modo PSV, uma vez que ao estimar a intensidade do esforço respiratório se torna uma forma de gerenciar o nível de assistência ofertado e guiar melhor as estratégias de ventilação protetora. O suporte ventilatório guarda assim uma relação inversamente proporcional com o drive respiratório agindo como uma espécie de feedback. Baixo suporte ventilatório se refletirá num aumento do drive (maior demanda) e alto suporte ventilatório em redução do drive (menor demanda). Quanto mais alta tiver a P 0.1 entende-se que mais hiper estimulado está o centro respiratório e da mesma forma ao contrário, quanto mais baixa estiver menos estimulada estará a atividade do centro respiratório. Tanto níveis excessivos quanto insuficientes de esforço inspiratório não refletem um bom prognóstico para o desmame. Análise conjunta com o trabalho respiratório (WOB), produto Pressão x Tempo x min (PTP) e avaliação da mobilidade e espessamento do diafragma melhoram a acurácia.

 

 

Figura 7.  P0.1 e nível de pressão de suporte . Telias I, et.al. The airway occlusion pressure (P0.1) to monitor respiratory drive during mechanical ventilation: increasing awareness of a not-so-new problem. Intensive Care Med. Set. 2018.


  • Ajuste da PEEP em pacientes com hiperinsuflação e PEEP intrínseca. Uma redução da  P0.1 após a adição de PEEP externa indica uma quedana  PEEPi e no WOB com sensibilidade e especificidade razoável.
  • Monitoramento do impulso respiratório em pacientes com SARA submetida a ECMO venoso-venosa. Uma mudança na PaCO2 foi bem refletida pela P0.1.
  • Preditor de sucesso ou fracasso do desmame. Originalmente, um alto P0.1 durante um TRE foi associado a falha. Embora sem consenso sobre qual cut-off será apropriado para uso como critério, valor alto (por exemplo, maiores que 6 cmH2O) tem sido associados com falha no desmame.

USO DA P0.1 NO DIAGNÓSTICO E MANEJO DAS ASSINCRONIAS


Porém, a P 0.1 não se limita somente a um prognóstico para o desmame e pode ser uma técnica viável, rápida e não invasiva a beira leito na avaliação de assincronias[30].

Define-se assincronias entre paciente e ventilador como a inadequação entre a demanda do paciente e o nível de assistência. A dissonância entre o fornecimento de respirações mecânicas, o tempo respiratório neural e a necessidade do paciente é relativamente frequente sob ventilação mecânica e está associada a efeitos clínicos adversos tais como desconforto do paciente, aumento da necessidade de sedativos e bloqueadores neuromusculares e prolongamento do tempo de ventilação mecânica[31].

Conforme já mencionado, impulsos respiratórios excessivos podem resultar em fortes esforços inspiratórios no contexto de assistência insuficiente levando a P-SILI (lesão pulmonar auto-infligida pelo paciente), bem como baixos impulsos, no contexto de elevada pressão de suporte ou sedação excessiva resultam em esforços fracos ou ausentes que levam a atrofia do diafragma.

Em 2018, Pham et al[32]   propuseram que as assincronias também podem ocorrer por mecanismos como consequência direta da intensidade do drive respiratório:

  • Drive respiratório alto: Flow starvation (fome de fluxo ou de ar), Short (or premature) cycling: double triggering/breath-stacking (ciclagem precoce: duplo disparo com ou sem empilhamento)
  • Drive respiratório baixo: Reverse triggering resulting in ineffective effort or double cycling (disparo reverso resultando em esforço ineficaz ou duplo disparo), Delayed cycling (ciclagem tardia), Ineffective efforts (esforço ineficaz), Central apneas during sleep (apneia central durante o sono).

Mais recentemente, neste ano 2020 o Prof. Laurent Brochard[33] numa conferência virtual falando sobre assincronias e seus mecanismos apresentou uma modificação na classificação apresentada por Pham:

  • Sem drive respiratório (sedação profunda): Disparo Reverso (reverse triggering), com ou sem “empilhamento” de volumes (breath-stacking)
  • Com drive excessivamente baixo (ventilação excessiva): Ciclos prolongados (prolonged cycles), apneias (apneas), esforço ineficaz (ineffective inspiratory effort), ocorre em grupos.
  • Com drive respiratório alto: Ventilação é insuficiente (volume, fluxo, tempo), para satisfazer às demandas do paciente: ciclagem precoce (short cycle), com ou sem duplo disparo (double triggering) e “fome de ar” (flow starvation).

Entretanto, talvez o disparo reverso mereceria uma atenção especial quanto à sua classificação pelo drive respiratório. Pela definição original de 2013, para caracterizar o disparo reverso sempre deve estar deve estar precedido por um ciclo CONTROLADO que, ao estimular receptores de estiramento estimulariam de forma reflexa o centro respiratório gerando drive[34]. Sendo assim o primeiro ciclo deve estar precedido de uma P0.1 = 0, já que pressupõe um centro respiratório deprimido (por sedação profunda) ao ponto de não conseguir emitir impulsos respiratórios (sem drive). O ciclo controlado estimularia receptores de estiramento pulmonar que de forma reflexa e “reversa” conseguem estimular o centro respiratório e desencadear drive. Pelas caraterísticas do primeiro ciclo gerador da assincronia tratar-se-ia de uma ASSINCRONIA COM DRIVE AUSENTE.

Entretanto, o impulso respiratório reflexo e “reverso” (drive) irá gerar um esforço respiratório e consequentemente uma Pva negativa (P0.1 ≠ 0). Ainda, dependendo da intensidade do impulso respiratório gerado, o esforço respiratório poderá não suficiente para gerar o disparo (disparo reverso sem duplo disparo, mas com esforço ineficaz, ou ser suficiente para efetuar o disparo (disparo reverso propriamente dito com duplo disparo). Por essa linha de raciocínio seria na verdade ASSINCRONIA COM DRIVE SECUNDÁRIO REFLEXO DE INTENSIDADE VARIÁVEL.

Ainda, em se tratando de estímulos reflexos e reversos a partir de receptores pulmonares de estiramento (mecanorreceptores) gerando a partir da insuflação passiva pulmonar, resulta plausível pensar que ciclos gerados por auto - disparo ou mesmo por disparos gerados primariamente pelo centro respiratório também sejam capazes de estimular tais mecanorreceptores. Taiga Itagaki e col., em 2018, monitorizando pacientes com pressão esofágica, em ventilação mecânica sob sedação leve, conseguiram demostrar a ocorrência de padrões típicos de disparo reverso seguindo a ciclos de auto disparo provocados por vazamentos de ar decorrentes de baixa pressão do cuff (melhora com ajuste da pressão)[35]. Ainda, a própria fisiopatologia deste tipo de drives gerados a partir de estímulos que originam em receptores pulmonares que por via reflexa e reversa estimulam o centro respiratório abre a possibilidade para um leque de opções de assincronias a depender do momento em que o estímulo reverso for gerado (antes ou depois da ciclagem).

Da mesma forma, no caso de Auto-Disparos, nos quais inexiste de fato drive e esforço respiratório a P0.1 deveria ser = 0. Entretanto, como se trata de uma medida da pressão na via aérea, os efeitos dos fatores provocadores dessa assincronia podem gerar uma pressão negativa suficiente para ser registrada pelo ventilador, expressando uma P0.1 que não expressa drive respiratório. Nestes casos, deveria se auxiliar de outra ferramenta para auxiliar no diagnóstico de atividade muscular (observação clínica de esforço muscular, ultrassom de diafragma, pressão esofágica, atividade elétrica do diafragma).

Em razão destas considerações e, seguindo a linha de raciocínio do grupo canadense de Toronto (Telias, Pham, Brochard) propõe-se uma alteração na classificação das assincronias pelo drive respiratório, adotando como limiares aqueles referidos recentemente no estudo do mesmo grupo[36].


ASSINCRONIAS POR DRIVE RESPIRATÓRIO PRIMÁRIO ALTO (P0.1 > 3.5 – 4.0 cmH2O)

1.1 Assincronia de ciclagem: (Cycling Asynchrony) - ciclagem precoce (Short Cycling).

1.2 Assincronias de fluxo: (Flow Asynchrony) - “fome de fluxo” (Flow Starvation) que a depender da fase do ciclo poderá gerar:

Overshoot de Saída na curva de pressão, Com o Sinal do “M” na de fluxo (antes da ciclagem) ou Duplo disparo (Double Triggering) após a ciclagem. Nessas situações poderá ocorrer empilhamento de volumes (breath-stacking).

 

2. ASSINCRONIAS POR DRIVE RESPIRATÓRIO PRIMÁRIO BAIXO (P0.1 <1.1 cmH2O)

2.1 Assincronia de ciclagem: (Cycling Asynchrony) - ciclagem tardia (Delayed Cycling).

2.2 Assincronias de fluxo: (Flow Asynchrony) - “nojo de fluxo (Flow Rejection), que que a depender da fase do ciclo poderá gerar:

Overshoot de Saída na curva de pressão Sem o Sinal do “M” na de fluxo (antes da ciclagem) ou Atrasos de disparo (Triggering Delay), Esforços ineficazes (Ineffective Effort) e Apneias centrais (Central Apnea) após a ciclagem.

 

3. ASSINCRONIAS SEM DRIVE RESPIRATÓRIO

3.1 Auto-disparos (Auto-Triggering): O ventilador poderá estimar uma P0.1 que reflita uma queda de pressão no circuito, mas que não refletirá drive respiratório. Nestes casos, deveria se auxiliar de outra ferramenta para auxiliar no diagnóstico de atividade muscular (observação clínica de esforço muscular, ultrassom de diafragma, pressão esofágica, atividade elétrica do diafragma.


4. ASSINCRONIA POR DRIVE SECUNDÁRIO REFLEXO VARIÁVEL:

4.1 Disparo Reverso (Reverse Triggering)

 

 CONCLUSÕES

 

A P0.1 é uma ferramenta útil e prática que pode auxiliar tanto o diagnóstico quanto o manejo das assincronias associadas a alto e baixo drive respiratório dos pacientes na UTI, desde que aferida de preferência em respiradores que efetuem verdadeiramente uma manobra oclusiva e, se tenha o cuidado de afastar os fatores que induzam a erros de interpretação, tanto na subestimação, quanto na superestimação.

É importante frisar que a P0.1 nunca deve ser utilizada de forma isolada para sustentar um possível diagnóstico de assincronia. Há sempre que contextualizar a avaliação analisando o tipo de paciente (anatomia osteomuscular da caixa torácica, existência de doenças musculares previas, existência de doenças neurológicas ou musculares de base, etc.), uso de medicações depressoras do SNC, bloqueadores neuromusculares, nível de sedação, caraterísticas clínicas do drive respiratório (esforço muscular visível a nível intercostal, de fúrcula esternal, abdominal), observação visual da interação entre a ventilação fornecida pelo respirador e a resposta da musculatura respiratória (“fome de fluxo” ou “rejeição de fluxo”), ajustes dos parâmetros do ventilador principalmente no tocante ao nível de suporte e sensibilidade, possibilidade de existência de dor, febre, taquicardia,  hipersecreção brônquica, secreções ou vazamento no circuito ou pelo tórax do paciente (fistulas, toracostomias).

Ainda, a ultrassonografia do diafragma, a estimativa do trabalho respiratório (WOB) fornecido por alguns ventiladores e o uso da ETCO2 (para avaliar possíveis efeitos de hipercapnia/hipocapnia) são importantes ferramentas à beira leito, não invasivas, que certamente aumentarão a acurácia do diagnóstico diferencial antes mesmo de recorrer à manométrica de esôfago ou estimativa da atividade elétrica do diafragma.


[1] Médico Especialista em Medicina Intensiva. Responsável Técnico e Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos. Coordenador da Residência em Medicina Intensiva – COREME e membro do Grupo Técnico de Enfrentamento à COVID -19 da Santa Casa de São Jose dos Campos - SP.

[2] Médico Diarista da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos – SP.

[3] Médica Residente do Programa de Medicina Intensiva – CNRM. Santa Casa de São Jose dos Campos - SP.

[4] Médico da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos- SP

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[14] Telias, I., et.al., Airway Occlusion Pressure as na estimate of respiratory drive and inspiratory effort during assisted ventilation. AJRCCM Articles in Press. Published February 25, 2020 as 10.1164/rccm.201907-1425OC.

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[16] https://coemv.ca/airway-occlusion-pressure-p0-1/

[17] Beloncle F, Piquilloud L, Olivier P, Vuillermoz A, Yvin E, Mercat A, Richard J. Accuracy of P0.1 measurements performed by ICU ventilators: a bench study. Ann. Intensive Care. Set. 2019; 9: 104.

[18] Telias, I., et.al., Airway Occlusion Pressure as na estimate of respiratory drive and inspiratory effort during assisted ventilation. AJRCCM Articles in Press. Published February 25, 2020 as 10.1164/rccm.201907-1425OC.

[19] Catherine S. Sassoon  and Magdy Younes. Airway Occlusion Pressure Revisited. American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine Volume 201 Number 9 | May 1 2020.

[20] https://www.hamilton-medical.com/pt/E-Learning-and-Education/Knowledge-Base/Knowledge-Base-Detail~2018-09-04~How-do-Hamilton-Medical-ventilators-monitor-P0-1~d6a70cb1-e867-4723-bc6f-c410d5286b35~.html

[21] Telias, I., et.al., Airway Occlusion Pressure as na estimate of respiratory drive and inspiratory effort during assisted ventilation. AJRCCM Articles in Press. Published February 25, 2020  as 10.1164/rccm.201907-1425OC.

[22] https://coemv.ca/airway-occlusion-pressure-p0-1/

[23] Telias, I., et.al., Airway Occlusion Pressure as na estimate of respiratory drive and inspiratory effort during assisted ventilation. AJRCCM Articles in Press. Published February 25, 2020  as 10.1164/rccm.201907-1425OC.

[24] https://coemv.ca/airway-occlusion-pressure-p0-1/

[25] Telias I, Damiani F, Brochard L. The airway occlusion pressure (P0.1) to monitor respiratory drive during mechanical ventilation: increasing awareness of a not-so-new problem. Intensive Care Med. Set. 2018;44:1532–1535

[26] Catherine S. Sassoon  and Magdy Younes. Airway Occlusion Pressure Revisited. American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine Volume 201 Number 9 | May 1 2020.

[27] https://coemv.ca/airway-occlusion-pressure-p0-1/

[28] Telias I, et.al. The airway occlusion pressure (P0.1) to monitor respiratory drive during mechanical ventilation: increasing awareness of a not-so-new problem. Intensive Care Med. Set. 2018

[30] Telias, I., et.al., Airway Occlusion Pressure as na estimate of respiratory drive and inspiratory effort during assisted ventilation. AJRCCM Articles in Press. Published February 25, 2020  as 10.1164/rccm.201907-1425OC.

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[36] Telias, I., et.al., Airway Occlusion Pressure as na estimate of respiratory drive and inspiratory effort during assisted ventilation. AJRCCM Articles in Press. Published February 25, 2020 as 10.1164/rccm.201907-1425OC.