domingo, 10 de fevereiro de 2019

EDEMA PULMONAR DE RE-EXPANSÃO (E.P.R.E.) E O ULTRASSOM PULMONAR COMO PARTE DA PROPEDÊUTICA.

Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.


O Jornal americano CHEST deste mês de fevereiro traz um caso muito interessante sobre uma patologia pouco frequente: O EDEMA PULMONAR DE RE-EXPASÃO (E.P.R.E.) Reexpansion pulmonary edema (REPE). A propósito do caso, faz uma rápida revisão sobre o tema dando especial ênfase ao uso da ultrassonografia pulmonar a beira leito (ultrassom point-off-care - POCUS) no diagnóstico e monitorização de sua resolução como alternativa eficaz a exames convencionas como radiografia e tomografia de tórax[ARTIGO CHEST].

A propósito desse caso e salientando que as imagens e o caso pertencem ao artigo acima citado, faremos esta revisão e discussão fazendo algumas adaptações no contexto descrito.

CASO RELATADO:

Paciente de sexo masculino, de 46 anos de idade apresentou-se no PS referindo dor torácica à direita de forte intensidade e de início súbito, tosse seca e dispneia, sem relato de febre. História pessoal pregressa de tabagismo desde os 15 anos. Sem relatos de medicamentos de uso continuo.

Na admissão no PS, o paciente estava com dor torácica intensa à direita. No exame clínico inicial apresentava na ausculta respiratória MV abolido no HTD. Sinais vitais: PA =140/80 mmHg; FC= 75 bpm; FR=20 rpm; TAX= 37ºC; e Sa02=94% em ar ambiente. Exames laboratoriais sem achados relevantes.

Radiografia de tórax mostrou colapso do pulmão direito resultante de pneumotórax espontâneo, já que não havia relato de trauma torácico associado (figura 1).

Figura 1. Rx de tórax na admissão

Feita drenagem de tórax com selo d´água no quarto espaço intercostal e linha axilar média. Após drenagem o paciente começou a tossir e a apresentar tremores. Rx de tórax controle após a drenagem, mostrou a expansão do pulmão, revelando, no entanto, uma área de hipodensidade no 1/3 médio e basal do pulmão direito (figura 2):

Figura 2. Rx de tórax controle, pós drenagem

Levantada hipótese de pneumonia comunitária (PAC) foi escalonado empiricamente antibiótico a base de levofloxacina 750 mg 12/12h.

2 horas depois da drenagem, o paciente evolui com piora da dispneia. Sa02 caiu para 86% apesar de estar com CBN e suplemento de oxigênio a 4 L/min. O CBN foi substituído por máscara facial com reservatório a 8L/min, obtendo uma melhora da saturação para 96%.

Uma ultrassonografia pulmonar à beira do leito (POCUS) foi realizada, mostrando sinais de um pequeno pneumotórax na parte superior do pulmão direito (presença de linhas A, ausência de deslizamento pleural e de linhas B), com presença do sinal do ponto pulmonar (lung point) na linha axilar anterior, consolidação no lobo inferior direito com presença de broncograma aéreo estático e dinâmico e áreas de  síndrome intersticial nas áreas remanescentes associadas a uma linha pleural irregular: 
A ultrassonografia pulmonar mostra no vídeo, na primeira parte, uma ampla consolidação de todo o lobo inferior direito, com broncograma aéreo, mostrado o pulmão com ecotextura parecida com o fígado (hepatizaão) traduzindo imagem de consolidação ultrassonográfica. Na segunda parte, com uma sonda linear, vemos o pneumotórax no quarto espaço intercostal medial ao mamilo, visualizando-se o ponto pulmonar (lung point) na linha axilar anterior. Na terceira parte do videi, observa-se, perto do ponto pulmonar, uma área de edema intersticial caraterizado pela presença de linhas B patológicas e irregularidade da linha pleural. 

Uma tomografia computadorizada de tórax foi realizada. O laudo descreveu um pequeno pneumotórax apical e uma consolidação inflamatória no lobo inferior direito. O quadro intersticial de natureza infecciosa também foi visto na parte superior do lobo médio. Nenhum derrame pleural foi evidenciado (figura 3).


Figura 3. TC de tórax pós drenagem

O paciente foi então submetido a VNI com 7 cm H2O de PEEP. Monitorou-se com USG pulmonar a cada 2 horas e observou-se um recrutamento alveolar rápido da área de consolidação. 
A ultrassonografia pulmonar é repetida durante uma ventilação não invasiva (VNI), usando 7 cm H2O de PEEP. Apreciamos o recrutamento de áreas distais dentro da consolidação.

Importante redução da área de consolidação ocorreu 8 h após o diagnóstico (4h com PEEP e 4h com oxigênio através de cânula nasal). 
Se compararmos este vídeo com os primeiros, podemos ver uma grande redução na dimensão da área consolidada (o fígado está à direita), enquanto a área intersticial na periferia é maior.

Resolução completa da consolidação ocorreu após 48 h, com sinais apenas de síndrome intersticial residual. O Rx normalizou nos 2 dias subsequentes. O paciente recebeu alta após 5 dias de internação.

DISCUSSÃO:

O edema pulmonar de reexpansão (EPRE) é uma doença que ocorre como complicação da reexpansão do pulmão colabado, após drenagem de um pneumotórax, derrame pleural ou após reexpansão de uma atelectasia existente previa de outra etiologia. Foi descrito pela primeira vez em 1958[1].

Sua incidência é considerada rara. Echevarria e col., publicaram um artigo no qual consultaram o Medline e pesquisaram artigos datados de 1950 a janeiro de 2008. Dos 233 artigos revisados, 13 forneceram informações sobre a existência de EPRE com incidência relatada de 0% a 1%. Mynarek e col. encontraram ocorrência 0 de EPRE após investigar 711 procedimentos de toracocentese guiados por ultrassonografia realizados em 371 pacientes. Rozenman e col. detalharam sua experiência em um período de 8 anos em que 180 pacientes apresentaram 320 episódios de pneumotórax e apenas em 3 dos 320 casos, EPRE foi diagnosticado. Todos esses artigos concluem que a EPRE, em geral, é realmente uma entidade rara[2].

Quanto à sua etiologia, a causa do EPRE é ainda hoje considerada desconhecida. Apesar de mais de 60 relatos de casos terem sido descritos na literatura em um período de 50 anos, a fisiopatologia dessa entidade é ainda obscura. Muitos autores citam como fatores predisponentes: o tempo prolongado de colapso (> 3-7 dias); rapidez da reexpansão (< 10 min usando um sistema de sucção); intensidade da reexpansão (evacuação de > 2.000 mL em caso de derrames, sendo recomendado 1-2L a cada 2 horas) como principais fatores predisponentes do EPRE. Alguns dos fatores de risco descritos parecem ser tabagismo, idade (aumento do risco em pacientes mais jovens) e sexo (maior no sexo feminino)[3] [4]. Meriand e col., também sugerem um aumento da permeabilidade microvascular e/ou alveolar pulmonar, já que em seu estudo, PCP e PAP normais descartaram aumento da pressão hidrostática como causa[5]. Entretanto publicações mais recentes em paciente com função ventricular diminuída apontam que uma reexpansão pulmonar após evacuação de liquido ou ar associado à inspiração do paciente, gerará pressões pleurais negativas, aumento do retorno venoso e do enchimento ventricular com consequente aumento da pressão transpulmonar (pressão intracavitária – pressão pleural), e da pós-carga ventricular, prejudicando o desempenho ventricular com consequente aumento da pressão capilar pulmonar e edema intersticial[6].

Numa consulta atualizada usando como fonte o UpToDate, encontramos que EPRE é considerado uma das formas de Edema Pulmonar Não Cardiogênico (EPNC)[7] que geralmente ocorre unilateralmente após rápida reexpansão do pulmão colapsado (tipicamente por mais de três dias) em pacientes com pneumotórax, com taxas variando de 16 a 33%. Os fatores de risco incluem diabetes, tamanho do pneumotórax e presença de derrame pleural. Embora raramente (1%), pode seguir-se a evacuação de grandes volumes de líquido pleural (> 1 a 1,5 litros) ou a remoção de um tumor endobrônquico obstrutivo que provocou atelectasia. O mecanismo fisiopatológico é desconhecido. Os mecanismos propostos incluem lesão direta e disfunção do surfactante no pulmão atelectásico crônico, aumento das pressões transpleurais quando pressões pleurais excessivamente negativas são criadas durante a remoção de fluidos ou ar, ou lesão indireta da reperfusão da área reexpandida. O EPRE parece estar relacionado à rapidez da reexpansão pulmonar e à gravidade e duração do colapso pulmonar antes da reexpansão. No entanto, um estudo que examinou o desenvolvimento de edema pulmonar de reexpansão após toracocentese mostrou que era independente do volume de líquido retirado e das pressões pleurais, e recomendou que mesmo grandes derrames pleurais fossem drenados completamente enquanto a dor torácica ou a pressão pleural expiratória final fossem menores que -20 cmH2O. Os pacientes geralmente desenvolvem rapidamente o quadro (minutos a horas), embora a apresentação possa ocorrer após 24 a 48 horas em alguns casos. O curso clínico varia de alterações radiográficas isoladas a colapso cardiopulmonar completo, mas a maioria dos pacientes apresenta dispneia de início agudo, tosse e hipoxemia. Os achados típicos de TC incluem opacidades em vidro fosco ipsilaterais, espessamento septal, consolidação focal e áreas de atelectasia. Uma taxa de mortalidade tão alta quanto 20% foi descrita em uma pequena revisão. No entanto, consistente com a nossa experiência, a mortalidade é muito menor com as séries maiores e posteriores relatando uma taxa de mortalidade inferior a 5%[8].

Muitos autores acreditam que o EPRE deve ser incluído na lista de causas de síndrome do vazamento capilar difuso[9]. O edema intersticial e o colapso alveolar com atelectasia compressiva ocasionado podem levar a hipoxemia e se uma quantidade suficiente de fluido for sequestrada no interstício pulmonar, hipovolemia e choque podem ocorrer. Pacientes com casos leves de EPRE podem necessitar apenas oxigênio por cateter nasal. VNI pode ser necessária em caso de hipoxemia moderada/grave. A ventilação mecânica invasiva é a última opção no caso de falha de ventilação não invasiva. Normalmente, os achados da radiografia torácica são inespecíficos e apresentam grau variável unilateral de opacidades do espaço aéreo[10].

Considerando a fisiopatologia da EPRE, no caso relatado esperava-se encontrar um perfil “B” ou um “pulmão branco” no USG pulmonar realizado. Causou surpresa encontrar uma ampla consolidação no lobo inferior direito. Em razão do EPRE poder imitar outras doenças ou levar a doenças pulmonares inesperadas subjacentes que podem estar escondidas no pulmão colapsado, a diferenciação radiológica do EPRE com outras lesões pulmonares deve ser sempre feita.
Em 2010, Kim e col., realizaram uma tomografia computadorizada de alta resolução em de todos os seus pacientes com EPRE, procurando sinais patognomônicos. Na maioria dos casos, os resultados mostraram áreas de opacidade em vidro fosco, consolidações e espessamento intersticial (intra e interlobular). Infelizmente, nenhum destes é específico para o EPRE[11].

O que pode ajudar no diagnóstico diferencial entre pneumonia e EPRE é o quadro clínico: um rápido início e uma resolução dramática dentro de algumas horas de iniciada a ventilação não invasiva com PEEP aponta para presença de EPRE.

O USG pulmonar tornou-se comumente usados nas últimas décadas, não só em cuidados intensivos, medicina de emergência, ou cirurgia do trauma, mas também na clínica médica e pneumologia[12]. Isso ocorreu porque o USG é feito com equipamentos relativamente baratos, é um exame rápido (5 min para a maioria dos usos na medicina interna), e pode ser realizado e repetido a beira leito (POCUS) sem efeitos colaterais[13].

USG pulmonar a beira leito já é um exame consagrado com exaustivos estudos publicados validando seu uso desde os trabalhos de pesquisa feito por professores renomados como o francês Daniel A. Lichtenstein e o italiano Giovanni Volpicelli, por citar apenas 2 nomes de uma grande lista de ícones do ultrassom poin-off-care (POCUS).

Há muito tempo já se sabe que tanto a radiografia de tórax (Rx) quanto a tomografia computadorizada de tórax (TC) têm limitações no diagnóstico de doenças pulmonares do paciente crítico[14]. O pneumotórax, trata-se de uma patologia que utiliza a radiografia de tórax como método de diagnóstico padrão. Entretanto alguns casos podem não ser detectados. A tomografia, embora de grande utilidade, reveste-se de maior custo e riscos para o paciente, decorrentes do uso de radiação e das complicações durante o transporte até o centro de imagem. Durante muito tempo, a ultrassonografia torácica foi considerada um método inútil para avaliar as patologias pulmonares. O estudo e a classificação de determinados padrões de imagens adquiridos com a ultrassonografia pulmonar permitiram que esse exame se transformasse em uma opção diagnóstica e de monitorização muito promissora.

Em 2009 o prof. Daniel A. Lichtenstein e col., publicar um estudo correlacionado o perfil detectado pelo USG pulmonar e a pressão capilar pulmonar. Aponta que ≥ 3 linhas “B” visualizadas em um mesmo espaço intercostal é indicativo de patologia, imagem denominada de “rastro de foguete” caracterizando a síndrome intersticial. No artigo faz uma interessante correlação entre o padrão ultrassonográfico e tomográfico (figura 4):

Figura 4: Nas imagens superiores vemos: A: espaço intercostal com uma linha “B”, sem significado patológico, sinalizando um sujeito saudável. Em B e C espaços intercostais com ≥ 3 linhas “B” que nascem da pleura (rastro do foguete) definindo a síndrome intersticial. Ainda, em B observa-se 4 ou 5 linhas “B” separadas por uma distância aproximada de 7mm entre elas (medidas na linha pleural) pelo que são denominadas de “linhas B7” que se correlacionam com septos interlobulares subpleurais espessados. Em C, a distância entre as linhas “B” é de aproximadamente 3mm pelo que se denominam “linhas B3” que se correlacionam com lesões subpleurais em padrão de vidro fosco. Nas imagens inferiores observamos a correlação de imagens tomográficas com as do ultrassom. Em 1, tomografia computadorizada normal. Nenhum elemento é visível na parede torácica anterior, correlaciona-se com a imagem A. Em 2, síndrome alveolar e intersticial aguda. Os septos subpleurais e interlobulares são espessados (setas) e, portanto, visíveis na tomografia computadorizada, correlacionando-se com a imagem B do ultrassom. Em 3, áreas em vidro fosco se apoiam no pulmão anterior esquerdo (setas), correlaciona-se com a imagem C do ultrassom. As lesões em “vidro fosco” observadas à TC de tórax nas síndromes intersticiais mais graves têm correlação com a presença de linhas B3. Entretanto, independentemente da terminologia utilizada, quanto mais linhas “B” presentes por espaço intercostal tanto maior o número de septos interlobulares subpleurais espessados por líquido ou fibrose. Lichtenstein e cols encontraram uma correlação positiva entre as alterações radiográficas e a presença de linhas “B” patológicas com uma sensibilidade e especificidade muito boas, ambas de 93%. Quando utilizaram a tomografia computadorizada de tórax como referência, a correlação foi completa[15].

Roberto Copetti e col., num estudo publicado em 2008 buscando critétios para distinguir entre edema intersticial hidrostático (edema agudo de pulmão cardiogênico) e edema pulmonar inflamatório (SARA), evidenciaram que linhas “B” patológicas foram encontradas em pacientes com ambos tipos de edema. Anormalidades da linha pleural foram detectadas em todos os pacientes com edema inflamatório e em apenas 25% dos pacientes com edema hidrostático (figura 5). Ausência ou diminuição do deslizamento pulmonar foi observada em 100% dos pacientes com edema inflamatório e em nenhum dos pacientes com edema hidrostático. Consolidações foram detectadas em 83,3% dos pacientes com edema inflamatório e em nenhum dos pacientes com edema hidrostático. Derrame pleural foi encontrado em 66,6% dos pacientes com edema inflamatório e em 95% dos pacientes com edema hidrostático (figura 6).

Figura 5. Em A, linha pleural irregular do edema inflamatório. Em B linha pleural do edema hidrostático
Figura 6. Derrame pleural associado a edema de tipo inflamatório

Além disso, nos casos de edema inflamatório, puderam ser identificadas:

- Alterações pleurais decorrentes de pequenas consolidações subpleurais (figura 7):

Figura 7. consolidações subpleurais

- Áreas denominadas “poupadas”, definidas como regiões pulmonares com aspecto ultrassonográfico normal cercadas por áreas com a presença de múltiplas linhas “B” (figuras 8 e 9):

Figura 8. Em A: áreas poupadas (spared area). Em B pulmão branco (White lung)

Figura 9. Comparação de área poupada e pulmão branco

- Diversas consolidações de tamanhos variados (figura 10):

Figura 10. Consolidações com broncogramas aéreos

Ponto Pulmonar. No ano 2000, o professor Daniel A. Lichtenstein e col.  descrevem o Ponto Pulmonar (lung point) como um sinal específico de pneumotórax. Um achado ultrassonográfico caracterizado por áreas de deslizamento pulmonar ou de linhas “B” alternadas com áreas sem deslizamento pleural ou linhas “B” ou aparecimento exclusivo de linhas “A”. O ponto em que ambas areas alternam tem se denominado de “ponto pulmonar”, descrito como um sinal específico de pneumotórax. O “ponto pulmonar” teve, nesse estudo, uma sensibilidade de 66% (75% no caso de pneumotórax oculto à radiografia convencional) e uma especificidade de 100%. O equivalente à ausência de deslizamento no modo M corresponde ao “sinal da estratosfera” para distinguir da área com deslizamento que corresponde ao “sinal da praia”[16] (figura11).

Figura 11. Em A, fase expiratória do ciclo, mostra pulmão menos insuflado com o ponto pulmonar (interface entre pulmão aerado e pneumotórax) sinalizado pela seta. Em B a insuflação pulmonar movimenta a área de pulmão aerado, deslocando o ponto pulmonar. Em C na expiração, área de pneumotórax, com ausência de deslizamento pleural, ausência de linhas “B” e presença de linhas “A”. Em D, sem deslocar o probe, na inspiração aparece uma área areada como um véu ou cortina que aparece e desaparece com os movimentos respiratórios (sinal da cortina). Em E, o sinal da estratosfera (ausência de deslizamento pleural) e da praia (com deslizamento pleural).

Consolidação ultrassonográfica. O conceito de consolidação ultrassonográfica difere do clássico conceito em que quase se usa como sinônimo de pneumonia. Em 2004 o próprio Daniel A. Lichtenstein e col. estabelecem os critérios ultrassonográficos para o estudo das consolidações ultrassonográficas. Em diversas patologias pulmonares agudas ocorre consolidação dos pulmões que toca a superfície pleural em pelo menos 98,5% das vezes, o que permite a exploração confiável por meio da ultrassonografia. O pulmão consolidado apresenta um aspecto ecogênico, com uma aparência ultrassonográfica que lembra a do fígado. Juntamente descreve o “sinal do retalho de pano” como uma área subpleural, irregular, hipoecogênicas, de aspecto “picotado”, semelhante a um “retalho de pano” associada geralmente a área de consolidação pneumônica ou de necrose. Ainda a presença de broncogramas (ar dentro das vis respiratórias distais), podem ser evidenciadas pela ultrassonografia, no interior da consolidação, como opacidades hiperecogênicas, que podem ser puntiformes ou lineares (o ar no ultrassom aparece hiperecogênico). Tais imagens podem ser estáticas (ar aprisionado) ou dinâmicas (ar se movimentando com o ciclo respiratório) em relação ao ciclo respiratório e nesse caso encontram-se sob a influência do fluxo aéreo nas vias aéreas (figuras 12 e 13)[17].

Figura 12. Em a) Imagens de USG pulmonar mostrando a consolidação pulmonar e dentro imagens de broncogramas lineares e pontiformes. Destaque-se a imagem de consolidação pulmonar com a ecotextura do fígado (”hepatização”). Em b) a correspondência coma imagem de consolidação pela tomografia.

Figura 13. Imagem do sinal do retalho de pano, que corresponde a área de necrose tecidual geralmente associada a consolidação pneumônica ou abscesso.

O tratamento é de suporte, consistindo principalmente de oxigênio suplementar e, se necessário, ventilação mecânica a pressão positiva (PEEP) que utiliza os mecanismos já comprovados no EAP cardiogênico. Neste caso recrutando áreas colabadas e assim aumentando a complacências pulmonar. A doença geralmente é autolimitada. De fato, existem já estudos publicados que comprovam o uso da ultrassonografia pulmonar no diagnóstico da atelectasia e na monitorização de sua resolução após manobras de recrutamento alveolar na SARA. Gerardo Tusman e outros pesquisadores tem publicado estudos em que a ultrassonografia pulmonar foi útil na detecção da presença de atelectasias decorrentes do recrutamento tidal e na sua resolução após uma manobra de recrutamento alveolar (figura 14)[18] [19] [20] [21].

Figura 14. USG pulmonar na manobra de recrutamento alveolar.

CONCLUSÃO:

1. EDEMA PULMONAR DE RE-EXPANSÃO (E.P.R.E.)  pode ser uma complicação rara de edema pulmonar intersticial associado a áreas de atelectasia pulmonar que ocorrem após drenagem de pneumotórax, derrame pleural ou reexpansão de atelectasia previa de outra etiologia. Deve ser suspeitada quando o paciente apresenta após a drenagem ou reexpansão, súbita piora clínica com dispneia e dessaturação.

2. Deve se fazer o diagnóstico diferencial de EPRE de outras patologias pleuro-pulmonares com base na forma de apresentação, exame clínico e exames radiológicos e laboratoriais.

3. Os estudos de radiografia torácica e tomografia computadorizada são úteis, mas não específicos para diagnosticar EPRE.

4. A ultrassonografia pulmonar a beira leito (POCUS) é um exame já consagrado não apenas em cuidados intensivos, emergência, anestesiologia e cirurgia de trauma, mas também em medicina interna e pneumologia. Muitos autores já publicaram inúmeros estudos sobre a aplicação da ultrassonografia pulmonar em diferentes contextos e patologias, sendo o derrame pleural, o pneumotórax, a pneumonia e a SARA algumas de suas principais aplicações.

5. Existem estudos que comprovam a utilidade da ultrassonografia pulmonar no diagnóstico das atelectasias pulmonares assim como no acompanhamento resolutivo através das manobras de recrutamento alveolar. 

6. Este relato de caso sugere que o USG pulmonar a beira leito pode ser uma boa alternativa à radiografia torácica e tomografia computadorizada para identificar EPRE e acompanhar a sua resolução.




[1] Rozenman J, Yellin A, Simansky DA, et al. Re-expansion pulmonar oedema following spontaneous pneumothorax. Respir Med. 1996;90(4):235-238.
[2] Mokotedi CM, Balik M Is the mechanism of re-expansion pulmonary oedema in a heart–lung interaction? Case Reports 2017;2017:BMJ Case Reports -2017-219340. http://dx.doi.org/10.1136/bcr-2017-219340
[3] Matsuura Y, Nomimura T, Murakami H, et al. Clinical analysis of reexpansion pulmonary edema. Chest. 1991;100(6):1562-1566.
[4] Alice Petiot, MD., et.al., Re-expansion pulmonary oedema. The Lancet. Clinical Picture. volume 392, issue 10146, p507, august 11, 2018
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[6] Candy Masego Mokotedi, Martin Balik. Is the mechanism of re-expansion pulmonary oedema in a heart–lung interaction?, Case Reports 2017;2017:BMJ Case Reports -2017-219340. http://dx.doi.org/10.1136/bcr-2017-219340
[7] Cita como tipos de EPNC: SARA, Edema pulmonar das grandes alturas, Edema Pulmonar Neurogênico, Edema Pulmonar de Reperfusão, Edema Pulmonar de Reexpansão, Edema por overdose de opiláceos, Edema por toxicidade por salicilatos, Edema por Embolia Pulmonar, Edema por Infecções virais, Edema por doença veno-oclusiva.
[9] Miller WC, Toon R, Palat H, Lacroix J. Experimental pulmonar edema following re-expansion of pneumothorax. Am Rev Resp Dis. 1973;108(3):654-660.
[10] Mahfood S, Hix WR, Aaron BJ, Blaes P, Watson DC. Reexpansion pulmonary edema. Ann Thorax Surg. 1988;45(3):340-345.
[11] Kim YK, Kim H, Lee CC, et al. New classification and clinical characteristic of reexpansion pulmonary edema after treatment of spontaneous pneumothorax. AmJ Emerg Med. 2008;27(8):961-967.
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[14] Henschke, C.I., et al., Accuracy and efficacy of chest radiography in the intensive care unit. Radiol Clin
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[18] Gerardo Tusman, et.al., Preventionandreversaloflungcollapseduringthe intra-operative period. Best Practice&ResearchClinicalAnaesthesiology24(2010)183e197
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[20] Gerardo Tusman, et.al., Ultrasonography for the assessment of lung recruitment maneuvers. Crit Ultrasound J (2016) 8:8
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[ARTIGO CHEST] Valeria Tombini, et.al., Lung Ultrasound Diagnosis and Follow-up in a Case of Reexpansion Pulmonary Edema. CHEST 2019; 155(2):e33-e36. DOI: https://doi.org/10.1016/j.chest.2018.08.1091.

sábado, 2 de fevereiro de 2019

UMA VISÃO DIFERENTE DO CHOQUE CIRCULATÓRIO E A IMPORTÂNCIA DO CHOQUE IRREVERSÍVEL.

Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.

PARTE II: DO CHOQUE REFRATÁRIO AO CHOQUE IRREVERSÍVEL




O Tratado de Fisiologia de Guyton nos ensina que o choque circulatório segue um curso evolutivo que se progredir até sua fase crítica de gravidade, independentemente de sua causa desencadeadora, gerará um círculo vicioso em que o choque produz mais choque. Ou seja, o fluxo sanguíneo inadequado faz com que os órgãos comecem a se deteriorar, incluindo coração e o próprio sistema circulatório. Isso, por sua vez, ocasiona redução ainda maior do débito cardíaco, seguindo-se um círculo vicioso, com aumento progressivo do choque circulatório, perfusão tecidual menos adequada, e assim por diante, até a morte.

Com base na fisiologia, o choque é geralmente dividido em 3 estágios principais que foram concebidos dentro do modelo de choque hipovolêmico hemorrágico:

1. Estágio não-progressivo (choque compensado), na qual os mecanismos compensatórios da circulação normal causam eventualmente recuperação completa sem ajuda de terapia externa. Nesta fase, o choque não é suficientemente grave para causar sua própria progressão e a pessoa acaba por se recuperar. Os mecanismos compensatórios do tipo de feedback negativo, que tentam fazer o débito cardíaco e a pressão arterial retornarem a níveis normais, incluem:

a. Reflexos barorreceptores, que provocam potente estimulação simpática da circulação.

b. Resposta isquêmica do sistema nervoso central, que produz estimulação simpática ainda mais potente no corpo, porém não é ativada de modo significativo, até que a pressão arterial se reduza abaixo de 50 mm Hg.

c. O relaxamento reverso por estresse do sistema circulatório, que faz com que os vasos sanguíneos se contraiam em função da diminuição do volume sanguíneo, de modo que o volume sanguíneo disponível encha mais adequadamente a circulação.

d. Aumento da secreção de renina pelos rins e formação de angiotensina II, que resulta em constrição das arteríolas periféricas e também diminuição do débito de água e de sal pelos rins, ambos ajudando a impedir a progressão do choque.

e. Aumento da secreção de vasopressina (harmônio antidiurético) pela glândula hipófise posterior, que resulta em constrição das arteríolas e veias periféricas e aumenta de modo acentuado a retenção de líquido pelos rins.

f. Aumento da secreção de epinefrina e norepinefrina pela medula renal, que contrai as arteríolas e veias periféricas e eleva a frequência cardíaca.

g. Mecanismos compensatórios que fazem o volume sanguíneo voltar ao normal, incluindo  absorção de grandes quantidades de líquido pelo trato intestinal, pelos capilares sanguíneos dos espaços intersticiais do corpo, a conservação de água e sal pelos rins e o aumento da sede e do apetite por sal, que fazem com que o indivíduo beba água e coma alimentos salgados se for capaz.

Os reflexos simpáticos e o aumento da secreção de catecolaminas pela medula adrenal, fornecem rápida ajuda para trazer de volta a recuperação, pois eles se tornam maximamente ativados dentro de 30 segundos a alguns minutos após a hemorragia. Os mecanismos da angiotensina e da vasopressina, assim bem como o relaxamento reverso por estresse, que causa contração dos vasos sanguíneos e dos reservatórios venosos, necessitam de 10 minutos a 1 hora para responder de forma completa, porém participam de modo muito ativo do aumento da pressão arterial ou da pressão de enchimento circulatório, e por meio deles aumentam o retorno de sangue para a coração.  Finalmente, o reajuste do volume sanguíneo pela absorção de líquido dos espaços intersticiais e do trato intestinal, bem como a ingestão oral e a absorção de quantidades adicionais de agua e de sal, pode necessitar de 1 a 48 horas, porém a recuperação ocorre com o tempo, desde que o choque não se torne grave o suficiente para entrar no estágio progressivo.

2. Estágio progressivo (choque descompensado), no qual, os mecanismos compensatórios normais foram vencidos e, necessita-se de terapia externa, para evitar que o choque se torne progressivo e continue evoluindo até a morte.

Quando o choque apresenta gravidade suficiente, as próprias estruturas do sistema cardiovascular começam a se deteriorar, desenvolvendo-se vários mecanismos de feedback positivo que podem gerar um círculo vicioso de diminuição progressiva do débito cardíaco.  São eles os seguintes:


Figura 1. Diferentes tipos de feedback positivo que podem levar à progressão do choque

a. Depressão cardíaca. Quando a pressão arterial cai a um nível suficientemente baixo, o fluxo sanguíneo coronariano diminui além do necessário para a nutrição adequada do próprio miocárdio. Isso enfraquece o músculo cardíaco, e por isso diminui ainda mais o débito cardíaco. Dessa forma, desenvolve-se um ciclo de feedback positivo pelo qual o choque fica cada vez mais e mais grave. Assim, uma das características importantes do choque progressivo, quer seja de origem hemorrágica, quer causado por qualquer outra etiologia, é a deterioração progressiva do coração. Embora miocardiopatia associada ao choque se inicie precocemente, nos estágios  iniciais desempenha um papel muito pequeno na condição da pessoa, em parte porque a deterioração do coração não é grave durante a primeira hora do choque, mas principalmente porque o coração tem imensa capacidade de reserva que permite que ele bombeie normalmente  300 a 400% mais sangue que o requerido pelo corpo para adequada nutrição dos tecidos corporais. Entretanto, nos estágios finais do choque, a deterioração do coração é provavelmente o fator mais importante para a progressão letal final do choque.

b. Insuficiência vasomotora. Nos estágios iniciais do choque, vários reflexos circulatórios provocam intensa atividade do sistema nervoso simpático. Isso, como discutido antes, ajuda a retardar a depressão do débito cardíaco e em especial a impedir a queda da pressão arterial. Todavia, chega-se a o ponto em que a redução do fluxo sanguíneo para o centro vasomotor do cérebro deprime de tal modo esse centro que ele fica progressivamente menos ativo e, por fim, inativo de forma total. Por exemplo, a interrupção completa da circulação para o cérebro, causa durante os primeiros 4 a 8 minutos, a mais intensa de todas as descargas simpáticas, porém ao final de 10 a 15 minutos, o centro vasomotor está tão deprimido que não pode ser demonstrada nenhuma evidência adicional de descarga simpática. Por sorte, porém, o centro vasomotor em geral não falha nos estágios iniciais do choque se a pressão arterial permanecer acima de 30mmHg.

c. Bloqueio dos pequenos vasos (“sangue estagnado”). Com o passar do tempo ocorre bloqueio de muitos dos vasos sanguíneos muito pequenos do sistema circulatório, e isto também pode causar choque progressivo. A causa inicial desse bloqueio é o fluxo lento de sangue nos microvasos. Como o metabolismo tecidual continua, apesar do baixo fluxo, grandes quantidades de ácido carbônico e de ácido láctico, continuam a ser lançados nos vasos sanguíneos locais e aumentam, de modo acentuado, a acidez local do sangue. Todo esse ácido e mais outros produtos da deterioração dos tecidos isquêmicos produzem a aglutinação do sangue local, resultando em minúsculos coágulos sanguíneos que levam à formação de tampas (plugs), muito pequenas nos vasos de pequeno calibre. Mesmo que não se formem tampas nos vasos, existe tendência aumentada das células sanguíneas de se aderirem umas às outras, tornando mais difícil que o sangue flua pela microvasculatura, o que dá origem ao termo sangue estagnado.

d. Aumento da permeabilidade capilar. Após muitas horas de hipoxia capilar e de falta de outros nutrientes, a permeabilidade dos capilares aumenta gradualmente, e grandes quantidades de líquido começam a transudar para os tecidos. Isso diminui ainda mais o volume sanguíneo, com a consequente redução adicional do débito cardíaco, fazendo com que o choque fique ainda mais grave. A hipóxia capilar não causa aumento da permeabilidade capilar senão até os estágios avançados do choque prolongado.

e. Liberação de toxinas pelo tecido isquêmico. Durante toda a história das pesquisas na área do choque, sugeriu-se que este fizesse com que os tecidos liberassem substâncias tóxicas, como histamina, serotonina e enzimas teciduais, que causam deterioração adicional do sistema circulatório. Estudos experimentais demonstram a importância de pelo menos uma toxina, a endotoxina, em alguns tipos de choque.

f. Depressão cardíaca causada por endotoxinas. A endotoxina é liberada pelas células mortas de bactérias gram-negativas no intestino. O fluxo sanguíneo diminuído para os intestinos causa muitas vezes a formação e a absorção aumentadas dessa substância tóxica. A toxina circulante, a seguir, causa aumento do metabolismo apesar da nutrição inadequada das células; isso tem efeito específico sobre o músculo cardíaco, produzindo depressão cardíaca. A endotoxina pode desempenhar o papel principal de alguns tipos de choque, especialmente no “choque séptico”.

g. Deterioração celular generalizada. Enquanto o choque se agrava, ocorrem muitos sinais de deterioração celular generalizada.  Órgão afetado de modo especial é o fígado. Isso decorre em grande parte da falta de nutrientes suficientes para sustentar o metabolismo normalmente elevado das células hepáticas, mas também em parte, devido à extrema exposição das células hepáticas a qualquer toxina vascular ou outro fator metabólico anormal que ocorra no choque.
Entre os efeitos celulares lesivos conhecidos que ocorrem na maioria dos tecidos orgânicos, estão os seguintes:

1. O transporte ativo de sódio e potássio através da membrana celular fica muito diminuído (hipóxia provoca disfunção da bomba de Na-K ATPasa pela queda significativa da ATP decorrente da glicólise anaeróbia). Como resultado, sódio e cloro se acumulam nas células, e o potássio é perdido pelas células. Como consequência, as células começam a inchar (edema celular citotóxico).

2. A atividade mitocondrial nas células hepáticas, bem como em muitos outros tecidos do corpo, fica geralmente deprimida.

3. Os lisossomas das células em áreas dispersas do tecido começam a se romper, com liberação intracelular de hidrolases, que causam deterioração intracelular adicional.

4. O metabolismo intracelular de nutrientes, como o da glicose, é por vezes muito deprimido nos estágios avançados do choque. As ações de alguns hormônios são também deprimidas, incluindo depressão de quase 100% da ação da insulina. Todos esses efeitos contribuem para a deterioração adicional de muitos órgãos do corpo, incluindo especialmente (1) o fígado, com depressão de suas muitas funções metabólicas e desintoxicantes; (2) os pulmões, com desenvolvimento eventual de edema pulmonar e pouca capacidade de oxigenar o sangue; e (3) o coração, por conseguinte, diminuindo ainda mais sua contratilidade.

5. Necrose tecidual no choque grave – ocorrência de áreas focais de necrose provocada por fluxos sanguíneos focais em diferentes órgãos.  Nem todas as células do corpo são igualmente lesadas pelo choque, pois alguns tecidos têm melhor oferta sanguínea que outros. Por exemplo, as células adjacentes às extremidades arteriais dos capilares, recebem mais nutrientes que as adjacentes às extremidades venosas dos mesmos capilares. Por conseguinte, ocorre maior deficiência nutricional em torno das terminações venosas dos capilares do que em outro lugar. Exemplo são as lesões por necrose centro lobular do fígado. Lesões também ocorrem nos rins, especialmente no epitélio dos túbulos renais, levando a insuficiência renal e por vezes à morte por uremia alguns dias depois.  A deterioração nos pulmões pode provocar síndrome de angustia respiratória e morte após vários dias (pulmão de choque). Todavia as lesões cardíacas avançadas têm papel importante na condução ao estágio final irreversível do choque.

6. Acidose no choque. A hipóxia leva a glicólise anaeróbia e aumento na produção de ácido láctico. Além disso o fluxo sanguíneo reduzido impede a remoção normal do C02, gerando hipercapnia e acidose intracelular (acidose tecidual) e sistêmica.

A progressão do estágio de choque compensado para descompensado vai depender da predominância dos mecanismos de feedback negativo e positivo acima descritos.

3. Estágio irreversível (choque irreversível), em que o choque progrediu de tal maneira que todas as formas de terapia conhecida são inadequadas para salvar a vida da pessoa, ainda que no momento ainda ela esteja viva. Nesta fase evolutiva do choque, apesar de todas as medidas adotadas, houve um grau avançado de dano tecidual, com enzimas destrutivas liberadas nos líquidos corporais, acidose grave e persistente e tantos outros fatores destrutivos que nem mesmo um débito cardíaco “normalizado” poderia reverter o processo de morte. É o caso de por vezes, num choque hipovolêmico hemorrágico avançado, transfusões de sangue provocarem uma aparente “normalização da pressão arterial e até do débito cardíaco” de forma provisória por um curto período de tempo. Entretanto, o dano a nível celular não mais reverte, e continua evoluindo de forma irreversível, provocando pouco tempo depois nova queda da pressão arterial e do débito cardíaco. Sucessivas transfusões vão perdendo esse aparente “efeito de melhora transitória”. Nesse ponto do quadro clínico, ocorreram múltiplas alterações danosas nas células musculares do coração, que, não necessariamente, afetam a capacidade imediata do coração de bombear o sangue, mas por longos períodos deprimem essa capacidade o suficiente para levar à morte. Ao que parece, o fator determinante seria uma depleção das reservas celulares de fosfato de alto valor energético no choque irreversível. As reservas de fosfato de alto valor energético nos tecidos corporais, especialmente no fígado e no coração, diminuem muito nos graus mais graves do choque. Praticamente todo o fosfato de creatina é degradado e quase todo o trifosfato de adenosina (ATP) é degradado a difosfato de adenosina (ADP), monofosfato de adenosina (AMP) e, finalmente, a adenosina. Em seguida, grande parte dessa adenosina se difunde para fora das células e para o sangue circulante, sendo convertida em ácido úrico, substância que não pode reentrar nas células para reconstituir o sistema do fosfato de adenosina. Infelizmente, nova adenosina só pode ser sintetizada numa proporção de apenas aproximadamente de 2% por hora, o que quer dizer que, uma vez esgotadas as reservas de fosfato de alto valor energético das células, é difícil repô-las em tempo suficiente para reverter o dano. Por essa razão, uma das mais devastadoras consequências finais da deterioração no choque e que, talvez, seja a mais significativa de todas para o desenvolvimento do estado final de irreversibilidade seja a depleção celular das reservas de ATP[1].

No choque compensado a oferta de oxigênio (D02) cai abaixo do nível crítico (D02 crítica) e os tecidos se transformam em fontes de energia anaeróbicas. Nestas condições, a função celular será mantida se o rendimento combinado de fontes de energia aeróbicas e anaeróbicas forneça ATP suficiente para a síntese proteica e processos contráteis. Alguns tecidos são mais resistentes à hipóxia do que outros. Os músculos esqueléticos e lisos são altamente resistentes à hipóxia, e danos irreversíveis não ocorrem em hepatócitos isolados até 2,5 horas de isquemia. Por outro lado, as células cerebrais sofrem danos permanentes após apenas alguns minutos de hipóxia. O intestino parece ser particularmente sensível a diminuições na perfusão. As mucosas intestinal e gástrica mostram evidências de metabolismo anaeróbico precoces. Choque descompensado que resulta em dano tecidual irreversível ocorre quando os suprimentos aeróbicos e anaeróbios combinados de ATP não são suficientes para manter a função celular. A falha no funcionamento das bombas de transporte de íons das membranas celulares dependentes de ATP, em particular aquelas associadas à regulação de cálcio e sódio, resulta na perda da integridade da membrana e edema celular (edema citotóxico). Entre outros mecanismos que levam ao choque irreversível durante a hipóxia estão o esgotamento da energia celular (ATP), a acidose celular, a geração de radicais livres de oxigênio e a perda de nucleotídeos da adenina da célula[2].

Como já mencionado anteriormente, não se encontra na literatura algum escore com critérios que possam definir de forma objetiva a fase de choque irreversível. Geralmente, a definição desta fase fica por conta da “opinião” do médico que asiste o paciente, baseada na observação de um quadro de choque persistente que não responde a “altas doses de drogas vasoativas/inotrópicas e com presença de disfunção de múltiplos órgãos”.

CHOQUE REFRATÁRIO:

O termo choque refratário tem sido frequentemente usado durante o manejo do choque (independentemente de sua etiologia) apesar de não existir uma definição consensual universal. Recente publicação sobre o assunto na revista Chest (2018), aponta que as definições propostas incluem, a incapacidade de alcançar meta pressórica apesar da terapia com vasopressores, a necessidade de terapia vasopressora de resgate ou necessidade de altas doses de vasopressor, mas que uma definição razoável de choque refratário seria uma resposta inadequada à terapia com alta dose de vasopressor, definida como ≥ 0,5 mcg/kg/min de norepinefrina ou dose equivalente de outro vasopressor. Estudos observacionais sugerem que, usando esta definição, 6% a 7% dos pacientes gravemente doentes desenvolverão choque refratário. Mortalidade em pacientes com choque refratário dependem muito da definição utilizada, com taxas de mortalidade hospitalar geralmente superiores a 50% O mesmo artigo apresenta as equivalências entre os vasopressores[3]:


Em 2013, Estevão Bassi e col. numa ampla revisão já definiam choque refratário como aquele com necessidade de > 0,5 mcg/kg/min de noradrenalina/adrenalina por > 1h ou >1 mcg/kg/min em qualquer período de tempo. Para estes autores, vários mecanismos contribuem para o choque vasodilatador, como estados inflamatórios, incluindo aumento na produção de citocinas e de oxido nítrico (induzido pela oxido nítrico sintetase) um potente vasodilatador endógeno. Vários outros estímulos estão presentes no estado de choque e perpetuam a vasodilatação, como a hipóxia celular e a acidose que provocam ativação de canais de potássio sensíveis a ATP, levando a saída de K+ e hiperpolarizando a membrana celular vascular, dificultando a entrada do cálcio. A acidose altera a permeabilidade do retículo, diminuindo a condutância de Ca++. Há uma menor liberação de Ca++ pelo retículo sarcoplasmático e redução na capacidade de ligação Ca++-troponina, em virtude do aumento na concentração de H+ causada pelo acúmulo de ácido lático. Outros mecanismos contribuem para a fisiopatologia do choque refratário, como a insuficiência adrenal do paciente crítico com baixa produção endógena de corticoides, níveis plasmáticos inapropriadamente baixos vasopressina endógena e oxidação e inativação de catecolaminas. No conjunto, esses mecanismos levam à perda do tônus vascular e hiporresponsividade aos vasopressores, que seriam os principais responsáveis do choque refratário[4].

Recentemente em 2018, Prashanth Nandhabalan e col. publicaram um artigo sobre choque refratário no Critical Care, adotando a definição de Bassi e col., associando-a com mortalidade de 60% e ainda apontando que pacientes com necessidade de vasopressores superiores a 1mcg/kg/min de norepinefrina ou equivalente que continuam a piorar clinicamente, terão uma alta mortalidade de 80-90%[5].

Ashwin Neelavar Udupa e Rajesh Mohan Shetty, num estudo publicado em dezembro de 2018, sobre suporte avançado cardiovascular no choque refratário usaram também o mesmo cut-off de infusão de noradrenalina > 0,5mcg/kg/min apesar de ressuscitação volêmica, para definir choque refratário, apontando para uma mortalidade de 94%[6].

CHOQUE IRREVERSÍVEL

O conceito de choque irreversível, decorre do processo evolutivo do choque na ausência de resposta às medidas terapêuticas instauradas. Apesar de não haver critérios consensuais estabelecidos, uma definição objetiva que o caracterize (como no caso do choque refratário), reveste-se de extrema importância, toda vez que representa, a rigor, uma fase na qual não há mais possibilidade de reversão do choque e o paciente evoluirá inevitavelmente para o óbito. Assim nesta fase, se adequadamente identificada, todas as medidas tornam-se inúteis, estando o paciente tecnicamente na sua fase de fim de vida.

As evidências científicas têm mostrado que alguns marcadores clínicos e/ou laboratoriais poderiam sinalizar que estamos diante de um choque irreversível. Tais marcadores se caracterizam pela sua associação com 100% de mortalidade quando presentes.

1. ESCORES PROGNÓSTICOS DE GRAVIDADE.

Os índices de gravidade são definidos como “classificações numéricas relacionadas a determinadas características apresentadas pelos pacientes e que proporcionam meios para avaliar as probabilidades de mortalidade e morbidade resultantes de um quadro patológico[7].Escores prognósticos podem ser divididos em escores que calculados uma única vez, avaliam a gravidade da doença com base em dados obtidos dentro de um período após a admissão na UTI e preveem desfechos como mortalidade, como por exemplo, o Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE), o Simplified Acute Physiology Score (SAPS) e o Mortality Probability Model (MPM); escores que sendo calculados de forma repetida, avaliam a presença e gravidade da disfunção orgânica de forma evolutiva ao longo de vários dias, como por exemplo, o Organ System Failure (OSF), o Multiple Organ Dysfunction Score (MODS) e o Sequential Organ Failure Assessment (SOFA); e escores que avaliam o uso da carga de trabalho de enfermagem, como por exemplo Therapeutic Intervention Scoring System (TISS) e o Nine Equivalents of Nursing Manpower Use Score (NEMS). Os escores de predição de desfechos originais foram desenvolvidos há mais de 25 anos para fornecer uma indicação do risco de morte de grupos de pacientes na UTI e muito embora eles não tenham sido concebidos para um prognóstico individual, certamente fornecem uma informação importante com relação a associação com o grau de mortalidade dos pacientes graves[8] [9]. Apesar da existência de numerosos exemplos de uso de modelos prognósticos para tomada de decisões no caso de pacientes individuais (por exemplo, utilização do escore MELD para alocação de órgãos para transplante hepático), seu uso não é isento de problemas. Os sistemas de escore prognóstico têm melhor desempenho quando utilizados em coortes (grupos). Por exemplo, em uma coorte de 1.000 pacientes com mortalidade prevista de 90%, em média 100 pacientes sobrevivem - apesar de uma mortalidade prevista de 90% para qualquer paciente individual. Estes pacientes não prejudicam a validade do modelo, antes a confirmam. Além da incerteza inerente ao que se refere à predição em pacientes individuais, até mesmo os melhores modelos clinicamente úteis têm AUC de não mais do que 0,9, o que implica imperfeição até mesmo para predição para uma coorte. Mais ainda, o desempenho do modelo pode ser prejudicado pela não disponibilidade de todos os dados necessários para o cálculo do escore (os dados faltantes são contabilizados como normais) e pelos erros na coleta e inserção dos dados, assim como pelas preferências do paciente quanto ao suporte à vida. As barreiras à aceitação disseminada dos modelos prognósticos incluem o custo da infraestrutura de tecnologia da informação, que é necessária para aquisição dos dados para modelos complexos, resistência dos médicos em razão de sua percepção de superioridade de suas próprias estimativas da sobrevivência do paciente, ou sua desatenção quanto à relevância do modelo para seus pacientes, e o foco em predição de mortalidade, em vez de um desfecho funcional, como anos com qualidade de vida[10].

Um Acute Physiology and Chronic Health Evaluation (APACHE II) maior que 40 tem sido associado com 100% de mortalidade[11]. Escore acessível em: http://www.medicinaintensiva.com.br/ApacheScore.htm

O Simplified Acute Physiology Score (SAPS 3) pode, em teoria, variar de um mínimo de 0 pontos para um máximo de 217 pontos. No estudo original europeio, o valor mínimo observado foi de 5, e o valor máximo foi de 124 pontos, com uma média de 49,9 ±16,6 (média ± DS) e uma mediana de 48. A relação entre o escore de admissão do SAPS 3 e a respectiva mortalidade hospitalar é descrita na seguinte Figura:


Figura 2 Relação entre SAPS3 e Mortalidade Hospitalar

Pela tabela europeia oficial do SAPS 3 (http://www.saps3.org/resources-downloads/user-agreement/downloads/) pontuações de 80 se correlacionam com mortalidade estimada de 75%. Pela mesma tabela, em teoria, para atingir mortalidade estimada de 100% seria necessária pontuação mínima de 160. Variações regionais ocorrem em razão da customização do SAPS 3 como ocorria para o Brasil onde era usada a formula customizada para América do Sul (Razão de Mortalidade de 1.3) [12] [13]. Em 2006, Soares e Salluh validaram o SAPS 3 em coorte brasileira de pacientes com câncer e obtiveram excelentes resultados[14]. Em 2010 João Manoel Silva Junior e col. usando a formula customizada, validaram o SAPS 3 no Brasil, para pacientes cirúrgicos encontrando que pacientes com índice SAPS 3 maior que 57 tinham uma mortalidade de 73,5%[15] dando uma impressão de superestimação da mortalidade quando comparada com o estudo original europeio.  Esta impressão foi corroborada em 2017 por Martines, Soares, Salluh e col., através de um grande estudo retrospectivo de 48,816 pacientes adultos admitidos em 72 UTIs gerais brasileiras encontrando que o SAPS 3 customizado pela formula para América do Sul realmente superestima a mortalidade estimada (calculada ou prevista) recomendando seja usada o SAPS 3 original europeio (Razão de Mortalidade de 1.0)[16] .

Pelo Mortality Probability Model (MPM), quanto maior a idade e o preenchimento dos critérios do MPM na admissão, 24, 48 ou 72 horas, a mortalidade prevista será de 100%. Escore acessível aqui: https://intensivecarenetwork.com/Calculators/Files/Mpm2.html

O Organ System Failure (OSF), desenvolvido em 1985 e atualmente pouco usado, previa uma mortalidade e praticamente de 100% quando três falhas de órgãos persistem por 5 dias ou mais[17] [18].



O Multiple Organ Dysfunction Score (MODS) foi desenvolvido por Marshall et.al., em 1995. Incluía seis sistemas de órgãos-chave e uma pontuação de zero a quatro foi dada a cada órgão de acordo com a função (zero sendo função normal e quatro sendo a mais grave disfunção), com uma pontuação máxima de 24. A taxa de mortalidade estimada é de 25% para pacientes com uma pontuação de 9 -12; 50% para uma pontuação de 13-16; 75% para uma pontuação de 17-20 e 100% para uma pontuação > 20[19]. Escore acessível aqui: https://reference.medscape.com/calculator/mods-score-multiple-organ-dysfunction. A validação foi realizada em amostra de pacientes cirúrgicos e desde então tem-se mostrado como bom método preditivo em pacientes com choque séptico, tanto clínicos quanto cirúrgicos. Tem sido amplamente utilizado em estudos clínicos. Entretanto, o cálculo da variável cardiovascular através da Frequência Cardíaca Ajustada a Pressão (FCAP) leva à perda da simplicidade da utilização do índice à beira do leito. Esta variável depende da ressuscitação volêmica e do uso de vasopressores e inotrópicos, além disso, a PVC não é aferida em todos os pacientes, sendo outro fator de limitação. A FCAP é a variável mais criticada neste índice de morbidade. Entretanto, consegue discriminar de maneira adequada os pacientes sobreviventes e os não-sobreviventes. Na tentativa de diminuir a dificuldade de cálculo que o componente cardiovascular proporciona, o mesmo grupo que desenvolveu o MODS, apresentou uma modificação no componente cardiovascular, com o objetivo de simplificar o cálculo da variável e foi feita nova validação do MODS modificado. No MODS modificado, se substitui a Frequência Cardíaca Ajustada a Pressão (FCAP) por um parâmetro cardiovascular misto como segue: 0 = frequência cardíaca <120bpm; 1 = frequência cardíaca >120 e <140bpm; 2 = frequência cardíaca > 140bpm; 3 = necessidade de vasopressor: (dopamina> 3mcg/kg/min), e 4 = lactato > 5 mmoL/L[20].


O Sequential Organ Failure Assessment (SOFA), foi desenvolvido em 1994 durante uma conferência de consenso. Seis sistemas orgânicos (respiratório, cardiovascular, renal, hepático, nervoso central, coagulação) foram selecionados com base em uma revisão da literatura, e a função de cada um é pontuada de 0 (função normal) a 4 (mais anormal), dando uma pontuação possível de 0 a 24. Ao contrário de a pontuação MODS em que o primeiro valor de cada dia é utilizado, para o escore SOFA, o pior valor em cada dia deve ser escolhido. Outra diferença fundamental é o componente cardiovascular; em vez da variável composta, o SOFA utiliza uma variável relacionada ao tratamento (dose de vasopressor). Isso não é ideal, já que protocolos de tratamento variam entre instituições, entre pacientes e ao longo do tempo, mas é difícil evitar, especialmente para o sistema cardiovascular.

Omar Abid e col., num estudo retrospectivo publicado em 2000 observaram que pacientes com um escore de SOFA > 12, não responsivos à reanimação com fluidos e ao tratamento com dopamina de até 20mcg/kg/min (cut-off para o início de norepinefrina) que iniciaram norepinefrina após 24 horas de admissão na UTI tiveram uma mortalidade de 100%[21].

Ahmed S. Okasha e col. publicaram em 2004 um estudo avaliando a validade prognóstica e confiabilidade do escore de SOFA em pacientes com politrauma. Encontraram que com um escore de SOFA ≥ 12, a taxa de mortalidade foi de 100%. Este achado está em estreita similaridade com estudos prévios que descreviam melhor sensibilidade e especificidade para previsão de mortalidade com um escore de SOFA variando de 12 a 15[22].
Numa análise prospectiva de 1.449 pacientes, um escore total do SOFA maior que 15 correlacionado com uma taxa de mortalidade de 90%. Mudanças na pontuação SOFA ao longo do tempo também é útil na previsão do resultado. Em um estudo prospectivo de 352 pacientes de UTI, um aumento no escore SOFA nas primeiras 48 horas na UTI, independente do escore inicial, predisse uma taxa de mortalidade de pelo menos 50%, enquanto uma diminuição foi associada uma taxa de mortalidade na UTI de apenas 27%. Em um estudo prospectivo observacional de 1.340 pacientes com síndrome de disfunção de múltiplos órgãos, Cabrè e col., relataram 100% de mortalidade para pacientes com idade de 60 anos, com um SOFA máximo maior que 13 em qualquer dos 5 primeiros dias de internação na UTI, com um SOFA mínimo maior que 10 em todos os momentos, e uma tendência  positiva ou inalterada do SOFA ao longo dos primeiros 5 dias de internação na UTI[23] [24].

Mais recentemente em 2017, Afshan Shabir e Muzaffar Maqbool, publicaram um estudo para avaliar a precisão do SOFA na predição resultado de pacientes em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) admitidos com diferentes diagnósticos. Encontraram que no grupo com pontuação SOFA de 15 a 18, houve uma taxa de mortalidade de 100%[25]. Escore acessível aqui: https://clincalc.com/IcuMortality/SOFA.aspx ou aqui: http://www.medicinaintensiva.com.br/sofa.html.

2. DOSES ALTAS E DOSES MÁXIMAS DE VASOPRESSOR.

“Dose alta de vasopressor”, é um termo que tem sido usado para definir o conceito de choque refratário, associar mortalidade decorrente do choque, assim como para avaliar efeitos adversos da droga. O vasopressor usado como referência é a noradrenalina e o valor de corte mais aceito tem sido o de 0,5 µg/kg/min como visto na revisão do choque refratário, embora dose de 1 µg/ kg/min também tem sido relatada[26]. Entretanto, como já visto, os conceitos de choque refratário e de irreversível não se confundem, já que este último deveria estar relacionado a uma mortalidade de 100%, o que não ocorre com o primeiro. A principio poder-se-ia pensar que o ponto de corte para definir “irreversibilidade” do choque estaria no momento em que se atinja a “dose máxima do vasopressor” já que tecnicamente não haveria como continuar aumentando a dose da medicação.
“Dose máxima de vasopressor”, tem sido uma questão que tem variado a depender dos estudos clínicos e das escolhas feitas pelos departamentos de farmácia de diferentes hospitais. Veja-se por exemplo:



Claude Martins e col., em 2000, publicaram um estudo avaliando o uso de norepinefrina no tratamento do choque séptico utilizando doses de até 5mcg/kg/min para os casos refratários a medidas de tratamento inicial. Embora o estudo tenha limitações devido ao seu desenho aberto não randomizado e observacional, o uso de norepinefrina como parte do manejo hemodinâmico se mostrou favorável em pacientes com choque séptico, reduzindo a mortalidade, contradizendo a noção que a norepinefrina potencializa a hipoperfusão de órgãos-alvo, contribuindo para o aumento da mortalidade[27].

Beale R.J. e col., em 2004, numa revisão de uso de inotrópicos e vasopressores no choque séptico, aponta que em muitos estudos a média de dose máxima usada foi de 0.2-1.3mcg/kg/min, embora a dose inicial pode ser tão baixa quanto 0,01mg/kg/min, e a mais alta dose de noradrenalina relatada tenha sido de 5,0mg/kg/min, apontando que grandes doses do medicamento podem ser necessárias em alguns pacientes com choque séptico, devido ao fenômeno de “down regulation” que ocorre sobre o receptor adrenérgico na sepse[28].

Steven M. Hollenberg e col., em 2004, numa revisão de parâmetros práticos para suporte hemodinâmico da sepse, recomenda dose máxima de noradrenalina de 3mcg/kg/min[29].
Katsaragakis S. e col., em 2006, num estudo que avaliou a segurança, eficácia e efeitos da administração de altas doses de norepinefrina (> 4mcg/kg/min) em choque séptico resistente à catecolaminas, encontrou que administração de altas doses de norepinefrina resultou em uma taxa de sobrevida de 33,4%., concluindo que a administração de doses muito altas de norepinefrina é segura e eficaz e pode melhorar a sobrevida desses pacientes com taxas de mortalidade extremamente altas[30].

Daniel De Backer e col., em 2010, num estudo que comparou o uso de dopamina e norepinefrina como agentes de primeira linha para o tratamento do choque séptico, usaram como dose máxima convencional referencial para norepinefrina 1.9mcg/kg/min.

Brown e col., em 2013, publica um estudo retrospectivo envolvendo cinco hospitais norte-americanos entre 2005-2010 descrevendo pacientes que necessitavam de altas doses de vasopressor (definido como> 1mcg/kg/min de norepinefrina ou doses equivalentes de outros vasopressores). 443 pacientes foram incluídos, dos quais 241 tiveram choque séptico. A mortalidade em 90 dias foi alta em todo o grupo (83%), bem como o subgrupo com choque séptico (80%). A necrose digital ou dos membros ocorreu em apenas 8% dos pacientes sobreviventes. A dose de vasopressor correlacionou-se com o aumento da mortalidade[31].

Donna Döpp-Zemel e col. em 2013, num estudo que avaliou tratamento com altas doses de norepinefrina em pacientes críticos: determinantes de mortalidade e futilidade, as doses máximas usadas em estudos clínicos para tratamento do choque circulatório (independentemente do tipo e origem de choque) aponta que as doses variam entre 0.2-5mcg /kg/min, sendo que dose máxima tolerável não foi determinada, ainda que uma excessiva dosagem esteja associada a um risco de vasoconstrição extrema, hipoperfusão tecidual e aumento da mortalidade. Nesse sentido aponta, que muitos intensivistas não usam doses superiores a 100mcg/min ou 1,2mcg/min. O estudo de Döpp-Zemel e col., foi retrospectivo numa única UTI da Holanda entre 2007-2009 envolvendo 113 pacientes tratados com doses de norepinefrina > 0,9mcg/kg/min. A mortalidade em 28 dias foi de 66%. Uma dose de norepinefrina > 2,22mcg/kg/min foi associada com 100% de mortalidade, mas o achado não foi estatisticamente significativo devido ao número muito baixo de pacientes tratados com essa dose (n = 3).[32].

Sviri e col., em 2014, publicam um estudo retrospectivo de um único centro israelense de pacientes que receberam vasopressores em uma UTI médica entre 2008-2010. 166 pacientes que receberam norepinefrina ou epinefrina foram incluídos, dos quais 51 receberam altas doses de vasopressores (definidos como > 40 mcg/min). A mortalidade intra-hospitalar entre todos os pacientes que receberam qualquer dose de vasopressor foi extraordinariamente alta em 75%. A dose de vasopressor foi bastante preditiva da morte. O uso de vasopressores em altas doses foi associado a uma mortalidade hospitalar de 90%[33].

Martin e col., em 2015, publicaram um estudo retrospectivo em uma única UTI francesa de pacientes com choque séptico admitidos em 2009-2013. A mortalidade intra-hospitalar de todos os 324 pacientes com choque séptico foi de 48%, o que é bastante alto. 84 pacientes (um quarto) receberam uma dose máxima de norepinefrina > 1 mcg/kg/min, dos quais 90% morreram[34].

Auchet e col, em 2017, publicaram em estudo retrospectivo em uma única UTI francesa de pacientes sépticos com necessidade de vasopressor>1mcg/kg/min entre 2008-2013. 106 pacientes necessitaram dessa dose, perfazendo 15% de todos os pacientes tratados por choque séptico. O tratamento mais comumente usado foi a monoterapia com noradrenalina. Em média, vasopressor em altas doses foi necessário por 84 horas. A mortalidade em 28 dias foi de 60%. Entre os sobreviventes, a taxa máxima foi em média 2,3mcg/kg/min. A dose média de norepinefrina foi bastante preditiva da morte (área sob a curva de 0,76). 6% dos pacientes sofreram de necrose digital ou dos membros[35].

Hitoshi Yamamura e col., em 2018 publicaram um estudo para avaliar os efeitos da dosagem de norepinefrina na mortalidade em pacientes com choque séptico. Dividiram os pacientes em dois grupos de acordo com a dose de norepinefrina administrada nos primeiros 7 dias: dose alta (≥ 416mcg/kg/semana) e dose baixa (<416mcg/kg/semana). Encontraram que não houve diferença estatisticamente significativa na mortalidade em 28 dias entre pacientes com choque séptico tratado com dose alta de noradrenalina em comparação com aqueles tratados com dose baixa de norepinefrina. Contudo, o número de dias sem ventilação no grupo de dose baixa foi maior do que no grupo de dose alta[36].

Atualmente as referências mais usadas para adultos, apontam para uma dose máxima convencional de noradrenalina de 3mcg/kg/min[37] [38] [39] [40] [41].

Embora os estudos acima mostrem uma correlação entre altas doses e vasopressores e mortalidade, não está completamente claro se isso poderia estar em relação com a maior gravidade da doença, e não porque altas doses de vasopressores provoquem aumento de mortalidade. No entanto, resta evidente que a necessidade de altas doses de vasopressores, especialmente quando atinge as doses máximas adotadas, se correlaciona com alta taxa de mortalidade. Embora a noção de “dose máxima de vasopressor” crie um limite terapêutico acima do qual doses adicionais poderiam ser consideradas fúteis, levando ao status de “irreversibilidade do choque”, o cut-off a ser adotado para esse limite ainda não tem um valor universalmente aceito, podendo chegar a um valor limite máximo de até 5mcg/kg/min. Valores limites máximos menores poderiam ser adotados  em razão de evidencia de efeitos adversos como a necrose digital ou dos membros, taquiarritmias graves etc.
Ainda, a adoção do critério de doses altas ou máxima de vasopressor como critério de irreversibilidade ou mesmo de futilidade ainda não é prática comum entre os médicos. Recentemente, em 30 de janeiro de 2019 foi publicado um survey conduzido por Thomas W. L. Scheeren, J.L. Vincente, J.L. Tebaul, e outros, abordando 17 perguntas sobre a prática de uso de vasopressores no choque séptico. Diante da pergunta qual é o seu principal motivo para reduzir ou parar terapia com vasopressores? apenas 3% dos entrevistados responderam que o motivo foi considerar o tratamento vasopressor como fútil[42].

3. MIOCARDIODEPRESSÃO SEVERA.

A disfunção miocárdica é uma das manifestações de maior relevância clínica na sepse e uma das disfunções orgânicas mais precoces no choque séptico[43]. Por definição, consiste em reversível disfunção sistólica e/ou disfunção diastólica do ventrículo esquerdo (VE) e/ou do ventrículo direito (VD)[44] [45]. Como já mencionado anteriormente, segundo os ensinamentos de fisiologia de Guyton, nos estágios finais do choque, a deterioração avançada tanto anatômica quanto funcional do coração é provavelmente o fator mais importante para a progressão letal final do choque. Algumas ferramentas de avaliação podem ajudar a estimar a depressão miocárdica:

3.1 Ecocardiografia. A ecocardiografia é hoje uma valiosa ferramenta usada a beira leito para avaliar disfunção miocárdica. Entretanto, numa recente revisão do rol da ecocardiografia na avaliação da associação de disfunção miocárdica e mortalidade na sepse publicada em 2018, Marcio da Silva Campista e col., encontraram que apesar da evidência de ocorrência de disfunção sistólica do VE sua associação com mortalidade é controversa. Isto porque alguns estudos tem mostrado que pacientes com menor Fração de Ejeção (FE) e dilatação aguda do ventrículo esquerdo evidenciada por maior volume diastólico final (VDFVE), tiveram maior chance de sobreviver e de recuperar sua função miocárdica no curso do choque séptico que aqueles que mantiveram sua FE e VDFVE normais durante todo o  curso da doença até a morte, demonstrando que disfunção aguda e reversível do ventrículo esquerdo não foi associada com pior prognóstico. Por outro lado, disfunção diastólica do VE e disfunção ventricular direita (VD) tem sido identificados como preditores independentes de mortalidade em estudos mais recentes[46].

3.2 Saturação Venosa Central (SVc02) e Mista (SV02) de oxigênio.

A monitorização da saturação venosa mista de oxigênio (SVO2) tem sido usada como forma de se avaliar o balanço entre oferta (D02) e consumo de oxigênio (V02) a nível sistêmico e, também como um reflexo da função cardíaca. Pela sua praticidade, a medida da Saturação Venosa Central de oxigênio (SVcO2) tem sido proposta como alternativa para ao uso da SV02. Estudos em terapia intensiva mostram que a SvcO2 é em média 4% a 7% maior que a SvO2 e que há uma boa correlação entre elas[47] [48] [49]. Essa diferença no conteúdo venoso de oxigênio seria possivelmente explicada pela mistura com o sangue drenado pela veia cava inferior, bem como aquele advindo do seio coronariano e das veias tebesianas. Sabe-se que a taxa de extração de oxigênio pelo miocárdio é bastante elevada e o sangue resultante pode conter níveis de saturação da ordem de 30-40%. Alguns autores acreditam que essa mistura com o sangue advindo do seio coronariano seja a provável explicação para a diferença.

SVc02 <70% sinaliza uma incompatibilidade entre a oferta e consumo de oxigênio na parte superior, e possivelmente até na parte inferior do corpo humano. Se severa ou prolongada o suficiente, o fornecimento insuficiente de oxigênio limitará a produção de energia aeróbica celular e causará disfunção celular ou morte. Segundo este modelo, ScvO2 <70% tem sido associado com mau prognóstico. Em 2001, o estudo do Rivers e col.  e sua terapia guiada por metas (Early Goal Directed Therapy) mostrou que a reversão imediata de ScvO2 <70% poderia reduzir a mortalidade intra-hospitalar de indivíduos com resposta inflamatória sistêmica à infecção e hipotensão ou concentração de lactato sanguíneo > 4 mmol /L.  Mais recentemente, três estudos não confirmaram os achados do Rivers (ARISE, PRoMISE e ProCESS), muito embora exista um viés comparativo já que estes estudos, a diferença do estudo do Rivers, incluíram muitos pacientes com SVc02 ≥ 70%. Numa análise retrospectiva secundária dos dados do ALBIOS trial, a persistência de SVc02<70% de forma persistente (6 horas ou mais) foi associada a uma maior mortalidade em 90 dias, possivelmente porque reflete uma disfunção cardíaca provavelmente não reconhecida e/ou não adequadamente tratada[50].

Entretanto, não apenas valores baixos de SVc02 (<70%) tem sido associado a maior mortalidade, mas também valores elevados, sendo que o valor de corte para definir “alta SV02” tem variado nos estudos realizados.

Em 2010, Pope e col., publicaram um estuo avaliando os níveis de SVc02 foram estratificados em 3 grupos: hipóxia SVc02: < 70%); normóxia (SVc02: 71% a 89%); e hiperoxia (SVc02: 90% a 100%). Quando se analisou o pior valor alcançado tanto taxa de mortalidade do grupo hipóxia e do grupo hiperóxia, foram significativamente maiores que a do grupo normóxia, o que permaneceu significativo em uma análise multivariada. Quando a medida inicial de SVc02 foi analisada em um modelo multivariado, apenas a hiperóxia foi significativamente maior[51].

Em 2011, Julien Textoris e col., num estudo restrospectivo encontraram que níveis elevados de SVc02 (> 80%) durante as primeiras 72 horas de ressuscitação de pacientes com choque séptico estão associados ao aumento da mortalidade[52].

No estudo de Sturm e col. publicado em 2017, pacientes cujos níveis de SVc02 nunca ultrapassaram 70%, apresentaram maior taxa de mortalidade. No terceiro dia, os pacientes com valores acima de 75% apresentaram também maiores taxas de mortalidade. Uma taxa de mortalidade de 100% foi detectada se os níveis de SVc02 excedessem 84%. Conclui que, atingir níveis de pelo menos 70% nas primeiras 72 horas de doença é favorável em relação ao prognóstico, mas exceder 75% após o segundo dia está associado a maior mortalidade[53].

4. HIPERLACTATEMIA GRAVE E CLAREAMENTO DE LACTATO.

Em condições normais, o processo completo de glicólise aeróbica (incluindo a fosforilação oxidativa mitocondrial dependente da presença de 02), gera piruvato que entrando na mitocôndria segue o Ciclo de Krebs que fornece energia para os processos metabólicos celulares na forma de trifosfato de adenosina (ATP). Ao todo gera 38 moléculas de ATP, 2 na fase citoplasmática anaeróbica e 36 na fase mitocondrial oxidativa. Em situações de estresse fisiológico (exercício), o aumento da demanda de energia gera aumento da glicólise levando a um aumento da produção de piruvato, parte do qual se transforma em lactato, sem se tratar de qualquer processo patológico (aumento de lactato apenas por aumento da glicólise aeróbica). No contexto do estresse patológico, mais comumente decorrente da insuficiência circulatória associada a hipoperfusão tissular, hiperlactatemia é resultado do aumento da glicólise anaeróbica. Se a concentração do oxigênio dentro da célula e especificamente dentro da mitocôndria for insuficiente para aceitar os H+ gerados durante a fase citoplasmática da glicólise (fase anaeróbica comum da glicólise aeróbica e anaeróbica) e do Ciclo de Krebs (NADH), estes H+ irão ser aceitos pelo piruvato gerado naquela primeira fase, dando origem ao lactato (reação catalisada pela enzima lactato desidrogenase), e obtendo apenas a formação das 2 moléculas de ATP da fase citoplasmática da glicólise. Contudo, hiperlactatemia não reflete apenas falta de oxigênio intracelular. Hiperlactatemia ocorre também quando a produção de lactato excede a degradação do lactato. Várias condições patológicas podem estar associadas. Por exemplo, em pacientes sépticos, aumento de catecolaminas estimula a glicólise aeróbica. Além disso, drogas que prejudicam o processo de fosforilação oxidativa na mitocôndria, como o propofol, metformina ou agentes anti-retrovirais, podem aumentar a produção de lactato. Por outro lado, diminuição da eliminação do lactato pode levar a hiperlactatemia. Assim, como o fígado realiza até 70% de depuração de lactato, uma disfunção hepática importante é outro mecanismo possível[54]. Assim, importante que ao avaliar hiperlactatemia sejam avaliados também outros fatores não associados a hipoperfusão tissular que poderia representar “armadilhas” na correta interpretação da hiperlactatemia[55].

Em indivíduos saudáveis, a concentração de lactato no sangue é mantida dentro da faixa aproximada de 0,5-1,5 mmol/L[56]. O exercício representa um processo fisiológico no qual este equilíbrio é temporariamente interrompido devido ao rápido aumento na produção de lactato pelas células musculares. Em exercício severo, o lactato sanguíneo pode subir para níveis superiores a 20 mmol/L, mas devido à capacidade de eliminação rápida do lactato, na saúde este aumento é apenas transitório[57]. Em pacientes críticos, considera-se valores normais ≤ 2mmol/L[58].

Diversas classificações da hiperlactatemia podem ser encontradas na literatura para expressar sua severidade. Assim, considera-se leve quando os níveis estão entre 2 – 4mmol/L; moderada quando > 4mmol/L. O cut-off acima do qual define-se hiperlactatemia grave ou severa tem variado na literatura encontrando valores de 5mm/L, 6mm/L e 10 mmol/L, sendo este último ponto de corte o mais utilizado pelo seu forte impacto na elevada mortalidade[59] [60] [61]. Ainda, classifica-se também a hiperlactatemia de forma análoga a acidose láctica em: tipo A (associada a hipoperfusão tecidual) e tipo B (não associada a perfusão tecidual)[62].

A associação entre hiperlactatemia decorrente de hipoperfusão tecidual (tipo A) e mortalidade foi descrita há muito tempo. Broder e Weil em 1964 observaram que em pacientes com choque, um nível de lactato > 4 mmol/L foi associado a uma mortalidade de 50%[63]. Peretz et al. publicaram em 1965, estudo que mostrou uma taxa de mortalidade de 100% quando os níveis de lactato excederam 13,3 mmol/L (120 mg/ dl)[64].  

Nesse contexto de perfusão ou oxigenação tecidual reduzida, hiperlactatemia severa ou grave, definida como lactato arterial > 10mmol/L, tem sido associada a alta taxa de mortalidade. Em 2010, Nichol e col., em seu estudo observacional prospectivo com 7.155 pacientes graves consecutivos avaliando hiperlactatemia relativa (intervalo normal associado a mortalidade), observaram que hiperlactatemia severa esteve associada com altas taxas de mortalidade hospitalar, principalmente dentro da UTI[65]. Em 2015, Sebastian A. Haas e col., num estudo retrospectivo observacional em 11 UTIs, encontrou que hiperlactatemia grave está associada com mortalidade extremamente alta na UTI (96.6%) quando associada a falha no clareamento dentro de 12 h. Concluem que em tais situações, o benefício da continuação da terapia na UTI deve ser reavaliado[66]. Em 2017, Mireia Ferreruela e col., encontraram uma associação de 75% entre hiperlactatemia grave e mortalidade[67].

Nas estratégias de ressuscitação, Clareamento de Lactato (CL), entendido como % de redução do valor inicial (lactato inicial - lactato subsequente/lactato inicial X 100%) dentro de um tempo determinado, sem chegar à normalização, também tem sido associado como marcador de mortalidade. Zhongheng Zhang e col., numa metanálise de 2014, demonstraram que o clareamento de lactato é preditivo de menor mortalidade em pacientes críticos, embora cut-off de CL tenham variado nos diferentes estudos. A maioria dos estudos definiu CL como a redução nos níveis séricos de lactato dentro de 6 horas. Cinco estudos utilizaram 24 horas como o período de tempo para definir CL. Contudo, a magnitude da redução variou entre os estudos, encontrando-se metas de 10% a 50%[68]. Em 2016, J.L. Vincent e col., numa metanálise de 96 estudos clínicos, mostraram que uma diminuição nos níveis de lactato foi associada a melhores desfechos em quase todos os subgrupos de doentes graves pacientes, reconhecendo assim a predição universal poder de níveis de lactato, concluindo que medições cada 1-2 h daria dados clinicamente relevantes sobre a diminuição dos níveis de lactato.[69] Em 2018, Masyuk M. et.al., num estudo retrospectivo encontraram que um baixo CL (definido com ≤ 19%) após 24 horas foi robustamente associado a aumento da mortalidade a curto e longo prazo[70].

Por outro lado, Tempo de Clareamento de Lactato (TCL) entendido como o tempo para normalização dos níveis séricos de lactato arterial (100% de CL), também tem se associado com mortalidade em pacientes críticos[71]. Em 1993, Abramson e col., demonstraram que a incapacidade de normalizar o lactato sérico arterial no período de 24 horas após trauma correlaciona-se com aumento da mortalidade[72]. Em 1996, Bakker J. e col., relataram que a incapacidade dos pacientes de retornar o lactato aos valores normais dentro de 48 horas da internação na unidade de terapia intensiva (UTI) poderia ser usado como um preditor confiável do desfecho em pacientes críticos[73]

Em 2001, John McNelis e col., num estudo retrospectivo de pacientes internados em UTI cirúrgica para ressuscitação, tendo como objetivo a normalização do lactato arterial, observaram que pacientes que não atingiram um nível normal de lactato mantendo hiperlactatemia prolongada apresentaram de mortalidade hospitalar de 100%. Aqueles que normalizaram entre 48 e 96 horas tiveram uma taxa de mortalidade de 42,5%. Os pacientes que normalizaram em 24 a 48 horas tiveram uma taxa de mortalidade de 13,3%, e aqueles que normalizaram em menos de 24 horas tiveram uma taxa de mortalidade de 3,9%[74]. As diretrizes da Campanha de Sobrevivência a Sepse 2016 (SSC, Surviving Sepsis Campaign), com base na revisão de 5 ensaios controlados e 2 metanálises, sugerem como meta de reanimação, a normalização do lactato em pacientes sépticos com hiperlactatmia, mas não estabelecem meta de TCL[75].

5. ACIDOSE EXTREMA

A saúde exige que o pH do sangue seja mantido dentro de limites estreitos (7,35-7,45). A acidose (ou seja, pH <7,35) é uma característica comum de muitas condições agudas/críticas que cursam com choque e que justificam a admissão em terapia intensiva. Embora existam muitos estudos sobre anormalidades ácido-base em pacientes críticos, os dados focados especificamente na acidose metabólica severa (pH <7,20) são escassos. O pH <6.8 é comumente relatado em textos médicos como incompatível com a vida, mas há raros relatos de casos individuais de sobrevivência sem nenhum efeito a longo prazo, apesar de um pH sanguíneo abaixo desse nível.

Em 2015, H S Kiran e col., publicaram um estudo prospectivo observacional, realizado em pacientes críticos com acidose metabólica grave (pH <7,20). Um total de 100 pacientes graves (APACHE II 18 ou mais) com acidose metabólica grave (pH <7,20) foram estudados. Dos 100 pacientes com acidose metabólica grave (pH <7,20), 70 pacientes morreram comparados a 30 pacientes que receberam alta hospitalar em condição estável. Dos 86 pacientes que tiveram acidose láctica, 69 (80,2%) pacientes morreram em comparação com 17 (19,8%) pacientes que receberam alta em condição estável. Um elevado anion gap foi encontrado em 69 pacientes, dos quais 47 (68,1%) pacientes tiveram um resultado adverso. Um déficit de base mais alto foi associado a mortalidade (79,4% em comparação com 20,6%).  Este estudo mostra uma maior mortalidade em pacientes gravemente doentes com acidose metabólica grave. Acidose láctica e maior déficit de base está associado a maior mortalidade[76].

Allyn J, Vandroux D, Jabot J e col., em 2016 publicaram um estudo retrospectivo em que investigaram as taxas de mortalidade entre pacientes de terapia intensiva que apresentam acidose extrema, que os autores arbitrariamente definiram como pH <7,00. Este estudo retrospectivo foi conduzido em uma unidade de terapia intensiva clínica/cirúrgica de 23 leitos adultos de um hospital francês, onde durante um período de estudo de 30 meses, 2156 pacientes foram internados. Destes 2156 pacientes, 77 (3,6%) apresentaram pH <7,0 (mediana de pH 6,94, intervalo 6,86-6,97). Estes eram pacientes muito graves; com o valor admissional do SAPSD mediano de 82 (variação 69-93) que se traduz em uma mortalidade prevista na faixa de 75-90%.  A causa da acidose extrema foi identificada em praticamente todos os casos e na maioria (86%), foi a acidose láctica (lactato sérico> 4,0 mmol / L). Dos 77 pacientes, 30 (39%) sofreram parada cardíaca (PCR) antes da admissão em terapia intensiva. A mortalidade por esse grupo foi particularmente alta (90%); apenas três pacientes sobreviveram (para esses três pacientes, a parada cardíaca ocorreu na presença de equipe médica).No geral, 52 dos 77 pacientes morreram (taxa de mortalidade de 67,5%), mas na ausência de parada cardíaca, a taxa de mortalidade (57%) foi muito menor do que o previsto pelo escore SAPS na admissão. O estudo demonstrou que a acidose extrema é uma ocorrência relativamente rara com muitas causas possíveis, embora seja quase sempre uma acidose metabólica (láctica). A parada cardíaca é um evento comum associado. Os resultados do estudo sugerem que a sobrevivência após acidose extrema depende em grande parte da causa da acidose e de sua associação com PCR[77].

6. MOTTLING

Mottling, representa um sinal clínico de fácil avaliação, é definido como a descoloração irregular da pele (azulada ou arroxeada) em forma de rede ou malha, que geralmente começa em torno dos joelhos, mas não se limita a eles. É devido à vasoconstrição heterogênea de pequenos vasos associada a microperfusão tecidual, sendo então visto como um sinal de choque. Mais de 40 anos atrás, Vic-Dupont et al. descreveram padrões clínicos de pacientes com choque séptico e observou manchas frequentes os joelhos (65%)[78]. A tradução do termo no SSC de 2012 (versão portuguesa) tem sido de “mosqueamento”[79]. Sistemas de tradução também se referem ao termo como “mancha mosqueada”[80]


Mottling

Mottling tem sido um termo especificamente associado a hipoperfusão tecidual associada à sepse e ao choque séptico. Entretanto, a rigor, seria uma forma de “livedo reticularis” (LR) sinal que abrange um universo maior de patologias. Para explicar o “padrão de livedo” em termos fisiológicos, Renault (1883) e posteriormente Unna (1896) e Spalteholz (1927), postularam que a vasculatura cutânea consiste em uma série de cones de 1 a 3 cm, com o ápice de cada cone profundamente na derme no local de uma arteríola ascendente. Eles propuseram que, nas margens de cada cone, a densidade do leito arterial é diminuída, mas o plexo venoso superficial é mais proeminente. Mais recentemente, cuidadosa observação clínica, incluindo o uso de microscopia capilar e gravações de temperatura da pele, apoiaram essa visão da microanatomia vascular cutânea. Assumindo este modelo, qualquer processo fisiológico ou patológico que impeça o fluxo sanguíneo para a pele poderia produzir uma proporção aumentada de hemoglobina desoxigenada e, assim, resultar em coloração lívida proeminente nas áreas predominantemente venosas nas margens dos cones. Muitos processos podem resultar em diminuição do fluxo sanguíneo e podem potencialmente produzir LR, dentre elas a sepse[81].

Sepse é uma condição que leva à hipoperfusão tecidual e à lesão de múltiplos órgãos. A redução da perfusão tecidual é devida principalmente a anormalidades microcirculatórias detectáveis ​​no início da sepse. A gravidade e a persistência dessas anormalidades microvasculares estão intimamente correlacionadas com o prognóstico do paciente. Durante o choque séptico, a microscopia identificou alterações na microcirculação em animais e humanos, com perfusão heterogênea dentro de cada órgão. Espectroscopia com luz infra-vermelha (NIRS) a nivel labial, por exemplo, demonstrou ser preditiva de mortalidade em pacientes com choque séptico, independentemente dos parâmetros hemodinâmicos sistêmicos. Mottling, reflete a redução do fluxo sanguíneo da pele e baixa saturação de oxigênio tecidual e tem sido sugerida como uma ferramenta para avaliação clínica da perfusão tecidual em pacientes com infecção grave. Entretanto, o mecanismo responsável pela redução regional específica do fluxo sanguíneo na área da pele mosqueada (joelhos) permanece desconhecido assim como o fato de não se apresentar em todos os pacientes graves ou que vão a óbito. A obstrução capilar direta pela agregação plaquetária e ativação da cascata da coagulação tem sido sugerida como mecanismo responsável pela hipoperfusão da pele e documentada em pacientes com meningococcemia. No entanto, na ausência de coagulação intravascular difusa, o conceito amplamente aceito é a vasoconstrição mediada pela principal neuroativação simpática[82].

A associação entre mottling e mortalidade no choque séptico, há muito tempo vem sendo estudada.

H. Ait-Oufella e col., em 2012, publicaram um estudo unicentrico, observacional, prospectivo entre fevereiro e agosto de 2009, que incluiu 60 pacientes com choque séptico, após ressuscitação inicial, estudando o valor preditivo da extensão do mottling (6 horas após a admissão na UTI) e mortalidade. Para tanto, criou um Escore (Mottlin Score), com 5 graus, tomando como base a extensão circundante de área mosqueada ao redor do joelho:



1. Escore Grau 0: sem mosqueamento;
2.  Escore Grau 1: uma pequena área mosqueada (tamanho de uma moeda) localizado no centro do joelho;
3. Escore Grau 2: uma área mosqueada que não exceda a borda superior da rótula;
4. Escore Grau 3: uma área mosqueada que não excede o meio da coxa;
5. Escore Grau 4: uma área mosqueada que não vai além da dobra da virilha;
6. Escore Grau 5: uma área mosqueada extremamente grave que vai além da dobra da virilha

Neste estudo, mottling esteve presente em 42 dos 60 pacientes no momento da admissão na UTI (70%) e em 36 pacientes às 6horas pós admissão na UTI (60%). A taxa de mortalidade em 14 dias dos pacientes que 6 horas após admissão na UTI tinham mottling grau 0 -1 foi de 13%; 2 -3 de 70% e 4 -5 de 92%. Ainda, pacientes com mottling 4 a 5 morreram principalmente no 1º dia, enquanto os pacientes com escore de 2 a 3 faleceram no dia 2 e no dia 3 após a admissão na UTI[83].

Coudroy e col., em 2015, publicam estudo que avaliou 791 pacientes criticamente doentes, analisando apenas a presença ou ausência de mottling em pacientes críticos, mas não usou o mottling score. Incidência de mottling foi de 29% (230 de 791 pacientes) em geral, e 49% (32 de 65 pacientes) no subgrupo de pacientes admitidos com choque séptico. Mottling esteve presente no dia da admissão em 65% dos pacientes e persistiu mais de 6 h em 59% dos casos. Na UTI a mortalidade foi de 8% em pacientes sem mottling, 30% em pacientes com mottling e 40% em pacientes com mottling persistente[84].

Edmilson Bastos de Moura e col., em 2016, publicaram estudo em que reproduziram o do H. Ait-Oufella em 97 pacientes com choque séptico usando o mottling score e avaliando a associação com mortalidade em 28 dias, com a diferença que o escore foi estimado no dia do início do choque séptico, logo após a ressuscitação inicial. Mottling ocorreu em 39,2% dos pacientes (38/97). A mortalidade de 28 dias foi de 45,0% (36/80) para mottling 0 -1, 76,9% (10/13) para mottling grau 2 -3 e 100,0% (4/4) para mottling grau 4 – 5. O caso dos pacientes com mottling 4 – 5 o óbito ocorreu dentro dos 5 primeiros dias[85].

H. Ait-Oufella e col., em 2017, considerando que a infusão de vasopressor representaria  um potencial fator de confusão porque, no contexto de infecções graves, a norepinefrina pode piorar a hipoperfusão da pele, aumentando a vasoconstrição dos pequenos vasos, publica um estudo prospectivo em que analisar o valor preditivo do escore de mottling para mortalidade em 28 dias em pacientes selecionados na UTI admitidos com sepse sem receber terapia de infusão de vasopressor durante os primeiros 24 horas de admissão. Este foi um estudo monocêntrico, prospectivo, observacional durante um período de 8 meses em uma UTI de 18 leitos em um hospital terciário. O estudo incluiu 152 pacientes internados na UTI mas 43 pacientes foram excluídos porque receberam terapia de infusão de vasopressor durante as primeiras 24 horas. Finalmente, 109 pacientes foram analisados. A taxa de mortalidade no dia 28 foi de 11%. Na sexta hora pós admissão, 25 pacientes (24%) tinha mottling ao redor da área do joelho.  Mortalidade no dia 28 de acordo com a mottling após 6 horas aumentou de 7% [0-1] para 25% [2-3] e 66% [4-5][86].

Em 2018, três publicações abordam o assunto. Romain Jouffroy e col., publicam um estudo em que avaliam associação entre motling e tempo de reenchimento capilar e mortalidade no choque séptico desde o cenário pré-hospitalar. Após o ajuste para fatores de confusão utilizando escore de propensão, o risco relativo de morte foi 6,58 para Escore de Mottling > 2 e 2,03 para TEC > 4 seg[87]. Miriam Sanderson e col., numa análise exploratória de fatores associados com mortalidade em 30 dias de pacientes com sepse, encontrou que presença de mottling é um fator de forte associação (OR =4.50; AdjOR= 3.80; IC 95%= 1.06–13.55 p=0.04). Arnaud Ferraris e col., compararam escore de mottling escore e a temperatura da pele no choque séptico usando termografia infravermelha e correlacionado com a sobrevida. O estudo de tipo prospectivo, observacional incluiu 46 pacientes. A temperatura da pele medida com a tecnologia de termografia por infravermelhos em torno do joelho foi menor quando o mottling estava presente. No entanto, nem mottling, nem temperatura da pele do joelho foram associadas com prognóstico em relação à mortalidade em 28 dias.

Em que pese a ainda ser necessário estudos mais consistentes que avaliem a associação entre mottling e mortalidade, parece razoável a associação entre alta mortalidade e alto grau de mottling.

7. HIPOGLICEMIA TARDIA

Sabe-se que em pacientes portadores de doenças agudas graves, ocorre geralmente hiperglicemia de estresse. Hiperglicemia de estresse é a elevação da glicose na presença de doenças agudas, sendo um fenômeno frequente em pacientes internados. Estudos apontam que hiperglicemia de estresse ocorre em 38% dos pacientes admitidos em hospital, dos quais 1/3 não tinha história de diabetes prévia à admissão. Os fatores que contribuem para hiperglicemia nestes pacientes incluem a liberação de hormônios de estresse (epinefrina, glucagon, GH e cortisol), o uso de medicações, como corticoides e catecolaminas, e a liberação de citoquinas inflamatórias, como nos casos de sepse ou trauma cirúrgico decorrente do processo de choque em que inicialmente evoluiu com hiperglicemia não associada a controle glicêmico intensivo ou outras causas tratáveis. Todas as condições acima citadas inibem a liberação e a ação da insulina, e, portanto, aumentam a gliconeogênese. As soluções intravenosas de glicose também colaboram, assim como os elevados níveis circulantes de ácidos graxos livres que inibem a ativação do receptor de insulina. A hiperglicemia em UTI se mostrou associada a desfechos adversos nos pacientes sem diagnóstico prévio de diabetes, quando comparados àqueles sabidamente diabéticos[88].


Hipoglicemia precoce, como manifestação inicial de sepse tem sido também documentada com bastante menor frequência. Miller e col., descreveram 9 casos de hipoglicemia (glicemia média de 22 mg / dl) foi associada a sepse avassaladora.  Estado mental alterado, acidose metabólica, leucopenia, coagulopatia e bacteremia foram características comuns nesses casos. Em quatro pacientes, nenhuma causa de hipoglicemia a não ser sepse estava esteve presente. Em cinco pacientes, outra possível causa metabólica de hipoglicemia estava presente (alcoolismo em quatro e insuficiência renal em um) embora nenhum tenha sido observado como hipoglicêmico em hospitalizações anteriores. Streptococcus pneumoniae (três casos) e Hemophilus influenzae, tipo b, (dois casos) foram os patógenos mais comuns, e a mortalidade geral foi de 67%. O (s) mecanismo (s) para hipoglicemia com sepse não está bem definido. Depleção de estoques de glicogênio, gliconeogênese prejudicada e aumento a utilização de glicose periférica pode ser um fator contribuinte. Incubação de bactérias em sangue fresco à temperatura ambiente não aumenta a taxa normal de degradação da glicose, sugerindo que a hipoglicemia ocorre in vivo. Em animais de experimentação, injeção de bactérias gram-negativas ou endotoxina regularmente resulta no desenvolvimento de hipoglicemia. A inibição da gliconeogênese é considerada principalmente responsável, embora a endotoxina também contribui diretamente para o esgotamento do glicogênio hepático. A relação entre infecção por gram-positivos e hipoglicemia tem sido menos explicada. Em um modelo de infecção pneumocócica, observou-se hipoglicemia em coelhos que tinham alto grau de bacteremia, hipotermia e acidose láctica. Em contraste, glicemia foi normal em animais que morreram sem essas caraterísticas. Vários outros fatores metabólicos podem contribuir à hipoglicemia associada à sepse. Hipotensão e diminuição da perfusão tecidual periférica com mudança para metabolismo anaeróbio, requer 18 vezes mais glicose para produzir a mesma quantidade de energia (ATP) que o metabolismo aeróbico. Aumento da utilização periférica de glicose aparece ser o principal mecanismo de hipoglicemia em neonatos com bacteremia. A acidose metabólica tem sido demonstrada que prejudica a gliconeogênese. Hipoglicemia foi observada em três pacientes com acidose láctica comprovada, dois dos quais também tinham sepse. Algumas ter sugerido que o consumo de glicose por bactérias pode ser responsável para a hipoglicemia na sepse. Isso parece ser improvável, com base em estudos in vitro em que a adição de bactérias em amostras de sangue não provocou redução significativa do nível de glicose.[89] [90] Ao que parece, portanto, casos de hipoglicemia associada a sepse de relaciona mais com infecção por bactérias gram negativas e endotoxemia.

Entretanto, hipoglicemia tardia, como sinal de fase final do choque, caracterizando o estagio de choque descompensado ou de choque irreversível tem sido pouco documentada na literatura. Afastadas causas não infecciosas (insulinomas, insuficiência adrenal, etc) a as iatrogênicas (como por exemplo hipoglicemia de corrente de controle glicêmico intensivo) hipoglicemia tardia se constitui num sinal que se associa a fase final do choque. Estudos experimentais em animais têm estudado a sequência de eventos, induzidos pela administração de endotoxinas por uma via que simule um foco de infecção que permita baixa absorção de toxina. As endotoxinas comprometem o metabolismo dos carboidratos, lipídeos e proteínas. As alterações mais conhecidas estão relacionadas ao metabolismo dos carboidratos. Ao serem injetadas doses de endotoxinas capazes de determinar choque serão observadas rápida hiperglicemia e mais tarde hipoglicemia. O resultado é uma acentuada diminuição nas reservas de hidrato de carbono. Este mecanismo é explicado da seguinte maneira: as endotoxinas atuam como falsos mensageiros para ativarem as enzimas responsáveis pela glicogenólise hepática detectando-se, então, a hiperglicemia inicial. A hipoglicemia secundária é devida ao consumo das reservas de hidratos de carbono, aumento no metabolismo da glicose e diminuição na sua síntese. Tanto a glicogenogênese como a gliconeogênese não se processam porque as endotoxinas inibem a conversão de glicose em glicogênio hepático e a indução através dos glicocorticóides endógenos necessários para a síntese das enzimas gliconeogênicas[91].

Derek S. Wheeler e Rajit K. Basu, na sua interessante revisão sobre a fisiopatologia do choque em pacientes pediátricos aponta a hipoglicemia como um sinal que, no processo de evolução do choque, caracteriza o estágio descompensado e irreversível[92].



PROPOSTA DE CLASSIFICAÇÃO MODIFICADA

Com base nos conhecimentos de fisiologia expostos, entendo que o choque refratário seria uma forma de choque progressivo mais ainda potencialmente reversível. Nesse entendimento propõe-se uma classificação evolutiva incluindo o choque refratário dentro da categoria do choque progressivo.

1. Choque Não Progressivo

2. Choque Progressivo

2.1 Não Refratário (com doses leves a moderadas de noradrenalina)

2.2 Refratário (com doses altas de noradrenalina)

3. Choque Irreversível.






CONCLUSÃO

Em que pese aos avanços nos conhecimentos fisiopatológicos do choque e os inúmeros estudos sobre o assunto, ainda não encontramos nos consensos e diretrizes publicadas uma definição clara com base em critérios objetivos consensuais do que seria o choque refratário e o choque irreversível.
Entretanto, não há como negar a existência de fatores associados com elevada mortalidade, que juntos poderiam servir de referência para definir com certa objetividade o estágio de irreversibilidade, como apontado, por exemplo, por Donna Döpp-Zemel e AB Johan Groeneveld no seu estudo de 2013: “uma alta dose de noradrenalina pareceu fútil (100% de mortalidade) se associada a um escore APACHE II maior que 40, um nível de bicarbonato inferior a 9,0 mEq/L, ou uma epinefrina dose de ≥ 0,25mcg/kg/min no momento da admissão[93].

Sabe-se que não poucas vezes a resposta à pergunta de “quando parar de tratar” fica sujeita ao subjetivismo da definição de quando o estágio do paciente se tornou irreversível, gerando muitas vezes divergências de opinião entre médicos, pelo medo de estar deixando de se fazer algum tratamento que ainda poderia ser feito. Costuma-se falar que a decisão de futilidade é “técnica”, mas não se estabelecem os critérios técnicos para embasar essa decisão.

A definição clara e mais objetiva de irreversibilidade, a traves de parâmetros relacionados com mortalidade de 100% ou próxima de 100% daria, a meu ver, a base técnica para definir o estado de fim de vida, fornecendo ao médico o devido sustento para determinar o limiar entre utilidade e futilidade terapêutica sem necessariamente o paciente estar em cuidados paliativos previamente definidos. Consubstanciaria assim um sustento técnico para a indicação de cuidados paliativos estritos por decisão apenas do médico.

Daria, por derradeiro, também elementos de segurança para uma abordagem da própria paliatividade, nas situações em que previamente ela não foi estabelecida mesmo que proporcionalmente.








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