SABEMOS MEDIR A DRIVING PRESSURE?
Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
Driving
Pressure (DP) ou Pressão de Distensão Pulmonar (ou pressão motriz), dentro da
estratégia de ventilação mecânica protetora, foi sugerida em 2015 por Amato e
col. como a variável-chave para otimizar a ventilação mecânica protetora em
pacientes com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) prevenindo a
Lesão Pulmonar Induzida pela Ventilação Mecânica (Ventilation Induced Lung Injury - VILI). DP, há muito tempo já é conhecida como a
relação entre volume corrente e complacência estática do sistema respiratório (DP
= VC/Cst). Para fins de cálculo foi definida como a diferença entre a Pressão
de Platô (Ppl) – Pressão positiva no final da expiração (PEEP). No clássico estudo
do professor Amato e col., a DP demonstrou ser um forte preditor de mortalidade
em pacientes com SDRA[1].
Outros estudos replicaram os resultados[2]
[3].
Uma crítica feita a tais estudos tem sido seu desenho retrospectivo baseado em
revisão de estudos anteriores.
Assim,
a ventilação mecânica protetora hoje não como meta obrigatória uma Ppl de <30cmH20,
mas uma DP de 15cmH20 ou menos. O controle da DP como fator protetor é superior
ao controle da Ppl. tornando esta última até mesmo pouco relevante.
COMO MEDIR A DRIVING PRESSURE?
O
cálculo da DP depende diretamente do cálculo correto da Ppl, cuja sistemática
ainda não tem consenso definido. Na maioria dos estudos revisados por Amato e outros
pesquisadores, a Ppl foi medida com o
paciente sendo ventilado em modo controlado,
modalidade VCV, com onda de fluxo quadrada (para estimar a Cst), e
fazendo uma pausa inspiratória de 0,5seg. após o fechamento da válvula inspiratória
(zerando o fluxo inspiratório), de
acordo com preconizado pelo estudo ARMA[4]; e a PEEP utilizada foi aquela ajustada no ventilador (PEEP programada) em vez
de usar a PEEP total (PEEPtot = PEEP programada + PEEP intrínseca). Essa forma
de medição não levava em consideração a queda na pressão na via aérea que
ocorre após o início da pausa inspiratória, e o valor da auto-PEEP ou PEEP
intrínseca que poderia ocorrer (PEEPtot). Em 2003, Barberis, Guerin e col.,
publicaram um estudo recomendando o uso de uma pausa inspiratória de 3 segundos
para o cálculo da Ppl, já que uma pausa de 0.5seg após o início da oclusão da
válvula inspiratória levaria a dados errados de inter-relação entre a pressão
da via aérea e seus componentes resistivos e elásticos, por não levar em
consideração a referida queda na pressão na via aérea[5].
Com
essas considerações fisiológicas, tradicionalmente o cálculo da DP vinha sendo
feito com uma pausa inspiratória de 2 a 5 segundos (estimativa da Ppl) e, com uma
pausa expiratória de 3 a 5 segundos para medir a PEEP total (PEEP programada +
auto-PEEP se houver). As pressões calculadas são aquelas correspondentes ao
ponto final do platô inspiratório e expiratório, encontradas usando o cursor do
próprio ventilador[6]
[7].
Da
mesma forma, no Brasil, as Diretrizes Brasileiras de Ventilação Mecânica de
2013 orientavam a respeito da medida da Ppl[8]:
“Comentário: A
mensuração da pressão alveolar na prática clínica pode ser obtida meio de uma
pausa inspiratória de pelo menos dois segundos de duração. A pressão ao final
da pausa é denominada de pressão de platô ou pressão de pausa. O fluxo
inspiratório para a medição deve ser do tipo “quadrado” para cálculo da Rva, e
deve ser convertido para l/s (pagina 44)”.
“Recomendação: São
requisitos para mensuração acurada da pressão de pausa: ausência de esforço
muscular respiratório, tempo de pausa 2 a 3 segundos e ausência de vazamentos
(pagina 44)”.
“Recomendação:
Buscar manter Pplatô ≤ 30 cm H2O.
Recomendação: Buscar
manter o diferencial de pressão Platô - PEEP (chamado de Pressão de Distensão,
Pressão motriz inspiratória ou “driving-pressure”) menor ou igual a 15 cmH2O
para todas as categorias de gravidade SARA.
Sugestão: Em casos de
SARA moderada e grave, quando a PEEP usada for elevada (geralmente acima de 15
cm H2O), pode-se tolerar Pplatô de no máximo 40 cm H2O, desde que
necessariamente a Pressão de Distensão seja mantida ≤ 15 cm H2O (página 70)”.
Como
visto acima, o cálculo da Ppl e, por conseguinte da DP, exigia a mudança da
modalidade ventilatória para VCV quando o paciente estava sendo ventilado em
PCV, mais ainda porque em PCV a onda de fluxo é decrescente, não permitindo sua
mudança para onda de fluxo quadrada.
Entretanto,
as próprias Diretrizes de VM trouxeram uma ressalva a esse respeito:
Recomendação: ....Em
PCV, o valor da Pressão das vias aéreas se equipara a pressão de platô ou
pressão alveolar quando o fluxo inspiratório cai a zero (página 69).
Passou-se a aceitar, portanto, que a Ppl poderia ser estimada nos pacientes ventilados em
PCV bastando que o ventilador permita a realização de uma pausa inspiratória ou quando se tenha certeza que o fluxo inspiratório caiu para zero.
Não se confunde com o valor da pressão de pico (Ppi) que representa a pressão máxima
no final da inspiração ainda com a válvula inspiratória aberta e nem com a complacência
dinâmica (Cdin) cujo valor depende da pressão de pico e é influenciada pelo
fluxo inspiratório. Outros estudos têm estimado Ppl também no modo PCV [9].
Em recente estudo retrospectivo publicado na revista Chest, no qual não se
encontrou associação entre DP e mortalidade em pacientes sem SDRA, a Ppi foi
usada como substituta da Ppl para o cálculo da DP[10] o que certamente seria correto se houver certeza que o fluxo inspiratório caiu para zero (onda de fluxo decrescente), que se conseguirá quando o tempo inspiratório seja suficientemente longo para o fluxo inspiratório atingir zero conforme recomendam as Diretrizes brasileiras de VM (https://de-de.facebook.com/cursoventilacaomecanicaaroncalli/videos/voc%C3%AA-considera-o-delta-press%C3%B3rico-do-ventilador-em-modo-pcv-como-driving-pressur/873702796112821/)
Mais
recentemente, Mezidi, Guerin e col. num estudo retrospectivo acharam valores de
DP mais altos quando usada uma pausa inspiratória curta (0.5seg) e PEEP
programada (como no estudo ARMA) que se usada uma pausa inspiratória maior
(2seg.) e uma pausa expiratória de 3 seg. para considerar o valor de eventual
PEEP intrínseca no cálculo da PEEP total[11].
Em
contrapartida, Santini e col. num comentário feito ao artigo do Mezidi e Guerin,
apontam que a ventilação mecânica é um processo dinâmico que geralmente não
inclui pausas prolongadas. Certamente enquanto a DP, for
definida como Pplat – PEEP (DP estática), quanto maior a pausa, mais confiável seria
a medição. Mas se a Ppl e a DP pretendem refletir o aumento máximo na pressão
alveolar durante a ventilação contínua, uma pausa prolongada provavelmente
subestimaria seus valores. Os autores mencionam que, após o fechamento da
válvula inspiratória e o início da pausa, a pressão das vias aéreas cai
inicialmente para um valor “P1” enquanto o fluxo cai para zero. Posteriormente,
ele ainda declina para a Ppl valor que corresponde ao momento final do platô (antes
de abrir a válvula expiratória) principalmente por causa da redistribuição de
gás e do relaxamento do estresse no tecido pulmonar. P1 (mas não Ppl) incluiria
este gradiente de pressão nas últimas vias que "artificialmente" se
dissipa durante pausas inspiratórias prolongadas. Esse valor de P1 hoje pode ser
facilmente medido por ventiladores modernos, através de cursores que mostram os
valores de pressão ao longo da curva da pausa inspiratória.
Finalmente
questionaram que se a P1 deveria substituir o Pplat para calcular a DP e, dessa
forma para se aproximar mais ao processo fisiológico dinâmico, pausas
inspiratórias de 0.5seg poderiam ser “longas” para estimar a P1 certa. Em
resposta ao questionamento, Mezidi e Guerin responderam que a queda da P1 para o
Ppl resulta de dois mecanismos: (1) propriedades visco-elásticas do pulmão e tecidos
de parede torácica, e (2) fenómeno pendelluft. Já que o equilíbrio inspiratório
estático é alcançado no momento da pressão de platô, verifica-se que, a rigor,
é apenas a DP calculada com a Ppl que realmente reflete as propriedades elásticas
do pulmão. Por outro lado, como o pulmão heterogêneo da SDRA é caracterizado
por desigualdades estruturais, também, a rigor, seria apenas a DP estimada pela
P1 (a qual denominaram de “DP dinâmica”) que refletiria a carga elástica total
e também as propriedades viscoelásticas do pulmão e tecidos da parede torácica.
Entretanto, Mezidi e Guerin realizaram uma análise suplementar dos seus dados
comparando a denominada DP dinâmica (usando a P1 após pausa inspiratória de 0.5 segundos) e a PEEP ajustada no
ventilador, com a DP conforme a definição do professor Amato (DP
estática com pausa inspiratória de 2 segundos) encontrando uma correlação bastante
estreita entre os valores, concluindo não ter certeza de que de fato a DP
dinâmica traga informação adicional em comparação à DP estática[12].
Mas
recentemente tem se reforçado que o cálculo da DP não deve usar
pausas muito longas (> 2 segundos) que superestimem a DP ou curtas demais (<0.5 segundos) que a subestimem.
[1]
Amato, Marcelo B.P. et al. Driving Pressure and Survival in the Acute
Respiratory Distress Syndrome. The New England Journal of
Medicine, February 19, 2015 DOI: 10.1056/NEJMsa1410639
[2]
Baedorf Kassis E, Loring SH, Talmor D (2016) Mortality and pulmonar mechanics
in relation to respiratory system and transpulmonary driving pressures in ARDS.
Intensive Care Med 42:1206–1213. doi:10.1007/ s00134-016-4403-7
[3]
Guérin C, Papazian L, Reignier J et al (2016) Effect of driving pressure on mortality
in ARDS patients during lung protective mechanical ventilation in two
randomized controlled trials. Crit Care 20:384. doi:10.1186/
s13054-016-1556-2
[4]
The Acute Respiratory Distress Syndrome Network (2000) Ventilation with lower
tidal volumes as compared with traditional tidal volumes for acute lung injury
and the acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med 342:1301–1308. doi:
10.1056/nejm200005043421801
[5]
Barberis L, Manno E, Guérin C (2003) Effect of end-inspiratory pause duration on
plateau pressure in mechanically ventilated patients. Intensive Care Med
29:130–134. doi:10.1007/s00134-002-1568-z
[6]
https://www.hamilton-medical.com/pt_BR/News/Newsletter-articles/Article~2017-05-09~Bedside-tip:-How-to-measure-driving-pressure~d86f5713-a749-49ec-988f-e3403f7ca4dc~.html
[7]
Measuring plateau and the driving pressures with xlung 2.0. Acessivel em: https://www.youtube.com/watch?v=Ab-8_Dy8Muw
[8]
Diretrizes Brasileiras de Ventilação Mecânica 2013. AMIB -SBPT. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/237544/mod_resource/content/1/Consenso%20VM%202013.pdf
[9]
Mojoli et al.: Automatic monitoring of plateau and driving pressure during
pressure and volume controlled ventilation. Intensive Care Medicine
Experimental 2015 3(Suppl 1):A998.
[10]
Marcello F. S. Schmidt, e col. Driving Pressure and Hospital Mortality in Patients
Without ARDS. CHEST 2018; 153(1):46-54
[11]
Mezidi M, Yonis H, Aublanc M et al (2016) Effect of end-inspiratory plateau pressure
duration on driving pressure. Intensive Care Med 43:587–589. doi:10.1007/s00134-016-4651-6
[12]
Santini Alessandro e col. Driving airway pressure: should we use a static
measure to describe a dynamic
phenomenon?. Intensive Care Med. DOI
10.1007/s00134-017-4850-9
Nenhum comentário:
Postar um comentário