sábado, 29 de dezembro de 2018

SABEMOS MEDIR A DRIVING PRESSURE?

Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.






Driving Pressure (DP) ou Pressão de Distensão Pulmonar (ou pressão motriz), dentro da estratégia de ventilação mecânica protetora, foi sugerida em 2015 por Amato e col. como a variável-chave para otimizar a ventilação mecânica protetora em pacientes com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) prevenindo a Lesão Pulmonar Induzida pela Ventilação Mecânica (Ventilation Induced Lung Injury - VILI). DP, há muito tempo já é conhecida como a relação entre volume corrente e complacência estática do sistema respiratório (DP = VC/Cst). Para fins de cálculo foi definida como a diferença entre a Pressão de Platô (Ppl) – Pressão positiva no final da expiração (PEEP). No clássico estudo do professor Amato e col., a DP demonstrou ser um forte preditor de mortalidade em pacientes com SDRA[1]. Outros estudos replicaram os resultados[2] [3]. Uma crítica feita a tais estudos tem sido seu desenho retrospectivo baseado em revisão de estudos anteriores.

Assim, a ventilação mecânica protetora hoje não como meta obrigatória uma Ppl de <30cmH20, mas uma DP de 15cmH20 ou menos. O controle da DP como fator protetor é superior ao controle da Ppl. tornando esta última até mesmo pouco relevante.

COMO MEDIR A DRIVING PRESSURE?

O cálculo da DP depende diretamente do cálculo correto da Ppl, cuja sistemática ainda não tem consenso definido. Na maioria dos estudos revisados por Amato e outros pesquisadores, a Ppl foi medida  com o paciente sendo ventilado em modo controlado,  modalidade VCV, com onda de fluxo quadrada (para estimar a Cst), e fazendo uma pausa inspiratória de 0,5seg. após o fechamento da válvula inspiratória (zerando o fluxo inspiratório), de acordo com preconizado pelo estudo ARMA[4]; e a PEEP utilizada foi aquela ajustada no ventilador (PEEP programada) em vez de usar a PEEP total (PEEPtot = PEEP programada + PEEP intrínseca). Essa forma de medição não levava em consideração a queda na pressão na via aérea que ocorre após o início da pausa inspiratória, e o valor da auto-PEEP ou PEEP intrínseca que poderia ocorrer (PEEPtot). Em 2003, Barberis, Guerin e col., publicaram um estudo recomendando o uso de uma pausa inspiratória de 3 segundos para o cálculo da Ppl, já que uma pausa de 0.5seg após o início da oclusão da válvula inspiratória levaria a dados errados de inter-relação entre a pressão da via aérea e seus componentes resistivos e elásticos, por não levar em consideração a referida queda na pressão na via aérea[5].

Com essas considerações fisiológicas, tradicionalmente o cálculo da DP vinha sendo feito com uma pausa inspiratória de 2 a 5 segundos (estimativa da Ppl) e, com uma pausa expiratória de 3 a 5 segundos para medir a PEEP total (PEEP programada + auto-PEEP se houver). As pressões calculadas são aquelas correspondentes ao ponto final do platô inspiratório e expiratório, encontradas usando o cursor do próprio ventilador[6] [7].




Da mesma forma, no Brasil, as Diretrizes Brasileiras de Ventilação Mecânica de 2013 orientavam a respeito da medida da Ppl[8]:

“Comentário: A mensuração da pressão alveolar na prática clínica pode ser obtida meio de uma pausa inspiratória de pelo menos dois segundos de duração. A pressão ao final da pausa é denominada de pressão de platô ou pressão de pausa. O fluxo inspiratório para a medição deve ser do tipo “quadrado” para cálculo da Rva, e deve ser convertido para l/s (pagina 44)”.

“Recomendação: São requisitos para mensuração acurada da pressão de pausa: ausência de esforço muscular respiratório, tempo de pausa 2 a 3 segundos e ausência de vazamentos (pagina 44)”.

“Recomendação: Buscar manter Pplatô ≤ 30 cm H2O.

Recomendação: Buscar manter o diferencial de pressão Platô - PEEP (chamado de Pressão de Distensão, Pressão motriz inspiratória ou “driving-pressure”) menor ou igual a 15 cmH2O para todas as categorias de gravidade SARA.

Sugestão: Em casos de SARA moderada e grave, quando a PEEP usada for elevada (geralmente acima de 15 cm H2O), pode-se tolerar Pplatô de no máximo 40 cm H2O, desde que necessariamente a Pressão de Distensão seja mantida ≤ 15 cm H2O (página 70)”.



Como visto acima, o cálculo da Ppl e, por conseguinte da DP, exigia a mudança da modalidade ventilatória para VCV quando o paciente estava sendo ventilado em PCV, mais ainda porque em PCV a onda de fluxo é decrescente, não permitindo sua mudança para onda de fluxo quadrada.

Entretanto, as próprias Diretrizes de VM trouxeram uma ressalva a esse respeito:

Recomendação: ....Em PCV, o valor da Pressão das vias aéreas se equipara a pressão de platô ou pressão alveolar quando o fluxo inspiratório cai a zero (página 69).

Passou-se a aceitar, portanto, que a Ppl poderia ser estimada nos pacientes ventilados em PCV bastando que o ventilador permita a realização de uma pausa inspiratória ou quando se tenha certeza que o fluxo inspiratório caiu para zero. Não se confunde com o valor da pressão de pico (Ppi) que representa a pressão máxima no final da inspiração ainda com a válvula inspiratória aberta e nem com a complacência dinâmica (Cdin) cujo valor depende da pressão de pico e é influenciada pelo fluxo inspiratório. Outros estudos têm estimado Ppl também no modo PCV [9]. Em recente estudo retrospectivo publicado na revista Chest, no qual não se encontrou associação entre DP e mortalidade em pacientes sem SDRA, a Ppi foi usada como substituta da Ppl para o cálculo da DP[10] o que certamente seria correto se houver certeza que o fluxo inspiratório caiu para zero (onda de fluxo decrescente), que se conseguirá quando o tempo inspiratório seja suficientemente longo para o fluxo inspiratório atingir zero conforme recomendam as Diretrizes brasileiras de VM (https://de-de.facebook.com/cursoventilacaomecanicaaroncalli/videos/voc%C3%AA-considera-o-delta-press%C3%B3rico-do-ventilador-em-modo-pcv-como-driving-pressur/873702796112821/)

Mais recentemente, Mezidi, Guerin e col. num estudo retrospectivo acharam valores de DP mais altos quando usada uma pausa inspiratória curta (0.5seg) e PEEP programada (como no estudo ARMA) que se usada uma pausa inspiratória maior (2seg.) e uma pausa expiratória de 3 seg. para considerar o valor de eventual PEEP intrínseca no cálculo da PEEP total[11].

Em contrapartida, Santini e col. num comentário feito ao artigo do Mezidi e Guerin, apontam que a ventilação mecânica é um processo dinâmico que geralmente não inclui pausas prolongadas. Certamente enquanto a DP, for definida como Pplat – PEEP (DP estática), quanto maior a pausa, mais confiável seria a medição. Mas se a Ppl e a DP pretendem refletir o aumento máximo na pressão alveolar durante a ventilação contínua, uma pausa prolongada provavelmente subestimaria seus valores. Os autores mencionam que, após o fechamento da válvula inspiratória e o início da pausa, a pressão das vias aéreas cai inicialmente para um valor “P1” enquanto o fluxo cai para zero. Posteriormente, ele ainda declina para a Ppl valor que corresponde ao momento final do platô (antes de abrir a válvula expiratória) principalmente por causa da redistribuição de gás e do relaxamento do estresse no tecido pulmonar. P1 (mas não Ppl) incluiria este gradiente de pressão nas últimas vias que "artificialmente" se dissipa durante pausas inspiratórias prolongadas. Esse valor de P1 hoje pode ser facilmente medido por ventiladores modernos, através de cursores que mostram os valores de pressão ao longo da curva da pausa inspiratória.





Finalmente questionaram que se a P1 deveria substituir o Pplat para calcular a DP e, dessa forma para se aproximar mais ao processo fisiológico dinâmico, pausas inspiratórias de 0.5seg poderiam ser “longas” para estimar a P1 certa. Em resposta ao questionamento, Mezidi e Guerin responderam que a queda da P1 para o Ppl resulta de dois mecanismos: (1) propriedades visco-elásticas do pulmão e tecidos de parede torácica, e (2) fenómeno pendelluft. Já que o equilíbrio inspiratório estático é alcançado no momento da pressão de platô, verifica-se que, a rigor, é apenas a DP calculada com a Ppl que realmente reflete as propriedades elásticas do pulmão. Por outro lado, como o pulmão heterogêneo da SDRA é caracterizado por desigualdades estruturais, também, a rigor, seria apenas a DP estimada pela P1 (a qual denominaram de “DP dinâmica”) que refletiria a carga elástica total e também as propriedades viscoelásticas do pulmão e tecidos da parede torácica. Entretanto, Mezidi e Guerin realizaram uma análise suplementar dos seus dados comparando a denominada DP dinâmica (usando a P1 após pausa inspiratória de 0.5 segundos) e a PEEP ajustada no ventilador, com a DP conforme a definição do professor Amato (DP estática com pausa inspiratória de 2 segundos) encontrando uma correlação bastante estreita entre os valores, concluindo não ter certeza de que de fato a DP dinâmica traga informação adicional em comparação à DP estática[12].

Mas recentemente tem se reforçado que o cálculo da DP não deve usar pausas muito longas (> 2 segundos) que superestimem a DP ou curtas demais (<0.5 segundos) que a subestimem. 




[1] Amato, Marcelo B.P. et al. Driving Pressure and Survival in the Acute Respiratory Distress Syndrome. The New England Journal of Medicine, February 19, 2015 DOI: 10.1056/NEJMsa1410639
[2] Baedorf Kassis E, Loring SH, Talmor D (2016) Mortality and pulmonar mechanics in relation to respiratory system and transpulmonary driving pressures in ARDS. Intensive Care Med 42:1206–1213. doi:10.1007/ s00134-016-4403-7
[3] Guérin C, Papazian L, Reignier J et al (2016) Effect of driving pressure on mortality in ARDS patients during lung protective mechanical ventilation in two randomized controlled trials. Crit Care 20:384. doi:10.1186/
s13054-016-1556-2
[4] The Acute Respiratory Distress Syndrome Network (2000) Ventilation with lower tidal volumes as compared with traditional tidal volumes for acute lung injury and the acute respiratory distress syndrome. N Engl J Med 342:1301–1308. doi: 10.1056/nejm200005043421801
[5] Barberis L, Manno E, Guérin C (2003) Effect of end-inspiratory pause duration on plateau pressure in mechanically ventilated patients. Intensive Care Med 29:130–134. doi:10.1007/s00134-002-1568-z
[6] https://www.hamilton-medical.com/pt_BR/News/Newsletter-articles/Article~2017-05-09~Bedside-tip:-How-to-measure-driving-pressure~d86f5713-a749-49ec-988f-e3403f7ca4dc~.html
[7] Measuring plateau and the driving pressures with xlung 2.0. Acessivel em: https://www.youtube.com/watch?v=Ab-8_Dy8Muw
[8] Diretrizes Brasileiras de Ventilação Mecânica 2013. AMIB -SBPT. https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/237544/mod_resource/content/1/Consenso%20VM%202013.pdf
[9] Mojoli et al.: Automatic monitoring of plateau and driving pressure during pressure and volume controlled ventilation. Intensive Care Medicine Experimental 2015 3(Suppl 1):A998.
[10] Marcello F. S. Schmidt, e col. Driving Pressure and Hospital Mortality in Patients Without ARDS. CHEST 2018; 153(1):46-54
[11] Mezidi M, Yonis H, Aublanc M et al (2016) Effect of end-inspiratory plateau pressure duration on driving pressure. Intensive Care Med 43:587–589. doi:10.1007/s00134-016-4651-6
[12] Santini Alessandro e col. Driving airway pressure: should we use a static measure to describe a dynamic
phenomenon?. Intensive Care Med. DOI 10.1007/s00134-017-4850-9

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