A DERESUSCITAÇÃO VOLÊMICA: QUANDO INICIAR E QUANDO PARAR.
Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
Mudança recente nas diretrizes do
Surviving Sepsis Campaign (SSC) recomendam como ressuscitação volêmica inicial,
a administração de 30ml/kg de cristaloide dentro da primeira hora do
diagnóstico de paciente com hipotensão ou lactato ≥ 4mmol/L (Bundle de 1 hora)[1].Ainda,
recomenda que, após a ressuscitação inicial, fluidos adicionais podem ser
administrados guiando-se por uma reavaliação frequente do estado hemodinâmico
(exame clinico completo e uma avaliação das variáveis fisiológicas disponíveis
como frequência cardíaca, pressão arterial, saturação arterial de oxigênio,
frequência respiratória, temperatura, diurese e outros marcadores invasivos ou
não invasivos conforme disponível), e do estado de fluidoresponsividade do
paciente, dando preferência ao uso de marcadores dinâmicos para prever a resposta à administração de
fluidos[2].
A administração de fluidos
intravenosos tem sido há muito tempo considerada como o primeiro passo na estratégia
de ressuscitação de pacientes graves e que apresentam evidência de perfusão
orgânica prejudicada. Termos como “desafio de fluidos”, “reposição volêmica” tem
sido empregados para essa estrategia. Constitui
a denominada FASE DE RESUSCITAÇÃO
VOLÊMICA, entendendo-a como uma estratégia de administração de fluidos que
tem como objetivo, de um lado, aumentar o volume estressado (volume circulante
efetivo) e com isso aumentar a pressão arterial média (PAM) e, por conseguinte
a pressão de perfusão média (PPM= PAM – PVC). O termo “reposição volêmica” não
me parece adequado, naquelas situações nas quais existe a denominada
“hipovolemia relativa” decorrente de uma vasodilatação do compartimento venoso,
como ocorre nos casos de choque vasoplégico (sepse, anafilaxia, etc). Nessas
situações, na verdade, não houve uma “perda da volemia geral”, mas da “volemia
pertencente ao compartimento arterial que compõe o volume circulante efetivo”
que teve uma parte redistribuída para leito venoso hipercomplascente. Assim,
não havendo verdadeiramente uma “perda volêmica” não haveria que se falar em
“reposição”, diferentemente dos casos em que houve perda real da volemia, seja
externa (hemorragia, desidratação) ou interna para o terceiro espaço (edema,
ascite, etc). Este conceito nos leva a entender que quando fazemos
administração de fluidos em pacientes com hipovolemia relativa por vasoplegia,
estamos na verdade não só aumentando o volume estressado, mas também o não
estressado e ainda a volemia em geral. Um paciente com 5 litros de volemia
circulante geral, mas com hipovolemia circulante efetiva (por redistribuição em
razão de vasoplegia), que recebe 3 litros de ressuscitação volemia, terá
afinal, 8 litros de volume circulante em geral. Por outro lado, o objetivo da
ressuscitação volêmica também é aumentar o retorno venoso e com isso o volume
sistólico e o débito cardíaco. Entretanto, o aumento do retorno venoso gera
aumento da PVC e eventualmente poderia reduzir a PPM e ainda provocar lesão
renal aguda por congestão venosa.
Estudos clínicos têm
consistentemente demonstrado que menos de 50% dos pacientes hemodinamicamente
instáveis são respondedores à administração de fluidos (fluidoresponsivos),
definidos como aqueles cujo volume sistólico aumenta > 10 a 15% após um
desafio de fluido (pacientes que estão ainda na fase ascendente da curva de Frank-Starling)[3].
A administração de fluidos em não respondedores além de não aumentar o débito
cardíaco, pode provocar efeitos deletérios decorrentes da hipervolemia. Além
disso, devido à redistribuição do fluido administrado, a resposta hemodinâmica
em respondedores é de curta duração com o volume de ejeção retornando a linha
de base 30 a 60 minutos após o desafio inicial de fluido[4].
Em indivíduos saudáveis, 85% de um bolus infundido de cristaloide se
redistribui no espaço intersticial após 4 horas[5].
Em pacientes críticos com lesão endotelial e aumento da permeabilidade capilar,
< 5% de um bolus líquido permanece no intravascular após 90 minutos[6].
No estudo clássico de Rivers (Terapia Precoce Guiada por Metas), 4.9 L de
cristaloides foram dados nas primeiras 6 horas e 13,4 L nas primeiras 72 horas[7].
A ressuscitação com grandes
volumes de fluidos resulta em edema tecidual e sinais clínicos de sobrecarga de
volume. O edema do tecido prejudica a difusão de oxigênio e metabólitos, distorce
a arquitetura do tecido, impede o fluxo sanguíneo capilar e a drenagem
linfática, e perturba as interações célula-célula[8].
Estes efeitos são pronunciados em órgãos encapsulados, como o fígado e os rins,
que não têm capacidade para acomodar volume adicional sem um aumento pressão
intersticial, resultando em comprometimento do fluxo sanguíneo[9].
Além disso, ocorre aumento da pressão intra-abdominal (PIA), o que compromete
ainda mais a perfusão renal e hepática. Assim, o extravasamento de liquido
contribui significativamente para a gênese da hipertensão intra-abdominal (HIA)
e a síndrome compartimental abdominal (SCA)[10].
Vários estudos demonstraram que o
balanço hídrico positivo (BH+) de fluidos está associado de forma independente com
disfunção orgânica e aumento do risco de morte. Por outro lado, um balanço
hídrico negativo (BH-) está associado à melhoria da função orgânica e
sobrevida. Esses desfechos tem sido tem sido relacionados com as Fases “Ebb” e
“Flow” do choque. Cuthbertson em 1932, definiu
a fase “Ebb” como aquela em que o paciente apresenta “fascies pálida, pulso filiforme e
extremidades frias e úmidas…”, enquanto a fase “Flow“” como aquela na qual o
paciente “aquece, o débito cardíaco
aumenta e a equipe cirúrgica relaxa… ”[11].
A fase Ebb representa o estado de
choque vasoplégico de tipo distributivo caracterizado por vasodilatação
arterial e extravazamento de albumina transcapilar com diminuição da pressão
oncótica plasmática e consequente edema por extravasamento de água (edema
intersticial, de alças intestinais, pulmonar, etc) que leva à redução do
enchimento capilar, hipoperfusão sistêmica e comprometimento regional do uso de
tecidual do oxigênio. Nesta fase inicial de choque, a fluidoterapia tem como
objetivo adequado, a melhora do enchimento capilar para evitar a evolução para
síndrome de disfunção de múltiplos órgãos (SDMO). Como resposta neuroendócrina
compensatória e disfunção renal potencial ocorre retenção de sódio e água. Os
balanços hídricos positivos são inerentes à fase de Ebb. Pacientes com maior
gravidade precisarão de mais fluidos para alcançar a otimização cardiovascular.
Portanto, nesta fase, o equilíbrio de fluidos pode ser considerado um
biomarcador de doença crítica (quanto mais fluido necessário, mais grave o
paciente). Entretanto, a função renal, em particular, é fortemente afetada pela
sobrecarga volêmica que provoca edema intersticial renal e edema intersticial
de alças intestinais com consequente hipertensão intra-abdominal (HIA) e
síndrome compartimental abdominal (SCA). Portanto, a sobrecarga volêmica
levando a HIA e disfunção renal associada podem prejudicar a própria fase de
resolução espontânea da fase Ebb.
Pacientes superam o choque e
atingem a homeostase classicamente dentro de 3 dias. Estabilização ou
compensação hemodinâmica subsequentes com melhora da pressão plasmática
oncótica desencadeia a fase Flow com retomada da diurese e balanços de hídricos
negativos. Assim, após a estabilização do paciente e sinais de melhora, deve se
estabelecer uma estratégia de retirada do volume do liquido em excesso, ou
seja, iniciar a FASE DE DERESUSCITAÇÃO
VOLÊMICA. Entretanto, poucas
diretrizes têm dado ênfase para esta fase de “deressuscitação volêmica”, que
visa evitar ou reduzir os efeitos deletérios da sobrecarga volêmica e seus
reflexos negativos sobre a própria perfusão tecidual. Assim, resulta importante
avaliar o excesso de fluidos corporais através de um cálculo de um balanço
hídrico aprimorado (BH diário e acumulado) e de técnicas como aquelas que medem
a água vascular extrapulmonar (extravascular
lung water index – EVLWI).
Ao indicar administração de
fluidos, é importante saber quando começar a dar fluidos (avalia-se além do
quando, o quanto e o tipo de fluido a ser administrado), quando parar de dar
fluidos (avalia-se as metas atingidas e/ou os riscos de hipervolemia), quando
iniciar a remoção de fluidos (retirada do excesso acumulado) e quando parar a
remoção de fluidos (evitando-se o risco de hipovolemia).
Malbrain e colaboradores em 2014 publicaram uma revisão
sistemática sobre o assunto, e adotaram alguns conceitos de relevância[12]:
1. Sobrecarga de volume. A porcentagem de acumulo de fluido em
excesso pode ser obtido dividindo o balanço hídrico total acumulado em litros
(BHTA) pelo peso corporal basal do paciente multiplicado por 100%. Um valor de
corte ≥
10% de sobrecarga, está associado a piores resultados. Mais frequentemente
descrito em populações pediátricas.
2. Bolus de Fluido. Refere-se na verdade, a uma infusão rápida de fluidos. Inclui
tipicamente a infusão de pelo menos 4 mL/kg administrados durante um máximo de
10 a 15 minutos. Importante mencionar que no Brasil, de acordo com FakiH, diferenciamos
os conceitos de administração de soluções em[13]:
·
Bolus: é a administração intravenosa realizada
em tempo menor ou igual a 1 minuto. Geralmente através de seringa.
·
Infusão rápida: é a administração intravenosa
realizada entre 1 e 30 minutos. Algumas podem ser realizadas com seringa, porém
para infusões em tempo superior a 10 minutos recomenda-se a utilização de
bureta.
·
Infusão lenta: é a administração intravenosa
realizada entre 30 e 60 minutos.
·
Infusão contínua: é a administração realizada em
tempo superior a 60minutos, ininterruptamente.
· Administração Intermitente: não contínua, por
exemplo de 6 em 6 horas. Para este tipo de terapia é importante a preocupação
com a manutenção da permeabilidade do cateter que permanecerá com dispositivo
tipo tampinha nos intervalos da medicação.
Malbrain e colaboradores, sugerem
um MODELO DE 4 ETAPAS com 5 FASES DINÂMICAS distintas no manejo
de fluidos no paciente grave: Ressuscitação, Otimização, Estabilização,
Evacuação (ROSE), seguido de um risco potencial de Hipoperfusão.
1ª ETAPA: QUANDO COMEÇAR A RESUSCITAÇÃO VOLÊMICA? (R= RESSUSCITAÇÃO)
Fase de Resgate. Paciente na fase Ebb do choque e risco iminente de
vida, com baixa pressão arterial média, baixo DC e comprometimento da
microcirculação. Em alguns pacientes o oxigênio pode ter dificuldades para
entrar nos tecidos em caso de hipovolemia grave. Durante os estágios iniciais
da ressuscitação (resgate), os fluidos devem ser administrados rapidamente em
(4 mL/kg durante 10 a 15 minutos). Fluidos de manutenção devem ser
administrados a uma taxa de 1 mL/kg/h em combinação com fluidos de reposição,
quando indicado. Avaliar sempre, além da volemia, o estado de
fluidoresponsividade do paciente. As metas de reanimação são: PAM> 65 mm Hg,
IC> 2,5 L min/m2, Variação da Pressão de Pulso (PPV) <12%, Índice da Área
Diastólica Final do Ventrículo Esquerdo (LVEDAI) > 8 cm/m2.
2ª ETAPA: QUANDO PARAR A RESUSCITAÇÃO VOLÊMICA? (O= OTIMIZAÇÃO + S=
ESTABILIAÇÃO)
Fase de otimização, o paciente não está mais em risco iminente de
vida, mas num estágio de choque compensado (mas ainda com alto risco de
descompensação) e qualquer fluido adicional a terapia deve ser administrada com
mais cautela e titulada de forma rigorosa. O paciente está ainda na fase de ressuscitação
otimizada associada a uma fase de isquemia-reperfusão e o acumulo de líquidos
(BHTA) pode ser visto como um marcador de gravidade de doença. Quanto maior a
necessidade de fluidos, maior a gravidade. Portanto, importante monitorar o
acúmulo e a sobrecarga de fluidos assim como o grau de congestão tecidual em
diferentes órgãos, que deve através de ferramentas ser estimado, a exemplo do
cálculo da água extravascular pulmonar pelos métodos de termodiluição
transpulmonar. Não somente o pulmão pode ficar congesto, mas também as paredes
dos órgãos intrabdominais com aumento da Pressão Intra-abdominal - PIA (que
deve ser aferida) gerando Hipertensão intra-abdominal (HIA). O BH de positivo
deve ser levado para neutro (zerado). Os alvos de reanimação nesta fase são:
PAM> 65 mmHg, IC> 2,5 L min/m2, PPV <14%, LVEDAI 8−12 cm/m2. Nesta
fase, a Pressão Intra-abdominal (PIA) é a Pressão de Perfusão Abdominal (PPA)
devem monitoizados (com alvos de PIA <15mmHg e PPA > 55 mmHg). A
pré-carga deve ser otimizada com metas de Índice de Volume Diastólico Final
Global (GEDVI) de 640—800 mL/m2 e em caso de valores elevados, através do uso
de uma fórmula de correção da Fração de Ejeição Global (GEF).
Fase de Estabilização. Após a fase de otimização segue a fase de
Estabilização nos próximos dias, na qual o paciente está em um estado
estacionário estável, de modo que a fluidoterapia é agora apenas repor ou
substituir perdas normais (renal, gastrointestinal, insensível), ou perdas
contínuas por causa de patologia não resolvida. Em essência trata-se de uma
fase de manutenção. Contudo, esta fase distingue-se das duas anteriores pela
ausência de choque (compensado ou descompensado) ou de ameaça iminente de
choque. Idealmente peso corporal deve ser medido diariamente. O balanço de
fluidos deve ser calculado para avaliar o risco de sobrecarga de fluido. Análise
de bioimpedância elétrica com cálculo de água extra e intracelular (ECW, ICW),
da água corporal total (TBW) e do excesso de volume (VE) podem fornecer informações
úteis. Manter BH zerado. Alvos de ressuscitação: Indice de Água Extravascular Pulmonar
(EVLWI) <10-12 mL/kg de peso predito, Índice de Permeabilidade Vascular
Pulmonar (PVPI) <2,5, PIA <15 mm Hg, PPA> 55 mmHg, Pressão
Coloido-osmótica (COP) > 16−18 mmHg e índice de vazamento capilar (CLI = PCR
em mg/dl/alb em gr/L) <60. Durante esta fase, biomarcadores (NGAL,
cistatina-C, citrulina, etc.) pode ser úteis para avaliar a função do órgão no
contexto de sobrecarga de fluidos.
3ª ETAPA: QUANDO COMEÇAR A DERESUSCITAÇÃO VOLÊMICA? (E = EVACUAÇÃO)
Fase de evacuação. Após a ressuscitação podem acontecer 2
possibilidades:
- O paciente se recupera e entra
na fase “Flow” espontaneamente com a evacuação do excesso de fluidos que foram
dados anteriormente ou,
- O paciente permanece em um
estado "no Flow" gerando a denominada Síndrome da Permeabilidade
Global Incrementada (GIPS) com acúmulo contínuo de fluidos em razão de vazamento
capilar (também denominada como a terceira fase do choque). Administração
adicional de fluidos nesta fase torna-se prejudicial para o paciente. Edema
difuso nos diferentes órgãos (anasarca) gera disfunção orgânica múltipla.
Figura 15 ilustra os efeitos negativos da sobrecarga de fluidos na
função dos órgãos-alvo (Malbrain Manu L.N.G.,
et.al., Fluid overload, de-resuscitation, and outcomes in critically ill or
injured patients: a systematic review with suggestions for clinical practice.
Anaesthesiology Intensive Therapy 2014, vol. 46, no 5, 361–380)
Nesta situação a própria reposição
volêmica volta-se contra o paciente tornando-se deletéria num circulo vicioso como
descrito na ressuscitação do choque séptico:
Figura 1: Círculo vicioso dos efeitos deletérios da sobrecarga volêmica
na ressuscitação (Manu L. N. G. Malbrain, Niels Van Regenmortel, Bernd
Saugel, Brecht De Tavernier, Pieter-Jan Van Gaal, Olivier Joannes-Boyau,
Jean-Louis Teboul, Todd W. Rice, Monty Mythen and Xavier Monnet. Principles of
fluid management and stewardship in septic shock: it is time to consider the
four D’s and the four phases of fluid therapy. Annals of Intensive Care 20188:66)
Enquanto nas primeiras 3 etapas (“ROS”),
os fluidos administrados (inicialmente como resgate, seguido de manutenção e,
finalmente, como substituição), na última etapa, (correspondente ao
"E" do conceito ROSE), os fluidos precisarão ser removidos ativamente
do paciente durante os seguintes dias a semanas para apoiar a recuperação de
órgãos.
Deressuscitação volêmica deve ser
considerada quando a sobrecarga volêmica impactar negativamente na função dos
órgãos-alvo, de modo que a deressuscitação é obrigatória no caso de um balanço
hídrico positivo associado a marcadores que sinalizem excesso de fluidos como: má
oxigenação (P/F <200), aumento do vazamento capilar (alto índice de
permeabilidade vascular pulmonar - PVPI> 2,5 e índice de agua extravascular
pulmonar - EVLWI> 12 mL/kg de peso predito), aumento da PIA (> 15 mm Hg) com
baixa pressão de perfusão abdominal (PPA = PAM – PAI <50 mm Hg), alto índice
de vazamento capilar – CLI (PCR/alb >60), etc. O objetivo aqui será para
promover um equilíbrio de fluidos negativo através da mobilização fluidos
acumulados. Durante esta fase deve se concentrar na avaliação de fluidos sobrecarga
e seu impacto na função do órgão terminal usando a termodiluição transpulmonar (TPTD)
e a Bioimpedância elétrica: relação P / F, EVLWI, PVPI, PIA, PPA, ECW, ICW, TBW
e VE. O lema aqui é "pulmões secos são pulmões felizes".
Como deresuscitar?: Método PAL
Um estudo comparou retrospectivamente
desfechos em dois grupos de 57 pacientes cada, submetidos a ventilação mecânica
que desenvolveram Lesão Pulmonar Aguda (LPA) associada a hipoxemia, aumento de
EVLWI e PIA. A um dos grupos foi lhe aplicada uma estratégia restritiva de
fluidos com BH negativo denominada “Tratamento PAL (PEEP + Albumina + Lasix)”
que consistia em:
- Aplicação de 30 minutos de PEEP
titulada para contrabalançar aumento da PIA (melhor PEEP em cmH2O = PIA em
mmHg).
- A seguir, uma solução de albumina
hiperoncótica (20%) foi administrada em bolus de 200 ml durante 60 min duas
vezes no primeiro dia e subsequentemente titulada para atingir um nível de
albumina sérica de 30 g /L (3,0 g/dl).
- Finalmente, 30 minutos após a
primeira dose de albumina, procedeu-se à administração de furosemida EV que foi
iniciada com uma dose de ataque de 60 mg, seguida de uma infusão contínua a 60
mg/h durante as primeiras 4 h e depois a 5-10 mg/h, de acordo com a tolerância
hemodinâmica. Em pacientes anúricos, a TRS continua foi iniciada com uma taxa
de ultrafiltração visando BH diário zerado a negativo.
Uma semana de tratamento com PAL
teve efeitos benéficos sobre EVLWI, PIA, função de órgãos e terapia com
vasopressores, e isso resultou em uma duração mais curta da ventilação mecânica
(desmame mais rápido) e melhorou a mortalidade em 28 dias.
Esquema PAL de deresuscitação (Malbrain
Manu L.N.G., et.al., Fluid overload, de-resuscitation, and outcomes in critically
ill or injured patients: a systematic review with suggestions for clinical
practice. Anaesthesiology Intensive Therapy 2014, vol. 46, no 5, 361–380)
4ª ETAPA: QUANDO PARAR A DERESUSCITAÇÃO?
Deve se evitar a remoção
excessiva de líquidos. Um balanço de fluido cumulativo negativo e hipovolemia
resultante pode dar origem novamente a problemas causando hipoperfusão e
hipóxia tecidual. O lema aqui é "um fígado seco pode resultar em um
paciente morto”. Deve se alertar para parar quando os marcadores usados para
iniciar a deresuscitação atinjam seus valores normais ou quando o paciente
apresente sinais de hipovolemia aferidos por métodos clínicos e/ou de imagem (métodos
de ultrassonografia e ecocardiografia podem auxiliar).
Recentemente, em 2018, Malbrain e colaboradores, amplia os
conceitos de ressuscitação e deresuscitação numa nova revisão introduzindo o
conceito de “4 D's DA FLUIDOTERAPIA”
(droga, dose, duração e descalonamento) em analogia com a forma como lidamos
com o uso de antibióticos nos doentes graves[14].
Droga. Deve-se considerar os diferentes tipos de fluidos:
cristaloides, colóides, soluções balanceadas; as propriedades como osmolalidade,
tonicidade, pH, composição eletrolítica (cloreto,sódio, potássio, etc.) e os
níveis de outros componentes metabolicamente ativos (lactato, acetato, malato,
etc.). Fatores clínicos (condições subjacentes, insuficiência renal ou hepática,
equilíbrio ácido-base, níveis de albumina, equilíbrio hídrico, etc.) devem ser
todos levados em conta ao escolher o tipo e quantidade de fluido para um
determinado paciente durante um tempo determinado. Há apenas quatro indicações
para administração de fluidos, nomeadamente ressuscitação, manutenção,
substituição e nutrição (parenteral, enteral, oral), ou associação de
diferentes fluidos.
Dose. Refere-se a quanto de fluido dar. Trata-se de uma questão que
a semelhança do tipo de fluido ainda é objeto de controvérsia. Os guidelines e
diretrizes sugerem “bolus” de fluido em ml por kilo de peso (4, 20, 30 etc).
Entretanto inexistem estudos sérios validando tais recomendações. Ainda,
importante salientar que doses adicionais de fluido são sugeridas baseadas na
avaliação da fluidoresponsividade do paciente e guiado principalmente por marcadores
dinâmicos. Entretanto, deve se levar em consideração as propriedades farmacocinéticas
e farmacodinâmicas do fluido administrado num paciente cuja homeostase encontra-se
alterada.
Duração. Sabe-se que quanto maior o atraso na administração do
fluido, haverá mais hipoperfusão microcirculatória e subsequentes danos
relacionados à lesão de isquemia-reperfusão. Em pacientes com sepse estudo
comparando estratégias adequada precoce (>50ml/kg nas primeiras 12 a 24h de permanência
na UTI) versus conservador precoce (<25ml/kg nas primeiras 12 a 24h de permanência
na UTI) e conservador tardio (2 dias consecutivos com BH negativo na primeira
semana) versus liberal tardio (ausência de 2 dias consecutivos de BH negativo
na primeira semana) de administração de fluidos tem mostrado que a combinação
de precoce adequada com conservadora tardia levou a melhor prognóstico. Outros
estudos confirmam que a estratégia conservadora tardia é talvez mais importante
do que a fluidoterapia adequada precoce. Como para antibióticos, a duração da
fluidoterapia deve ser o mais curta possível, e o excesso de volume deve ser retirado
quando o choque for resolvido.
Descalonamento. Refere-se ao processo de retirada de fluidos ou também
denominado deresuscitação volêmica, como descrito no modelo de 4 etapas e 5
fases dinâmicas.
COMENTÁRIO FINAL
Como visto acima, a deresuscitação
volêmica, deve ser parte importante da fluidoterapia do paciente grave/crítico,
principalmente em estado de choque. Não basta, portanto, ter preocupação apenas
com o “quando, quanto e que tipo de fluido devo dar” o que de por si já
representa um grande desafio, mas também com o “quando devo parar de dar fluido e quando e como devo remover o excesso
de fluido acumulado durante a fase de ressuscitação volêmica”.
Embora a literatura citada recomende
o uso de tecnologias não disponíveis em muitas UTIs do Brasil (termodiluição
transpulmonar e bioimpedancia elétrica), para avaliar parâmetros que podem nos guiar
na deresuscitação, algumas outras estratégias práticas estão ao alcance, embora
não se tenha costume de utilizar.
- O controle de peso diário do
paciente pode ser tarefa difícil quando se trata de paciente crítico, sedado e
intubado e não se dispõe de cama balança. Entretanto deve se dar importância ao
registro do dado do peso habitual e atual referido ou estimado por medidas
antropométricas, que definam o “peso corporal basal do paciente”.
- O cálculo do Balanço Hídrico Diário
(BH) e o Balanço Hídrico Total Acumulado (BHTA) deve ser uma prática à qual
deva se dar especial atenção. Quando constantemente positivos, permitirá fazer
o cálculo da sobrecarga volêmica como definida nesta revisão: porcentagem de
acumulo de fluido em excesso pode ser obtido dividindo o balanço hídrico total
acumulado em litros (BHTA) pelo peso corporal basal do paciente multiplicado
por 100%. Um valor de corte ≥ 10% define sobrecarga volêmica alertando
para piores desfechos.
- Marcadores práticos que sinalizam
excesso de fluidos: Má oxigenação (P/F <200), aumento da PIA (> 15 mm Hg)
com baixa pressão de perfusão abdominal (PPA = PAM – PAI <50 mm Hg), alto
índice de vazamento capilar – CLI (PCR/alb >60).
- Ultrassonografia pulmonar
(POCUS) mediante avaliação das linhas B com padrão sugestivo para edema
pulmonar de tipo hidrostático também poderá auxiliar.
Com relação à terapia de deresuscitação
há pouca informação na literatura, mas o método PAL descrito pode ser uma opção,
muito embora o fator de custo da albumina possa ser talvez um empecilho para
sua aplicação.
[1]
http://www.survivingsepsis.org/SiteCollectionDocuments/Surviving-Sepsis-Campaign-Hour-1-Bundle-2018.pdf
[2]http://www.survivingsepsis.org/SiteCollectionDocuments/SurvivingSepsisCampaignInternational_Portuguese_2018.pdf
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[12] Malbrain Manu L.N.G., et.al., Fluid overload,
de-resuscitation, and outcomes in critically ill or injured patients: a systematic
review with suggestions for clinical practice. Anaesthesiology Intensive
Therapy 2014, vol. 46, no 5, 361–380
[13] http://www.unioeste.br/projetos/terapiaintravenosa/pdf/5.pdf
[14] Manu L. N. G. Malbrain, Niels Van Regenmortel, Bernd Saugel, Brecht De Tavernier, Pieter-Jan Van Gaal, Olivier Joannes-Boyau, Jean-Louis Teboul, Todd W. Rice, Monty Mythen and Xavier Monnet. Principles of fluid management and stewardship in septic shock: it is time to consider the four D’s and the four phases of fluid therapy. Annals of Intensive Care 20188:66
Muito bom! Parabens pelo blog
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