sábado, 17 de novembro de 2018

A DERESUSCITAÇÃO VOLÊMICA: QUANDO INICIAR E QUANDO PARAR.

Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.






Mudança recente nas diretrizes do Surviving Sepsis Campaign (SSC) recomendam como ressuscitação volêmica inicial, a administração de 30ml/kg de cristaloide dentro da primeira hora do diagnóstico de paciente com hipotensão ou lactato 4mmol/L (Bundle de 1 hora)[1].Ainda, recomenda que, após a ressuscitação inicial, fluidos adicionais podem ser administrados guiando-se por uma reavaliação frequente do estado hemodinâmico (exame clinico completo e uma avaliação das variáveis fisiológicas disponíveis como frequência cardíaca, pressão arterial, saturação arterial de oxigênio, frequência respiratória, temperatura, diurese e outros marcadores invasivos ou não invasivos conforme disponível), e do estado de fluidoresponsividade do paciente, dando preferência ao uso de marcadores dinâmicos  para prever a resposta à administração de fluidos[2].

A administração de fluidos intravenosos tem sido há muito tempo considerada como o primeiro passo na estratégia de ressuscitação de pacientes graves e que apresentam evidência de perfusão orgânica prejudicada. Termos como “desafio de fluidos”, “reposição volêmica” tem sido empregados para essa estrategia.  Constitui a denominada FASE DE RESUSCITAÇÃO VOLÊMICA, entendendo-a como uma estratégia de administração de fluidos que tem como objetivo, de um lado, aumentar o volume estressado (volume circulante efetivo) e com isso aumentar a pressão arterial média (PAM) e, por conseguinte a pressão de perfusão média (PPM= PAM – PVC). O termo “reposição volêmica” não me parece adequado, naquelas situações nas quais existe a denominada “hipovolemia relativa” decorrente de uma vasodilatação do compartimento venoso, como ocorre nos casos de choque vasoplégico (sepse, anafilaxia, etc). Nessas situações, na verdade, não houve uma “perda da volemia geral”, mas da “volemia pertencente ao compartimento arterial que compõe o volume circulante efetivo” que teve uma parte redistribuída para leito venoso hipercomplascente. Assim, não havendo verdadeiramente uma “perda volêmica” não haveria que se falar em “reposição”, diferentemente dos casos em que houve perda real da volemia, seja externa (hemorragia, desidratação) ou interna para o terceiro espaço (edema, ascite, etc). Este conceito nos leva a entender que quando fazemos administração de fluidos em pacientes com hipovolemia relativa por vasoplegia, estamos na verdade não só aumentando o volume estressado, mas também o não estressado e ainda a volemia em geral. Um paciente com 5 litros de volemia circulante geral, mas com hipovolemia circulante efetiva (por redistribuição em razão de vasoplegia), que recebe 3 litros de ressuscitação volemia, terá afinal, 8 litros de volume circulante em geral. Por outro lado, o objetivo da ressuscitação volêmica também é aumentar o retorno venoso e com isso o volume sistólico e o débito cardíaco. Entretanto, o aumento do retorno venoso gera aumento da PVC e eventualmente poderia reduzir a PPM e ainda provocar lesão renal aguda por congestão venosa.  

Estudos clínicos têm consistentemente demonstrado que menos de 50% dos pacientes hemodinamicamente instáveis são respondedores à administração de fluidos (fluidoresponsivos), definidos como aqueles cujo volume sistólico aumenta > 10 a 15% após um desafio de fluido (pacientes que estão ainda na fase ascendente da curva de Frank-Starling)[3]. A administração de fluidos em não respondedores além de não aumentar o débito cardíaco, pode provocar efeitos deletérios decorrentes da hipervolemia. Além disso, devido à redistribuição do fluido administrado, a resposta hemodinâmica em respondedores é de curta duração com o volume de ejeção retornando a linha de base 30 a 60 minutos após o desafio inicial de fluido[4]. Em indivíduos saudáveis, 85% de um bolus infundido de cristaloide se redistribui no espaço intersticial após 4 horas[5]. Em pacientes críticos com lesão endotelial e aumento da permeabilidade capilar, < 5% de um bolus líquido permanece no intravascular após 90 minutos[6]. No estudo clássico de Rivers (Terapia Precoce Guiada por Metas), 4.9 L de cristaloides foram dados nas primeiras 6 horas e 13,4 L nas primeiras 72 horas[7].

A ressuscitação com grandes volumes de fluidos resulta em edema tecidual e sinais clínicos de sobrecarga de volume. O edema do tecido prejudica a difusão de oxigênio e metabólitos, distorce a arquitetura do tecido, impede o fluxo sanguíneo capilar e a drenagem linfática, e perturba as interações célula-célula[8]. Estes efeitos são pronunciados em órgãos encapsulados, como o fígado e os rins, que não têm capacidade para acomodar volume adicional sem um aumento pressão intersticial, resultando em comprometimento do fluxo sanguíneo[9]. Além disso, ocorre aumento da pressão intra-abdominal (PIA), o que compromete ainda mais a perfusão renal e hepática. Assim, o extravasamento de liquido contribui significativamente para a gênese da hipertensão intra-abdominal (HIA) e a síndrome compartimental abdominal (SCA)[10].
Vários estudos demonstraram que o balanço hídrico positivo (BH+) de fluidos está associado de forma independente com disfunção orgânica e aumento do risco de morte. Por outro lado, um balanço hídrico negativo (BH-) está associado à melhoria da função orgânica e sobrevida. Esses desfechos tem sido tem sido relacionados com as Fases “Ebb” e “Flow” do choque. Cuthbertson em 1932, definiu   a fase “Ebb” como aquela em que o paciente apresenta “fascies pálida, pulso filiforme e extremidades frias e úmidas…”, enquanto a fase “Flow“” como aquela na qual o paciente “aquece, o débito cardíaco aumenta e a equipe cirúrgica relaxa… ”[11].

A fase Ebb representa o estado de choque vasoplégico de tipo distributivo caracterizado por vasodilatação arterial e extravazamento de albumina transcapilar com diminuição da pressão oncótica plasmática e consequente edema por extravasamento de água (edema intersticial, de alças intestinais, pulmonar, etc) que leva à redução do enchimento capilar, hipoperfusão sistêmica e comprometimento regional do uso de tecidual do oxigênio. Nesta fase inicial de choque, a fluidoterapia tem como objetivo adequado, a melhora do enchimento capilar para evitar a evolução para síndrome de disfunção de múltiplos órgãos (SDMO). Como resposta neuroendócrina compensatória e disfunção renal potencial ocorre retenção de sódio e água. Os balanços hídricos positivos são inerentes à fase de Ebb. Pacientes com maior gravidade precisarão de mais fluidos para alcançar a otimização cardiovascular. Portanto, nesta fase, o equilíbrio de fluidos pode ser considerado um biomarcador de doença crítica (quanto mais fluido necessário, mais grave o paciente). Entretanto, a função renal, em particular, é fortemente afetada pela sobrecarga volêmica que provoca edema intersticial renal e edema intersticial de alças intestinais com consequente hipertensão intra-abdominal (HIA) e síndrome compartimental abdominal (SCA). Portanto, a sobrecarga volêmica levando a HIA e disfunção renal associada podem prejudicar a própria fase de resolução espontânea da fase Ebb.

Pacientes superam o choque e atingem a homeostase classicamente dentro de 3 dias. Estabilização ou compensação hemodinâmica subsequentes com melhora da pressão plasmática oncótica desencadeia a fase Flow com retomada da diurese e balanços de hídricos negativos. Assim, após a estabilização do paciente e sinais de melhora, deve se estabelecer uma estratégia de retirada do volume do liquido em excesso, ou seja, iniciar a FASE DE DERESUSCITAÇÃO VOLÊMICA.  Entretanto, poucas diretrizes têm dado ênfase para esta fase de “deressuscitação volêmica”, que visa evitar ou reduzir os efeitos deletérios da sobrecarga volêmica e seus reflexos negativos sobre a própria perfusão tecidual. Assim, resulta importante avaliar o excesso de fluidos corporais através de um cálculo de um balanço hídrico aprimorado (BH diário e acumulado) e de técnicas como aquelas que medem a água vascular extrapulmonar (extravascular lung water index – EVLWI).

Ao indicar administração de fluidos, é importante saber quando começar a dar fluidos (avalia-se além do quando, o quanto e o tipo de fluido a ser administrado), quando parar de dar fluidos (avalia-se as metas atingidas e/ou os riscos de hipervolemia), quando iniciar a remoção de fluidos (retirada do excesso acumulado) e quando parar a remoção de fluidos (evitando-se o risco de hipovolemia).

Malbrain e colaboradores em 2014 publicaram uma revisão sistemática sobre o assunto, e adotaram alguns conceitos de relevância[12]:

1. Sobrecarga de volume. A porcentagem de acumulo de fluido em excesso pode ser obtido dividindo o balanço hídrico total acumulado em litros (BHTA) pelo peso corporal basal do paciente multiplicado por 100%. Um valor de corte 10% de sobrecarga, está associado a piores resultados. Mais frequentemente descrito em populações pediátricas.

2. Bolus de Fluido. Refere-se na verdade, a uma infusão rápida de fluidos. Inclui tipicamente a infusão de pelo menos 4 mL/kg administrados durante um máximo de 10 a 15 minutos. Importante mencionar que no Brasil, de acordo com FakiH, diferenciamos os conceitos de administração de soluções em[13]:

·         Bolus: é a administração intravenosa realizada em tempo menor ou igual a 1 minuto. Geralmente        através de seringa.

·         Infusão rápida: é a administração intravenosa realizada entre 1 e 30 minutos. Algumas podem ser   realizadas com seringa, porém para infusões em tempo superior a 10 minutos recomenda-se a     utilização de bureta.

·         Infusão lenta: é a administração intravenosa realizada entre 30 e 60 minutos.

·         Infusão contínua: é a administração realizada em tempo superior a 60minutos, ininterruptamente.

·      Administração Intermitente: não contínua, por exemplo de 6 em 6 horas. Para este tipo de terapia é importante a preocupação com a manutenção da permeabilidade do cateter que permanecerá com dispositivo tipo tampinha nos intervalos da medicação.

Malbrain e colaboradores, sugerem um MODELO DE 4 ETAPAS com 5 FASES DINÂMICAS distintas no manejo de fluidos no paciente grave: Ressuscitação, Otimização, Estabilização, Evacuação (ROSE), seguido de um risco potencial de Hipoperfusão.

1ª ETAPA: QUANDO COMEÇAR A RESUSCITAÇÃO VOLÊMICA? (R= RESSUSCITAÇÃO)

Fase de Resgate. Paciente na fase Ebb do choque e risco iminente de vida, com baixa pressão arterial média, baixo DC e comprometimento da microcirculação. Em alguns pacientes o oxigênio pode ter dificuldades para entrar nos tecidos em caso de hipovolemia grave. Durante os estágios iniciais da ressuscitação (resgate), os fluidos devem ser administrados rapidamente em (4 mL/kg durante 10 a 15 minutos). Fluidos de manutenção devem ser administrados a uma taxa de 1 mL/kg/h em combinação com fluidos de reposição, quando indicado. Avaliar sempre, além da volemia, o estado de fluidoresponsividade do paciente. As metas de reanimação são: PAM> 65 mm Hg, IC> 2,5 L min/m2, Variação da Pressão de Pulso (PPV) <12%, Índice da Área Diastólica Final do Ventrículo Esquerdo (LVEDAI) > 8 cm/m2.

2ª ETAPA: QUANDO PARAR A RESUSCITAÇÃO VOLÊMICA? (O= OTIMIZAÇÃO + S= ESTABILIAÇÃO)

Fase de otimização, o paciente não está mais em risco iminente de vida, mas num estágio de choque compensado (mas ainda com alto risco de descompensação) e qualquer fluido adicional a terapia deve ser administrada com mais cautela e titulada de forma rigorosa. O paciente está ainda na fase de ressuscitação otimizada associada a uma fase de isquemia-reperfusão e o acumulo de líquidos (BHTA) pode ser visto como um marcador de gravidade de doença. Quanto maior a necessidade de fluidos, maior a gravidade. Portanto, importante monitorar o acúmulo e a sobrecarga de fluidos assim como o grau de congestão tecidual em diferentes órgãos, que deve através de ferramentas ser estimado, a exemplo do cálculo da água extravascular pulmonar pelos métodos de termodiluição transpulmonar. Não somente o pulmão pode ficar congesto, mas também as paredes dos órgãos intrabdominais com aumento da Pressão Intra-abdominal - PIA (que deve ser aferida) gerando Hipertensão intra-abdominal (HIA). O BH de positivo deve ser levado para neutro (zerado). Os alvos de reanimação nesta fase são: PAM> 65 mmHg, IC> 2,5 L min/m2, PPV <14%, LVEDAI 8−12 cm/m2. Nesta fase, a Pressão Intra-abdominal (PIA) é a Pressão de Perfusão Abdominal (PPA) devem monitoizados (com alvos de PIA <15mmHg e PPA > 55 mmHg). A pré-carga deve ser otimizada com metas de Índice de Volume Diastólico Final Global (GEDVI) de 640—800 mL/m2 e em caso de valores elevados, através do uso de uma fórmula de correção da Fração de Ejeição Global (GEF).

Fase de Estabilização. Após a fase de otimização segue a fase de Estabilização nos próximos dias, na qual o paciente está em um estado estacionário estável, de modo que a fluidoterapia é agora apenas repor ou substituir perdas normais (renal, gastrointestinal, insensível), ou perdas contínuas por causa de patologia não resolvida. Em essência trata-se de uma fase de manutenção. Contudo, esta fase distingue-se das duas anteriores pela ausência de choque (compensado ou descompensado) ou de ameaça iminente de choque. Idealmente peso corporal deve ser medido diariamente. O balanço de fluidos deve ser calculado para avaliar o risco de sobrecarga de fluido. Análise de bioimpedância elétrica com cálculo de água extra e intracelular (ECW, ICW), da água corporal total (TBW) e do excesso de volume (VE) podem fornecer informações úteis. Manter BH zerado. Alvos de ressuscitação: Indice de Água Extravascular Pulmonar (EVLWI) <10-12 mL/kg de peso predito, Índice de Permeabilidade Vascular Pulmonar (PVPI) <2,5, PIA <15 mm Hg, PPA> 55 mmHg, Pressão Coloido-osmótica (COP) > 16−18 mmHg e índice de vazamento capilar (CLI = PCR em mg/dl/alb em gr/L) <60. Durante esta fase, biomarcadores (NGAL, cistatina-C, citrulina, etc.) pode ser úteis para avaliar a função do órgão no contexto de sobrecarga de fluidos.

3ª ETAPA: QUANDO COMEÇAR A DERESUSCITAÇÃO VOLÊMICA? (E = EVACUAÇÃO)
Fase de evacuação. Após a ressuscitação podem acontecer 2 possibilidades:

- O paciente se recupera e entra na fase “Flow” espontaneamente com a evacuação do excesso de fluidos que foram dados anteriormente ou,

- O paciente permanece em um estado "no Flow" gerando a denominada Síndrome da Permeabilidade Global Incrementada (GIPS) com acúmulo contínuo de fluidos em razão de vazamento capilar (também denominada como a terceira fase do choque). Administração adicional de fluidos nesta fase torna-se prejudicial para o paciente. Edema difuso nos diferentes órgãos (anasarca) gera disfunção orgânica múltipla.

Figura 15 ilustra os efeitos negativos da sobrecarga de fluidos na função dos órgãos-alvo (Malbrain Manu L.N.G., et.al., Fluid overload, de-resuscitation, and outcomes in critically ill or injured patients: a systematic review with suggestions for clinical practice. Anaesthesiology Intensive Therapy 2014, vol. 46, no 5, 361–380)



Nesta situação a própria reposição volêmica volta-se contra o paciente tornando-se deletéria num circulo vicioso como descrito na ressuscitação do choque séptico:

Figura 1: Círculo vicioso dos efeitos deletérios da sobrecarga volêmica na ressuscitação (Manu L. N. G. Malbrain, Niels Van Regenmortel, Bernd Saugel, Brecht De Tavernier, Pieter-Jan Van Gaal, Olivier Joannes-Boyau, Jean-Louis Teboul, Todd W. Rice, Monty Mythen and Xavier Monnet. Principles of fluid management and stewardship in septic shock: it is time to consider the four D’s and the four phases of fluid therapy. Annals of Intensive Care 20188:66)

Enquanto nas primeiras 3 etapas (“ROS”), os fluidos administrados (inicialmente como resgate, seguido de manutenção e, finalmente, como substituição), na última etapa, (correspondente ao "E" do conceito ROSE), os fluidos precisarão ser removidos ativamente do paciente durante os seguintes dias a semanas para apoiar a recuperação de órgãos.

Deressuscitação volêmica deve ser considerada quando a sobrecarga volêmica impactar negativamente na função dos órgãos-alvo, de modo que a deressuscitação é obrigatória no caso de um balanço hídrico positivo associado a marcadores que sinalizem excesso de fluidos como: má oxigenação (P/F <200), aumento do vazamento capilar (alto índice de permeabilidade vascular pulmonar - PVPI> 2,5 e índice de agua extravascular pulmonar - EVLWI> 12 mL/kg de peso predito), aumento da PIA (> 15 mm Hg) com baixa pressão de perfusão abdominal (PPA = PAM – PAI <50 mm Hg), alto índice de vazamento capilar – CLI (PCR/alb >60), etc. O objetivo aqui será para promover um equilíbrio de fluidos negativo através da mobilização fluidos acumulados. Durante esta fase deve se concentrar na avaliação de fluidos sobrecarga e seu impacto na função do órgão terminal usando a termodiluição transpulmonar (TPTD) e a Bioimpedância elétrica: relação P / F, EVLWI, PVPI, PIA, PPA, ECW, ICW, TBW e VE. O lema aqui é "pulmões secos são pulmões felizes".

Como deresuscitar?: Método PAL

Um estudo comparou retrospectivamente desfechos em dois grupos de 57 pacientes cada, submetidos a ventilação mecânica que desenvolveram Lesão Pulmonar Aguda (LPA) associada a hipoxemia, aumento de EVLWI e PIA. A um dos grupos foi lhe aplicada uma estratégia restritiva de fluidos com BH negativo denominada “Tratamento PAL (PEEP + Albumina + Lasix)” que consistia em:

- Aplicação de 30 minutos de PEEP titulada para contrabalançar aumento da PIA (melhor PEEP em cmH2O = PIA em mmHg).

- A seguir, uma solução de albumina hiperoncótica (20%) foi administrada em bolus de 200 ml durante 60 min duas vezes no primeiro dia e subsequentemente titulada para atingir um nível de albumina sérica de 30 g /L (3,0 g/dl).

- Finalmente, 30 minutos após a primeira dose de albumina, procedeu-se à administração de furosemida EV que foi iniciada com uma dose de ataque de 60 mg, seguida de uma infusão contínua a 60 mg/h durante as primeiras 4 h e depois a 5-10 mg/h, de acordo com a tolerância hemodinâmica. Em pacientes anúricos, a TRS continua foi iniciada com uma taxa de ultrafiltração visando BH diário zerado a negativo.

Uma semana de tratamento com PAL teve efeitos benéficos sobre EVLWI, PIA, função de órgãos e terapia com vasopressores, e isso resultou em uma duração mais curta da ventilação mecânica (desmame mais rápido) e melhorou a mortalidade em 28 dias.

Esquema PAL de deresuscitação (Malbrain Manu L.N.G., et.al., Fluid overload, de-resuscitation, and outcomes in critically ill or injured patients: a systematic review with suggestions for clinical practice. Anaesthesiology Intensive Therapy 2014, vol. 46, no 5, 361–380)

4ª ETAPA: QUANDO PARAR A DERESUSCITAÇÃO?

Deve se evitar a remoção excessiva de líquidos. Um balanço de fluido cumulativo negativo e hipovolemia resultante pode dar origem novamente a problemas causando hipoperfusão e hipóxia tecidual. O lema aqui é "um fígado seco pode resultar em um paciente morto”. Deve se alertar para parar quando os marcadores usados para iniciar a deresuscitação atinjam seus valores normais ou quando o paciente apresente sinais de hipovolemia aferidos por métodos clínicos e/ou de imagem (métodos de ultrassonografia e ecocardiografia podem auxiliar).

Recentemente, em 2018, Malbrain e colaboradores, amplia os conceitos de ressuscitação e deresuscitação numa nova revisão introduzindo o conceito de “4 D's DA FLUIDOTERAPIA” (droga, dose, duração e descalonamento) em analogia com a forma como lidamos com o uso de antibióticos nos doentes graves[14].

Droga. Deve-se considerar os diferentes tipos de fluidos: cristaloides, colóides, soluções balanceadas; as propriedades como osmolalidade, tonicidade, pH, composição eletrolítica (cloreto,sódio, potássio, etc.) e os níveis de outros componentes metabolicamente ativos (lactato, acetato, malato, etc.). Fatores clínicos (condições subjacentes, insuficiência renal ou hepática, equilíbrio ácido-base, níveis de albumina, equilíbrio hídrico, etc.) devem ser todos levados em conta ao escolher o tipo e quantidade de fluido para um determinado paciente durante um tempo determinado. Há apenas quatro indicações para administração de fluidos, nomeadamente ressuscitação, manutenção, substituição e nutrição (parenteral, enteral, oral), ou associação de diferentes fluidos.

Dose. Refere-se a quanto de fluido dar. Trata-se de uma questão que a semelhança do tipo de fluido ainda é objeto de controvérsia. Os guidelines e diretrizes sugerem “bolus” de fluido em ml por kilo de peso (4, 20, 30 etc). Entretanto inexistem estudos sérios validando tais recomendações. Ainda, importante salientar que doses adicionais de fluido são sugeridas baseadas na avaliação da fluidoresponsividade do paciente e guiado principalmente por marcadores dinâmicos. Entretanto, deve se levar em consideração as propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas do fluido administrado num paciente cuja homeostase encontra-se alterada.

Duração. Sabe-se que quanto maior o atraso na administração do fluido, haverá mais hipoperfusão microcirculatória e subsequentes danos relacionados à lesão de isquemia-reperfusão. Em pacientes com sepse estudo comparando estratégias adequada precoce (>50ml/kg nas primeiras 12 a 24h de permanência na UTI) versus conservador precoce (<25ml/kg nas primeiras 12 a 24h de permanência na UTI) e conservador tardio (2 dias consecutivos com BH negativo na primeira semana) versus liberal tardio (ausência de 2 dias consecutivos de BH negativo na primeira semana) de administração de fluidos tem mostrado que a combinação de precoce adequada com conservadora tardia levou a melhor prognóstico. Outros estudos confirmam que a estratégia conservadora tardia é talvez mais importante do que a fluidoterapia adequada precoce. Como para antibióticos, a duração da fluidoterapia deve ser o mais curta possível, e o excesso de volume deve ser retirado quando o choque for resolvido.

Descalonamento. Refere-se ao processo de retirada de fluidos ou também denominado deresuscitação volêmica, como descrito no modelo de 4 etapas e 5 fases dinâmicas.

COMENTÁRIO FINAL
Como visto acima, a deresuscitação volêmica, deve ser parte importante da fluidoterapia do paciente grave/crítico, principalmente em estado de choque. Não basta, portanto, ter preocupação apenas com o “quando, quanto e que tipo de fluido devo dar” o que de por si já representa um grande desafio, mas também com o “quando devo parar de dar fluido e quando e como devo remover o excesso de fluido acumulado durante a fase de ressuscitação volêmica”.

Embora a literatura citada recomende o uso de tecnologias não disponíveis em muitas UTIs do Brasil (termodiluição transpulmonar e bioimpedancia elétrica), para avaliar parâmetros que podem nos guiar na deresuscitação, algumas outras estratégias práticas estão ao alcance, embora não se tenha costume de utilizar.

- O controle de peso diário do paciente pode ser tarefa difícil quando se trata de paciente crítico, sedado e intubado e não se dispõe de cama balança. Entretanto deve se dar importância ao registro do dado do peso habitual e atual referido ou estimado por medidas antropométricas, que definam o “peso corporal basal do paciente”.

- O cálculo do Balanço Hídrico Diário (BH) e o Balanço Hídrico Total Acumulado (BHTA) deve ser uma prática à qual deva se dar especial atenção. Quando constantemente positivos, permitirá fazer o cálculo da sobrecarga volêmica como definida nesta revisão: porcentagem de acumulo de fluido em excesso pode ser obtido dividindo o balanço hídrico total acumulado em litros (BHTA) pelo peso corporal basal do paciente multiplicado por 100%. Um valor de corte ≥ 10% define sobrecarga volêmica alertando para piores desfechos.

- Marcadores práticos que sinalizam excesso de fluidos: Má oxigenação (P/F <200), aumento da PIA (> 15 mm Hg) com baixa pressão de perfusão abdominal (PPA = PAM – PAI <50 mm Hg), alto índice de vazamento capilar – CLI (PCR/alb >60).

- Ultrassonografia pulmonar (POCUS) mediante avaliação das linhas B com padrão sugestivo para edema pulmonar de tipo hidrostático também poderá auxiliar.

Com relação à terapia de deresuscitação há pouca informação na literatura, mas o método PAL descrito pode ser uma opção, muito embora o fator de custo da albumina possa ser talvez um empecilho para sua aplicação.








[1] http://www.survivingsepsis.org/SiteCollectionDocuments/Surviving-Sepsis-Campaign-Hour-1-Bundle-2018.pdf
[2]http://www.survivingsepsis.org/SiteCollectionDocuments/SurvivingSepsisCampaignInternational_Portuguese_2018.pdf
[3] Marik PE, Monnet X, Teboul JL: Haemodynamic parameters to guide fluid therapy. Ann Intensive Care 2011; 1: 1.
[4] Nunes T, Ladeira R, Bafi A, Pontes de Azevedo L, Machado F, Freitas F: Duration of haemodynamic effects of crystalloids in patients with circulatory shock after initial resuscitation. Ann Intensive Care 2014; 4: 25.
[5] Chowdhury AH, Cox EF, Francis ST, Lobo DN: A randomised, controlled, double-blind crossover study on the effects of 2-L infusions of 0.9% saline and plasma-lyte(R) 148 on renal blood flow velocity and renal corticaltissue perfusion in healthy volunteers. Ann Surg 2012; 256: 18−24.
[6] Sanchez M, Jimenez-Lendinez M, Cidoncha M et al.: Comparison of fluid compartments and fluid responsiveness in septic and non-septic patients. Anaesth Intensive Care 2011; 39: 1022−1029.
[7] Rivers E, Nguyen B, Havstad S et al.: Early goal-directed therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. New Engl J Med 2001;345: 1368−1377.
[8] Marik PE: Iatrogenic salt water drowning and the hazards of a high central venous pressure. Ann Intensive Care 2014; 4: 21.
[9] Prowle JR, Echeverri JE, Ligabo EV, Ronco C, Bellomo R: Fluid balance and acute kidney injury. Nat Rev Nephrol 2010; 6: 107−15.
[10] Malbrain ML, Cheatham ML, Kirkpatrick A et al.: Results from the international conference of experts on intra-abdominal hypertension and abdominal compartment syndrome. I. Definitions. Intensive Care Med.2006; 32: 1722−1732.
[11] Malbrain MLNG, Van Regenmortel N: Fluid overload is not only of cosmetic concern (Part I): Exploring a new hypothesis. ICU Management 2012; 12: 30−33.
[12] Malbrain Manu L.N.G., et.al., Fluid overload, de-resuscitation, and outcomes in critically ill or injured patients: a systematic review with suggestions for clinical practice. Anaesthesiology Intensive Therapy 2014, vol. 46, no 5, 361–380
[13] http://www.unioeste.br/projetos/terapiaintravenosa/pdf/5.pdf


[14] Manu L. N. G. Malbrain, Niels Van Regenmortel, Bernd Saugel, Brecht De Tavernier, Pieter-Jan Van Gaal, Olivier Joannes-Boyau, Jean-Louis Teboul, Todd W. Rice, Monty Mythen and Xavier Monnet. Principles of fluid management and stewardship in septic shock: it is time to consider the four D’s and the four phases of fluid therapy. Annals of Intensive Care 20188:66

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