MORTE ENCEFÁLICA. PARTE III: TESTE DE APNEIA EM RETENTORES CRÔNICOS DE
C02. A RESPOSTA DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA
Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
Em 16 de janeiro deste 2018
publiquei neste Blog uma matéria titulada “MORTE ENCEFÁLICA. PARTE II. DÚVIDAS
E QUESTÕES”. Nela, levantei questionamentos e dúvidas a respeito das mudanças
trazidas pela Resolução CFM nº
2.173/2017[1] que redefine os critérios do diagnóstico de
morte encefálica, (substituindo a antiga Resolução CFM nº 1480/1997), em vigor desde
o dia 15 de dezembro de 2017 (data da sua publicação), especificamente sobre a realização do TESTE
DE APNEIA EM PACIENTES RETENTORES CRÔNICOS DE C02, já hipercapnicos de base (portadores
de DPOC com insuficiência respiratória crônica, obesos mórbidos, portadores de apneia
do sono com síndrome de pickwick).
Importante salientar que, por
força no disposto no artigo 3º da Lei 9.434 de 04 de fevereiro de 1997 (Lei dos
Transplantes) delegou-se ao Conselho Federal de Medicina poder legal expresso
para determinar os critérios clínicos e tecnológicos para determinação da morte
encefálica. Nesse escopo, a Resolução CFM nº 2.173/2917 possui força de lei
dentro dos limites impostos pela Lei 9.434/1997. Sendo assim, estabeleceu no seu
Anexo I que contém o Manual de Procedimentos para determinação de Morte
Encefálica, expressa exigência de que diagnóstico seja de certeza absoluta, com
especificidade de 100% (nenhum falso diagnóstico de ME), sendo que qualquer
dúvida na determinação de ME impossibilitaria esse diagnóstico. Os procedimentos,
portanto, não poderiam gerar dúvida diagnóstica.
No post publicado, salientou-se
que, no Brasil, a Resolução CFM nº
2.173/2017, dentro os pré-requisitos obriga que em todo paciente com suspeita
de ME seja realizado o TESTE DE APNEIA (TA). Sem a realização do teste de
apneia o protocolo não poderia ser concluído e, portanto, não poderia ser feito
o diagnóstico de ME. Conforme a Resolução, Teste de Apneia é realizado para
confirmar a ausência de movimentos respiratórios após estimulação máxima dos
centros respiratórios em presença de PaCO2 superior a 55 mmHg.
Ocorre que
pacientes retentores crônicos de C02 já tem de base PaC02 acima de 55mmHg e conseguem
“se adaptar” a tais níveis elevados de CO2 sem gerar a hiperventilação esperada
em não retentores, em razão do “tamponamento” que o bicarbonato reabsorvido
pelos rins, exerce sobre os H+ do liquido cefalorraquidiano que banha a área
quimiosensivel. Assim, sendo os H+ “neutralizados”, seu efeito sobre o centro
respiratório tornara-se reduzido. Daí que, fala-se que em tais pacientes o
“centro respiratório fica insensível ao aumento da PaCO2” passando a depender
fortemente do estímulo dos quimiorreceptores periféricos estimulados pela baixa
PaO2.
Questionou-se também acerca da
recomendação feita pelas Diretrizes Brasileiras para avaliação e validação do
potencial doador de órgãos em morte encefálica (Guidelines for the assessment and acceptance of potential brain-dead
organ donors)[2]
que a esse respeito orienta ao uso de uma variação maior que 20mmHg em relação
à PaC02 da gasometria basal:
Para pacientes com doença pulmonar grave,
previamente retentores de CO2 (hipercapnia prévia), é preciso ter cautela ao
considerar a validade do teste de apneia (D).(23) PaCO2 entre 55 e 60mmHg pode
não ser suficiente para provocar estímulo respiratório quando a PaCO2 inicial é
de apenas alguns pontos inferiores. Nestas situações deve-se considerar, além
do PaCO2 ≥ 55mmHg, uma variação maior
que 20mmHg em relação à PaCO2 da gasometria basal(D).(26)
Após uma ampla revisão da
literatura e das bases fisiológicas trazidas pelo Tratado de Fisiologia de
Guyton, sustentou-se que:
1º EXISTE EVIDÊNCIA CIENTÍFICA
QUE SUSTENTA QUE A REALIZAÇÃO DO TESTE DE APNEIA EM PACIENTES HIPERCÁPNICOS CRÔNICOS,
RETENTORES DE CO2 NÃO É SEGURA, AUMENTA O RISCO DE COMPLICAÇÕES E DE INVALIDEZ
POR INCERTEZA.
2º A RESOLUÇÃO CFM Nº 2.173/2017
CONTÉM EXPRESSA EXIGÊNCIA DE QUE DIAGNÓSTICO SEJA DE CERTEZA ABSOLUTA, COM
ESPECIFICIDADE DE 100% (NENHUM FALSO DIAGNÓSTICO DE ME), SENDO QUE QUALQUER
DÚVIDA NA DETERMINAÇÃO DE MORTE ENCEFÁLICA IMPOSSIBILITA O DIAGNÓSTICO.
3º PACIENTES HIPERCÁPNICOS
CRÔNICOS, RETENTORES DE CO2, NÃO DEVEM SER SUBEMTIDOS AO TESTE DE APNEIA
4º PACIENTES HIPERCÁPNICOS
CRÔNICOS, RETENTORES DE CO2 DEVEM SER INCLUÍDOS DENTRO DAS CONTRAINDICAÇÕES DO
TESTE.
5º O CUT-OFF DE 20mmHg ACIMA DA
PaCO2 PREVIA, SOMENTE DEVE SER USADO EM PACIENTES NORMOCAPNICOS (PaCO2 DE
35-45mmHg)
6º A NORMATIVIDADE EM VIGOR
DEVERIA SER ALTERADA PARA FLEXIBILIZAR A OBRIGATORIEDADE DO TESTE DE APNEIA
NESSES CASOS, PERMITINDO QUE UM TESTE COMPLEMENTAR AUXILIE NA CONFIRMAÇÃO DA
MORTE ENCEFÁLICA.
Diante dessa situação de controvérsia
ética e legal, em janeiro de 2018, solicitei ao Conselho Federal de Medicina
parecer sobre o assunto, fundamentando as razões do meu pedido, consubstanciado
nas bases fisiológicas e de revisão da literatura já citadas no post publicado.
O pedido foi protocolado on-line como “consulta CFM nº 1005/2018” e teve sua
resposta via e-mail em 12.11.2018 na forma de Oficio nº 10647/2018 cujo teor
assim consta:
Em resposta à correspondência eletrônica de
Vossa Senhoria, protocolada neste Conselho Federal de Medicina sob o nº
1005/2018, em que solicita informações sobre teste de apneia em retentores
crônicos de CO2, enviamos link para acesso ao Parecer CFM nº 25/2018, que trata
do assunto: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2018/25
Consultado o portal do Conselho
Federal de Medicina, no link de pareceres, encontra-se o Parecer nº 25/2018
(processo-consulta CFM nº 25/2017) da lavra do ilustre Conselheiro do CFM, HIDERALDO
LUIS SOUZA CABEÇA (exarado em 20 de julho de 2018) ao qual faz referência o Oficio
nº 10647/2018. Ao que todo indica, anteriormente já havia sido encaminhado ao
CFM pedido de parecer no mesmo sentido:
Pois bem, do teor do parecer exarado
pelo CFM e que atende aos questionamentos elencados extrai-se ((https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2018/25):
2)
Como proceder nos casos em que a pCO2 pré-teste se encontra elevada?
Resposta: Deverão ser efetuados ajustes de
modalidade de ventilação mecânica, sempre com técnica protetora, para atingir a
meta de PaCO2 entre 35 e 45 mmHg antes do teste de apneia. No momento, não é
possível a realização de teste de apneia em pacientes em que não se consegue o
manejo ideal para isso.
3)
Para a avaliação da prova de apneia de exame de ME pode ser usado o critério de
aumento de 20 mmHg na PaCO2 em pacientes que não sejam retentores crônicos? Em
que situação esse critério pode ser utilizado?
Das respostas acima citadas,
desprende-se inequivocamente, não ser possível a realização de teste de apneia
em retentores crônicos, em razão de não ser possível se conseguir o manejo ideal
em tais pacientes a respeito do cut-off necessário para estimular com segurança
o centro respiratório sem causar prejuízo ao paciente. Portanto, esses pacientes não devem ser submetidos ao teste de apneia e
devem ser incluídos dentro das contraindicações do teste.
Ainda, em razão de não estar
previsto o uso do critério de aumento de 20 mmHg na PCO2 nos parâmetros atuais
estabelecidos pela Resolução CFM nº 2.173/2017, tal ponto de corte não deve ser utilizado e nem validado para fins de
teste de apneia independente do paciente ser ou não retentor crônico de C02.
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