COMO DENOMINAR CORRETAMENTE A FIBRILAÇÃO ATRIAL?.
Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
Fibrilação Atrial (FA) é uma taquiarritmia muito frequente nas
emergências e nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) cujo diagnóstico
geralmente é descrito como, “FAA” (Fibrilação Atrial Aguda), “FAC” (Fibrilação
Atrial Crônica), “FAARV” (Fibrilação Atrial de Alta Resposta Ventricular) etc.
Entretanto, nos mais recentes guidelines em vigor nenhuma dessas definições são
adotadas.
CLASSIFICAÇÕES PREVIAS
A história da classificação da FA
se remonta aos anos 90, em que várias publicações se tornaram relevantes na
discussão do assunto. Mark M. Gallaghe,
and John Camm, destacaram-se na revisão sobre a classificação da FA
apontando várias críticas às classificações então existentes. Mencionavam que
na ausência de uma terapia eficaz, uma pessoa que desenvolve FA poderia
reverter espontaneamente para ritmo sinusal (paroxística) ou poderia permanecer
de forma sustentada em FA (crônica). Em reconhecimento dessas possibilidades,
os termos FA paroxística e FA crônica poderiam não refletir a evolução clinica
do paciente, toda vez que o paciente que alterna FA com ritmo sinusal poderia
apresentar maiores problemas a longo prazo que o paciente que tem uma FA
crônica (sustentada), mais ainda na vigência da cardioversão elétrica e farmacológica.
Propuseram então uma classificação pelo curso da FA[1]
[2]:
1. FA inicial (aguda): refere-se ao primeiro episódio de FA, sem informação
disponível sobre o curso do tempo. O termo “FA de inicio recente” seria
inadequado porque a FA poderia estar presente por vários anos antes de ser
diagnosticada. Alguns pacientes nunca apresentam novo episódio após
cardioversão mas muitos outros apresentam recorrência.
2. FA crônica: subdivide em:
2.1 FA Paroxística: caracterizada por episódios recorrentes de FA
alternando com ritmo sinusal. A duração e frequência do paroxismo varia de
episódios breves ocasionais de FA a um estado onde breves episódios de ritmo
sinusal alterna com períodos prolongados de FA. A característica da FA
paroxística é que a maioria dos episódios de FA terminam espontaneamente.
2.2. FA Persistente: os átrios continuam a fibrilar por mais de 48
horas ou até que a cardioversão seja realizada. A distinção entre esta e a FA
paroxística não é absoluta. É comum considerar cardioversão após 24-48 horas de
FA.
2.3. FA Permanente: não é uma categoria tão óbvia como parece. FA
permanente existe quando tentativas de cardioversão falharam e nenhuma
tentativa adicional de restaurar o ritmo sinusal é planejada.
Nas Diretrizes Brasileiras de
Fibrilação Atrial da Sociedade Brasileira de 2003 (SBC) encontramos menção a
vários tipos de classificação que foram usados[3]:
* Etiológica (primária ou
secundária); cuja importância se deve, especificamente, às clássicas
apresentações “idiopática” e “reumática”;
* Sintomatológica (sintomática ou
silenciosa);
* De acordo com a resposta
ventricular (alta, adequada ou baixa);
* De acordo com o aspecto
eletrocardiográfico (fina ou grosseira);
* Eletrofisiológica (Ex.
Konings®tipo I, II e III);
* De acordo com o modo de início
(adrenérgica ou vagal-dependente);
* De acordo com a resposta à ablação
por radiofrequência (RF) e,
* De acordo com o padrão temporal
(aguda ou crônica).
Nessas mesmas diretrizes
encontramos uma versão, não época atribuída a A. J. Camm, na qual se exclui a
denominação “aguda” e estabelecia-se os seguintes tipos de FA:
a) FA Inicial - Primeira detecção, sintomática ou não, da arritmia,
desde que a duração seja superior a 30s (forma sustentada). Neste critério
incluem-se, ainda, casos de FA com início desconhecido e história clínica de
primeiro episódio;
b) FA Crônica - em que se documenta a recorrência da arritmia,
podendo se apresentar de 3 formas distintas:
1) Paroxística: episódios com duração de até 7 dias. Geralmente são
autolimitados e frequentemente revertem espontaneamente a ritmo sinusal;
2) Persistente: episódios com duração superior a 7 dias. Neste
caso, a interrupção da FA geralmente exige cardioversão elétrica e/ou
farmacológica. O limite de 7 dias, embora arbitrário, define um período no qual
a reversão espontânea é pouco provável e a reversão farmacológica raramente
ocorre. É importante salientar que essa pode ser a primeira apresentação
clínica da arritmia ou pode ser precedida por episódios recorrentes, tornando
difícil, muitas vezes, o diagnóstico diferencial com a FA inicial;
3) Permanente: casos em que a arritmia está documentada há algum
tempo e que a cardioversão, farmacológica ou elétrica, é ineficaz na reversão a
ritmo sinusal. Incluem-se também, nessa apresentação: I- casos de recorrência
de FA até 24h pós-cardioversão elétrica (CVE) otimizada; II-FA de longa
duração, em que a CVE está contraindicada ou não é aceita pelo paciente, o que
alguns preferem denominar FA permanente.
Entretanto, no ano de 2003 também
foi publicado um Consenso Internacional de nomenclatura de classificação da
fibrilação atrial por um Grupo de Estudo[4]
- The Working Group of Arrhythmia of the
European Society of Cardiology (WGA-ESC) and the North American Society of
Pacing and Electrophysiology (NASPE) - que tinha como integrante o próprio A.
J. Camm, cujas definições e classificação foram amplamente adoptada nas
diretrizes da ACC / AHA / ESC e NASPE
sobre a fibrilação atrial publicadas em 2001[5].
Esse Consenso trouxe a seguinte classificação aplicada a episódios de FA de
duração pelo menos de 30 segundos:
1. FA inicial (primeiro episódio detectado): sintomático ou
assintomático, de resolução espontânea ou não, podendo seu início ser
desconhecido e podendo ou não ser recorrente (pelo menos 2 eposodios).
2. FA Paroxística: geralmente de resolução espontânea em 48 horas,
mas que poderiam ter até 7 dias de duração.
3. FA Persistente: quando dura > 7 dias. Nesse caso, a resolução
farmacológica ou por cardioversão elétrica podem ser necessárias. O prazo de 7
dias, embora arbitrário, representa o limite além do qual a resolução
espontânea é improvável que ocorra e a taxa de sucesso da cardioversão
farmacológica é baixa. FA persistente pode ser a forma de apresentação inicial
ou pode ser precedida por episódios recorrentes de FA paroxística. O uso de
cardioversão elétrica pode ser necessário para a resolução.
4. FA Permanente: quando a FA estiver presente por algum tempo e
não consegue se resolver usando cardioversão ou é resolvida, mas com recidiva
dentro de 24 h, denomina-se estabelecida ou permanente. FA estabelecida ou
permanente pode ser a primeira apresentação de uma arritmia ou ser precedida
por episódios recorrentes auto resolvidos. Casos de FA de longa duração nos
quais a cardioversão não foi indicada e /ou não desejada pelo paciente também
são colocados nesta categoria. Esta forma de FA pode ser designada como FA
permanente "aceita".
Destaque-se que nesse Consenso
não se faz menção à divisão de aguda e crônica. Pelo contrário menciona que os
termos crônico e paroxístico foram utilizados com definições bastante
variáveis, resultando em dificuldades na comparação de estudos sobre FA,
efetividade, tratamentos ou estratégias terapêuticas.
Entretanto, o uso da
classificação temporal (aguda e crônica) não foi totalmente abandonada e ainda
há quem continue adotando-a. Gregory Y H
Lip num estudo publicado em 2007, define como fibrilação atrial aguda a atividade atrial rápida, irregular e
caótica com duração inferior a 48 horas, que inclui apenas o primeiro episódio
sintomático, tanto de uma fibrilação atrial crônica persistente, quanto dos episódios
de uma fibrilação atrial paroxística. Considera, no entanto por vezes, difícil
distinguir fibrilação atrial de início recente de fibrilação atrial de longa
data não diagnosticada anteriormente. Aponta que fibrilação atrial dentro de 72
horas após o início é às vezes chamada de fibrilação atrial de início recente.
Por outro lado, a fibrilação atrial crônica
pode ser descrita como paroxística (com término espontâneo e ritmo sinusal
entre as recorrências), persistente ou permanente[6].
CLASSIFICAÇÃO ATUAL:
A Classificação atual da FA pode
ser encontrada em dois guidelines internacionais de referência: o americano, da
AHA/ACC/HRS 2014[7];
e o europeio da ESC GUIDELINE 2016[8].
No Brasil, a Sociedade Brasileira de
Cardiologia (SBC) nas suas ultimas diretrizes publicadas em 2016, tem se
alinhado com a classificação americana[9].
Aqui um quadro comparativo das definições:
CLASSIFICAÇÃO
|
AHA/ACC/HRS
2014
|
ESC
GUIDELINE 2016
|
SBC
2016
|
FA INICIAL
(1º EPISÓDIO)
|
FA que não tenha sido diagnosticada antes,
independentemente
da duração da arritmia ou da presença e gravidade
dos sintomas relacionados à FA.
|
||
FA
PAROXÍSTICA
|
*FA que termina espontaneamente ou em até 7 dias
após intervenções;
*Episódios podem ocorrer com frequência variada.
|
*FA que se resolve espontaneamente, na maioria
dos casos dentro de 48 horas. Alguns paroxismos de FA podem continuar por até
7 dias.
*Episódios de FA que são cardiovertidos dentro
7 dias deve ser considerado paroxísticos.
|
Adota a classificação da AHA/ACC/HRS 2014
|
FA
PERSISTENTE
|
*FA contínua e sustentada > 7 dias.
|
FA que dura mais de 7 dias, incluindo episódios
que são resolvidos por cardioversão química ou
elétrica, após
7 dias ou mais. Em casos de padrão misto, paroxística
alternando com persistente resolvida, a FA se define pelo padrão
predominante.
|
Adota a classificação da AHA/ACC/HRS 2014
|
FA PERSISTENTE
DE LONGA DURAÇÃO
|
*FA contínua por > 12 meses.
|
FA contínua com duração de ≥1 ano quando é
decidido adotar uma estratégia de controle de ritmo.
|
Adota a classificação da AHA/ACC/HRS 2014
|
FA
PERMANENTE
|
*FA permanente é usada quando houve decisão
conjunta por parte do médico e do paciente para cessar as tentativas de
restaurar e ou manter o ritmo sinusal.
*Aceitação da FA pode mudar na medida que os
sintomas, a eficácia de intervenções terapêuticas, e as preferencias do paciente
e do clínico evoluirem.
|
FA que é aceita pelo paciente (e médico)
desistindo de qualquer medida de controle de ritmo. Se uma estratégia de controle
de ritmo for adotada, a FA seria reclassificada como "de longa duração”.
|
Adota a classificação da AHA/ACC/HRS 2014
|
Independente da referência,
observa-se que nenhuma delas adota classificação de aguda ou crônica ou aquela
que sinaliza a resposta ventricular (alta, adequada e baixa), muito embora na
prática diária isso continue a ser feito de forma costumeira.
O conceito de doença aguda e
crônica varia na literatura. Em geral, conceitua-se doença aguda aquela que tem
início geralmente abrupto e de uma causa única, desenvolve-se ou piora rapidamente,
como uma infecção, geralmente restrita a uma área ou órgão do corpo, pode
curar-se espontaneamente ou ser tratada e voltar ao normal ou evoluir para
óbito dentro de alguns dias ou até três meses. Quando a doença tem uma evolução
lenta e progressiva com duração mais de três meses, denomina-se doença crônica[10]
[11].
Por outro lado, a OMS, define as doenças crónicas como tendo uma ou mais das
seguintes características: são permanentes, produzem incapacidade/deficiências
residuais, são causadas por alterações patológicas irreversíveis, exigem uma
formação especial do doente para a reabilitação, ou podem exigir longos
períodos de supervisão, observação ou cuidados[12].
De fato, no contexto dessas
definições, parece que o que caracterizaria uma doença crônica, além do inicio
lento seria seu caráter permanente e irreversível. Estamos acostumados a ver
assim a ICC, a DPOC, a DRC. A FA apenas permanente cumpriria tais requisitos, visto
que a persistente ainda teria opção de reversibilidade. O conceito de doença
crônica geralmente conduz a ideia de que o curso da mesma possa ser apenas controlado
(mas não revertido), evitando-se assim sua progressão. Nesse sentido admite a
possibilidade que existam períodos controle e de descontrole (agudização). A
rigor, somente as doenças crônicas agudizam (DRC, DPOC). Tais conceitos não
poderiam se aplicar à FA (FA Crônica e FA Crônica agudizada).
Mas como interpretar então o fato
de que uma FA independente da sua classificação possa cursar com períodos de
resposta ventricular alta, normal ou até baixa? Como denominar corretamente
essa situação? Alguns ainda continuariam a usar a denominação de FA (inicial, paroxística,
persistente ou permanente) com Resposta Ventricular (alta, normal ou baixa). Surgiriam
assim diagnósticos como: FA inicial com RVA, FA paroxística com RVN, FA permanente
com RVB, etc.
Talvez, uma possibilidade seria
adotar o diagnóstico de “controlada” (resposta ventricular dentro da faixa da normalidade)
ou “não controlada” (resposta ventricular alta ou baixa), para nos referirmos a
que essa FA esta ou não com controle adequado da frequência ventricular. Entretanto,
o diagnóstico diria apenas respeito à frequência ventricular e não respeito da
sintomatologia decorrente da FA. Um paciente poderia estar com sua resposta
ventricular normal e estar sintomático e ao contrario com resposta ventricular
alta e estar assintomático.
Por tal motivo, uma alternativa proposta
seria usar apenas o critério de “compensada” ou “descompensada” juntamente com
o tipo de FA presente, a semelhança do que fazemos com a ICC, Cirrose hepática,
classificação hemodinâmica do paciente critico, etc.
FA (classificação adotada) + COMPENSADA: quando apresenta resposta
ventricular normal e ausência de sintomas ou existindo não geram instabilidade hemodinâmica
e/ou ventilatória.
FA (classificação adotada) + DESCOMPENSADA: quando apresenta
resposta ventricular alta ou baixa, ou sintomas que provoquem instabilidade hemodinâmica
e/ou ventilatória mesmo com resposta ventricular normal.
Tendo em vista que não se encontra na literatura classificação com essa denominação, fica como proposta para ser debatida.
[1]
Gallagher MM, Camm AJ. Classification of atrial fibrillation. PACE Pacing Clin
Electrophysiol 1997;20:1603–1605.
[2] Gallagher MM, Camm AJ. Classification of
Atrial Fibrillation. Am J Cardiol 1998;82:18N–28N
[3]
Diretriz de Fibrilação Atrial (SBC) 2003. Arq Bras Cardiol volume 81,
(suplemento VI), 2003
[4]
S. Le´vy, A. J. Camm, et. al. International
consensus on nomenclature and classification of atrial fibrillation. A
collaborative project of the Working Group on Arrhythmias and the Working Group
on Cardiac Pacing of the European Society of Cardiology and the North American
Society of Pacing and Electrophysiology. Europace (2003) 5, 119–122
doi:10.1053/eupc.2002.0300
[5]
Fuster V, Ryden L, Asinger RW, Cannom DS, Crijns HJ,
Frye RL, Halperin JL, Kay
GN, Klein WW, Le´vy S, Mc Namara RL, Prystowsky EN, Wann LS, Wyse DG. ACC/
AHA/ESC guidelines for the management of patients with atrial fibrillation. A
Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task
Force on Practice Guidelines and the European Society of Cardiology for
Practice Guidelines and Policy Conferences. Eur Heart J 2001; 22: 1852–923
[6] Gregory
Y H Lip and Timothy Watson. Atrial fibrillation (acute onset). BMJ Clin Evid.
2008; 2008: 0210.
[7]
https://www.acc.org/~/media/Non-Clinical/Files-PDFs-Excel-MS-Word-etc/Tools%20and%20Practice%20Support/Quality%20Programs/Anticoag-10-14/GuidelinesAndBackground/1%20January%20ACC%20AHA%20HRS%202014%20Afib%20Guidelines.pdf?la=en
[8]
https://www.escardio.org/Guidelines/Clinical-Practice-Guidelines/Atrial-Fibrillation-Management
[9]
http://publicacoes.cardiol.br/2014/diretrizes/2016/02_II%20DIRETRIZ_FIBRILACAO_ATRIAL.asp
[10] https://pt.wikipedia.org/wiki/Doen%C3%A7a_aguda
[11] https://www.navicenthealth.org/service-center/health-associates-general/acute-and-chronic-illnesses
[12]
Organização Mundial de Saúde. Chronic diseases and their common risk factors.
[Actualizado em 2005; acedido em 2006 Nov 16]. Disponível em www.who.int.
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