OXIGENOTERAPIA E SUPORTE RESPIRATÓRIO NÃO INVASIVO
NO PACIENTE GRAVE COM COVID-19
Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Responsável Técnico e Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos. Coordenador da Residência em Medicina Intensiva – COREME e membro do Grupo Técnico de Enfrentamento à COVID -19 da Santa Casa de São Jose dos Campos.
INTRODUÇÃO
A recente pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 trouxe enormes
desafios quanto ao manejo dos pacientes que requerem de tratamento com
oxigenoterapia (baixo e alto fluxo) e com ventilação mecânica (não invasiva ou
invasiva). Em se tratando de uma patologia que pode provocar quadros de
insuficiência respiratória hipoxemia (tipo I) e/ou hipercapnica (tipo II) associadas
a complicações que vão desde pneumonia viral e bacteriana associada, até
quadros de Síndrome de Angústia Respiratória do Adulto (SARA), o manejo no
tocante à terapia oxigenatoria e ventilatória tem desafiado entidades
científicas e experts no mundo inteiro.
Nesse sentido, entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS)[1]
e sociedades científicas internacionais têm elaborado protocolos e manuais de orientação
que servem de referência para o diagnóstico, manejo e prevenção da COVID-19 e
suas complicações.
No Brasil, não tem sido diferente e, tanto o Ministério da Saúde
(MS)[2]
como a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa)[3]
e diversas associações e sociedades científicas, dentre as quais podem se citar
a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB)[4],
a Associação Brasileira de Medicina de Emergência (ABRAMEDE)[5],
a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBTI)[6]
e a Associação Brasileira de Fisioterapia Cardiorrespiratória e Fisioterapia em
Terapia Intensiva (ASSOBRAFIR)[7],
têm cumprido seu papel de fornecer orientações internas com a mesma finalidade.
O Manejo do paciente com COVID-19 no tocante a suporte com
oxigenoterapia e terapia ventilatória, depende não apenas do estágio ou fase evolutiva
da doença, mas principalmente do se grau de severidade que exija ou não desse
tipo de suporte.
O Ministério da Saúde para fins de manejo, classifica a COVID-19
em 3 categorias: leve (Síndrome Gripal – SG), moderada e grave (Síndrome
Respiratória Aguda Grave – SRAG) com base na
apresentação de um conjunto de sinais e sintomas. Apenas as formas
moderadas e graves requerem de internação[8]:
FORMA LEVE (Síndrome Gripal): tosse, dor de garganta ou coriza seguido ou não de:
- Anosmia (disfunção olfativa)
- Ageusia (disfunção gustatória)
- Coriza
- Diarreia
- Dor abdominal
- Febre
- Calafrios
- Mialgia
- Fadiga
- Cefaleia
FORMA MODERADA:
- Tosse persistente + febre persistente
diária OU
- Tosse persistente + piora
progressiva de outro sintoma relacionado à COVID-19 (adinamia, prostração,
hiporexia, diarreia) OU
- Pelo menos um dos sintomas acima
+ presença de algum fator de risco[9]
FORMA GRAVE (Síndrome Respiratória Aguda Grave - SRAG): Síndrome gripal (SG) que apresente:
- Dispneia/desconforto respiratório OU
- Pressão persistente no tórax OU
- Saturação de O2 menor que 95% em
ar ambiente
OU
- Coloração azulada de lábios ou rosto
- Piora das condições clínicas de
base
*Importante: em gestantes, observar hipotensão.
Entretanto, a classificação definitiva de GRAVE é feita
após internação e suporte de oxigenoterapia, diante da presença de algum dos
seguintes sinais e sintomas de insuficiência respiratória (na ausência deles
permanece como moderada):
- Choque (hipotensão sem resposta a
fluidos);
- Uso de musculatura acessória;
- Necessidade de O2 > 5L/min
(para manter SatO2 em pelo menos 92%);
- FR>28 ipm;
- Retenção de CO2 (PaCO2 > 50
mmHg e/ou pH < 7,25).
O próprio Manual de Orientação do MS cita como indicações para
internação em UTI apresentar pelo menos um dos critérios abaixo:
- Insuficiência respiratória aguda,
com necessidade de ventilação mecânica invasiva OU
- Insuficiência respiratória aguda
com necessidade de ventilação não invasiva (principalmente quando houver
necessidade de FiO2 > 50%, ou IPAP > 10cmH2O ou EPAP > 10cmH2O
para manter SpO2 > 94% e/ou FR ≤ 24 rpm).
- PaCO2 ≥ 50mmHg e pH ≤ 7,35.
- Pacientes com instabilidade
hemodinâmica ou choque, definidos como hipotensão arterial (PAS <
90mmHg ou PAM < 65mmHg).
Por outro lado, a ANVISA para fins de retirada de
precauções e isolamento no contexto da COVID-19, tem também classificado a
doença da seguinte maneira[10]:
- DOENÇA LEVE
Paciente com síndrome gripal (febre,
tosse, dor de garganta, mal-estar, cefaleia, mialgia etc.) sem sintomas respiratórios
como falta de ar, dispneia ou anormalidades radiológicas.
- DOENÇA MODERADA
Paciente com evidência clínica ou
radiológica de doença respiratória e SatO2 ≥ 94% em ar ambiente
- DOENÇA GRAVE
Paciente com frequência
respiratória > 30ipm, SatO2<94% em ar ambiente (ou, em pacientes com
hipóxia crônica, uma redução >3% do nível de base), relação PaO2/FiO2 < 300mmHg
ou opacidades em >50% do pulmão.
- DOENÇA CRÍTICA
Pacientes com falência respiratória,
choque séptico e/ou disfunção de múltiplos órgãos
- IMUNOSSUPRESSÃO SEVERA
Ø Pacientes em quimioterapia para câncer
Ø Pacientes com infecção pelo HIV e
contagem de linfócitos CD4+ <200
Ø Imunodeficiência primária
Ø Uso de corticoides por mais de 14 dias
em dose superior a 20mg de prednisona ou equivalente
Ø Outras situações clínicas, a critério
da CCIH do serviço de saúde.
Por sua parte a OMS, em recente atualização das suas
Diretrizes para manejo da COVID-19 assim define a severidade da doença[11]:
- COVID-19 CRÍTICO: Definido pelos critérios para
síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), sepse, choque séptico
ou outras condições que normalmente exigiriam o fornecimento de terapias
de suporte à vida, como ventilação mecânica (invasiva ou não invasiva) ou
terapia vasopressora.
- COVID-19 GRAVE: Definido por qualquer um dos
seguintes, para adultos:
Ø SaO2: < 90% em ar ambiente.
Ø Frequência respiratória: > 30
respirações/min.
Ø Sinais de dificuldade respiratória
grave: uso de músculos
acessórios, incapacidade de completar frases.
- COVID-19 NÃO GRAVE: Definido pela ausência de
qualquer critério para COVID-19 grave ou crítico.
Cuidado: O
painel observou que o limite de saturação de oxigênio de 90% para definir
COVID-19 grave era arbitrário e deve ser interpretado com cautela. Por exemplo,
os médicos devem usar seu julgamento para determinar se uma baixa saturação de
oxigênio é um sinal de gravidade ou é normal para um determinado paciente com
doença pulmonar crônica. Da mesma forma, uma saturação > 90–94% no ar
ambiente é anormal (em pacientes com pulmões normais) e pode ser um sinal
precoce de doença grave, se o paciente estiver com uma tendência decrescente.
Geralmente, se houver alguma dúvida, o painel sugere considerar a doença grav
OXIGENOTERAPIA
1. O primeiro passo é definir um nível mínimo ou limiar de SpO2 respirando
em ar ambiente abaixo do qual o paciente com COVID-19 deve receber
oxigenoterapia.
- MANUAL DE ORIENTAÇÃO DO MS (06.2020)[12]: < 95%
- MANUAL DA ANVISA (10.2020)[13]: < 94%
- OMS (01.2021)[14]:
< 90%
- AMIB/ABRAMEDE (01.2021)[15]: < 90%
- ASSOBRAFIR (02.2021)[16]:
< 92% e
FR>24ipm, independente de apresentar desconforto respiratório ou não.
2. O segundo passo será definir qual será a meta desejada de SpO2 a ser
atingida com a oxigenoterapia no paciente com COVID-19.
Aqui algumas das orientações de referência:
a) Manual de Orientação do MS[17]:
Administre oxigenoterapia suplementar imediatamente a pacientes
com dificuldade respiratória, hipoxemia ou choque com alvo em SpO2 92-96%.
Adultos com sinais de emergência (obstrução ou ausência de respiração,
desconforto respiratório grave, cianose central, choque, coma ou convulsões)
devem receber manejo das vias aéreas e oxigenoterapia durante a abordagem para
atingir SpO2 entre 92-96%. Inicie a oxigenoterapia a 5L/min e avalie as taxas
de fluxo para atingir a meta SpO2 ≥ 92%; ou use máscara facial não reinalante
com bolsa reservatório (de 10-15L/min), se o paciente estiver em estado grave.
Assim que o paciente for estabilizado, a meta é SpO2 92 a 96%.
b) OMS[18]:
Adultos com sinais
de emergência (obstrução ou ausência de respiração, desconforto respiratório
grave, cianose central, choque, coma e/ou convulsões) devem ser imediatamente
intubados visando meta de SaO2 ≥ 94%. Quando o paciente tiver sido
estabilizado, reduza a meta de SaO2 para > 90% e ≥ 92 - 95% em mulheres
grávidas. Para oxigenoterapia não invasiva use dispositivos de
fornecimento apropriados (por exemplo, use cânula nasal para fluxo de até
5L/min; máscara de Venturi para fluxo de 6–10 L/min; e máscara facial com bolsa
e reservatório para fluxo de 10–15 L/min).
c) UpToDate[19]: Para a maioria dos pacientes,
recomenda uma meta de SaO2 entre 90 a 96% com a menos FiO2 possível. A hiperóxia
deve ser evitada.
d) AMIB/ABRAMEDE[20]:
Sugere-se buscar
manter a SpO2 (ou SaO2) de pelo menos 90% com máximo de 96% e evitar a
hiperóxia (SaO2 ou SpO2 de 97% ou mais), uma vez que não há benefício associado,
podendo mesmo haver malefício a depender dos níveis de PaO2 e do tempo de
exposição.
e) ASSOBRAFIR[21]:
≥ 94%
A DECISÃO DE INTUBAR
O momento certo para a intubação nesta população tem sido um
verdadeiro um desafio ao longo da pandemia nos pacientes com síndrome do
desconforto respiratório agudo (SDRA) devido a COVID-19.
INTUBAÇÃO PRECOCE VERSUS TARDIA.
Um estudo de 2016 relatou que pacientes não COVID-19 com SARA
submetidos à intubação tardia tinham taxas de mortalidade marcadamente mais
altas em comparação com aqueles que foram intubados no início do curso da
doença[22].
Entretanto tem se percebido que não há consenso na literatura sobre o que seria
“precoce” e “tardia”, encontrando-se nos estudos definições diferentes. A maioria
tem estabelecido “tempos de oxigenoterapia ou suporte não invasivo antes da
intubação” para definir precoce versus tardia. O termo “precoce” tem sido usado
desde decisões que excluíram por completo qualquer tentativa de CNAF ou VNI em
pacientes que necessitavam de O2 >5L/min para atingir meta de SaO2, até
decisões nas quais se permitia o uso de CNAF ou VNI por períodos de 24 a 48
horas. Entretanto, entendo que os fundamento de precoce e tardio deve estar
mais em função de estabelecer para cada paciente qual é o momento crítico diante
do qual a intubação endotraqueal mão poderia ser mais protelada independente de
um “tempo pré-estabelecido“e, para tanto, se faz necessário estabelecer critérios
clínicos e gasométricos claros principalmente em função do grau de hipóxia tissular
e presença de disfunção orgânica grave.
Estudos recentes em pacientes com COVID-19 recomendam intubação
traqueal precoce para minimizar o risco de infecção de trabalhadores da saúde
provocada pela geração de aerossóis[23]
[24]
[25]
[26].
A intubação traqueal precoce pode evitar a necessidade de intubação de
emergência e pode diminuir a gravidade da hipoxemia e a instabilidade
hemodinâmica durante a indução da anestesia e intubação traqueal. Resultados do
uso combinado de suporte respiratório não invasivo e posição prona acordada[27],
particularmente em pacientes com o fenótipo tipo “L” (alta complacência) da síndrome
do desconforto respiratório agudo (SDRA), parece encorajador[28].
Uma recente metanálise de estudos observacionais mostrou uma diminuição
significativa na taxa de mortalidade de pacientes internados em UTI com COVID-19,
provavelmente atribuída a vários fatores, incluindo aumento da experiência
clínica, desenvolvimento rápido de estratégias terapêuticas e aumento do uso de
métodos não invasivos de suporte, como a CNAF[29].O
uso de CNAF pode diminuir necessidade de intubação orotraqueal e ventilação
mecânica, e reduzir a necessidade de internação em UTI [30]
[31]
[32].
Yong Honn Lee e col., em setembro de 2020, publicaram um estudo multicêntrico,
retrospectivo e observacional realizado em 47 pacientes adultos COVID-19 com SARA
admitidos na unidade de terapia intensiva (UTI) em Daegu, Coréia, entre 17 de
fevereiro e 23 de abril de 2020. As características clínicas e mortalidade
hospitalar foram comparados entre os grupos de intubação precoce e inicialmente
não intubados e entre os grupos de intubação precoce e tardia, respectivamente.
Dos 47 pacientes estudados, 23 (48,9%) foram intubados no dia em que
preencheram os critérios da SARA (intubação precoce), enquanto 24 (51,1%) não
foram intubados inicialmente. 8 pacientes não chegaram a ser intubados durante a
internação hospitalar. A duração média do acompanhamento foi de 46 dias, e 21
pacientes (44,7%) morreram no hospital. Nenhuma diferença significativa na taxa
de mortalidade hospitalar foi observada entre o grupo de intubação precoce e o
grupo inicialmente não intubados (56,5% vs. 33,3%). Além disso, o risco de
morte hospitalar no grupo de intubação precoce não foi significativamente
diferente em comparação com o grupo inicialmente não intubado na análise
multivariada ajustada. Os resultados foram semelhantes entre a intubação
precoce e a tardia na análise de subgrupo de 39 pacientes tratados com
ventilação mecânica. Em conclusão, neste estudo de pacientes com COVID-19
gravemente enfermos com SDRA, a intubação precoce não foi associada à melhora
da sobrevida[33].
Cabrini e col., em estudo publicado em outubro de 2020, afirmam que apesar do longo debate
(desde o início da pandemia) entre os defensores da intubação traqueal precoce
e tardia, não há evidências claras da superioridade de uma estratégia sobre a
outra no resultado[34].
Por exemplo, alguns autores alegaram melhores resultados com uma abordagem de
protocolo de intubação precoce em pacientes com COVID-19[35],
enquanto outros levantaram preocupações sobre uma possível lesão pulmonar auto-inflingida
pelo esforço do paciente (P-SILI) em pacientes com insuficiência respiratória
grave tratados com métodos não invasivos[36].
No entanto, os critérios usados para intubação precoce tem sido fortemente
criticados[37],
e o desenho observacional dos estudos não permitiu provar que esses pacientes
teriam tido um pior resultado com um tratamento diferente. Além disso, as
considerações sobre a lesão pulmonar auto-infligida pelo paciente (P-SILI),
embora muito intrigantes, são altamente especulativas e ainda não são apoiadas
por fortes evidências, ao contrário das complicações bem documentadas da lesão
induzida ventilação mecânica invasiva (VILI)[38].
Por outro lado, outros estudos (também observacionais) mostraram resultados
favoráveis com suporte não invasivo de longo prazo (por exemplo, CPAP com
máscaras ou capacetes), com ou sem pronação (acordado)[39]
[40].
Ilias I. Siempos e col., em dezembro de 2020, publicaram um estudo observacional
incluindo todos os pacientes adultos com COVID-19 confirmado por laboratório,
internados consecutivamente no Hospital Evangélico, Atenas, Grécia entre 11 de
março de 2020 e 15 de abril de 2020. Os pacientes posteriormente admitidos na
unidade de terapia intensiva (UTI) foram categorizados no grupo “intubação
precoce” vs. grupo “tardia ou sem intubação”. O grupo "intubação tardia
ou sem intubação" incluiu pacientes que receberam oxigenoterapia por máscara
não reinalante (MNR) por período ≥ 24 horas ou por cânula nasal de alto
fluxo (CNAF) durante qualquer período de tempo ou ventilação mecânica não
invasiva (VNI) também durante qualquer período de tempo na tentativa de evitar
intubação. Os demais pacientes intubados constituíram o grupo “intubação
precoce”. Durante o período do estudo, um total de 101 pacientes (37%
mulheres, idade média de 65 anos) foram admitidos no hospital. 59 pacientes (58%
de toda a coorte) foram hospitalizados exclusivamente em enfermarias gerais com
mortalidade de 3% e tempo médio de internação de 7 dias. 42 pacientes (19%
mulheres, idade média de 65 anos) foram admitidos na UTI; todos com
insuficiência respiratória hipoxêmica aguda. Dos internados na UTI, 62%
apresentavam pelo menos uma comorbidade e 14% nunca foram intubados. A
intubação precoce não foi associada a maior mortalidade na UTI (21 vs. 33%),
menos dias sem ventilação (3 vs. 2 dias) ou menos dias sem UTI do que adiamento
ou sem intubação. O estudo conclui que a estratégia de intubação precoce não
foi associada a piores desfechos clínicos em comparação com intubação tardia ou
sem intubação. Dado que a intubação precoce pode provavelmente reduzir a
aerossolização do vírus, esses resultados podem justificar pesquisas adicionais
com um ensaio clínico randomizado[41].
HIPOXEMIA NA COVID-19
Segundo Pisano A. e col., em recente e interessante publicação de
dezembro de 2020[42],
uma das
principais preocupações dos médicos que cuidam de pacientes com COVID-19 sob
suporte não invasivo, é a relação PaO2/FiO2 <100 mmHg que pode ser
observada por vezes nesses pacientes. Na verdade, muitos médicos hoje (e, provavelmente
desde o início da pandemia COVID-19) consideram a HIPOXEMIA em termos da
quantidade de oxigênio fornecida ao paciente, expressada pela relação
PaO2/FiO2[43].
De fato, o conceito de hipoxemia e seu grau de severidade em função da relação
PaO2/FiO2 decorre das definições adotadas para a gravidade da SARA. Hipoxemia
tem sido definida pela relação PaO2/FiO2 ≤ 300 mmHg, sendo classificada como
leve quando a relação se situa entre 300 e 201mmHg, moderada entre 200 e
101mmHg em moderado, e severa abaixo ou igual a 100 mmHg. Na verdade, os
limiares para hipoxemia severa que tem sido propostos (PaO2/FiO2 <150
ou 100 mmHg) estão associados a maior mortalidade (até 45%) e duração da
mecânica ventilação assim como a risco de lesão pulmonar induzida pela
ventilação mecânica (VILI)[44]
[45].
Certamente, a relação PaO2/FiO2 além de representar um marcador de
gravidade da insuficiência respiratória, em particular na síndrome do
desconforto respiratório agudo (SDRA), é um fator de risco independente de
mortalidade em 30 dias conforme mostrado por um grande estudo de coorte
observacional publicado em outubro de 2020, que avaliou 10.362 pacientes com
COVID-19 (ventilados mecanicamente ou não) de 258 UTIs[46].
No entanto, a relação PaO2/FiO2 não é tão confiável quanto o gradiente alveolar-arterial
de oxigênio (G-A-aO2) para refletir o grau de comprometimento da troca gasosa[47].
Isto, porque a relação PaO2/FiO2 é afetada não só pela FiO2 administrada, mas
também de forma significativa por outros fatores, como a concentração de
hemoglobina, a diferença entre o conteúdo arterial e venoso de oxigênio (Ca-vO2)
e até mesmo (em menor grau) pela pressão barométrica, sendo que a influência
desses fatores (incluindo a FiO2 administrada) na relação PaO2/FiO2 varia
substancialmente de acordo com o grau de shunt intrapulmonar[48].
Apesar de tudo isso, não há evidências de que o uso de qualquer
valor da relação PaO2/FiO2 como gatilho para intubação traqueal possa afetar o
desfecho de pacientes com SDRA relacionada a COVID-19. Embora, no grande estudo
de coorte mencionado acima, a associação entre a relação PaO2/FiO2 (durante as
primeiras 24 horas após a admissão na UTI) e a mortalidade em 30 dias tenha
sido um pouco mais pronunciada em pacientes não ventilados; assim,
aparentemente sugerindo um melhor resultado em pacientes ventilados
mecanicamente precocemente, não foi relatado após quanto tempo e de acordo com
quais critérios os pacientes inicialmente não ventilados foram posteriormente
intubados. Mais notavelmente, nesse mesmo estudo, os pacientes ventilados com
uma relação PaO2/FiO2 ≥300 mmHg tiveram quase o dobro da mortalidade em 30 dias
em comparação com pacientes não ventilados (razão de risco = 1,89), o que
sugere que, em pacientes menos gravemente afetados, os efeitos prejudiciais da
ventilação mecânica invasiva prevaleceram sobre os benefícios, representando um
argumento contra as estratégias precoces de intubação “preventiva”.
Além disso, na relação PaO2/FiO2 em pacientes não intubados, a suplementação de oxigênio (FiO2) entregue com dispositivos como cânulas nasais, máscaras de Venturi e máscaras de bolsa reservatório ou suporte ventilatório não invasivo, só pode ser estimada de forma aproximada, podendo variar amplamente de acordo com vários fatores, como o padrão ventilatório do paciente (volume corrente, frequência respiratória, pausas respiratórias) ou a presença de vazamentos de ar [49] [50] [51]. Consequentemente, a relação PaO2/FiO2 real muitas vezes pode ser subestimada (porque a FiO2 fornecida é superestimada) em pacientes não intubados.
Talvez o valor da PaO2 absoluta e, ainda mais, da saturação
arterial de oxigênio (SaO2) resultante sejam muito mais importantes. Em última
análise, a SaO2 representa a maior quantidade de O2 transportado pela
hemoglobina, cuja dissociação é influenciada por diversos fatores (desvio da
curva de dissociação para esquerda ou direita).
Fig. 2. A pressão parcial de oxigênio (PaO2) fornece uma contribuição direta
desprezível no cálculo da oferta de oxigênio (DO2), mas afeta a SaO2, um dos
principais determinantes da DO2, de acordo com a curva de dissociação da
oxihemoglobina (O2Hb). A curva de dissociação da O2Hb, por sua vez, é afetada
por diversos fatores, como pH, pressão parcial do dióxido de carbono (PaCO2) e
temperatura (T ° C). Por exemplo, uma PaO2 de 60 mmHg corresponde a uma SaO2 de
cerca de 91% com uma temperatura de 37 ° C, um pH de 7,40 e uma PaCO2 de 40
mmHg, mas a SaO2 seria menor (para a mesma PaO2) em caso de acidose ou
hipertermia. Além disso, devido ao achatamento da parte superior da curva, uma
SaO2 normal ou aceitável (92% -100%) pode estar associada a uma PaO2 variando
de 60 mmHg (ou menos de acordo com os fatores mencionados acima) a 500 mmHg. Hb
= hemoglobina; CO= débito cardíaco.
O conteúdo arterial de oxigênio (CaO2), corresponde à soma do O2
transportado pela Hb (Hb x SaO2 x 1,34) + O2 dissolvido no plasma (0,003 x
PaO2), dependendo, portanto, da SaO2 e da PaO2. Entretanto, apenas 2% desse
conteúdo corresponde ao O2 dissolvido que é que determina a PaO2, sendo que 98%
viaja ligado à Hb. Ainda, o O2 entra na célula (objetivo principal da
oxigenação) em razão da existência de um gradiente de pressão de O2 entre o
capilar periférico e a célula. Os termos hipóxia e hipoxemia não
são sinônimos. Hipoxemia, é definida em regra como uma diminuição da
PaO2 no sangue, enquanto a hipóxia é definida pelo nível reduzido de
oxigenação dentro da célula. Pode ser devido à entrega reduzida ou à utilização
defeituosa do oxigênio pelos tecidos. Hipoxemia e hipóxia nem sempre coexistem.
Os pacientes podem desenvolver hipoxemia sem hipóxia se houver um aumento
compensatório no nível de hemoglobina e no débito cardíaco (DC). Da mesma
forma, pode haver hipóxia sem hipoxemia, como ocorre na intoxicação por
cianeto, em que as células são incapazes de utilizar o oxigênio, apesar de ter
níveis normais de oxigênio no sangue e nos tecidos[52].
De acordo com o Tratado de Fisiologia de Guyton, cerca de 98% do sangue que entra
no átrio esquerdo, proveniente dos pulmões, acabou de passar pelos
capilares alveolares e foi oxigenado até uma PaO2 em torno de 104 mmHg.
Outros 2% do sangue vêm da aorta, pela circulação brônquica que supre
basicamente os tecidos profundos dos pulmões e não é exposta ao ar pulmonar.
Esse fluxo de sangue é denominado “fluxo da derivação”, significando que o
sangue é desviado para fora das áreas de trocas gasosas. Ao deixar os pulmões,
a PaO2 do sangue da derivação fica em torno da PO2 do sangue venoso sistêmico
normal, aproximadamente, 40 mmHg. Quando esse sangue se combina nas veias
pulmonares, com o sangue oxigenado dos capilares alveolares, essa chamada
“mistura venosa de sangue” faz com que a PO2 do sangue que chega ao coração
esquerdo e é bombeado para a aorta (PaO2) diminua para cerca de 95 mmHg. Na
medida em que o sangue que deixa os pulmões e entra nas artérias sistêmicas tem
em geral a PaO2 em torno de 95 mmHg, é possível ver, a partir da curva de dissociação,
que a saturação usual de oxigênio do sangue arterial sistêmico é em média de
97%. Por outro lado, no sangue venoso normal que retorna dos tecidos
periféricos, a PvO2 é cerca de 40 mmHg e a saturação de hemoglobina é em
média de 75%. Quando o sangue arterial chega aos tecidos periféricos, a PaO2
nos capilares periféricos ainda é 95 mmHg (PO2 capilar). Contudo, no
líquido intersticial que banha as células teciduais, é em média de
apenas 40 mmHg (PO2 intersticial). Assim, esta enorme diferença da pressão
inicial que faz com que o oxigênio se difunda rapidamente do sangue capilar
para o interstício tão rapidamente que a PaO2 capilar diminua quase se
igualando à pressão de 40 mmHg do interstício. Portanto, a PaO2 do sangue que
deixa os capilares dos tecidos e entra nas veias sistêmicas é também de aproximadamente,
40 mmHg. A PO2 dentro das células dos tecidos periféricos (PO2
intracelular), permanece ainda menor do que a PaO2 nos capilares periféricos.
Além disso, em muitos casos existe a distância física considerável entre os
capilares e as células. Portanto, a PO2 intracelular normalmente varia de
tão baixa quanto 5 mmHg a tão alta quanto 40 mmHg, tendo, em média (por medida
direta em animais inferiores), 23 mmHg. Na medida em que apenas 1 a 3 mmHg
de pressão de oxigênio são normalmente necessários para o suporte total dos
processos químicos que utilizam oxigênio na célula, é possível ver que mesmo
essa baixa PO2 intracelular de 23 mmHg seja mais do que adequada e proporcione
grande fator de segurança. Nas condições basais, os tecidos necessitam de cerca
de 5 mililitros de oxigênio de cada 100 mililitros do sangue que passa pelos
capilares teciduais. Para que os 5 mililitros usuais de oxigênio sejam
liberados por 100 mililitros de fluxo sanguíneo, a PaO2 deve cair para cerca de
40 mmHg. Isso se dá normalmente porque o sangue que chega no tecido tem uma PO2
de 95mmHg e difunde para o interstício por gradiente de pressão. Portanto, a
PO2 intersticial normalmente não pode aumentar acima desse nível de 40 mmHg
porque, se o fizer, a PO2 capilar não cairá para 40mmHg, permanecendo mais
elevada, aumentando a afinidade do O2 pela hemoglobina e assim a quantidade de
oxigênio necessitada pelos tecidos não seria liberada pela hemoglobina. Dessa
forma, a hemoglobina normalmente estabelece o limite superior da pressão do
oxigênio nos tecidos, em torno de 40 mmHg. Em condições normais, quando a PaO2
é alta, como nos capilares pulmonares, o oxigênio se liga à hemoglobina, mas
quando a PaO2 é baixa, como nos capilares teciduais, o oxigênio é liberado da
hemoglobina. Essa é a base de quase todo transporte de oxigênio dos pulmões
para os tecidos. Isso expressa-se no conceito de Curva de Dissociação da Hb que
demonstra aumento progressivo da porcentagem de hemoglobina ligada ao oxigênio,
à medida que a PaO2 do sangue aumenta, o que é denominado percentual de
saturação de hemoglobina. Por outro lado, a SaO2 da Hb depende do gradiente alvéolo-capilar
de O2 a nível do capilar pulmonar. O valor reflete o quanto a Hb se carregou de
O2 a nível do capilar pulmonar.
Existe ainda uma relação direta entre a PaO2 e o grau de SaO2 a
nível do capilar pulmonar. A nível alvéolo-capilar, a PaO2 depende do gradiente
alvéolo-capilar de O2 [D(A-a)O2], sendo um dos fatores determinantes desse
gradiente, a PAO2 (pressão alveolar de O2) é influenciada diretamente pela
FiO2. Já a nível tecidual, ocorre o fenômeno inverso e a PaO2 deve cair (em
razão da passagem do O2 para os tecidos) para facilitar o 02 da Hb se liberar e
dissolver no plasma restaurando a PaO2 que novamente faça entrar o O2 no tecido.
Ainda, outros fatores podem influenciar no grau de dissociação da hemoglobina
desviando-a para esquerda (maior afinidade pelo O2 e menor liberação) ou para
direita (menor afinidade e maior liberação).
Portanto, pode se concluir que não se necessita de elevadas PaO2 nos
capilares periféricos para garantir um gradiente de pressão necessário para a
entrada de O2 na célula. Bastariam pressões de 60 a 65 mmHg (já acima de
40mmHg) para permitir uma razoável oxigenação tissular.
Observa-se pela curva de dissociação que uma PaO2 de 60 mmHg
mantém uma saturação de hemoglobina ≥ 90%. A partir da curva de dissociação
da hemoglobina podemos identificar que o nível de PaO2 determinante da
Insuficiência Respiratória Aguda tipo I (PaO2 < 60mmHg), corresponde a uma
SaO2 < 90%. Também é possível interpretar que a partir de um certo valor
de PaO2, a SaO2 irá sempre se manter no máximo valor possível, 100%. Logo, em
uma curva de dissociação de hemoglobina fisiológica, com cerca de 120 mmHg de
PaO2, obteremos uma SaO2 de 100%, e assim será com 300 ou 500 mmHg de PaO2 e
outros valores acima de 120 mmHg. Assim, uma meta de manter o paciente com SaO2
de 100%, sem levar em consideração os níveis de PaO2, acarreta maiores riscos
de exposição a níveis elevados e tóxicos de oxigênio (hiperóxia).
Ainda, a hemoglobina apresenta um efeito tampão de oxigênio
tecidual, sendo responsável por estabilizar a pressão do oxigênio nos tecidos.
Isso é explicado, pois a hemoglobina estabelece um limite superior na
pressão de oxigênio nos tecidos em torno de 40 mmHg. Qualquer queda nessa
pressão estimula a liberação de oxigênio pela hemoglobina. Isto pode ser atingido
por causa da inclinação abrupta da curva de dissociação para direita e do
aumento no fluxo de sangue tecidual causado pela queda da PaO2; ou seja, uma
ligeira queda na pressão parcial de oxigênio faz com que grandes quantidades
extras de O2 sejam liberadas da hemoglobina[53].
Na curva de dissociação padrão da Hb (sem desvios), observa-se a
denominada P50, que é definida como a PO2 necessária para saturar 50% de
saturação da Hb, ou seja, metade da sua capacidade máxima, correspondendo a um
valor normal de 26 a 28mmHg. A curva de dissociação é desviada fisiológica
(por exemplo durante o exercício) ou patologicamente (nas doenças) para a
direita por aumento na concentração de íon hidrogênio (acidose), aumento de
2,3-difosfoglicerato (DPG) do eritrócito, aumento da temperatura (T) e aumento
da pressão parcial de dióxido de carbono (PCO2). Estes fatores diminuem a
afinidade do O2 pela Hb o que provoca sua maior liberação. Ao contrário, a diminuição dos níveis de hidrogênio (alcalose), diminuição
do 2,3 DPG, diminuição da temperatura e da PCO2 desviam a curva para a
esquerda, induzindo maior afinidade do O2 pela Hb e sua menor liberação. Assim,
essa curva pode sofrer deslocamentos, para a direita e para a esquerda, por
fatores que modificam a afinidade da hemoglobina com o oxigênio, fazendo com
que seja necessário valores maiores ou menores (de acordo com o deslocamento)
de PaO2 para obtenção de uma mesma SaO2 quando comparada a curva ao valor da
curva fisiológica. Ainda valores de SaO2 de 90% na curva fisiológica que
equivalem a uma PaO2 de 60mmHg poderiam dar uma falsa sensação de
tranquilidade, já que estando a curva desviada para esquerda os valores de PaO2
estarão com valores menores.
O desvio da curva de dissociação de oxigênio-hemoglobina para a
direita, em resposta a aumento do CO2 e dos íons hidrogênio no sangue, tem
efeito significativo de intensificar a liberação de O2 do sangue para os
tecidos e intensificar a oxigenação do sangue nos pulmões. É o efeito Bohr,
que pode ser assim explicado: enquanto o sangue atravessa os tecidos, o CO2 se
difunde das células para o sangue. Essa difusão aumenta a PCO2 do sangue que,
por sua vez, aumenta a concentração de H2CO3 (ácido carbônico) e dos íons
hidrogênio no sangue. Esse efeito desloca a curva de dissociação de
oxigênio-hemoglobina para a direita e para baixo forçando a liberação do O2
pela hemoglobina e, portanto, liberando quantidade maior de O2 para os tecidos.
Efeitos exatamente opostos ocorrem nos pulmões, onde o CO2 se difunde do sangue
para os alvéolos. Essa difusão reduz a PCO2 do sangue e diminui a concentração
dos íons hidrogênio, deslocando a curva de dissociação de oxigênio-hemoglobina
para a esquerda e para cima. Portanto, a quantidade de O2 que se liga à
hemoglobina em qualquer PO2 alveolar fica consideravelmente maior, permitindo
assim maior transporte de O2 para os tecidos. Já o efeito Haldane
resulta do simples fato de que a combinação do O2 com hemoglobina, nos pulmões,
faz com que a hemoglobina passe a atuar como ácido mais forte. Assim se desloca
o CO2 do sangue para os alvéolos de duas maneiras. Em primeiro lugar, quanto
mais ácida a hemoglobina, menos ela tende a se combinar com o CO2, para formar
carbaminohemoglobina, deslocando, assim, grande parte do CO2 presente na forma
carbamino do sangue. Em segundo lugar, a maior acidez da hemoglobina também faz
com que ela libere muitos íons hidrogênio que se ligam aos íons bicarbonato
para formar ácido carbônico, que, por sua vez, o se dissocia em água e CO2, e o
CO2 é liberado do sangue para os alvéolos e, finalmente, para o ar.
A partir da curva de dissociação do O2 padrão podemos observar que
para obter uma SaO2 de 97% precisar-se-ia de uma PaO2 de 100mmHg e para uma
SaO2 de 90% uma PaO2 de 60mmHg. Assim, a diferença entre PaO2 normal
(100mmHg) e uma claramente anormal (60mmHg) é de 40mmHg, mas a correspondente
diferença de SaO2 é de apenas 7,5% (97,5-90%). Portanto, devido à forma da
curva de dissociação do O2, a PaO2 é um índice mais sensível que a SaO2 na
avaliação de hipoxemia. A PaO2 normalmente é >80mmHg (entre 80 a 100mmHg) e
a PaCO2 < 45mmHg. Assim em termos absolutos poderia se definir melhor a
hipoxemia como o valor da PaO2 abaixo de 80mmHg[54].
A insuficiência respiratória hipoxêmica (tipo I) é caracterizada por uma
PaO2 < 60 mmHg respirando ar ambiente com uma PaCO2 normal ou baixa.
Esta é a forma mais comum de insuficiência respiratória e pode estar associada
a praticamente todas as doenças agudas do pulmão, que geralmente envolvem
enchimento de fluidos ou colapso das unidades alveolares. Alguns exemplos de
insuficiência respiratória tipo I são edema pulmonar cardiogênico ou não
cardiogênico, pneumonia e hemorragia pulmonar. A insuficiência respiratória
hipercápnica (tipo II) é caracterizada por uma PaCO2 > 50 mm Hg. A
hipoxemia é comum em pacientes com insuficiência respiratória hipercápnica que
respiram ar ambiente. O pH depende do nível de bicarbonato que, por sua vez,
depende da duração da hipercapnia. As etiologias comuns incluem overdose de
drogas, doença neuromuscular, anormalidades da parede torácica e distúrbios
graves das vias aéreas (por exemplo, asma e doença pulmonar obstrutiva crônica[55]
[56].
O valor da PaO2 medido pela gasometria arterial tem sido
considerado sempre como mais preciso, pelo do fato de também medir a PaCO2 e o
pH que são fatores que podem desviar a curva de saturação. A SaO2 pode também
ser estimada a partir da PaO2 assumindo uma curva de dissociação padrão. Isto é
mais preciso que o contrário, ou seja, calcular a PaO2 a partir da SaO2,
porque, neste caso, a PaCO2 e o pH não são considerados, sabendo que os mesmos
podem desviar a curva de dissociação[57].
Fig. 3 Conceito de hipoxemia e hiperoxemia
Para Tobin MJ, em condições fisiológicas uma PaO2 entre 50 e 60 mmHg corresponderia uma SaO2 aceitável (≥ 90% -92%)[58] [59]. Como um exemplo (extremo), um paciente com PaO2 em torno de 60 mmHg pode ter uma SaO2 > 90% em condições de normotermia, mas uma SaO2 muito mais baixa se tiver febre alta (desvio da curva par direita); consequentemente, nesse caso, a simples administração de um antipirético poderia evitar uma intubação orotraqueal desnecessária. Por outro lado, há que considerar que a SaO2 medida pela gasometria arterial resulta mais fidedigna que a medida pela oximetria de pulso que fornece apenas uma estimativa de SaO2, com limitações bem conhecidas[60] [61]. Finalmente, o que nos dirá qual SaO2 (ou PaO2) é aceitável será também a avaliação dos sinais e sintomas de dificuldade respiratória significativa ou a evidência de hipóxia tecidual (por exemplo, frequência respiratória acima de 25-30 por minuto, uso de músculos respiratórios acessórios, sudorese, dispneia, taquicardia, aumento dos níveis de lactato sanguíneo, etc.). Na ausência de hipoxemia absoluta grave (geralmente definida como PaO2<50 mmHg) e dos sinais e sintomas mencionados acima, e com um paciente que tolera bem o suporte não invasivo contínuo, importa saber quanto oxigênio você precisa fornecer (mesmo supondo que seja capaz de calculá-lo com precisão) para obter tal estabilidade, ou quão grave é a doença? A este respeito, nem mesmo a gravidade radiológica da pneumonia relacionada ao COVID-19 deve ser considerada per se como um critério para intubação traqueal, apesar dos títulos potencialmente enganosos de alguns estudos retrospectivos que, de forma bastante previsível, encontraram uma associação entre piora dos achados na TC de tórax inicial e o risco de necessidade subsequente de intubação traqueal, ventilação mecânica invasiva ou admissão na UTI[62] [63].
Durante a pandemia, um dos aspectos que tem intrigado os médicos que
cuidam de pacientes com COVID-19, é o achado de hipoxemia pronunciada, mas sem
sinais proporcionais de dificuldade respiratória ou sensação de dispneia. Este
fenômeno é denominado "HIPOXEMIA FELIZ OU SILENCIOSA" e foi
descrita inicialmente em pacientes durante o surto inicial de Wuhan No entanto,
esses pacientes com muita frequência evoluem rapidamente para a síndrome do
desconforto respiratório agudo (SDRA), necessitando de ventilação mecânica[64]
[65]
[66]
[67]
[68]
[69].
A causa da hipóxia silenciosa ainda não está clara. Martin J.
Tobin, M.D. reportou 3 casos de hipoxemia silenciosa com SaO2 que oscilaram
entre 62 e 76% e PaO2 entre 36 a 45mmHg, apontando como possíveis causas, um
efeito idiossincrático do vírus no sistema de controle respiratório. A ACE2
(enzima de conversão de angiotensina 2), é um receptor celular de SARS-CoV-2, se
expresso no corpo carotídeo, o local em quais quimiorreceptores detectam
oxigênio. Os receptores ACE2 também são expressos nas vias nasais mucosa.
Anosmia-hiposmia ocorre em dois terços de pacientes com COVID-19, e o bulbo olfatório
fornece uma passagem ao longo quais certos coronavírus entram no cérebro. Se o
SARS-CoV-2 ganha acesso ao cérebro através do bulbo olfatório e contribui para
a associação entre anosmia-hiposmia e dispneia e se os receptores ACE2
desempenham um papel no resposta deprimida de dispneia em COVID-19 ainda
precisam ser determinados. Hipoxemia silenciosa também tem sido associada com o
desenvolvimento de trombos dentro do vasculatura pulmonar (teoria trombótica),
à perda do mecanismo de vasoconstrição hipóxica e alterações na difusão alvéolo-capilar[70]
[71].
Com base nas suas observações, Tobin defende que pacientes com quadros de
hipoxemia silenciosa sejam tratados com métodos não invasivos para evitar a
intubação. Entretanto, a presença de hipoxemia feliz ou silenciosa em pacientes
com Covid-19, quando em níveis severamente baixos, pode levar erroneamente à
conclusão de que o paciente não está em estado crítico, mascarando assim danos
celulares irreversíveis em razão da grave hipoxia celular e da glicose
anaeróbia com aumento de lactato intracelular e deficiência de ATP como fonte
de energia para o metabolismo celular e funcionamento dos múltiplos órgãos do
corpo. Esses casos podem ultrapassar rapidamente estágios de evolução clínica e
sofrer SDRA, com concomitante parada cardiorrespiratória e óbito, conforme
mostrado por alguns estudos[72]
[73].
De acordo com Pisano A. e col., os critérios sugeridos para intubação traqueal em pacientes com Infecção
Respiratória Aguda Severa (SARI) relacionada a COVID-19 submetidos a terapia de
oxigênio ou suporte ventilatório não invasivo são[74]:
A) Critérios que justificam a intubação orotraqueal imediata:
- Alteração do nível de consciência
- Risco de broncoaspiração
- Acidose descompensada grave (pH
<7,2 - 7,25)
- Hipoxemia grave (PaO2 < 50
mmHg ou SaO2<90%) apesar do suporte não invasivo máximo (considere a
intubação traqueal para SaO2 entre 90% e 92%).
- Sinais ou sintomas de dificuldade
respiratória significativa ou hipóxia tecidual (por exemplo, frequência
respiratória acima de 25-30 por minuto, uso de músculos respiratórios
acessórios, sudorese, dispneia, taquicardia, aumento dos níveis de lactato
sanguíneo, etc.)
- Decisão de implantar ECMO VA
B) Critérios que provavelmente não justificam por si só a intubação
traqueal:
- Relação PaO2/FiO2 baixa
- Prevenção de agravamento clínico
- Gravidade dos achados da TC de
tórax
- Considerações logísticas,
organizacionais ou médico-legais
De uma maneira geral, a decisão do momento de intubar, depende de
2 situações:
1. Indicação de intubação de emergência. Nas seguintes situações:
- Obstrução ou ausência de
respiração (parada respiratória),
- PCR
- Desconforto respiratório grave
(caraterizado por uso da musculatura acessória),
- Cianose central,
- Choque,
- Coma e/ou convulsões
2. Não havendo indicação de intubação de emergência, poder-se-ia
tentar, UM MÉTODO NÃO INVASIVO, que pode ser de Oxigenoterapia de alto fluxo
(CNAF) ou de Ventilação Mecânica (VNI), desde que inexistam contraindicações.
OS MÉTODOS NÃO INVASIVOS
CNAF, é um
método relativamente novo de suporte respiratório para adultos com
insuficiência respiratória aguda. As cânulas têm aproximadamente 1,5 cm de
comprimento e 0,5 cm de diâmetro ficando dentro das narinas. Um fluxo de gás de
até 60 L/min pode ser fornecido porque o gás é aquecido e umidificado,
tornando-o menos irritante para a mucosa nasal[75].
Poucas reações adversas foram relatadas com o uso de CNAF e as que foram
consistem em queixas menores de coriza e algum desconforto com calor ou taxa de
fluxo. CNAF não precisa ser removida durante os cuidados de higiene oral ou
quando os pacientes falam, comem ou bebem, resultando em interrupções menos
frequentes da terapia. Os mecanismos de ação sugeridos para CNAF consistem em: lavagem
do espaço morto anatômico devido ao alto fluxo de gás, reduzindo funcionalmente
o espaço morto e melhorando a eficiência respiratória[76];
geração de pressão positiva nas vias aéreas, que aumenta a capacidade residual
funcional e melhora o recrutamento alveolar[77]
[78]
[79];
capacidade melhorada de atender às altas demandas de fluxo inspiratório entre
os pacientes que requerem suporte respiratório e fornecer uma FiO2 mais precisa
por meio de menos diluição por entrada de ar ambiente[80];
e capacidade de fornecer umidificação ideal, levando a um transporte mucociliar
aprimorado[81]e
maior conforto do paciente[82].
A VNI pode
ser usada em pacientes que não apenas necessitam de oxigênio suplementar, mas
também de maior suporte pressórico para o processo de ventilação mecânica. Uma
mistura de oxigênio e ar é fornecida com uma FiO2 prescrita por meio de uma
máscara (máscara nasal convencional, máscara oronasal ou máscara facial
inteira). Além disso, a pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) ou a
ventilação com pressão positiva em dois níveis (BIPAP) é administrada para melhorar
o recrutamento alveolar, melhorar a troca gasosa e diminuir o trabalho
respiratório[83].
Embora o CPAP não seja um modo ventilatório verdadeiro, é frequentemente
referido como modalidade de VNI na prática clínica. Dados substanciais disponíveis
mostram que a VNI melhora os resultados em pacientes com insuficiência
respiratória hipercapnica devido a edema pulmonar cardiogênico ou a exacerbações/agudizações
da DPOC, e também entre os pacientes desmamados da ventilação mecânica
invasiva. No entanto, sua eficácia em pacientes com insuficiência respiratória
aguda hipoxêmica tem sido menos claramente definida[84].
Apesar de mostrar benefícios claros para certas condições, a VNI inibe a
mobilização, está associada à distensão gástrica, restringe a comunicação
eficaz e a nutrição oral e é mal tolerada por alguns pacientes devido ao
desconforto[85]
[86]
[87].
A) VENTILAÇÃO MECÂNICA NÃO INVASIVA (VNI) PARA PACIENTES EM GERAL[88]
[89].
Ventilação não invasiva (VNI) se refere ao fornecimento de
ventilação com pressão positiva por meio de uma interface não invasiva (por
exemplo, máscara nasal, máscara facial ou plugues nasais), em vez de uma
interface invasiva (tubo endotraqueal, traqueostomia) e pode ser usada como
suporte ventilatório para pacientes com insuficiência respiratória aguda ou
crônica (por exemplo, distúrbios neuromusculares, doença da parede torácica
ou síndrome de hipoventilação por obesidade).
Os princípios gerais que norteiam a decisão de escolher VNI ou VMI,
nos quadros de Insuficiência Respiratória Aguda (IRpA) incluem os
seguintes:
1. Condições tipicamente responsivas à VNI. Na ausência de contraindicações, um
breve teste com VNI é permitido na maioria dos pacientes com:
- Insuficiência respiratória aguda
hipercapnica,
devido a uma exacerbação aguda de doença pulmonar obstrutiva crônica
(DPOC). Recomenda-se um teste inicial de VNI de dois níveis de pressão
positiva (BIPAP: IPAP + EPAP). O mecanismo pelo qual a VNI com BIPAP
melhora a insuficiência respiratória hipercápnica deve-se à melhora da
ventilação alveolar, evidenciada pela melhora da mecânica respiratória
(por exemplo, diminuição da frequência respiratória, aumento do volume
corrente e aumento da ventilação minuto) e melhora nos parâmetros de troca
gasosa (aumento da PaO2 e diminuição da PaCO2). Embora a VNI com BIPAP
seja o modo de escolha, a pressão positiva contínua nas vias aéreas
(CPAP), a ventilação de suporte por pressão (PSV) e outros modos (por
exemplo, assistência ventilatória ajustada neuralmente (NAVA) também mostraram
resultar em sucesso em pacientes com insuficiência respiratória aguda
hipercápnica associada a exacerbação da DPOC.
- Pacientes com Edema Agudo de
Pulmão de tipo Cardiogênico (EAPc). Acredita-se que o mecanismo pelo qual a VNI melhora o EAPc
seja devido à redução da pré-carrega, à prevenção do colapso alveolar no
final da expiração e à diminuição da pós-carga do ventrículo esquerdo.
Para pacientes com EAPc, recomenda-se preferencialmente VNI com CPAP.
Conforme diretrizes brasileiras de 2013, deve-se usar VNI (BIPAP com EPAP
5-10 e IPAP até 15 cm H2O) e ou CPAP de 5 a 10 cmH20.
- Pacientes com outras etiologias
se beneficiam menos.
É importante ressaltar que, como o retardo da ventilação mecânica
está associado a um desfecho desfavorável, as tentativas de VNI devem ser breves
(por exemplo, duas horas ou menos).
Os fatores que predizem o sucesso da VNI são:
- Idade mais jovem
- Menor gravidade da doença
(pontuação APACHE)
- Capaz de cooperar, melhor
pontuação neurológica
- Menos vazamento de ar, dentição
intacta
- Hipercapnia moderada (PaCO2 >
45 - < 92mmHg)
- Acidemia moderada (pH > 7,10 -
< 7,35)
- Melhorias nas trocas gasosas e
nas frequências respiratórias e cardíacas nas primeiras duas horas
2.Contraindicações para VNI:
2.1 Absolutas
- Necessidade de intubação de emergência
(por exemplo, parada cardíaca ou respiratória, desconforto respiratório
grave, arritmia cardíaca instável).
- Parada cardíaca ou respiratória.
2.2 Relativas
- Disfunção orgânica não
respiratória ameaçadora da vida.
Ø Rebaixamento grave do nível de consciência
(por exemplo, escala de Glasgow <10). Pode-se usar VNI em pacientes com
rebaixamento de nível de consciência devido a hipercapnia em DPOC agudizado. A
melhora da consciência deve ser evidente dentro de 1 a 2 horas após o início da
VNI. Os pacientes que deterioram ou não melhoram devem ser imediatamente
intubados pelo risco de perda de proteção da via aérea inferior e parada respiratória.
Ø Sangramento gastrointestinal alto
grave.
Ø Instabilidade hemodinâmica.
- Cirurgia facial ou neurológica,
trauma ou deformidade.
- Obstrução significativa das vias
aéreas (por exemplo, massa laríngea ou tumor traqueal).
- Incapacidade de cooperar,
proteger as vias aéreas ou eliminar secreções (por exemplo, pacientes com
alto risco de broncoaspiração)
- Previsão de duração prolongada de
ventilação mecânica (por exemplo, ≥ 4 a 7 dias)
Ø Anastomose esofágica ou gástrica
recente (evitar pressurização acima de 20cmH2O, visto que a distensão gástrica
ou esofágica pode aumentar o risco de deiscência).
Ø Múltiplas contraindicações
Ø Suporte de pessoal insuficiente
3. Preferências do paciente. Quando possível, as vantagens e desvantagens de uma abordagem
não invasiva em comparação com uma abordagem invasiva devem ser explicadas ao
paciente ou a seu cuidador.
4. Vantagens da VNI:
Ø A principal vantagem da VNI é evitar a
intubação e os riscos decorrentes da ventilação mecânica invasiva.
Ø VNI parece diminuir a incidência de
infecções nosocomiais provavelmente como consequência de menos pneumonias
associadas à ventilação (PAV) devido a menos intubação.
Ø A VNI também pode diminuir a
incidência de outras infecções nosocomiais (por exemplo, sinusite, sepse associada
a cateter) devido ao menor tempo de internação e menor duração da monitorização
invasiva.
5. Desvantagens:
Ø As complicações são poucas, geralmente
menores e frequentemente relacionadas à interface (por exemplo, irritação ou
ulceração local, vazamentos de ar, secura ou congestão nasal, distensão
gástrica e aspiração).
Ø Barotrauma é raro.
Ø Pode ser mal tolerada em um paciente
acordado.
Ø Pode ser menos eficaz devido a
vazamentos de ar.
Ø Somente deve ser usada por curtos
períodos (por exemplo, 24 horas a alguns dias).
6. Condições que menos se beneficiam com VNI. Situações em que a VNI poderia ser
iniciada, mas os dados que confirmam sua eficácia são menos robustos, ausentes
ou conflitantes incluem:
Ø Insuficiência respiratória aguda
hipoxêmica não hipercápnica, devido a outras condições fora o edema agudo
pulmonar cardiogênico (EAPc). Na ausência de contraindicações para VNI, uma abordagem
individualizada é razoável, levando em consideração a etiologia da
insuficiência respiratória hipoxêmica e se outras modalidades não invasivas,
como cânula nasal de alto fluxo (CNAF), seriam uma opção melhor. Se a VNI for
escolhida, é prudente iniciar a VNI precocemente e ter um baixo limiar para decidir
pela intubação.
Ø Insuficiência respiratória aguda não
hipercápnica por exacerbação de DPOC tem seu benefício com VNI (BIPAP) incerto em comparação com
pacientes que têm insuficiência respiratória aguda hipercápnica por exacerbação
de DPOC, pelo que não se recomenda na primeira situação.
Ø O benefício da VNI em pacientes com
pneumonia é variável. Conforme
Diretrizes Brasileiras de 2013, sugere-se utilizar a VNI em pneumonia
comunitária grave com insuficiência respiratória hipoxêmica, especialmente nos
portadores concomitantes de DPOC com os cuidados de se observar as metas de
sucesso de 0,5 a 2 horas. No caso de não sucesso evitar retardar a intubação.
Ø VNI apresenta desfechos conflitantes
em pacientes imunossuprimidos com insuficiência respiratória aguda. Vários pequenos estudos randomizados
em pacientes imunocomprometidos com insuficiência respiratória aguda hipoxêmica
não hipercápnica relatam que, em comparação com ventilação mecânica invasiva ou
oxigênio (normalmente oxigênio de baixo fluxo), a VNI está associada com
diminuição da mortalidade na UTI, taxa de intubação e tempo de permanência na
UTI. Em contraste, vários outros estudos não mostraram nenhum benefício e
possivelmente dano com o uso de VNI como terapia de primeira linha nesta
população.
Ø Síndrome da dificuldade respiratória
aguda (SDRA). A maioria dos pacientes
com SDRA requer ventilação mecânica invasiva. No entanto, reservamos VNI de
dois níveis para o paciente selecionado com SDRA leve que esteja hemodinamicamente
estável, facilmente oxigenado e não tenha contraindicações para seu uso. As
evidências limitadas que descrevem o uso de VNI nessa população são
conflitantes. Conforme Diretrizes Brasileiras de 2013, sugere-se utilizar a VNI
nos casos de SARA Leve, com os cuidados de se observar as metas de sucesso de
0,5 a 2 horas. No caso de não sucesso evitar retardar a intubação. Na SARA
Grave recomenda-se evitar utilizar VNI, devido à alta taxa de falência
respiratória e necessidade de IOT, especialmente em pacientes com PaO2/FIO2
< 140 e SAPS II > 35.
Ø Insuficiência respiratória aguda devido
à exacerbação da asma. A VNI
com BIPAP é comumente usada em pacientes com insuficiência respiratória
hipoxêmica aguda decorrente de exacerbação grave da asma. No entanto, os dados
são limitados a pequenos ensaios clínicos randomizados e a uma metanálise desses
ensaios e de um grande estudo retrospectivo que não documentou um benefício
claro, convincente ou consistente sobre as taxas de mortalidade ou intubação.
Apesar dos dados inconclusivos, sugere-se que um breve teste de VNI (por
exemplo, uma a duas horas) é apropriado nesta população, particularmente para
aqueles que falham na terapia farmacológica. No entanto, o limite para intubar
deve ser baixo.
Ø Insuficiência respiratória aguda
induzida por trauma torácico, pós-extubação ou pós-operatório. A VNI tem sido usada em pacientes
que desenvolvem insuficiência respiratória aguda nas primeiras 24 a 72 horas
após a extubação. A VNI também tem sido usada como uma ferramenta para prevenir
a reintubação em pacientes com alto risco de desenvolver insuficiência respiratória
aguda após a extubação. Nesse cenário, a VNI é normalmente comparada ou
combinada com o oxigênio fornecido por CNAF. A VNI também tem sido usada para
tratar pacientes que desenvolvem insuficiência respiratória aguda no
pós-operatório. Não há contraindicação específica para VNI em pacientes que
desenvolvem insuficiência respiratória aguda após trauma torácico. Conforme
Diretrizes Brasileiras de 2013, na pós-extubação recomenda-se a VNI
imediatamente após a extubação nos pacientes de risco (VNI profilática)[90]
visando encurtar a duração da ventilação invasiva (ação facilitadora da
retirada da VNI), reduzir a mortalidade, diminuir as taxas de pneumonia
associada à ventilação mecânica (PAV), gerando menos dias internação de UTI e
hospitalar na população de pacientes DPOC hipercápnicos. No pós-operatório,
recomenda-se VNI para tratamento da IRpA no pós-operatório imediato de cirurgia
abdominal e torácica eletivas, estando associada à melhora da troca gasosa,
redução de atelectasias e diminuição do trabalho respiratório, além de
diminuição da necessidade de IOT e possivelmente da mortalidade. Deve ser
utilizada com cautela, respeitando-se as limitações e contraindicações para sua
utilização. Sugere-se que em cirurgias esofágicas pode-se usar VNI para se
evitar IRpA, mantendo-se pressões inspiratórias mais baixas (EPAP < 8 e IPAP
< 15). A mesma sugestão vale para cirurgia torácica, cirurgia abdominal, cirurgia
cardíaca, e cirurgia bariátrica.
Ø Oxigenação antes e durante a intubação. Antes da intubação, os pacientes com
insuficiência respiratória hipoxêmica são tipicamente pré-oxigenados com
oxigênio a 100% para evitar a dessaturação durante o procedimento. A VNI foi
estudada neste cenário, mas não é usada de rotina. Um ensaio randomizado
comparou a pré-oxigenação padrão (com válvula bolsa-máscara) à pré-oxigenação
com VNI. O grupo VNI teve menos dessaturações de oxihemoglobina durante a
intubação e uma saturação de oxihemoglobina mais alta no final da
pré-oxigenação, durante a intubação e após a intubação. Outros estudos
descreveram a VNI como uma ferramenta para prevenir a dessaturação durante a
intubação, incluindo a intubação nasal.
Ø Broncoscopia. Diretrizes Brasileiras de 2013
sugerem que a VNI possa ser usada durante e após a broncoscopia visando
diminuir o risco de complicações associadas ao procedimento em pacientes com
hipoxemia grave refratária, insuficiência respiratória pós-operatória, ou DPOC
grave. Cuidados especiais devem ser utilizados após procedimento de biópsia trasnbrônquica
mantendo-se as pressões de vias aéreas abaixo de 20 cmH20 e realizando RX de
tórax se descompensação clínica do paciente e após cerca de 6 horas do
procedimento para verificação de possível ocorrência de pneumotórax.
Ø Recusa `a intubação e paliatividade. VNI tem sido usada em pacientes que
recusam a intubação endotraqueal. Estudos observacionais indicam que até 43 por
cento de tais pacientes sobrevivem até a alta hospitalar. No entanto, a taxa de
mortalidade durante os próximos seis meses é alta. A VNI também pode ajudar a
reduzir os sintomas de dispneia em pacientes que recebem tratamento paliativo
para doenças pulmonares em estágio terminal. É importante ressaltar que uma
ordem de não intubar (ONI) não significa que a VNI não possa ser aplicada temporária
ou paliativamente.
7. Duração da VNI. 30 minutos a 2 horas.
8. Monitorização da VNI. Recomenda-se monitorizar o VC, a FR e a SO2 durante uso da VNI.
Quando disponível, sugere-se utilizar realizar a monitorização gráfica. As
assincronias, escapes auto-peep, esforços ineficazes e mecanismo de compensação
do vazamento devem ser constantemente observados.
9. Sucesso de VNI. Para ser considerado sucesso, deve ser observado diminuição da
FR, aumento do VC, melhora do nível de consciência, diminuição ou cessação de
uso de musculatura acessória, aumento da PaO2 e/ou da SpO2 e diminuição da
PaCO2 sem distensão abdominal significativa. Quando não há sucesso,
recomenda-se imediata IOT e ventilação invasiva. Espera-se sucesso na população
hipercápnica com o uso da VNI em 75% dos casos, e nos hipoxêmicos em cerca de
50%.
B) RECOMENDAÇÕES PARA PACIENTES COM COVID-19.
B.1) GERAIS[91]
O paciente com COVID-19 é em regra inicialmente hipoxêmico,
podendo evoluir com componente hipercapnico. Portanto, o enfoque de manejo está essencialmente direcionada ao
manejo da insuficiência respiratória aguda hipoxêmica.
Pacientes com COVID-19, com necessidades crescentes de oxigênio,
recomenda-se monitorar parâmetros clínicos e de troca gasosa a cada uma a duas
horas e adotar um baixo limiar para intubar pacientes, levando em consideração:
- Progressão rápida ao longo de
horas
- Ausência de melhora com CNAF >
50 L/minuto e uma FiO2 > 0,6
- Evolução da hipercapnia, aumento
do trabalho respiratório, aumento do volume corrente, piora do estado
mental
- Instabilidade hemodinâmica ou
falha de múltiplos órgãos
Alguns estudos mostraram alta taxa de falha da VNI em pacientes
com Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) e influenza[92]
[93];
como consequência, alguns defendem que a VNI deva ser evitada em pacientes com
insuficiência respiratória hipoxêmica aguda por doença coronavírus 2019
(COVID-19). Também se fundamentam no risco aumentado de aerossolização e na
alta probabilidade de que tais pacientes cheguem a ser intubados em situações
bastante críticas do ponto de vista hemodinâmicos e de oxigenação tissular. Por
outro lado, um excesso de intubações desnecessárias pode expor os pacientes aos
riscos da lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica (VILI) e pela hiperoxia
a que esses pacientes podem ser submetidos. Conforme os pacientes progridem,
maiores quantidades de oxigênio são necessárias, superando mesmo até fluxos de
10 a 15L/min fornecidos pelas máscaras não reinalantes (MNR). Em pacientes não
COVID-19 tanto CNAF quanto VNI tem sido alternativas bastante usadas. Em
coortes retrospectivas de pacientes COVID-19, as taxas de uso de CNAF variaram
de 14 a 63%, enquanto para VNI foram de 11 a 56%[94]
[95]
[96]
[97].
Embora não haja dados prospectivos que descrevam se essas modalidades foram
bem-sucedidas em evitar a intubação, um estudo retrospectivo descreveu que o
nível mais alto de suporte respiratório em pacientes com COVID-19
hospitalizados era de modalidades não invasivas (CNAF e VNI) em 5,4% dos
pacientes e ventilação invasiva em 30%[98].
Atualmente, não parece haver controvérsia a respeito de, não
havendo indicação de intubação de emergência e não havendo contraindicações
para CNAF ou VNI, tentar um desses procedimentos, dependendo da disponibilidade
nas unidades hospitalares, monitorando a resposta clínica e gasométrica a cada
1 ou 2 horas. Entretanto, resta ainda saber até quando continuar tentando com
esses métodos não invasivos, considerando que os pacientes melhoram enquanto
estão em uso do método (sucesso do método), mas pioram após serem desacoplados
do mesmo, ficando dependentes do método não invasivo, tendo que retornar
constantemente, aumentando o risco de lesão pulmonar auto-inflingida pelo
esforço respiratório (P-SILI) nos períodos em que ficam desacoplados do método
não invasivo.
Escolha da modalidade.
A decisão sobre qual modalidade usar (CNAF ou VNI) dependerá não
apenas dos estudos comparativos disponíveis que avaliem ambos os métodos, mas
da sua disponibilidade nos centros de tratamento COVID-19. O UpToDate, tem
preferência pela CNAF baseada em dados limitados e inconsistentes, que, no
geral, favorecem CNAF em comparação com VNI em pacientes com insuficiência
respiratória hipoxêmica aguda não relacionada a COVID-19. No entanto, a VNI
pode ser apropriada em pacientes com indicações de eficácia comprovada que
incluem pacientes com insuficiência respiratória hipercápnica aguda por exacerbação
de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), pacientes com edema agudo
pulmonar cardiogênico (EAPc) e pacientes com distúrbios respiratórios do sono
(por exemplo, apneia obstrutiva do sono ou hipoventilação por obesidade).
No geral, os dados sobre o uso de CNAF e VNI em pacientes com
COVID-19 são limitados[99]
[100]
[101]
[102].
Uma revisão sistemática de julho de 2020 identificou um ensaio avaliando CNAF
em pacientes com COVID-19, que sugeriu que reduzia a necessidade de ventilação
mecânica[103].
Outra revisão sistemática que incluiu evidências de pacientes com SARS e MERS,
bem como COVID-19, relatou que a VNI pode reduzir a taxa de intubação e
mortalidade, com base em evidências de baixa qualidade[104].
Um estudo retrospectivo de 670 pacientes recebendo modalidades não invasivas
para COVID-19 também não relatou diferenças na taxa de intubação para CNAF
(29%), CPAP (25%) ou VNI (28%)[105].
Em 04 de março de 2021, foi publicada a mais recente revisão sistemática com
metanálise publicada na base de dados do Cochrane, uma atualização de uma
outra anteriormente realizada em 2017[106],
incluímos 31 estudos com 5.136 participantes (esta atualização incluiu 20 novos
estudos). 21 estudos compararam CNAF com oxigenoterapia convencional e 13
compararam CNAF com VNI (CPAP ou BiPAP). 3 estudos incluíram ambas as
comparações. A revisão mostrou que CNAF pode levar a menor falha do tratamento
(escalonamento para outras formas de suporte como VNI ou VMI) quando comparado
com oxigenoterapia convencional, porém não encontrou nenhuma diferença na
mortalidade ou com relação a outros desfechos. Quando comparada a VNI não
encontrou diferenças nos desfechos avaliados, salvo para a relação PaO2/FiO2,
que foi melhor na VNO que na CNAF. Concluem os autores que a CNAF pode levar a
menos falha do tratamento quando comparada à oxigenoterapia padrão, mas
provavelmente faz pouca ou nenhuma diferença na falha do tratamento quando
comparada à VNI. No entanto, a evidência frequentemente era de baixa ou muito
baixa certeza.[107]
Precauções. CNAF
e VNI são considerados procedimentos geradores de aerossóis. Assim, deve-se
tomar as precauções de via aérea, além das precauções padrão com EPI dos profissionais
para proteção contra aerossóis e a realização do procedimento em quarto de
isolamento com pressão negativa ou com dispositivos de pressão negativa.
CNAF.
Recomenda-se a colocação adicional de uma máscara cirúrgica ou N95 no paciente
durante a terapia com CNAF quando os profissionais de saúde estão na sala, mas
o valor desta prática é desconhecido[108].
Precauções adicionais para CNAF que têm potencial para reduzir o risco incluem
iniciar e usar a taxa de fluxo efetiva mais baixa (por exemplo, 20L/minuto e
0,4 de FiO2).
VNI. Recomenda-se
uma máscara facial em vez de nasal ou oronasal para minimizar a dispersão das
partículas. A máscara deve ter, preferencialmente, uma boa vedação e não deve
ter uma válvula ou porta anti-asfixia. O uso de capacete (helmet) foi proposto
para a aplicação de VNI em pacientes com COVID-19[109].
No entanto, a experiência é limitada com esse dispositivo, especialmente nos
Estados Unidos. Um estudo italiano sugeriu uma alta taxa de falha de 44% entre
pacientes com hipoxemia moderada a grave de COVID-19 que estavam recebendo VNI
por meio de helmet[110].Se
a VNI for escolhida, circuitos com ramo duplo e filtro no ramo expiratório do
ventilador podem diminuir a dispersão em comparação com os circuitos de ramo
único em dispositivos portáteis, embora faltem dados para apoiar isso. Também
sugere-se começar com pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) usando
as pressões efetivas mais baixas (por exemplo, 5 a 10 cmH2O).
Existem poucos dados sobre a aerossolização durante CNAF e VNI[111]
[112]
[113].
Em um estudo de simulação de pulmão normal, a dispersão de ar durante a
expiração aumentou com o aumento do fluxo da CNAF de 65 mm (a 10 L/minuto) para
172 mm (a 60 L/minuto) principalmente ao longo do plano sagital (ou seja, acima
das narinas)[114].
Distâncias semelhantes foram encontradas quando o CPAP foi administrado através
de almofadas nasais (até 332 mm com CPAP de 20 cm H2O). No entanto, não houve
vazamento significativo observado quando o CPAP foi administrado por meio de
uma máscara oronasal com boa vedação. O vazamento de ar aumentou quando as
conexões em qualquer dispositivo estavam soltas. A dispersão pareceu ser
reduzida quando o simulador mimetizou um pulmão lesionado. Estudos in vitro e
clínicos também mostraram que uma máscara cirúrgica colocada no paciente pode
diminuir a distância de dispersão[115].
Nebulizações. Os
nebulizadores estão associados à aerossolização e potencialmente aumentam o
risco de transmissão da SARS-CoV-2. Em pacientes com COVID-19 suspeita ou
documentada, a terapia broncodilatadora nebulizada deve ser reservada para broncoespasmo
agudo (por exemplo, no contexto de asma ou exacerbação de doença pulmonar
obstrutiva crônica). Caso contrário, a terapia com nebulização deve
preferencialmente ser evitada, em particular para indicações sem uma base de
evidências clara. Entretanto, alguns casos (por exemplo, solução salina
hipertônica para fibrose cística) podem ser individualizados. Os inaladores de
dose medida (MDIs) com espaçadores devem ser preferidos em vez de
nebulizadores para o manejo de condições crônicas (por exemplo, asma ou terapia
de controle da DPOC). Se a nebulização for usada, os pacientes devem ficar em
uma sala de isolamento e os profissionais de saúde devem usar precauções de
contato e transporte pelo ar com equipamentos de proteção individual (EPI)
adequados. Isso inclui uma máscara N95 com óculos e protetor facial ou
equivalente, bem como luvas e jaleco. Todo o pessoal não essencial deve deixar
a sala durante a nebulização. Alguns especialistas também sugerem não entrar
novamente na sala por duas a três horas após a administração do nebulizador.
Outras medidas de precaução: É prudente minimizar o seguinte:
- Dispositivos de vias aéreas
positivas para suporte de ventilação noturna crônica
- Fisioterapia torácica ou
dispositivos oscilatórios
- Aspiração oral ou das vias aéreas
- Indução de escarro deve ser
evitada
- Broncoscopia deve ser evitada em
pacientes com respiração espontânea e limitada a indicações terapêuticas
(por exemplo, hemoptise com risco de vida, estenose das vias aéreas
centrais)
Se qualquer uma dessas terapias for realizada, um EPI semelhante
ao descrito para a terapia com nebulizador deve ser usado.
B.3) RECOMENDAÇÕES DO MINISTÉRIO DA SAÚDE[116]
VNI preferencialmente com equipamento com dupla conexão para VNI
disponível (atentar a dispersão de aerossol: medidas de precaução, incluindo
contato + aerossóis e, se possível, internação em leito privativo ou coorte de
suspeitos/confirmados de COVID-19). Poderá ser tentado o CNAF (cânula nasal de
alto fluxo) em pacientes dispneicos e hipoxêmicos. Entretanto, é necessário
atender a 3 requisitos:
- Dispositivo pronto para uso
imediato na Unidade;
- Equipe treinada/experiente;
- Ter EPI suficientes para
procedimentos geradores de aerossóis.
Caso não haja melhora com o uso de CNAF, está indicada a IOT
(intubação orotraqueal) e iniciar VMI (ventilação mecânica invasiva).
ATENÇÃO: “Idealmente, o uso de cânula nasal de alto fluxo é recomendado apenas se leitos com pressão negativa estiverem presentes ou se estrutura mínima necessária para instituir medidas de precaução para contato e aerossóis”.
TESTE DE VNI.
- Critério de sucesso na VNI:
tolerar interface, melhora do desconforto respiratório (FR < 24 irpm e
SpO2 ≥ 94% com FiO2 ≤ 50%) após 60 minutos de VNI, sem dependência (tolera
ficar 2h ou mais fora da VNI, para manter SpO2 ≥ 94%). Considerar
intubação orotraqueal imediata nos casos de insucesso.
2. O teste de VNI deve ser monitorado
de perto pelos profissionais da unidade. Adaptação inapropriada à interface e
sinais de falência respiratória (taquipneia, uso de musculatura respiratória
acessória, dessaturação, hipotensão, hipertensão, taquicardia, agitação psicomotora)
devem ser rapidamente reconhecidos e são considerados critérios para intubação
orotraqueal.
- Em
situações onde não há ventilador mecânico disponível, havendo aparelhos de
CPAP ou BIPAP convencionais de ramo único e o paciente estiver com
indicação de intubação, pode-se tentar o uso destes equipamentos de forma
excepcional. Nesta situação, necessariamente, o paciente deve estar em
quarto de isolamento (se possível com pressão negativa) ou em uma unidade
dedicada a pacientes com coronavírus. Neste quadro, todos os profissionais
de saúde deverão necessariamente estar utilizando equipamentos de proteção
individual com paramentação para procedimentos aerossolizantes. Evitar
manter essa modalidade de suporte ventilatório se não houver melhora
clínica, indicando-se nesse caso a intubação orotraqueal” (AMIB, NT Jun.
2020). Assim que detectados tais casos, recomenda-se imediatamente contato
com a Central de Regulação para localização de leito com cuidados
apropriados.
3. Contraindicações à ventilação não
invasiva (VNI):
- Rebaixamento
nível consciência.
- Aumento
secreção pulmonar com necessidade de aspiração frequente.
- Risco
de vômitos e aspiração.
- Hemorragia
digestiva alta (HDA).
- Mal
acoplamento da máscara (p. ex., em caso de deformidades, cirurgia ou
trauma de face).
- Falta
de colaboração do paciente.
- Instabilidade
hemodinâmica.
- Obstrução
das vias aéreas.
- Parada
cardiorrespiratória.
- Taquipneia
progressiva intensa > 35-40 irpm.
- Hipoxemia
grave (PaO2/FiO2 < 150-200).
- Hipercapnia
PaCO2 > 60 mmHg.
- Queda
pH progressiva (pH < 7.20-7.25).
4. Dependência de VNI. Será
considerada quando o paciente não tolerar permanecer fora da VNI por pelo menos
2h (em período de 6 horas), com os seguintes parâmetros: FR ≤ 24-28 irpm, SpO2 ≥
92%, sem esforço significativo. Em pacientes caracterizados como dependentes de
VNI, a intubação orotraqueal é recomendada.
5. Na VNI e/ou mesmo em cateter nasal,
pode ser tentado alternar o decúbito do paciente para decúbitos laterais e posição
prona para tentar, assim, evitar a necessidade de intubação orotraqueal.
- Caso
esses pacientes necessitem de O2 via cateter nasal maior que 5L/minuto para
sustentar SpO2 > 92% (92 a 96%) e/ou tenham frequência respiratória
> 28 irpm (principalmente associada a uso de musculatura acessória) ou retenção
de CO2 (PaCO2 > 50mmHg e/ou pH < 7,25) e/ou rebaixamento do nível de
consciência, pacientes dependentes de VNI ou que não adaptaram também
devem ser intubados e ventilados mecanicamente imediatamente.
B.3 RECOMENDAÇÕES DA OMS[117]
1. Os pacientes podem continuar tendo aumento do trabalho
respiratório ou hipoxemia, mesmo recebendo oxigênio por meio de uma máscara
facial com bolsa reservatório (taxas de fluxo de 10-15 L/min, e FiO2 de 60 a
95%) A insuficiência respiratória hipoxêmica na SDRA comumente resulta da
incompatibilidade ventilação-perfusão intrapulmonar ou shunt e geralmente requer
ventilação mecânica.
2. Em pacientes selecionados com COVID-19 e SDRA leve, um teste
com CNAF, ventilação não invasiva com pressão positiva contínua nas vias aéreas
(CPAP), pressão positiva nas vias aéreas de dois níveis (BiPAP) pode ser usado.
3. Pacientes com insuficiência respiratória hipoxêmica e
instabilidade hemodinâmica, disfunção de múltiplos órgãos ou estado mental
anormal não devem receber CNAF ou VNI como substitutos de da ventilação mecânica
invasiva.
2. Os pacientes que recebem um teste de CNAF ou VNI devem estar
sob cuidados de pessoal experiente nesses métodos e na realização de intubação
endotraqueal, que não deverá ser retardada no caso de piora aguda do paciente
ou ausência de melhora após um curto período (cerca de 1 hora).
3. Os sistemas de CNAF para adultos podem fornecer 60 L/min de
fluxo e FiO2 de até 1,0.
4. Devido à incerteza quanto ao potencial de aerossolização, CNAF,
VNI, incluindo CPAP, devem ser usados em quartos de isolamento. Se essas
intervenções forem realizadas em salas de coorte, estas deverão contar com
sistemas de ventilação apropriados instalados, garantindo que todos os
funcionários que entram usem EPI adequado e que a ventilação adequada do
ambiente seja garantida.
5. Comparado com a oxigenoterapia padrão, a CNAF pode reduzir a
necessidade de intubação. Pacientes com hipercapnia (exacerbação de doença
pulmonar obstrutiva, edema pulmonar cardiogênico), instabilidade hemodinâmica,
disfunção de múltiplos órgãos ou estado mental anormal geralmente não devem
receber CNAF, embora dados emergentes sugiram que CNAF possa ser segura em
pacientes com hipercapnia leve a moderada e sem agravamento. Não existem
diretrizes baseadas em evidências sobre a CNAF, e os relatos em pacientes
infectados com outros coronavírus são limitados.
6. As diretrizes de VNI não fazem recomendações sobre o uso em
insuficiência respiratória hipoxêmica (exceto edema pulmonar cardiogênico,
insuficiência respiratória pós-operatória e VNI precoce para pacientes
imunocomprometidos) ou doença viral pandêmica (referindo-se a estudos de SARS e
influenza pandêmica). Os riscos incluem intubação retardada, grandes volumes
correntes e pressões transpulmonares prejudiciais. Dados limitados sugerem uma
alta taxa de falha em pacientes com outras infecções virais, como MERS-CoV, que
recebem VNI.
B.4 RECOMENDAÇÕES DA AMIB/ABRAMEDE[118].
Se os pacientes evoluírem com necessidade de O2 via cateter nasal
maior que 6 litros/minuto para manter SpO2 > 90% e/ou apresentarem
frequência respiratória > 28 incursões respiratórias por minuto ou retenção
de CO2 (PaCO2 >50 mmHg e/ou pH < 7,25) deve ser considerado realizar a
intubação e a colocação sob Ventilação Invasiva. Entretanto, atualmente a
ventilação não-invasiva com pressão positiva pode ser considerada uma tentativa
previamente à intubação, levando-se sempre em conta as orientações deste
documento.
Uso da Ventilação Não-Invasiva (VNI):
- Em unidades com equipe
multiprofissional (médicos, fisioterapeutas e enfermeiros) com vasta
experiência no uso de Ventilação Não-Invasiva e com disponibilidade de
monitorização rigorosa do paciente, proteção adequada da equipe e limpeza
frequente, pode-se tentar a ventilação não-invasiva para pacientes
dispneicos e hipoxêmicos, com SpO2 menor que 90% com cateter nasal de
oxigênio a 6 litros/minuto, desde que sejam cumpridas estritamente as
recomendações a seguir:
- Realizar Ventilação Não-Invasiva
em quarto individual, se possível com pressão negativa.
- Realizar a Ventilação Não-Invasiva
com máscara conectada a dispositivo HME e circuito duplo do ventilador
mecânico convencional com software (módulo) de ventilação não invasiva e
com filtro HEPA no ramo expiratório.
- Usar máscara vedada à face, com
película protetora para evitar lesão de pele, e ajuste da mesma com o
mínimo vazamento de ar para o ambiente.
- Neste caso, ajustar com
parâmetros pressóricos baixos: até 10 cmH2O de EPAP e no máximo 10 cmH2O
de delta de IPAP para manter SpO2 de pelo menos 90%, com máximo de 96%,
com FIO2 ≤ 50% e frequência respiratória < 28 incursões respiratórias
por minuto observando a sincronia do paciente com o ventilador.
- Reavaliar a resposta clínica do
paciente em 30 a 60 minutos. Se o paciente apresentar melhora clínica, com
menos dispneia, queda da frequência respiratória, saturação no alvo e
melhora da gasometria arterial, a VNI poderá ser mantida. Caso não haja
melhora ou ainda haja piora durante o uso da Ventilação Não-Invasiva, esta
deve ser interrompida e o paciente prontamente intubado e ventilado
mecanicamente.
- As sessões de ventilação não
invasiva podem ser intercaladas com períodos de suporte por cateter nasal
de baixo fluxo ou máscara de oxigênio com reservatório de O2 (sempre com o
devido isolamento e uso de EPI para aerossolização pela equipe). Pode-se
manter esta estratégia se estiver sendo percebida melhora clínica entre
uma sessão e outra. No entanto, em havendo piora clínica ou ainda situação
de não-melhora, deve-se indicar a intubação orotraqueal.
- Se não for possível reunir TODAS
as condições acima relatadas, associada a uma equipe treinada para
este tipo de ventilação, deve-se EVITAR o uso de Ventilação Não-Invasiva.
Neste caso deve-se proceder à intubação traqueal.
Uso de Cânula Nasal de Alto Fluxo (CNAF):
- O uso de Cânula Nasal de Alto
Fluxo (CNAF) pode reduzir a necessidade de IOT em casos de insuficiência
respiratória hipoxêmica quando comparada à oxigenoterapia convencional e
com resultados superiores à VNI nesse contexto em um ensaio clínico
randomizado.
- O emprego da CNAF somente será
considerado atendendo-se estritamente aos três requisitos a seguir:
1.
Dispositivo
pronto para uso imediato na unidade,
2.
Equipe
tenha sido treinada ou seja experiente na técnica e
3.
Os
equipamentos de proteção individual (EPI) para procedimentos aerossolizantes
estejam sendo corretamente usados pela equipe.
- Caso um destes 3 requisitos não
seja atendido a CNAF NÃO deve ser utilizada sob o risco de aerossolização
de patógenos e contaminação do ambiente, de outros pacientes e dos
profissionais de saúde. Neste caso deve-se proceder à intubação traqueal.
- A cânula nasal deverá ser de
tamanho adequado às narinas para a melhor adaptação possível e o paciente
deve ser orientado a tentar manter a boca fechada a maior parte do tempo.
- A resposta à CNAF deverá ser
avaliada em 30 a 60 minutos após a sua instituição, sendo assim definida:
boa resposta se caracteriza por melhora clínica (SpO2 > 90%, queda da
frequência respiratória, melhora da dispneia, adaptação confortável ao
dispositivo). Atenção: caso não haja melhora em até 1h de CNAF está
indicada a IOT eletiva e iniciar ventilação mecânica invasiva protetora
conforme protocolo específico.
- Protocolo sugerido para
utilização de Cânula Nasal de Alto Fluxo – CNAF:
Ø Preferencialmente deve ser feito em
quarto isolado com pressão negativa.
Ø A equipe que atende o paciente deve
ser alertada para somente entrar no quarto paramentada com EPI para
procedimento aerossolizante.
Ø Montar equipamento e selecionar cânula
nasal com tamanho compatível com as narinas do paciente. Iniciar CNAF com Fluxo
de 40L/min e titular ao valor máximo tolerado para visando manter f < 25 rpm
e avaliando o conforto respiratório e o alívio da dispneia. O paciente deve ser
orientado a manter a boca fechada o máximo de tempo possível.
Ø Titular FiO2 (iniciar com 60%, fluxos
iguais de ar comprimido e O2) para manter uma SpO2 de 90 - 96%.
Ø Avaliar resposta em até 1h através da
melhora clínica (SpO2: > 90%, sinais vitais estáveis), conforto e dispneia,
o que determina sucesso da terapia.
Ø Com melhora dos sinais vitais (FR, FC)
e dos sintomas acima após 1h, diminuir gradativamente FIO2 até 30%, mantendo
SpO2 entre 90 - 96%. Manter oferta de fluxo inicialmente titulada por pelo
menos 24h. Após 24h colher nova gasometria arterial e reavaliar. Atenção para
falha: Em caso de falha não se deve protelar a IOT. Se melhora após 24h de
início da terapia, iniciar o desmame do fluxo, conforme tolerância, reduzindo
5L/min a cada 6h, observada um f < 25 rpm.
Ø Descontinuar CNAF se fluxo <
15L/min, instalar cateter nasal de O2 conforme necessidade para manter uma SpO2
entre 90 - 96%.
Obs.:
Apesar de haver a possibilidade de dispersão de aerossóis, se aplicado com uma
equipe devidamente treinada, com paramentação para procedimentos
aerossolizantes adequada e um ajuste anatômico da cânula nasal às narinas o
dispositivo poderá ser aplicado de forma mais segura. Pode-se considerar intercalar
VNI com CNAF, sempre seguindo os cuidados de isolamento e uso de EPIs pela
equipe.
B3. RECOMENDAÇÕES DA ASSOBRAFIR[119]
- Em situações específicas
definidas pela equipe, pode ser feito um teste de resposta à VNI por 60
minutos em pacientes com IRpA hipoxêmica.
- Indicações da VNI:
- Quando houver necessidade de oxigênio suplementar através de máscara não reinalante a 15 L/min (ou o máximo de fluxo permitido de acordo com o dispositivo de oxigenoterapia disponível) para manutenção da FR <24rpm e da SpO2 ≥94%.
- Uso da musculatura acessória da respiração
- Acidose respiratória: PaCO2 >50mmHg e/ou pH <7.20
- CPAP para IRpA hipoxêmica (PEEP de 5 a 12 cmH2O)
- BIPAP para IRpA hipercapnica (IPAP com delta de 10cmH2O ou o valor necessário para manter SpO2 >94%, EPAP entre 5 a 10cmH2O e FiO2 de 50%. Manter IPAP para que VC permaneça até 9ml/kg (valores acima de 9.5ml/kg associou-se a maior risco de falência de VNI).
- Manter a VNI por 60 minutos (CPAP ou BIPAP).Critério de sucesso: tolera interface com melhora do desconforto respiratório, FR <24rpm, SpO2 >94% com FiO2 <50% após 60 minutos de uso.
- Critério de Falha: necessidade de aumento da FiO2 >50%; IPAP com delta >10cmH2O; EPAP >12cmH2O; SpO2 <94%; FR >24rpm; VC acima de 10ml/kg.
- Não há critério para que haja evolução de CPAP para BIPAP e depois para IOT.
B.4 CONSENSO ESPANHOL[120]:
Assim como em outros processos causadores de IRA, na infecção por
SARS-CoV-2 pode ser utilizada a estratégia terapêutica respiratória proposta
por Scala e Heunks[121].
A oxigenoterapia convencional seria a base da pirâmide
terapêutica. A próxima etapa é a terapia com cânula nasal de alto fluxo (CNAF)
que consiste na utilização de uma mistura de gases em alto fluxo (até 60 L/min),
quente e 100% umidificado, com proporções variáveis de FiO2 administrados por
meio de uma cânula nasal. As vantagens em relação ao oxigênio convencional são
o fornecimento constante de FiO2, a redução do espaço morto e a geração de uma
pressão positiva que leva à redistribuição do fluido intra-alveolar e ao
recrutamento alveolar. A próxima etapa é a ventilação mecânica não invasiva (VNI)
que garante o fornecimento de oxigênio a pressão positiva. A penúltima etapa é
a ventilação mecânica invasiva (VMI). Nesse caso, e preciso de intubação orotraqueal
do paciente. A última etapa é a oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO).
CNAF e VNI constituem os métodos não invasivos de suporte respiratório dos pacientes
acometidos pela insuficiência respiratória aguda do paciente com CIVID-19. CNAF
seria a modalidade de primeira escolha e VNI a segunda opção em caso de
resposta insuficiente e sem critérios de VMI imediatos.
Os critérios para indicação de CNAF e
VNI seriam:
Critérios clínicos:
- Dispneia
moderada a grave com sinais de dificuldade para respirar e uso de músculos
acessórios ou movimento abdominal paradoxal.
- Taquipnéia
maior que 30 rpm.
Critérios gasométricos:
- PaO2/FiO2
<200 (ou necessidade de administrar FiO2 maior que 0,4 para atingir SpO2
de pelo menos 92%).
- Insuficiência
ventilatória aguda (pH <7,35 com PaCO2> 45 mm Hg)
A ausência dos critérios acima indica oxigenoterapia convencional.
O Consenso destaca 3 cenários clínicos:
1. Pacientes sem patologia previa (IRpA de novo) com insuficiência
respiratória hipoxêmica e, portanto, suscetíveis de escalonar o tratamento até
a ECMO. Não se recomenda uso de CNAF/VNI, salvo em pacientes altamente
selecionados, desde que todos os seguintes critérios sejam atendidos:
- PaO2/FiO2> 100 apesar da oxigenoterapia
convencional.
- Ausência de falência de múltiplos
órgãos (APACHE <20).
- É necessária uma equipe
especializada com monitoramento contínuo, por isso é recomendável fazê-lo
em unidades especiais como UTIs.
- Intubação orotraqueal (IOT)
precoce na hora seguinte, se não houver critérios de melhora. Nesse
sentido, além dos critérios tradicionais de falha, a intubação pode ser
considerada em pacientes tratados com CNAF que apresentam um índice ROX[122] ([SpO2/FiO2] /Frequência respiratória)
<3, <3,5 e <4 a 2, 6 e12 horas após o início do tratamento com CNAF.
Da mesma forma, a intubação pode ser considerada em pacientes com índice HACOR[123] > 5 após 1 hora do início do
tratamento com VNI.
2. Pacientes com insuficiência hipoxêmica, ordem de não intubar
(ONI) e com limitações terapêuticas. Nesse contexto, é imprescindível
estabelecer os objetivos do tratamento com o paciente e família, definindo o
limite terapêutico. Em geral, é recomendado iniciar o tratamento com CNAF antes
que a VNI, seguindo as seguintes considerações:
- Titule a FiO2 para atingir uma
meta de SpO2 de aproximadamente 95%.
- No caso de utilizar CNAF, utilize
fluxos maiores que 50 L/min; se possível, comece com 60 L/min.
- No caso de utilização de VNI,
utilizar PEEP alta e pressão de suporte de baixa (para obter um VTe
<9ml/kg de peso ideal).
3. Pacientes com exacerbação grave da DPOC e insuficiência
respiratória hipercápnica aguda ou exacerbada: realizar um ensaio terapêutico
com um método não invasivo, preferencialmente VNI. A CNAF pode ser útil nesses pacientes
no caso de intolerância a VNI ou nos períodos de descanso da VNI.
B.5 CONSENSO DO GRUPO “COVID–LMIC Task Force” SUBGRUPO “acute
respiratory failure and mechanical ventilation” [124]:
Para atender à necessidade de fornecer orientações sobre o diagnóstico,
manejo e prevenção da COVID-19, principalmente na sua forma grave, direcionadas
a países com recursos limitados (Low and Middle Income Countries - LMIC), uma
Força-Tarefa foi formada (The international COVID–LMIC Task Force) composta por
médicos e enfermeiras com experiência em cuidados intensivos em países com
recursos limitados. O grupo geral formado, se subdividiu em subgrupos para revisar
a literatura atual sobre vários do manejo da COVID-19 grave, com foco em
evidências geradas nos países-alvo. Desta revisão, complementada pelas
experiencias dos especialistas locais, o grupo formulou vários documentos contendo
por tópicos, um conjunto de recomendações pragmáticas visando fornecer
orientações práticas para os médicos que enfrentam a COVID-19 nos países de
recursos limitados. Isso levou a publicar Ahead of Print um conjunto de
10 artigos apresentado como um suplemento no The American Journal of
Tropical Medicine and Hygiene (AJTMH)[125].
Uma dessas Recomendações Pragmáticas foram direcionadas para o manejo
da insuficiência respiratória aguda e ventilação mecânica em pacientes com
COVID-19 sendo o subgrupo de trabalho comandado pelo brasileiro Ary Serpa Neto[126].
São estas as orientações:
- Sugere, iniciar oxigênio
suplementar quando a SpO2 for persistentemente inferior a 94%
(recomendação fraca, baixa qualidade de evidência).
- Recomenda, oxigênio suplementar
visando manter a SpO2 entre 88-95% (recomendação forte, alta qualidade de
evidência).
- Sugere, alvos mais altos de SpO2
(95 a 97%) em locais onde apenas se conte com oximetria de pulso
intermitente (oximetria de pulso contínua não disponível). (recomendação
fraca, baixa qualidade de evidência).
- Recomenda, sistemas de baixo
fluxo de oxigênio, por exemplo, cateter, ou máscara facial para
suplementar oxigênio, e, se disponível, uma máscara não reinalante
(recomendação forte, baixa qualidade de evidência).
- Sugere, uso de CNAF ou VNI em
unidades de isolamento (especialmente para VNI) em pacientes que
permanecem hipoxemicos apesar do uso de baixo fluxo de oxigênio (recomendação
fraca, baixa qualidade de evidência).
- Sugere, o controle da febre com
paracetamol, usando supressores da tosse e sedação leve, em caso de tosse
severa (recomendação fraca, baixa qualidade de evidência)
- Sugere, um teste de prona
acordado em pacientes que permanecem hipoxemicos apesar do uso de
oxigênio, CNAF ou VNI. No entanto, isso requer monitoramento rigoroso e
critérios claros de falha e mudança de estratégia. Em locais com número
adequado e pessoal treinado, a estratégia parece segura. (recomendação
forte, baixa qualidade de evidência).
- Recomendamos, o uso de posição
prona por 12–16 horas diárias em caso de hipoxemia refratária (PaO2/FiO2
<150 mmHg, com FiO2≥0,6 e PEEP ≥ 10 cmH2O) em pacientes intubados como
padrão de SDRA. (recomendação forte, baixa qualidade de evidência).
- Recomenda, a intubação com base
em sinais de dificuldade respiratória mais do que apenas na hipoxemia
refratária. (recomendação, fraca, baixa qualidade de evidência).
- Recomenda, um monitoramento
cuidadoso do padrão respiratório e intubação precoce se ocorrer piora.
(recomendação fraca, baixa qualidade de evidência).
- Recomenda, que os membros da
equipe estejam prontamente disponíveis para monitorar de perto um paciente
quando uma intubação precoce não for realizada, com equipe devidamente
treinada no reconhecimento oportuno de sinais de dificuldade respiratória
e/ou do agravamento da dificuldade respiratória (recomendação fraca, baixa
qualidade de evidência)
- Recomenda, um baixo volume
corrente (4-8ml/kg de peso predito), e sempre que possível, um volume
corrente ≤6ml/kg de peso predito (recomendação forte, alta qualidade de
evidência).
- Recomenda, ajuste da pressão
expiratória final positiva (PEEP) com base na PEEP Table (alta FiO2 /baixa
PEEP). (recomendação moderada, baixa qualidade de evidência).
- Não recomenda, o uso rotineiro de
manobras de recrutamento, salvo como terapia de resgate na hipoxemia
refratária. (recomendação moderada, baixa qualidade de evidência).
- Não recomenda, o compartilhamento
de um ventilador para vários pacientes. (forte recomendação forte, baixa
qualidade de evidência).
- Recomenda, avaliações diárias de
aptidão para o desmame com TRE com baixo nível de PSV. (recomendação
forte, baixa qualidade de evidência).
- Não recomenda, o uso de tubo T
devido ao risco de aerossolização (recomendação fraca, baixa qualidade de
evidência)
- Recomenda, uso de protocolos
locais de extubação para minimizar risco de infecção entre os trabalhadores
da saúde (recomendação fraca, baixa qualidade da evidência)
B.6 SURVIVING SEPSE CAMPAIGN[127]
Em 2020 foram publicadas Diretrizes do Surviving Sepsis
Campaign Coronavirus Disease 2019 (SSC COVID-19), como um conjunto de
recomendações para orientar os profissionais de saúde cuidar de adultos com
doença coronavírus crítica ou grave 2019 na UTI. Recentemente em janeiro de
2021, as recomendações foram atualizadas conforme novas evidências disponíveis.
O SSC-COVID-19,
definiu formas Severas e Críticas de COVID-19:
A) SEVERA:
Sinais clínicos de pneumonia (febre, tosse, dispneia, respiração
rápida) e um dos seguintes:
- Frequência respiratória> 30
respirações/min;
- Desconforto respiratório grave;
ou
- Sao2 <90% no ar ambiente
B) CRÍTICA:
Presença de dificuldade respiratória aguda, síndrome ou
insuficiência respiratória exigindo ventilação, sepse ou choque séptico,
VENTILAÇÃO:
- Em adultos com COVID-19, sugere
iniciar oxigênio suplementar se o SpO2 < 92%, e recomendo iniciar
oxigênio suplementar se SpO2 for < 90%. (Forte).
- Em adultos com COVID-19 e
insuficiência respiratória hipoxêmica aguda com oxigênio, recomenda meta
de SpO2 ≤ 96%. (Forte).
- Para adultos com COVID-19 e
insuficiência respiratória hipoxêmica aguda, apesar de oxigenoterapia
convencional, sugere uso de CNAF em vez da terapia de oxigênio
convencional. (Fraco).
- Em adultos com COVID-19 e
insuficiência respiratória hipoxêmica aguda, sugerimos o uso de CNAF em
vez de VNI. (Fraco).
- Em adultos com COVID-19 e
insuficiência respiratória hipoxêmica aguda, se CNAF não estiver
disponível e não houver indicação urgente para intubação endotraqueal,
sugere um teste de VNI com monitoramento e avaliação de curto intervalo
para agravamento da insuficiência respiratória. (Fraco).
- Não foi capaz de fazer uma
recomendação sobre o uso de VNI com helmet em comparação com VNI com
máscara. Considera uma opção, mas deu certeza sobre sua segurança ou
eficácia no COVID-19. (Sem recomendação).
- Em adultos com COVID-19 recebendo
VNI ou CNAF, recomenda monitoramento rigoroso do agravamento do estado
respiratório e intubação precoce em um ambiente controlado se ocorrer
piora. (Melhor prática).
Levando em consideração a ampla revisão acima realizada elaboram-se
os PROTOCOLOS DE OXIGENOTERAPIA E SUPORTE RESPIRATÓRIO NÃO INVASIVO constantes
do ANEXO I desta revisão, podendo os mesmos serem revistos a qualquer tempo de
acordo com a publicação de novas evidências e orientações emanadas de entidades
devidamente reconhecidas.
ANEXO I
PROTOCOLO DE
OXIGENOTERAPIA PARA PACIENTE COM COVID-19
I. INDICAÇÃO
- Paciente com suspeita ou confirmação de COVID-19 que apresente SaO2
<92% em ar ambiente (FiO2 de 0.21 a nível do mar).
- Tendo o valor da SaO2, calcular a PaO2, relação SaO2/FiO2 e
PaO2/FiO2 estimadas, com base nos estudos de regressão não linear
publicados. Algumas calculadoras on-line têm sido divulgadas que podem ser
úteis em cenários onde a gasometria arterial pode ter restrições quanto a sua
disponibilidade:
- Antes do início da oxigenoterapia,
coletar uma gasometria arterial para estabelecer o perfil gasométrico do
paciente (hipoxêmico e/ou hipercapnico) para validar os parâmetros
estimados pelas calculadoras. Nos pacientes que dão entrada na enfermaria ou mesmo
na UTI, calcular os parâmetros anotando a FiO2 com que está sendo feito.
- Defina a existência de insuficiência respiratória aguda de acordo com os valores de PaO2 e PaCo2 obtidos (calculados e medidos):
- A insuficiência respiratória hipoxêmica (tipo I), é caracterizada por uma PaO2 < 60 mmHg PaCO2 normal ou baixa (idealmente deve ser diagnosticada ainda quando o paciente estiver respirando em ar ambiente.
- A insuficiência respiratória hipercápnica (tipo II), é caracterizada por uma PaCO2 > 50 mm Hg.
II. META DE OXIGENAÇÃO. 90 a 96% com
as seguintes considerações:
- Adultos em situação de emergência
(obstrução ou ausência de respiração, desconforto respiratório grave, cianose
central, choque, coma e/ou convulsões) devem ser imediatamente intubados
visando meta inicial de SaO2 ≥ 94%.
- Após estabilização reduza a meta de SaO2
para > 90% e ≥ 92 em mulheres grávidas, mantendo o limite superior de
96%.
- Avaliar a presença de fatores que
desviem a curva de dissociação da hemoglobina para esquerda, como diminuição
dos níveis de hidrogênio (alcalose), diminuição do 2,3 DPG, diminuição da
temperatura e da PCO2, especialmente quando os valores de SaO2 se aproximem de
90%. Nesses casos procurar meta próxima de 96% e monitorar a PaO2 com
gasometria arterial.
- Evitar SaO2 >96%
III. PRINCÍPIOS
-
Inicialmente considerar a utilização do cateter nasal até 6L/min.
-
Os Valores de FiO2 estimada entregue pelo cateter de oxigênio a partir
do fluxo (L/min) podem ser calculados pela formula: FiO2 Estimada (%): FiO2
(ar ambiente) + 4 x O2 ofertado ou com a calculadora: http://www.medicinaintensiva.com.br/fio2-estimada.htm
-
Considerar que a FiO2 em ar ambiente é de 21% (0.21).
Fluxo (L/minuto) |
Valor FiO2 aproximado |
1 |
0,25 |
2 |
0,29 |
3 |
0,33 |
4 |
0,37 |
5 |
0,41 |
6 |
0,45 |
- Continuar
monitorando a SaO2 (oximetria), a PaO2, FiO2, relação SaO2/FiO2 e
PaO2/FiO2 estimadas.
- Coletar
gasometria arterial 2/2 horas.
- Não se deve
utilizar água destilada ou outro fluído no frasco umidificador.
- Vigilância
constante e rigorosa dos critérios de intubação de emergência.
IV
SISTEMA DE FORNECIMENTO DE OXIGÊNIO
a)
Sistemas de Baixo Fluxo, o
gás oferecido é inferior ao volume inspiratório minuto do paciente, sendo o
restante do volume inspiratório minuto completado pelo ar ambiente. A FiO2 é
variável, dependente do volume minuto do paciente, do modelo específico do
dispositivo e do fluxo de oxigênio ofertado (para cada litro de O2
acrescentamos aproximadamente 4% de FiO2). O fluxo geralmente entre 2 a 6L/min,
ocasionalmente 8 L/min.
1.
Cânula nasal. Valores acima de
6L/min podem gerar ressecamento nasal importante e/ou epistaxe. Fornece FiO2
entre 24 a 40%.
2.
Cateter nasal. Valem as mesmas
considerações que para a cânula nasal com fornecimento de FiO2 entre 22 a 45%.
3. Máscara facial simples de nebulização. Fornecer alta concentração de O2 (máxima em torno de 60%). Está indicada principalmente em pacientes com insuficiência respiratória (IRpA) tipo I (hipoxêmica) e deve ser evitada em pacientes com IRpA tipo II (hipercapnica).
b)
Sistemas de Alto Fluxo, o
fluxo do gás ou a presença de um reservatório de oxigênio são suficientes para
vencer o espaço morto anatômico e suprir o volume minuto do paciente,
resultando em FiO2 estável. Em função dessa característica, estes sistemas
estão indicados para pacientes com desconforto respiratório ou quando o uso de
dispositivos de baixo fluxo é insuficiente para corrigir a hipoxemia. Fornece
fluxo em geral acima de 8 L/min até valores de 60 L/min ou mais (cânulas de
alto fluxo).
1.
Máscara de Venturi. O
oxigênio pressurizado passa através de um estreito orifício na parte inferior
da válvula, o que aumenta a velocidade de fluxo e proporciona um ambiente de
pressão subatmosférica em relação ao ar ambiente, criando uma força conhecida
como arrasto viscoso. A FiO2 máxima ofertada é de 50% (Figuras 5 e 6)[128].
Figura5. Os orifícios variam de tamanho desde
o menor (azul) até o maior (laranja
Figura 6. Adaptadores de
FiO2 distintos. Azul (24% a 3 L/min), amarela (28% a 6 L/min), branco (31% a 8
L/min), verde (35% a 12 L/min), rosa (40% a 15 L/ min) e laranja (50% a 15 L/min).
2. Máscara com reservatório de oxigênio. São constituídas de uma máscara facial associada a uma bolsa-reservatório (600 mL a 1.000 mL). O fluxo de oxigênio deve ser titulado para permitir a distensão adequada da bolsa-reservatório (10 a 15 L/min) e, assim, permitir a eliminação do CO2. Pode ter sistema de reinalação parcial, permitindo que o gás exalado na fase inicial da expiração retorne ao reservatório, promovendo diluição do teor de O2, com aumento do risco de retenção de CO2. Este dispositivo pode ofertar FiO2 entre 70% e 80%; ou um sistema não reinalante, através de uma válvula unidirecional que evita que qualquer gás exalado retorne ao reservatório de oxigênio. Este sistema permite, em teoria, a inalação de oxigênio puro (FiO2 = 100%).
3. Cânula Nasal de Alto Fluxo (CNAF). Permite ofertas de oxigênio de até 60L/min reduzindo o espaço morto e otimizando a ventilação (vide protocolo específico descrito).
V) NECESSIDADES DE OXIGÊNIO MAIORES QUE 6L/min
A necessidade de oxigênio acima de 6L/min através do uso dos dispositivos acima descritos, para manter a meta de oxigenação deve-se avaliar:
1. Critérios que indicam intubação
endotraqueal de emergência. Nas
seguintes situações:
- Parada
respiratória ou cardiorrespiratória.
- Sinais
clínicos de desconforto respiratório grave, caraterizado por uso da
musculatura acessória, sudorese, dispneia, taquicardia.
- Cianose
central,
- Instabilidade
hemodinâmica e/ou choque instalado e/ou evidência de disfunção orgânica ameaçadora
da vida associada.
- Alteração
do nível de consciência (coma) e/ou convulsões.
- Risco
de broncoaspiração,
- Insuficiência
respiratória hipoxêmica: Hipoxemia grave (PaO2 <60mmHg) associada a
sinais clínicos de desconforto respiratório e/ou de hipoxia tecidual (TEC
lento, mottling, hiperlactatemia),
- Insuficiência
Respiratória hipercapnica: Hipercapnia (PaCO2 > 50mmHg) com acidose
descompensada grave (pH < 7,25) ,
- Decisão de implantar ECMO VA.
2) Critérios que provavelmente não indicam
por si só a intubação endotraqueal de emergência:
- Relação
PaO2/FiO2 baixa
- Prevenção
de agravamento clínico
- Gravidade
dos achados da TC de tórax
- Considerações
logísticas, organizacionais ou médico-legais
- Hipercapnia sem acidose respiratória grave
3. Não havendo critérios de indicação de intubação de emergência, poder-se-ia tentar, um método não invasivo, que pode ser de Oxigenoterapia, com Cânula Nasal de alto fluxo (CNAF) ou de Ventilação Mecânica (VNI), na ausência de contraindicações aos procedimentos.
4. Em pacientes selecionados, com hipoxemia severa, dentro da faixa de 50 a 60mmHg, sem sinais de desconforto respiratório clínico e sem sinais de hipoxia tissular (hipoxemia silenciosa), poder-se-ia tentar apenas um único teste de CNAF ou VNI de 2 horas.
5. Considerar realizar a Manobra de
Prona em respiração espontânea, associada a oxigenoterapia, CNAF ou VNI,
seguindo o protocolo institucional (vide manual MNT.UTA.004 VENTILAÇÃO NA
POSIÇÃO PRONA).
MÉTODOS NÃO INVASIVOS (CNAF E VNI)
INDICAÇÕES COMUNS
- Necessidade
de oxigênio > 6L/min com oxigenoterapia convencional para manter meta
de oxigenação, sem critérios que indiquem intubação de emergência E, taquipnéia
≥ 28 rpm.
- CNAF
tem preferência na insuficiência respiratória aguda hipoxêmica
(tipicamente o paciente com COVID-19).
- VNI
tem preferência na insuficiência respiratória aguda hipercapnica e no
edema agudo de pulmão de tipo cardiogênico.
PROTOCOLO DE USO
DE CÂNULA NASAL DE ALTO FLUXO (CNAF)
REQUISITOS
1. Dispositivo disponível para uso na unidade,
2. Equipe tenha sido treinada ou seja
experiente na técnica e,
3. Os equipamentos de proteção
individual (EPI) para procedimentos aerossolizantes estejam sendo corretamente
usados pela equipe.
TÉCNICA
- A cânula nasal deverá ser de tamanho adequado às narinas para a melhor adaptação possível e o paciente deve ser orientado a tentar manter a boca fechada a maior parte do tempo.
- Preferencialmente deve ser feito
em quarto isolado com pressão negativa.
- A equipe que atende o paciente
deve ser alertada para somente entrar no quarto paramentada com EPI para
procedimento aerossolizante.
- Montar equipamento e selecionar
cânula nasal com tamanho compatível com as narinas do paciente.
- Iniciar CNAF com Fluxo de 40L/min
e titular até valor máximo tolerado para visando manter FR < 28 rpm e
avaliando o conforto respiratório e o alívio da dispneia. O paciente deve ser
orientado a manter a boca fechada o máximo de tempo possível.
- Titular FiO2 (iniciar com 60%, fluxos iguais de ar comprimido e O2) para atingir a meta de oxigenação.A resposta à CNAF deverá ser avaliada em 30 a 60 minutos após o início
- Sucesso da CNAF (boa resposta com melhora clínica): meta de oxigenação atingida, queda da frequência respiratória (<28bpm), melhora da dispneia, adaptação confortável ao dispositivo.
- Falha da CNAF: Caso não haja melhora em até 1h de CNAF. Está indicada a IOT eletiva e iniciar ventilação mecânica invasiva protetora conforme protocolo específico.
- Considerar o Índice ROX[129]
([SpO2/FiO2] /Frequência respiratória) <3, <3,5 e <4 a 2, 6 e 12 horas
após o início do tratamento com CNAF como escore de insucesso e mudança de
conduta para intubação.
- Com melhora dos sinais vitais (FR,
FC) e dos sintomas após 1h, diminuir gradativamente FIO2 até 30%, mantendo a
meta de oxigenação. Manter a oferta de fluxo inicialmente titulada por pelo
menos 24h. Após 24h colher nova gasometria arterial e reavaliar. Se melhora
após 24h de início da terapia, iniciar o desmame do fluxo, conforme tolerância,
reduzindo 5L/min a cada 6h, observada a FR < 28 rpm.
- Descontinuar CNAF se fluxo <
15L/min, instalar cateter nasal de O2 conforme necessidade para manter a meta
de saturação.
- Obs.: Apesar de haver a possibilidade de dispersão de aerossóis, se aplicado com uma equipe devidamente treinada, com paramentação para procedimentos aerossolizantes adequada e um ajuste anatômico da cânula nasal às narinas o dispositivo poderá ser aplicado de forma mais segura. Pode-se considerar intercalar VNI com CNAF, sempre seguindo os cuidados de isolamento e uso de EPIs pela equipe.
PROTOCOLO
DE VENTILAÇÃO MECÂNICA NÃO INVASIVA (VNI)
AVALIAR CONTRAINDICAÇÕES:
- Indicação de intubação de emergência (vide acima).
- Hemorragia
digestiva alta (HDA).
- Mal
acoplamento da máscara (p. ex., em caso de deformidades, cirurgia ou
trauma de face).
- Falta
de colaboração do paciente.
- Obstrução
das vias aéreas.
- Taquipneia intensa > 35-40 irpm.
TÉCNICA
- Dispositivo: Usar de máscara orofacial ocluída (sem válvula exalatória).
- Duração: 30 minutos até no máximo 2 horas.
- Ajustes: FiO2 de até 50% com pressão EPAP de 10cmH2O delta de pressão positiva de até 10cmH2O (IPAP). Manter IPAP para que o VC permaneça até 9ml/kg/peso predito.
- Posição do paciente: Na VNI pode ser tentado alternar o decúbito do paciente para decúbitos laterais e posição prona para tentar, assim, evitar a necessidade de intubação orotraqueal.
- Titulação da FiO2: titule da FiO2 de acordo com a presença de critérios de sucesso da VNI durante o procedimento.
- Sucesso da VNI: tolerância à interface, meta de oxigenação atingida (com FiO2 ≤ 50%), melhora da FR (<28 ipm) e do desconforto respiratório durante e após o período de teste de VNI escolhido, sem apresentar dependência. Considerar intubação orotraqueal imediata nos casos de insucesso.
- Insucesso ou falha da VNI: intolerância à interface, meta de oxigenação não atingida ou atingida com necessidade de FiO2 >50% e/ou ajustes de pressão (IPAP/EPAP acima dos recomendados), VC ≥10ml/kg/peso predito, ausência de melhora da FR e persistência do desconforto respiratório ao término do tempo de teste de VNI escolhido, ou critérios de intubação de emergência durante o mesmo. Deve se proceder a realizar a intubação imediata.
- Considerar o Indice HACOR[130] > 5 após o término do teste de VNI para o diagnóstico de insucesso.
- Período pós VNI inicial: manter o paciente com oxigenoterapia para evidenciar a necessidade de reinstituir a VNI (necessidade de oxigênio > 6L/min com oxigenoterapia convencional sem critérios que indiquem intubação de emergência + taquipnéia ≥ 28 rpm). A CNAF, se disponível, poderia ser usada nos intervalos sem VNI.
- Dependência de VNI. Será considerada quando o paciente não tolerar permanecer fora da VNI por pelo menos 2h, num período de 6 horas, apresentando novamente critérios de suporte com VNI, sem critérios de intubação de emergência. Este critérios deve ser reavaliado a intervalos de 6 horas. Realizar intubação orotraqueal imediata nos casos de dependência de VNI.
- Monitorização contínua: o teste de VNI deve ser monitorado continuamente de perto pelos profissionais da unidade. Intolerância à interface e sinais de piora clínica (piora da taquipneia, presença de dispneia, piora da dessaturação, hipotensão, hipertensão, taquicardia, agitação psicomotora) devem ser rapidamente reconhecidos e ser considerados critérios para intubação orotraqueal imediata.
- Situações especiais:
o Em pacientes selecionados, com hipoxemia severa, dentro da faixa de 50 a 60mmHg, sem sinais de desconforto respiratório clínico e sem sinais de hipoxia tissular (hipoxemia silenciosa), nos quais se optou por um único teste de VNI ou CNAF de 2 horas, verificar a presença de resposta positiva definida pelo aumento da PaO2 > 60mmHg (ou a melhora equivalente da SaO2). Caso sucesso no teste inicial, poderá ser mantida a terapia com oxigenoterapia de alto fluxo, monitorando a PaO2 pela SaO2 e gasometrias arterial; assim o como sinais de hipoperfusão tissular pelo lactato sérico e exame clínico de monitorização da perfusão periférica. Caso insucesso deve se considerar intubação do paciente.
o Não havendo ventilador mecânico disponível, havendo aparelhos de CPAP ou BIPAP convencionais de ramo único e o paciente estiver com indicação de intubação, pode-se tentar o uso destes equipamentos de forma excepcional. Nesta situação, necessariamente, o paciente deve estar em quarto de isolamento (se possível com pressão negativa) ou em uma unidade dedicada a pacientes com coronavírus. Neste quadro, todos os profissionais de saúde deverão necessariamente estar utilizando equipamentos de proteção individual com paramentação para procedimentos aerossolizantes. Evitar manter essa modalidade de suporte ventilatório se não houver melhora clínica, indicando-se nesse caso a intubação orotraqueal.
FLUXOGRAMA
[1]
https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/technical-guidance-publications
[2]
https://coronavirus.saude.gov.br/
[3]
https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/alertas/category/covid-19
[4]
https://www.amib.org.br/pagina-inicial/covid-19/diretrizes-e-recomendacoes/
[5]
https://abramede.com.br/coronavirus-covid-19/
[6]
https://sbpt.org.br/portal/coronavirus/
[7]
https://assobrafir.com.br/covid-19/
[8]
Ministério da Saúde. ORIENTAÇÕES PARA MANEJO DE PACIENTES COM COVID-19. 18 de
junho de 2020. Acessível em: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/June/18/Covid19-Orientac--o--esManejoPacientes.pdf
[9]
Idade igual ou superior a 60 anos; miocardiopatias de diferentes etiologias
(insuficiência cardíaca, miocardiopatia isquêmica etc.); hipertensão;
pneumopatias graves ou descompensados (asma moderada/grave, DPOC); tabagismo;
obesidade; imunodepressão; doenças renais crônicas em estágio avançado (graus
3, 4 e 5); diabetes mellitus, conforme juízo clínico; doenças cromossômicas com
estado de fragilidade imunológica; neoplasia maligna; gestação de alto risco).
[10]
NOTA TÉCNICA GVIMS/GGTES/ANVISA Nº 04/2020 ORIENTAÇÕES PARA SERVIÇOS DE SAÚDE:
MEDIDAS DE PREVENÇÃO E CONTROLE QUE DEVEM SER ADOTADAS DURANTE A ASSISTÊNCIA
AOS CASOS SUSPEITOS OU CONFIRMADOS DE INFECÇÃO PELO NOVO CORONAVÍRUS (SARS-CoV-2).
(atualizada em 27/10/2020). file:///C:/Users/alexb/Downloads/NOTA_TECNICA_GVIMS_GGTES_ANVISA_04_2020_Reviso_27.10.2020%20(2).pdf
[11]
COVID-19. Clinical management. Living Guidance. 25 January 2021. Acessível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-clinical-2021-1
[12]
Ministério da Saúde. ORIENTAÇÕES PARA MANEJO DE PACIENTES COM COVID-19. 18 de
junho de 2020. Acessível em: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/June/18/Covid19-Orientac--o--esManejoPacientes.pdf
[13]
NOTA TÉCNICA GVIMS/GGTES/ANVISA Nº 04/2020 ORIENTAÇÕES PARA SERVIÇOS DE SAÚDE:
MEDIDAS DE PREVENÇÃO E CONTROLE QUE DEVEM SER ADOTADAS DURANTE A ASSISTÊNCIA
AOS CASOS SUSPEITOS OU CONFIRMADOS DE INFECÇÃO PELO NOVO CORONAVÍRUS
(SARS-CoV-2). (atualizada em 27/10/2020). file:///C:/Users/alexb/Downloads/NOTA_TECNICA_GVIMS_GGTES_ANVISA_04_2020_Reviso_27.10.2020%20(2).pdf
[14]
COVID-19. Clinical management. Living Guidance. 25 January 2021. Acessível em: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-clinical-2021-1
[15]
ORIENTAÇÕES SOBRE O USO RACIONAL DO GÁS OXIGÊNIO EM PACIENTES GRAVES COM
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mais do que uma comorbidade, obstrução das vias aéreas superiores, idade >
65 anos, aumento da gravidade, avaliadas por um APACHE > 12 no dia da
extubação, tempo de ventilação mecânica > 72 horas, paciente portador de
doenças neuromusculares, pacientes obesos
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[127]
[128] Fonte: Princípios da Assistência Ventilatória Básica. Elaine Cristina Pereira Priscila Sandri, Hélio Penna Guimarães, Fernanda Ariane Mendes Costa. http://editoradoseditores.com.br/loja-virtual/wp-content/uploads/2019/01/Capi%CC%81tulo-01_Vias-Ae%CC%81reas.pdf
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https://qxmd.com/calculate/calculator_724/rox-index-to-predict-risk-of-intubation
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https://www.rccc.eu/Respi/HACOR.html
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