COAGULOPATIA NA COVID 19: C.A.C. OU C.I.D.?
Elaborado por: Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
I. INTRODUÇÃO
Evidências atuais indicam que
pacientes com formas graves da COVID-19 pode desenvolver um estado
hipercoagulável, que foi associado a desfechos ruins. Distúrbios da coagulação observados
nesses pacientes incluem a (CAC), formas de coagulação
intravascular disseminada (CID) trombóticas, tromboembolismo venoso, níveis
elevados de Dímero-D e de fibrinogênio e trombose microvascular na vasculatura
pulmonar[1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] [8].
II. CONCEITO
A forma mais comum de COAGULOPATIA
ASSOCIADA À COVID 19 (CAC) observada em pacientes hospitalizados é
caracterizada por elevações nos níveis de fibrinogênio e Dímero-D e aumento
paralelo dos marcadores de inflamação (por exemplo, IL-6, PCR). Diferentemente
da forma clássica de COAGULAÇÃO INTRAVASCULAR DISSEMINADA (CID),
decorrente sepse bacteriana ou trauma, na CAC o grau de elevação do TTPa
geralmente é menor que a elevação do TAP (provavelmente devido ao aumento dos
níveis de fator VIII), a trombocitopenia é leve (contagem de plaquetas entre 100,000
e 150,000/uL) e a microangiopatia não está presente. Entretanto, alguns
pacientes com infecção grave pelo COVID-19 podem desenvolver uma coagulopatia
que atenda aos critérios de CID da ISTH (International Society of Thrombosis
and Haemostasis) avaliados pelo Escore de CID (Tabela 1)[9], com
intensa ativação da coagulação e do consumo de fatores de coagulação. Isso é
refletido por trombocitopenia moderada a grave (contagem de plaquetas <100,000
e < 50,000/uL respectivamente), alargamento do TAP e do TTPa, elevação grave
do Dímero D e diminuição do fibrinogênio (<100mg/dl). Observou-se que o
fibrinogênio diminuiu drasticamente ao longo de 3 dias. A utilidade da
tromboelastometria de rotação ou da tromboelastografia está sob investigação
para CAC/CID, mas não deve ser usada rotineiramente para o manejo do paciente.
TABELA
1
Em um estudo realizado por Tang e
cols. em Wuhan, 71% dos não sobreviventes de infecção por COVID-19 atenderam
aos critérios da ISTH para CID em comparação com 0,4% dos sobreviventes. Dímero-D
elevado na admissão e níveis significativamente elevados (3 a 4 vezes) ao longo
do tempo foram associados a alta mortalidade, provavelmente refletindo a
ativação da coagulação por infecção/sepse, tempestade de citocinas e falência
de órgãos[10].
Recomenda-se o monitoramento da
contagem de plaquetas, TAP/TTPa, Dímero-D e fibrinogênio. O agravamento desses
parâmetros, especificamente o Dímero-D, indica gravidade progressiva da
infecção por COVID-19 e prevê que serão necessários cuidados críticos mais
agressivos e que terapias experimentais para a infecção por COVID-19 podem ser
consideradas nesse cenário. A melhoria desses parâmetros, juntamente com a
condição clínica estável ou melhorada, fornece confiança de que a retirada do
tratamento agressivo pode ser apropriada.
III. TRATAMENTO
*Anticoagulação precoce em infecção
grave por COVID-19 pode melhorar os resultados dos pacientes e reduzir as
complicações trombóticas. Dados limitados da China sugerem que pacientes com
infecção grave por COVID-19 ou níveis marcadamente elevados de Dímero-D (> 6X
o limite superior da normalidade) diminuíram a mortalidade quando administrados
doses profiláticas de HBPM ou HNF[11] [12] .
Desta forma, para Dímero-D o cut-off de 6 vezes o limite superior da
normalidade pode ser adotado como o limiar entre a forma moderada e grave de
elevação. Usualmente um valor de corte de 500 ug/L é adotado como limite
superior da normalidade. Assim, para este valor valores de 3000 ug/L seria o
limiar entre as formas moderadas e graves. No entanto, a maioria dos pacientes
europeus e norte-americanos de UTI recebe HBPM de rotina/profilaxia da HNF,
independentemente do diagnóstico.
*Como para todas as
coagulopatias, o tratamento da condição subjacente é primordial. A experiência
até o momento sugere que a infecção pelo COVID-19 raramente leva a sangramento,
apesar dos parâmetros anormais de coagulação.
*Os cuidados de suporte,
incluindo transfusão de produtos sanguíneos, devem ser individualizados. A
terapia com componentes sanguíneos não deve ser instituída apenas com base nos
resultados laboratoriais, mas deve ficar reservada para pacientes com
sangramento ativo, que precisem de procedimento invasivos ou que, de outra
forma, apresentem alto risco de complicações hemorrágicas. Aplicam-se fatores
de risco tradicionais para sangramento. Não há dados para apoiar qualquer corte
"seguro" específico para parâmetros hematológicos e os limiares
abaixo são apenas para orientação.
*Em pacientes com CAC/CID que não
estão sangrando, não há evidências de que a correção dos parâmetros
laboratoriais com produtos sanguíneos melhore os resultados. A substituição
pode piorar a trombose disseminada e esgotar ainda mais os escassos produtos
sanguíneos.
*Em paciente com CAC/CID que está
sangrando ativamente, transfunda as plaquetas (1U/10Kg) se a contagem de
plaquetas for menor que 50,000/uL, Plasma Fresco Congelado -PFC (4 unidades) se
o INR estiver acima de 1,8 e peça concentrado de fibrinogênio (4 gramas) ou
crioprecipitado (10 unidades) se o nível de fibrinogênio for menor que 1,5 g/L
(150mg/dl).
*Para pacientes com coagulopatia
grave e sangramento devido a disfunção hepática, considere Complexo
Protrombínico (derivado do plasma liofilizado e industrializado que contém os
fatores II, VII, IX, X da coagulação) em vez de PFC, pois o status do volume
parece ser um fator significativo associado ao comprometimento respiratório.
*A eficácia hemostática do ácido
tranexâmico (ATX) é desconhecida nesse cenário e não é recomendada.
IV. ANTICOAGULAÇÃO
A anticoagulação terapêutica (plena)
de rotina não está indicada, a menos que esteja documentada a existência
de Tromboembolismo Venoso – TEV (TVP/TEP) ou fibrilação atrial (FA). Está em
estudo a eficácia da anticoagulação terapêutica intermediária ou plena em
pacientes com COVID-19 gravemente enfermos sem TEV documentado[15].
Em pacientes que já fazem anticoagulação para TEV ou fibrilação atrial, as
doses terapêuticas da terapia anticoagulante devem continuar, mas eventualmente
poderia ser necessário suspender se a contagem de plaquetas for menor que 30,000-50,000/uL
ou se o fibrinogênio for menor que 100 mg/dl. A avaliação individualizada de
pacientes, no entanto, é necessária para equilibrar os riscos de trombose e sangramento.
A anticoagulação profilática
com HBPM é recomendada para todos os pacientes hospitalizados com COVID-19,
na ausência de sangramento ativo, independente dos testes anormais de
coagulação, sendo suspensa/contraindicada se a contagem de plaquetas for menor
que 25,000/uL ou fibrinogênio menor que 50mg/dl. TAP ou TTPa anormais não são
uma contraindicação para tromboprofilaxia farmacológica.
Um estudo retrospectivo de Tang e
col., que avaliou 449 pacientes com Covid-19 grave admitidos em um hospital de
Wuhan entre 01 de janeiro e 13 de fevereiro de 2020. Noventa e nove indivíduos
(22%) receberam heparina por, no mínimo, 7 dias: 94 receberam heparina de
baixo peso molecular (40-60 mg/dia) e 5 receberam heparina não
fracionada (10.000-15.000 U/dia). Apesar do título (anticoagulant
treatment), é importante notar que as doses usadas foram, na verdade,
profiláticas. O Dímero-D, o tempo de protrombina e a idade foram positivamente
e a contagem de plaquetas negativamente, correlacionadas com a mortalidade em
28 dias na análise multivariada. Não foi encontrada diferença na mortalidade global
em 28 dias entre usuários de heparina e não usuários (30,3% vs 29,7%, P =
0,910). Porém, a mortalidade em 28 dias dos usuários de heparina foi menor do
que os não usuários no grupo de pacientes com pontuação do escore SIC (sepsis-induced
coagulopathy, que considera plaquetometria, INR e o escore SOFA) ≥4 (40,0%
vs 64,2%, P = 0,029), ou Dímero-D > 6 vezes (>3000 ug/L) o limite
superior da normalidade (32,8% vs 52,4% , P = 0,017). Vale lembrar que outras
condições podem interferir nos resultados de plaquetas e coagulograma, como
hepatopatia e uso de anticoagulantes, o que deve ser levado em consideração na
avaliação dos pacientes. O estudo conclui que a terapia anticoagulante profilática
principalmente com HBPM parece estar associada a um melhor prognóstico em
pacientes graves com COVID ‐ 19 que atendem aos critérios da SIC ou com um
dímero D marcadamente elevado[16].
Uma estratégia individualizada mais agressiva pode ser necessária em alguns
casos[17].
Sepsis-Induced Coagulopaty – SIC:
– Contagem de plaquetas:
* Se entre 100.000 e 150.000: 1
ponto;
* Se < 100.000: 2 pontos.
– INR:
* Se entre 1.2 e 1.4: 1 ponto;
* Se > 1.4: 2 pontos
– SOFA Score:
* Se pontuação no SOFA de 1: 1
ponto;
* Se pontuação no SOFA ≥ 2: 2
pontos
Interpretação: SIC score é positivo quando ≥ 4
No caso de gestantes, a
Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), sugere que as
formas graves de insuficiência respiratória na gravidez ou pós-parto por Covid
19 que necessitam de hospitalização recebam anticoagulação profilática
(enoxaparina 40 mg/dia de 50 a 90 kg) desde que os riscos de sangramento
não superem os benefícios da anticoagulação (sangramento ativo, plaquetas <
70 mil por mm3 , inr > 2, insuficiência renal creatinina > 1,5 mg/dl).
Uma vez prescrita a anticoagulação profilática, esta deve ser mantida por
quinze dias após a alta hospitalar[18].
A tromboprofilaxia mecânica
deve ser usada quando a tromboprofilaxia farmacológica estiver contraindicada.
V. DOSES HABITUAIS
O UpToDate traz orientações que
podem ser usadas como guia de orientação para realizar a ANTICOAGULAÇÃO
PROFILÁTICA nos pacientes, a despeito de protocolos de pesquisa que estejam
em andamento buscando determinar uma dose especifica para pacientes com COVID
19[19].
1. Heparina Não Fracionada
(HNF):
* A dosagem profilática típica
para HNF é de 5000 unidades por via subcutânea duas ou três vezes ao dia. A
frequência da dosagem de HNF é controversa.
* A dose ideal para pacientes
obesos é desconhecida, de modo que a dosagem deve ser individualizada caso a
caso. Geralmente, preferimos tratar empiricamente com UFH 5000 a 7500 unidades
três vezes ao dia; alterações na dose e na frequência devem ser adaptadas a
pacientes individuais.
* Comparada à HBPM, a dose de HNF
não precisa ser ajustada para pacientes com insuficiência renal.
2. Heparina de Baixo Peso
Molecular (enxoxaparina):
* A dosagem profilática é de 40
mg por via subcutânea uma vez ao dia.
* A dose ideal para pacientes
obesos é desconhecida, porém existem recomendações baseadas no peso corporal usadas
para profilaxia na cirurgia bariátrica.
* Nos casos de insuficiência renal
é necessário realizar ajustes conforme Clearance de Creatinina (ClCr).
VTE: Tromboembolismo venoso
ABW: Peso Corporal Atual
BMI: Índice de Massa
Corporal
VI. RECOMENDAÇÕES NACIONAIS
Quanto a recomendações nacionais,
a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) ainda
não publicou recomendações quanto a dosagem. Consta no seu site apenas documento
contendo análise das evidencias, manifestando, em primeiro lugar, que o
antecedente isolado de tromboembolismo venoso (TVP, ou embolia pulmonar sem
sequelas cardiovasculares significativas ou comorbidades associadas), ou de trombofilias
hereditárias não aumentam o risco de COVID-19, e até onde se sabe, não
representam um risco para formas graves. Da mesma forma, não há dados indicando
que o uso de anticoagulantes ou antiplaquetários representem um fator de risco
para infecção ou para formas graves. De fato, o uso destes agentes é
fundamental para o controle de comorbidades potencialmente graves e sua
interrupção, salvo aquelas justificadas pela avaliação usual dos riscos trombótico
e hemorrágicos, pode causar danos para a saúde de nossos pacientes[20].
Por outro lado, a Associação Brasileira
de Medicina Intensiva (AMIB), na sua mais recente publicação de “Recomendações para
a abordagem do COVID-19 em medicina intensiva” (16.04.2020) estabelece 3 diretrizes[21]:
Recomendação 1
Não recomendamos, neste
momento, o uso rotineiro de heparina em dose plena para pacientes com
COVID-19.
Recomendação 2
Os pacientes devem receber a
melhor profilaxia para TVP possível, farmacológicas e não-farmacológicas,
resguardadas as contraindicações habituais.
Recomendação 3
Se a dose da heparina profilática
dobrada é mais efetiva que a habitual nestes pacientes (em especial aqueles com
D-dímero muito alto) também é desconhecida, mas tem base fisiopatológica,
recomenda-se que seu uso seja
Individualizado.
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[21] https://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/amib/2020/abril/13/Recomendaco__es_AMIB-atual.-16.04.pdf
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