domingo, 5 de abril de 2020




ANÁLISE LABORATORIAL  NA COVID 19


Elaborado por: Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.




A COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, que apresenta um espectro clínico que varia de infecções assintomáticas a quadros graves. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a maioria (cerca de 80%) dos pacientes com COVID-19 podem ser assintomáticos ou oligossintomáticos, e aproximadamente 20% dos casos detectados requer atendimento hospitalar por apresentarem dificuldade respiratória, dos quais aproximadamente 5% podem necessitar de suporte ventilatório. O vírus SARS-CoV-2 é transmitido de pessoa a pessoa, por meio de gotículas de saliva ou secreção nasal quando uma pessoa infectada tosse ou espirra. No momento, não existem vacinas ou tratamentos específicos para a COVID-19. No entanto, existem muitos ensaios clínicos em andamento avaliando possíveis tratamentos[1].

No meio desta pandemia que assola já muitos países e que vem colapsando os grandes sistemas de saúde do mundo, nos deparamos com grandes desafios não apenas quanto ao diagnóstico e tratamento desses pacientes, mas também quanto a diretrizes tanto para admissão e alta no hospital e na UTI, como para alta e des-isolamento.

Nesse cenário, muita controversa e confusão vem sendo gerada na interpretação dos resultados dos testes de real time RT-PCR feitos nas amostras de secreção respiratória coletadas por swab orofaríngeo /nasofaringeo usado para detecção do vírus (RNA) e dos testes imunológicos para detecção de anticorpos (IgM, IgG, IgA) a exemplo do denominado “teste rápido” que deverá começar a ser usado no Brasil (imunocromatografia).

Entender aspectos de SENSIBILIDADE (S), ESPECIFICIDADE (E), VALOR PREDITIVO POSITIVO (VPP) E VALOR PREDITIVO NEGATIVO (VPN) é importante para interpretação dos resultados.


- Quando um teste dá positivo, o que se quer saber se esse teste é realmente positivo (VP) ou não (FP). Isto será de suma relevância para definir se o paciente é verdadeiramente um Covid 19 (+). Da mesma forma para um teste negativo é de todo desejável saber se ele pode ser um verdadeiro negativo (VN) ou um falso negativo (FN) para descartá-lo ou não como paciente doente pelo Covid 19.


Fonte: Diagnósticos da América S/A (DASA). COVID 19 RECOMENDAÇÃO DE USO DE EXAMES LABORATORIAIS
Versão 1.0 de 28/03/20202





Fonte: Guia de Vigilância Epidemiológica Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional pela Doença pelo Coronavírus 2019. Ministério da Saúde. 03.04.2020.



1) TESTE MOLECULAR: RT-PCR EM TEMPO REAL (RT-PCR) - Reverse transcription polymerase chain reaction quantitative real time - RT-PCR)
É uma técnica de laboratório baseada no princípio da reação em cadeia da polimerase (PCR) para multiplicar ácidos nucleicos, onde o material genético inicial na reação de PCR é o RNA, que é transcrito de forma reversa gerando um DNA complementar (cDNA) usando a enzima transcriptase reversa. A partir deste cDNA se estabelece uma replicação em cadeia através da enzima polimerase. 

Trata-se, portanto, de detecção do RNA do vírus Sars-Cov-2 (carga viral) em amostras de secreção respiratória (naso/orofaringe, lavado brônquico ou secreção traqueal) por metodologia de biologia molecular com amplificação de regiões específicas dos genes N, E, S e RdRP, e utilização de RNAseP como controle positivo. Entre alguns protocolos existentes para detecção desses genes, o que tem sido adotado pela maior parte dos países e recomendado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) é o protocolo internacional desenvolvido pelo Instituto Charité/Berlim. Esse método tem sido amplamente utilizado por estabelecimentos de saúde pública e da saúde suplementar, incluindo laboratórios da rede privada e, até esse momento, é considerado o método de referência no Brasil para confirmar COVID-19.

O RNA do vírus e a carga viral, podem ser detectados por metodologias moleculares entre 0 a 12 dias de sintomas, mas segundo a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial, a detecção do vírus por RT-PCR em tempo real (reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa) permanece sendo o teste laboratorial de escolha para o diagnóstico de pacientes sintomáticos na fase aguda (entre o 3º e 7º dia de doença, preferencialmente). Detecção mais prolongada tem sido observada, em situações de maior gravidade.

O real time RT-PCR é considerado ALTAMENTE ESPECÍFICO (E), em razão de ser praticamente impossível um resultado falso positivo (FP). Talvez uma exceção seria erro humano com troca involuntária de resultados. Pela mesma razão possui em ALTO VALOR PREDITIVO POSITIVO (VPP).

DESTA FORMA UM RESULTADO (+) CONFIRMA A DOENÇA, SENDO DESNECESSÁRIO A COLETA DE UMA SEGUNDA AMOSTRA.

Em contrapartida existe uma maior possibilidade de haver falsos negativos (FN) pelo que a SENSIBILIDADE (S) e o VALOR PREDITIVO NEGATIVO (VPN) NÃO SÃO ALTOS, em razão de:

- Amostra insuficiente muito tardia em pacientes convalescentes (pouca carga viral após o 7º dia do início dos sintomas) ou muito precoce (antes do 3º dia de início dos sintomas).
- Má técnica de coleta de material de naso e orofaringe e/ou trato respiratório inferior
- Inadequada conservação
- Inadequado transporte
- Demora no processamento.
- Razões técnicas inerentes ao teste como, por exemplo, mutação do vírus ou inibição de PCR.

DESTA FORMA UM RESULTADO (-) NÃO EXCLUI DOENÇA, PODENDO SER NECESSÁRIO UMA SEGUNDA COLETA, caso exista alta suspeita clínica, radiológica e epidemiológica ou a suspeita de algum dos fatores causadores de falso (-). Haverá, portanto, que justificar adequadamente a coleta desta segunda amostra, já que enquanto não chegar o resultado desse segundo teste, manterá o paciente na condição ainda de “caso suspeito aguardando exame” com todas as implicâncias que disso decorra, especialmente se o paciente vier a óbito antes de chegar o resultado desse segundo teste.  Dessa forma, se um resultado negativo foi obtido de um paciente com alta probabilidade de infecção por SARS-CoV-2, particularmente quando foram analisadas apenas amostras do trato respiratório superior, é indicado, se possível, coletar amostras de vias respiratórias inferiores e testar novamente.

É importante destacar que para as amostras negativas para COVID-19 por teste molecular e que sejam de pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), deve-se aproveitar o material já com RNA extraído e realizar amplificação para detecção de Influenza e outros vírus respiratórios (painel viral respiratório)[2] [3].

Importante salientar neste ponto que o PROTOCOLO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, considera como CASO POSITIVO OU NEGATIVO DO PONTO DE VISTA LABORATORIAL O RESULTADO APENAS DE UM TESTE LABORATORIAL.

CASOS CONFIRMADOS

POR CRITÉRIO LABORATORIAL: caso suspeito de SG ou SRAG com teste de:
Biologia molecular (RT-PCR em tempo real, detecção do vírus SARS-CoV2, Influenza ou VSR):
  1. §  Doença pelo Coronavírus 2019: com resultado detectável para SARS-CoV2.
  2. §  Influenza: com resultado detectável para Influenza.
  3. §  Vírus Sincicial Respiratório: com resultado detectável para VSR.
Imunológico (teste rápido ou sorologia clássica para detecção de anticorpos):
  • Doença pelo Coronavírus 2019: com resultado positivo para anticorpos IgM e/ou IgG. Em amostra      coletada após o sétimo dia de início dos sintomas.


CASO DESCARTADO DE DOENÇA PELO CORONAVÍRUS 2019 (COVID-2019)

Caso suspeito de SG ou SRAG com resultado laboratorial negativo para CORONAVÍRUS (SARSCOV- 2 não detectável pelo método de RT-PCR em tempo real), considerando a oportunidade da coleta OU confirmação laboratorial para outro agente etiológico.

Desta feita, entendo que nos casos de teste negativo, em que uma segunda amostra bem fundamentada e justificada for solicitada, o paciente deverá manter sua condição de “caso suspeito aguardando exame” tanto para fins de manejo e isolamento quanto para fins de declaração de óbito.

Esclareça-se ainda que esse segundo exame a ser solicitado não significa “contraprova”. Sempre que um teste positivo é constatado por uma rede particular, por exemplo, a amostra é enviada para as instituições, que realizam a “contraprova”. Confirmado o caso, o laboratório está apto a fazer os demais testes na população. No Brasil, existem três laboratórios de referência, segundo o Ministério da Saúde: Instituto Adolfo Lutz (SP), Fundação Oswaldo Cruz (RJ) e Instituto Evandro Chagas (PA). O processo ocorre apenas no primeiro teste positivo.

2) TESTE IMUNOLÓGICOS

  • Imunocromatográficas - Teste Rápido (Wondfo – China): IgM/IgG – VPP: 100% e VPN: 19%
  • Quimioluminescência (Snibe – China): IgM + IgG isolados VPP: 94% VPN: 41% para ambos anticorpos
  • ELISA (Euroimmun – Alemanha): IgA + IgG isolados VPP/IgA: 100% VPN/IgA: 45% e VPP/IgG: 92% VPN/IgA: 37%

  • Estes dados são preliminares e novos estudos de validação estão sendo realizados em diferentes dias da janela imunológica e serão divulgados nas próximas versões deste documento.
    Os dados até o momento demonstram que um resultado positivo confirma a doença, porém um resultado negativo não exclui a doença.
    Os anticorpos podem ser detectados com melhor sensibilidade à partir do 7º dia de sintomas, dependendo do método. Existem limitações e variações de sensibilidade do teste conforme o tempo de doença.

    Detecção de anticorpos (anticorpos totais IgA/IgG ou IgM/IgG ou anticorpos isolados IgA / IgG / IgM) no sangue total (testes rápidos ou point of care) ou soro/plasma (Quimioluminescência ou ELISA) para avaliação da resposta imunológica à infecção pelo Sars-Cov-2

    RECOMENDAÇÃO PRIORITÁRIA DE SOLICITAÇÃO

    1) Paciente sintomático moderado/grave, com mínimo de 7 dias de sintomas, com critérios clínicos/radiológicos de internação hospitalar, para racionalização do uso do RT-PCR (RT-PCR realizado se sorologia negativa) e diagnóstico de Covid-19 (sorologia positiva)
    2) Profissional de Saúde afastado com suspeita de Covid-19 para triagem do retorno às atividades profissionais, com realização após o 7º dia de sintomas para racionalização do uso do RT-PCR. Deve ser realizado o RTPCR se a sorologia for negativa e a manutenção do isolamento individual se a sorologia positiva até 14 dias.


    RECOMENDAÇÃO NÃO PRIORITÁRIA DE SOLICITAÇÃO (depende de disponibilidade de recursos)
    1) Pacientes sintomáticos sem critérios clínicos de internação hospitalar, para racionalização do uso do RT-PCR (RT-PCR realizado se sorologia negativa) e diagnóstico de Covid-19 (sorologia positiva) e vigilância epidemiológica, com realização do teste após 7º dia.

    Conforme a mais recente versão do Guia de Vigilância Epidemiológica Emergência de Saúde Pública do Ministério da Saúde (03.04.2020) usada para esta análise, até o momento, o Ministério da Saúde, só dispõe do ensaio imunocromatográfico para detecção rápida e qualitativa dos anticorpos IgG/IgM da síndrome respiratória aguda grave por coronavírus 2 (SARS-CoV2), em amostras de sangue total, soro ou plasma humano. O teste deve ser usado como uma ferramenta para auxílio no diagnóstico da doença por infecção por coronavírus (COVID 19), causada pelo SARS-CoV2. São testes qualitativo para triagem e auxílio diagnóstico. Resultados negativos não excluem a infecção por SARS-CoV2 e resultados positivos não podem ser usados como evidência absoluta de SARS-CoV2. O resultado deve ser interpretado por um médico com auxílio dos dados clínicos e outros exames laboratoriais confirmatórios.

    Atualmente, há muitas empresas produzindo testes rápidos para diagnosticar COVID-19. De forma geral, os testes sorológicos visam detectar anticorpo específico produzido pelo corpo humano contra o vírus SARS-CoV2 ou detectar antígeno desse vírus. Para isso, os métodos sorológicos são desenvolvidos para detecção de anticorpos IgG e IgM ou detecção de antígenos específicos do vírus, alguns por ensaios imunoenzimáticos (ELISA) e imunocromatográficos (teste rápido) e outros por imunofluorescência.

    No âmbito da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e Internacional, deve-se avaliar se o produto possui registro na Anvisa, avaliar a documentação do fabricante e considerar que os dados podem ser insuficientes para tomada de decisão. Portanto, esses testes, até o momento, não devem ser adotados para decisão clínica, mas apenas para finalidade de vigilância por meio de estudos de inquéritos populacionais e também como auxílio diagnóstico.

    É essencial que qualquer teste passe por um processo de validação por meio do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (INCQS/Fiocruz), a fim de avaliar se os parâmetros de qualidade do teste (sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo) são úteis para alguma etapa da estratégia de resposta à emergência em saúde pública.

    Em março de 2020, quando foi oferecida a doação deste teste para a resposta ao COVID-19, era a única opção disponível em quantidade suficiente para todo o território nacional. Esta estratégia deve ser reavaliada regularmente, para ajustar as definições operacionais da vigilância epidemiológica. Este teste visa atender exclusivamente no período a ESPIN e sua qualidade deve ser objeto de monitoramento pelos Laboratórios Centrais de Saúde Pública em conjunto com o INCQS/Fiocruz.

    Qualquer desvio de qualidade deve ser comunicado à Anvisa. Tais informações são de extrema importância para a precisão da indicação de medidas não farmacológicas de COVID-19, pois um paciente com um resultado falso negativo pode sair erroneamente do isolamento domiciliar e disseminar o vírus, como também fazer com que profissionais de saúde tenham que se afastar do trabalho e deixar de ajudar a salvar vidas, pelo resultado falso positivo. De forma geral, recomenda-se que antes de se utilizar um teste rápido, deve-se verificar se o mesmo já foi avaliado pelo INCQS. Mesmo validados, é importante saber que os testes rápidos apresentam limitações e a principal delas é que precisa ser realizado, de forma geral, a partir do 8º (oitavo) dia do início dos sintomas. É necessário que o caso suspeito ou contato de caso confirmado de COVID-19 espere esse tempo para que o sistema imunológico possa produzir anticorpos em quantidade suficiente para ser detectado pelo teste.




    [1] Guia de Vigilância Epidemiológica Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional pela Doença pelo Coronavírus 2019. Ministério da Saúde. 03.04.2020.
    [2] Diagnósticos da América S/A (DASA). COVID 19 RECOMENDAÇÃO DE USO DE EXAMES LABORATORIAIS Versão 1.0 de 28/03/20202
    [3] Métodos Laboratoriais para Diagnóstico da Infecção pelo SARS-CoV-2. Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial.

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