LESÃO PULMONAR NA COVID-19: S.A.R.A. ou
PSEUDO-S.A.R.A.?
Elaborador por: Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Especialista em Medicina Intensiva. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos - SP.
Coordenador do Programa de Residencia Médica - COREME - da Santa Casa de São Jose dos Campos - SP
No
contexto da pandemia pelo SARS-Cov-2, tem surgido na literatura, controvérsias
sobre a fisiopatologia da lesão pulmonar nos pacientes com Covid-19, levando a
sugerir estratégias ventilatórias diferentes das já conhecidas para o manejo da
SARA (Síndrome de Angústia Respiratória do Adulto), também chamada de SDRA (Síndrome
do Desconforto Respiratório Agudo)[1].
Esta tese lançada sobre a fisiopatologia da pneumonia da Covid-19 é defendida
pelo grupo italiano capitaneado pelo professor Luciano Gattinoni[2].
O
painel da Surviving Sepsis Campaign recomendou recentemente que pacientes
ventilados mecanicamente com Covid-19 devem ser tratados de maneira semelhante
a outros pacientes com insuficiência respiratória aguda na UTI[7].
No
entanto, o grupo italiano de Gattinoni e col. recentemente tem sugerido
que, embora a Síndrome de Angústia Respiratória Aguda da Covid-19 possa atender
à definição Berlin para SARA[8],
a pneumonia da Covid-19 seria, na verdade, uma doença específica com fenótipos
peculiares, cuja principal característica seria a dissociação entre a
gravidade da hipoxemia ocorrida e a manutenção de uma mecânica respiratória
relativamente boa, isto é, uma complacência do sistema respiratório quase
normal (mais de 50% dos 150 pacientes avaliados pelos autores e confirmado por vários
colegas no norte da Itália), uma combinação quase nunca vista nas
formas clássicas de SARA grave.
Esses pacientes gravemente hipoxêmicos, apesar
de compartilharem uma única etiologia (SARS-CoV-2), podem apresentar-se de
maneira bastante diferente: respirando normalmente (hipoxemia “silenciosa”) ou
notavelmente dispneicos; bastante sensíveis ao óxido nítrico ou não;
profundamente hipocapnicos ou normo/hipercapnicos; e responsivos à pronação ou
não. Portanto, a mesma doença realmente se apresenta de forma bastante
heterogênea, como aliás já vinha sendo descrito por outro grupo italiano (Mauri
T, Spinelli e col.) para os casos de Covid-19, salientando a existência de
um elevado desbalanço entre ventilação-perfusão, com predominância do perfil de
ventilado/não perfundido (espaço morto) sobre o não ventilado/perfundido
(shunt)[9].
O
grupo de Gattiononi pondera que, considerando que a complacência média do
sistema respiratório é geralmente em torno de 50 ml/cmH2O, pacientes com complacência
respiratória menor ou maior que essa média, experimentam hipoxemia de gravidade
semelhante. Segundo os autores, com base na observação, puderam estabelecer
diferentes padrões de pneumonia viral pelo SARS-Cov-2 na emergência, que
dependem de três fatores: 1) a gravidade da infecção, a resposta do hospedeiro,
a reserva fisiológica e comorbidades; 2) a capacidade de resposta ventilatória
do paciente a hipoxemia e 3) o tempo decorrido entre o início da doença e a
observação no hospital.
Assim,
propõem dois fenótipos de pacientes: fenótipo 1 ou com pneumonia “L”
(Não SARA) e fenótipo 2 ou com pneumonia “H” (SARA) com diferentes
fisiopatologias. Na entrada na emergência, estes fenótipos seriam claramente
distinguíveis pela tomografia computadorizada de tórax (figura 1). Se a
tomografia computadorizada não estiver disponível, a avaliação da complacência
do sistema respiratório e possivelmente a resposta à PEEP seriam os únicos
substitutos imperfeitos sugeridos.
Figura
1:
Nesses 2 pacientes, foram registradas as seguintes diferenças entre os
fenótipos 1 e 2: peso pulmonar (1192 g x 1441); volume de ar pulmonar (2774 ml
x 1640 ml)); porcentagem de tecido não aerado (8,4% x 39%); % shunt venoso (56%
x 49%); relação P/F (68 x 61) e complacência do sistema respiratório (80 x 43
ml/cmH2O).
A
diferenciação tomográfica tem seu embasamento em dois padrões que, muito embora
não sejam patognomônicos e nem exclusivos da Covid-19, tem auxiliado bastante
no diagnóstico da doença: Padrão em vidro fosco e a consolidação que
correspondem ao padrão de opacidade aumentada[10].
Ambos
padrões de imagem tomográfica tem seu sustento na fisiopatologia do processo
inflamatório que ocorre a nível da membrana alvéolo-capilar (Figuras 2 e 3).
Figura
2: Alvéolo Normal
Figura
3: Alvéolo Inflamado
Padrões
de Opacidade pulmonar aumentada:
Opacidade
pulmonar aumentada pode ser descrita como opacidade em vidro fosco ou
consolidação.
1.
Opacidade em vidro fosco: é uma opacidade pulmonar aumentada
que deixa visualizar os vasos associados e representa anormalidades abaixo da
resolução da tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR). Representa
basicamente edema intersticial sem invasão ou com invasão parcial do espaço intra-alveolar
(edema alveolar).
2.
Consolidação: é uma opacidade pulmonar aumentada na
qual os vasos não são visualizados e representa uma doença confluente que
invade o espaço intra-alveolar.
Estes
achados podem refletir doenças que são primariamente alveolares, intersticiais
ou mistas. O diagnóstico diferencial entre opacidade em vidro fosco e
consolidação muitas vezes é sobreposto e é predominantemente baseado pela
duração dos sintomas: agudo ou crônico (https://www.youtube.com/watch?v=6r8tiSekL-g)
TIPO
1 OU NÃO SARA) COM PNEUMONIA COVID-19 TIPO “L” (LOW)
Se caracteriza por:
·
Baixa Elastancia (Low elastance):
complacência pulmonar quase normal ou alta. Padrão de hipoxemia grave com
complacência do sistema respiratório > 50 ml/cmH2O.
·
Baixa Relação Ventilação Perfusão
(Low VA/Q): como o volume de ar é quase normal, a
hipoxemia pode ser explicada pela perda da auto regulação da perfusão associada
à perda do mecanismo compensador de vasoconstricção hipóxica. Isto provocaria nas
áreas de vidro fosco, contrariamente ao que se esperaria, uma sorte de vasodilatação
com hiperperfusão inefetiva para troca de gases (em razão do edema intersticial
que dificulta a passagem de O2). Portanto, sem vasoconstrição reflexa hipóxica nesta
fase, a pressão da artéria pulmonar deve estar próxima do normal.
·
Baixo peso pulmonar (Low lung
weight): apenas infiltrados em vidro fosco (infiltrado
intersticial) estão presentes na tomografia computadorizada, localizados
principalmente nas regiões subpleurais (padrão periférico) e ao longo das cissuras
pulmonares (espessamento septal) abrangendo uma área pulmonar geralmente de
< 25%. Consequentemente, o peso pulmonar é apenas moderadamente aumentado,
mas baixo se comparado com o padrão de SARA clássica.
·
Baixa capacidade de recrutamento
pulmonar (Low lung recruitability): a quantidade de tecido
não aerado (atelectasiado) é muito baixa e, consequentemente, a capacidade de
recrutamento é baixa.
Para
conceituar esses fenômenos, hipotetiza-se a seguinte sequência de eventos: a infecção
leva a um edema intersticial subpleural local moderado (lesões em vidro fosco
com padrão periférico) particularmente localizados nas interfaces entre
estruturas pulmonares com diferentes propriedades elásticas, onde o estresse e tensão
são concentrados. Nas áreas de vidro fosco, que representam edema intersticial,
se cria uma dificuldade para a passagem de O2 do alvéolo para o capilar
pulmonar, produzindo hipoxemia. A hipoxemia produz normalmente vasodilatação na
maioria dos leitos vasculares exceto no pulmão onde ela produz vasoconstrição.
A vasoconstrição que ocorre no pulmão em resposta à hipoxemia é conhecida como vasoconstrição
pulmonar hipóxica (VPH) e foi descrita pela primeira vez por Bindsley et
al.[11],
e tem como objetivo desviar o sangue dessas áreas menos ventiladas para outras
mais ventiladas, tentando manter assim a relação ventilação/perfusão próxima do
normal e assim atenuar a hipoxemia[12].
Sabe-se que a VPH é regulada localmente, já que ocorre em experimentos com o
pulmão isolado. A VPH tem duas fases distintas: fase 1 começa em alguns
segundos e é máxima aos 15 minutos. Com hipóxia moderada (PO2 de 30 a 50 mmHg),
a resposta é mantida, mas em estudos de animais com hipóxia grave (PO2 <30
mmHg), a fase 1 rapidamente declina novamente para valores quase normóxicos.
Quando a hipóxia moderada é mantida por mais de 30 a 60 minutos, a fase 2 do
HPV começa e um aumento adicional na resistência vascular pulmonar (RVP) é
observado, atingindo um pico em 2 h[13].
O mecanismo exato do fenômeno não é bem conhecido, porém estudos usando células
do músculo liso arterial pulmonar (CMLAP) confirmam que a VPH ocorre nessas
células mesmo quando isoladas, isto é, removidas do contato com células
endoteliais (CE) ou mediadores locais ou transmitidos pelo sangue. Grande parte
da pesquisa sobre o mecanismo molecular do HPV, portanto, se concentrou no
estudo das CMLAP e ao que parece, se relaciona com o efeito da hipóxia na
modulação dos canais de K+, do estado redox do citoplasma e ativação dos canais
de cálcio e liberação do mesmo do retículo sarcoplasmático, produção de
espécies reativas mitocondriais de oxigênio (ERO), estado de energia celular,
função proteica ligada a membrana, fator induzível por hipóxia (FIH) e a
alteração da atividade da ciclooxigenase e lipooxigenase[14].
Postula-se
que na pneumonia Covid-19, há perda desse mecanismo de vasoconstrição hipóxica
levando a aumento do shunt venoso e a uma hipoxemia grave.
A resposta ventilatória normal à hipoxemia é aumentar a ventilação minuto,
principalmente aumentando o volume corrente (até 15-20 ml/kg), que está
associado a uma pressão inspiratória intratorácica mais negativa. Outros
fatores, além da hipoxemia, estimulam acentuadamente, nesses pacientes, o esforço
respiratório. A complacência normal, no entanto, explica por que alguns
pacientes se apresentam sem dispneia já que o paciente inala o volume esperado.
Este aumento na ventilação minuto leva a uma diminuição na PaCO2 (hipocapnia). PEEP
alta e prona não melhoram a oxigenação através do recrutamento de áreas colapsadas,
mas redistribuem a perfusão pulmonar, melhorando a relação VA/Q. A tomografia
computadorizada de pulmão nesses pacientes confirma que não há áreas
significativas para recrutar, mas o shunt venoso de direita para a esquerda é
tipicamente em torno de 50%. Os pacientes do fenótipo “L” podem permanecer
inalterados por um período e, em seguida, melhorar ou piorar em razão da evolução
da própria doença e/ou em decorrência do atraso no suporte ventilatório
mecânico invasivo que prolonga um contínuo esforço inspiratório e a profundidade
da pressão intratorácica negativa associada ao aumento do volume corrente em
cada respiração espontânea. De fato, a combinação de pressão intratorácica
inspiratória negativa e o aumento da permeabilidade pulmonar devido a
inflamação, resulta em maior edema intersticial pulmonar. Este fenômeno, inicialmente
descrito por Barach em 1938 e Mascheroni em 1988, ambos em um ambiente
experimental, foi recentemente reconhecido como a principal causa da denominada
lesão pulmonar autoinfligida pelo paciente (P-SILI). Grieco e col., referem
que durante a ventilação espontânea, a pressão nas vias aéreas é menor do que
durante a ventilação mecânica controlada. Nestes pacientes, o principal
determinante da Pressão Transpulmonar [PTP = Pressão alveolar (Palv) – Pressão Pleural
(Ppl)] é o esforço inspiratório, que pode ser medido pela deflexão negativa da
pressão esofágica (PSE). A PTP, contrariamente ao que poderia se pensar, não
diminui durante a ventilação espontânea, mas pelo contrário aumenta em razão da
Ppl se tornar mais negativa. Durante insuficiência respiratória aguda e a SARA,
grandes esforços inspiratórios podem induzir lesão pulmonar devido às
oscilações descontroladas na PTP que aumentam anormalmente o estresse pulmonar
e geram a inflação de grandes volumes correntes em um compartimento reduzido (baby
lung). Em condições normais, o esforço espontâneo induz uma mudança
uniforme na Ppl ao longo da inspiração, o que resulta em uma mudança uniforme
na PTP. No entanto, com pulmões lesionados, o esforço espontâneo resulta em Ppl
mais negativa e precoce nas regiões dependentes em comparação com as regiões
não dependentes (menos negativa e tardia). A transmissão diferente no tecido
pulmonar (compartimento sólido versus líquido) da contração do diafragma gera
heterogeneidade na PTP local, provocando um deslocamento de ar das regiões
pulmonares não dependentes para as dependentes, fenômeno denominado de “pendelluft”
e que que foi identificado nas fases iniciais de pacientes com SARA ventilando
espontaneamente. Esse fenômeno de pendelluft produz um excesso de alongamento
nas regiões pulmonares dependentes, independentemente do tamanho do volume de
inspirado (o volume de alongamento excessivo provém do pulmão aerado saudável e
não do ventilador) e recentemente demonstrou participar de lesão pulmonar
durante a ventilação espontânea, mas não durante a ventilação controlada de
pacientes com bloqueio neuromuscular. Isso resulta na movimentação do ar de
regiões não dependentes para dependentes na fase inicial da inspiração. A
distensão resultante pode levar a recrutamento volumétrico significativo de
regiões dependentes e piorar uma lesão pulmonar existente. O esforço espontâneo
gera Ppl negativa, o que resulta em pressão intratorácica negativa global. Isso
aumenta o retorno venoso e a perfusão pulmonar, o que causa alta pressão
intravascular. Isso, associado à Ppl negativa, leva à alta pressão vascular
(pressão dentro do vaso - pressão fora do vaso), o que leva a edema
intersticial. Ou seja, a Ppl fortemente negativa produzida pelo intenso esforço
muscular, aumenta a pressão transmural vascular e a permeabilidade dos vasos,
contribuindo para a flutuação alveolar (isto é, edema pulmonar por
pressão negativa). Neste contexto, há que se ponderar que a persistência desnecessária
numa estratégia não invasiva (VNI/CNAF) que não garantem uma PEEP suficiente,
poderá associar um quadro de P-SILI[15].
Com o tempo, aumenta o edema intersticial, o peso pulmonar, a pressão
sobreposta e as atelectasias das áreas dependentes. Quando o edema atinge uma
certa magnitude invade também os alvéolos (consolidação), levando a uma
diminuição volume de gás alveolar. Assim, os volumes gerados para uma dada
pressão inspiratória diminuem. Nesta fase, a dispneia se desenvolve, que por
sua vez leva ao agravamento da P-SILI. A transição do tipo “L” para o tipo “H”
pode ser devido à evolução da pneumonia Covid-19, por um lado, e a lesão
atribuível ao alto stress ventilatório por outro.
TIPO
2 OU SARA) COM PNEUMONIA COVID-19 TIPO “H” (HIGH)
Se
caracteriza por:
·
Elastância alta (High elastance): diminuição
do volume de ar devido ao aumento do edema é responsável pelo aumento
elastância pulmonar.
·
Alto shunt da direita para a esquerda
(High right-to-left shunt): isso se deve à fração do débito
cardíaco que perfunde o tecido não aerado que se desenvolve nas regiões
dependentes do pulmão devido ao aumento do edema e pressão sobreposta.
·
Peso pulmonar alto (High lung
weight): a análise quantitativa da tomografia computadorizada
mostra um aumento notável no peso do pulmão (> 1,5 kg), na ordem de
magnitude da SARA grave, com área comprometida geralmente >75%.
·
Recrutabilidade pulmonar alta (High
lung recruitability): a quantidade aumentada de tecido não
aerado está associada, como em casos graves de SARA, com maior capacidade de
recrutamento.
O
padrão tipo H se encaixa perfeitamente nos critérios severos da SARA:
hipoxemia, infiltrados bilaterais, diminuição da complacência do sistema
respiratório, aumento do peso pulmonar e possibilidade de recrutamento. Em 20 a
30% dos pacientes com Covid-19 admitidos na unidade de terapia intensiva (UTI),
associa-se hipoxemia grave com valores de complacência <40 ml / cmH2O,
indicando SARA. Certamente é possível que essa forma ocorra devido à evolução
natural da doença, mas não se pode excluir a possibilidade de que essa
severidade de dano (aumento do edema) resulta em parte do manejo inicial como
descrito acima (P-SILI).
Em
resumo, a pneumonia tipo L teria um padrão em vidro fosco, com pouca ação
gravitacional, que predomina nas fases iniciais da doença. Por isso, a
complacência é boa, não precisa de PEEP tão alta, não responde ao recrutamento
e, às vezes, nem à prona. A hipoxemia é marcante e é provável que haja grande
componente de shunt. Com o tempo, a forma L evolui para a pneumonia tipo
H, clássica de SARA, com padrão pior nas bases/dorso pulmonar, com boa resposta
à pronação e a PEEP alta.
Destaque-se
que este modelo italiano é suportado por quase nenhuma evidência real. Mesmo
assim, esta tese fisiopatológica tem servido para recomendar um protocolo de
manejo que consiste em:
1.
Oxigenoterapia: Reverter a hipoxemia é através do aumento
da FiO2 para o qual o paciente do tipo L responder bem, particularmente se
ainda não estiver com dispneia.
2.
Terapia inicial não invasiva: Nos pacientes do tipo L
com dispneia, existem várias opções não invasivas: cânula de alto fluxo nasal
(HFNC), pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) ou ventilação não
invasiva (VNI). Nesta fase, a medida (ou estimativa) do balanço da pressão
esofágica inspiratória é crucial. A PEEP alta, em alguns pacientes, pode
diminuir as oscilações de pressão pleural e interromper o ciclo vicioso que
agrava a lesão pulmonar. Entretanto, alta PEEP em pacientes com complacência
normal pode ter efeitos prejudiciais na hemodinâmica. Em qualquer caso, as
opções não invasivas são questionáveis, pois podem estar associadas a altas
taxas de falhas e intubação tardia, em uma doença que normalmente dura várias
semanas.
3.
Intubação precoce: A magnitude das oscilações das pressões
pleurais inspiratórias pode determinar a transição do fenótipo L para o
fenótipo tipo H. À medida que as oscilações da pressão esofágica aumentam acima
de 15 cmH2O, o risco de lesão pulmonar aumenta e, portanto, a intubação deve
ser realizada o mais rápido possível.
4.
Ajuste de parâmetros ventilatórios: Uma vez intubados e
profundamente sedados, os pacientes do tipo L, se hipercapnicos, podem ser
ventilados com volumes superiores a 6 mL/kg (até 8-9 mL/kg) já que a alta
complacência resulta em tolerabilidade à tensão sem o risco de VILI (Ventilator-Induced
Lung Injury). A posição prona deve ser usada apenas como manobra de
resgate, já que as condições pulmonares são “muito boas” para obter alta
efetividade da posição prona, que se baseia em melhor redistribuição de
estresse e tensão. A PEEP deve ser reduzida para 8-10 cmH2O, dada a que a
recrutabilidade é baixa e o risco de alteração hemodinâmica aumenta com níveis
mais altos de PEEP. A intubação precoce pode evitar a transição para o fenótipo
tipo H.
5.
Tratamento de SARA padrão: Pacientes do tipo H, devem ser
tratados como SARA grave, incluindo PEEP mais alta, se compatível com o estado
hemodinâmico, posição prona e suporte extracorpóreo (ECMO.
O
MODELO DOS FENÓTIPOS TOMOGRÁFICOS[16]
Chiara
Robba e col., seguindo a linha fisiopatológica do grupo
de Gattinoni e col., recentemente publicaram um Guia de Orientação para o manejo
respiratório de pacientes com COVID-19 antes, durante e após ventilação
mecânica, com base na literatura recente a experiência de manejo desse tipo de
pacientes. Como destaque, e após revisar a literatura existente apresentam três
principais padrões de TC de tórax em pacientes com COVID-19, representando três
fenótipos tomográficos diferentes (Figura 4):
1)
Fenótipo Tomográfico 1: Padrão de múltiplas áreas vidro
fosco múltiplo, focais e possivelmente hiperperfundidas de localização principalmente
subpleurais.
2)
Padrão de atelectasias e opacidades peribrônquicas heterogeneamente distribuídas
e,
3)
Padrão tipo SARA.
Figura 4. Fenótipos Tomográficos
O
grupo correlaciona esses fenótipos tomográficos diferentes com os fenótipos
fisiopatológicos L e H de propostos por Gattinoni e col.:
1.
Fenótipo tomográfico 1 compatível com o fenótipo fisiopatológico L,
2.
Fenótipo tomográfico 3 compatível com o fenótipo fisiopatológico H, e
3.
Fenótipo tomográfico 2 compatível com estágios de transição entre os fenótipos
L e H.
A
seguir o grupo propõe estratégias diversas de manejo dos pacientes de acordo
com cada fenótipo tomográfico, destacando as orientações sobre ventilação
mecânica, concordantes com a teoria do Gattinoni.
1.
Fenótipo tomográfico 1: considerando a complacência pulmonar
preservada ou mesmo elevada, a TC de tórax mostrará pouca ou nenhuma área para
recrutar, mas áreas de alta perfusão. Nesses casos, a principal causa de
hipoxemia parece não ser a atelectasia, mas a distribuição prejudicada da
perfusão pulmonar e o shunt. Níveis moderados de PEEP podem, portanto, ser
capazes de redistribuir o fluxo sanguíneo pulmonar de áreas pulmonares
danificadas para não danificadas; no entanto, níveis mais altos de PEEP podem
prejudicar a hemodinâmica, aumentando assim a necessidade de fluidos e drogas
vasoconstritoras sem ter importantes efeitos na oxigenação. Volumes correntes >
6 mL/kg também devem ser considerados.
2.
Fenótipo tomográfico 2: considerando que as atelectasias são
distribuídas de maneira não homogênea. PEEP moderada a alta pode, portanto, ser
útil para melhorar o recrutamento pulmonar, bem como o posicionamento lateral
ou em prona.
3.
Fenótipo tomográfico 3: devem ser utilizados princípios
gerais aplicados ao manejo da SARA, incluindo baixo volume corrente (<6
mL/kg) e titulação de PEEP de acordo com a PEEP table e a mecânica
ventilatória.
Outras
estratégias recomendadas: posição prona com resgate apenas para os fenótipos 2
e 3, oxido nítrico inalatório não recomendado de rotina, bloqueador
neuromuscular (BNM) para casos selecionados como pacientes em prona, com
assincronias e altas pressões de platô, manobras de recrutamento alveolar
apenas para os fenótipos 2 e 3, e finalmente ECMO como terapia de resgate em
casos selecionados.
QUESTIONAMENTOS
AO MODELO DOS FENÓTIPOS
Ziehr
e col. descreveram
recentemente a fisiopatologia respiratória de pacientes intubados e submetidos
a ventilação mecânica no Massachusetts General Hospital (MGH) and Beth
Israel Deaconess Medical Center (BIDMC) entre 11 e 30 de março de 2020[17].
Trata-se de uma série de casos retrospectivos envolvendo 66 pacientes que foram
manejados segundo o seguinte protocolo:
·
Intubação precoce. Cânula nasal de alto
fluxo (CNAF) ou ventilação não invasiva (VNI) não deveriam ser previamente utilizadas.
·
Ventilação mecânica ciclada por volume
(VCV) com um volume corrente alvo abaixo de 6 ml/kg de peso predito.
·
Ventilação precoce em posição prona para
pacientes com uma relação P/F <200.
·
A PEEP foi titulada de acordo com os
protocolos institucionais de várias maneiras (incluindo o uso da tabela PEEP
mais baixa/Fi02 mais alta da ARDSnet, titulação pela melhor complacência ou
pela manometria esofágica).
Seguindo
as orientações, quase todos os pacientes foram intubados precocemente no dia da
internação hospitalar. Prona foi utilizada em 47% dos pacientes, bloqueio
neuromuscular em 42%, vasodilatadores inalatórios pulmonares em 27% e ECMO em
5%. Quase todos os pacientes receberam azitromicina e hidroxicloroquina, com
26% também recebendo remdesivir e 8% corticoide.
De
acordo com o estudo, 62% dos pacientes foram extubados após uma duração média
de ventilação de 16 dias (intervalo interquartil de 10 a 21 dias). Em 21% dos
pacientes foi realizada traqueostomia e 17% dos pacientes morreram.
Houve
um intenso e persistente debate sobre se os pacientes com Covid-19 tinham ou
não SARA. Este estudo usou a definição de Berlim para SARA. Somente 85% dos
pacientes na admissão atenderam todos os critérios da definição, a despeito de 97%
dos pacientes terem opacidades bilaterais. A principal razão pela qual alguns
pacientes falharam em atender à definição de Berlim foi que vários pacientes
tinham uma relação P/F>300 que os excluía da definição. Muitos pacientes
apresentaram a denominada “pseudoARDS” que ocorre naqueles pacientes
cuja relação P/F aumenta acima de 150 após 12-24 horas de otimização em
ventilação mecânica (sem pronação). Refere-se aos pacientes que “imitam a SARA”,
mas não apresentam realmente danos pulmonares graves. Esses pacientes podem
atender tecnicamente à definição de SARA (são descritos 3 padrões de
pseudoSARA: de volume, de efusão e de colapso) mas sua evolução é
surpreendentemente boa, comparados aos pacientes com SARA verdadeira[18].
A pseudoARDS é clinicamente relevante, porque esses pacientes não atendem à
indicação de prona do estudo Proseva[19]. A maioria dos pacientes desta série com
Covid-19 parecia ter pseudoARDS. A relação P/F melhorou consideravelmente
durante o primeiro dia de ventilação. No dia 2, quase todos os pacientes tinham
uma relação P/F acima de 150. Entretanto o estudo teve 47% dos pacientes pronados
(sem indicação de exatamente quando isso aconteceu). Assim, parte da melhoria
da oxigenação no dia 2 provavelmente resultou da pronação (que não atenderia à
definição de pseudoARDS). Pacientes com Covid-19 parecem ter problemas
substanciais com atelectasias e respostas favoráveis à ventilação com pressão
positiva (por exemplo, CPAP não invasivo). Muitas das melhorias observadas
entre o dia 1 e o dia 2 podem ter refletido o recrutamento gradual em resposta
à intubação precoce com PEEP. Esses centros costumavam usar a Tabela de PEEP
baixa (com uma PEEP inicial média de 10 cm), por isso é concebível que
melhorias ainda maiores na relação P/F possam ter sido observadas com níveis
mais altos de PEEP.
Os
dados do estudo de Ziehr e col. confrontam o modelo dicotómico de
Gattinoni e col. No estudo apresentado, observaram que os pacientes se
apresentavam fases iniciais com uma complacência do sistema respiratório (Csr)
baixa (30 – 43 com média de 35 ml/cmH2O) e boa resposta as manobras de
recrutamento e prona. Os resultados, portanto, não se enquadram no modelo
italiano que descrevem fases iniciais com complacência quase normal do sistema
respiratório e falha no recrutamento inicial. Os pacientes foram manejados com
terapias convencionais de SARA grave, incluindo ventilação com baixo volume
corrente, administração conservadora de fluidos e, em muitos casos, ventilação
prona. Com um seguimento mínimo de 30 dias, a mortalidade geral foi de 16,7% e
a maioria dos pacientes foram extubados com sucesso e receberam alta da UTI. Ainda
a ventilação prona foi utilizada em 47% dos pacientes. Pronação causou
melhorias na oxigenação (de uma razão P/F média de 150 a 232). Entre os 31
pacientes pronados, 12 receberam bloqueio neuromuscular concomitante. Portanto,
a ventilação prona melhorou a oxigenação (embora a pronação seja desnecessária
na maioria dos pacientes). A ventilação prona pode ser realizada com segurança,
sem uso de bloqueador neuromuscular.
Os
achados de Ziehr e col., são totalmente compatíveis com uma série anterior de Pavan
K. Bhatraju et.al. que também demonstrou baixa complacência pulmonar desde
o primeiro dia e não ao longo do tempo[20].
Mais
recentemente, Lieuwe D.J. Bos e col., publicaram uma análise
retrospectiva dos primeiros 70 pacientes com suspeita de COVID-19 que foram
admitidos na unidade de terapia intensiva do Hospital Universitário de
Amsterdam (Holanda). Foram obtidas imagens de TC de tórax em 38 pacientes com
comprovada Covid-19 (54%), pois os demais pacientes vieram transferidos de
outros hospitais. A complacência do sistema respiratório (Csr) foi calculada
logo após a intubação, durante bloqueio neuromuscular. A tomografia
computadorizada foi realizada após a intubação e antes do transporte para a
UTI. A área percentual consolidada foi estimada somando-se as áreas com densidade
de mais de 500HU e expressando-a como frações de quartil (0-25-50-75-100%).
Usou-se a referência italiana (Gattinoni e col.,) de que áreas com essa densidade
refletem tecido pulmonar mal ou não aerado e representaram aproximadamente
<25% do tecido pulmonar no fenótipo L e aproximadamente 75% no fenótipo H. A
morfologia pulmonar foi classificada como focal e não focal. Dezessete
pacientes (45%) apresentavam Csr abaixo de 40 mL/cmH2O (valor usado como ponto
de corte) enquanto sete pacientes (18%) apresentaram menor envolvimento
parenquimatoso. Não houve relação entre Csr e tecido pulmonar mal ou não aerado
(Figura 2). A maioria os pacientes tinham uma morfologia pulmonar não focal com
maior envolvimento parenquimatoso, mas não uma menor Csr que pacientes com
morfologia pulmonar focal.
Figura
3:
Eixo X: complacência do sistema respiratório (Csr) com 40cmH2O como corte para
alta e baixa complacência. Eixo Y: porcentagem de pulmão com pouca ou nenhuma aeração
expressa semi-quantitativamente como quartis. A área vermelha e os triângulos
preenchidos em vermelho indicam pacientes com um fenótipo H consistente. A área
azul com os triângulos preenchidos em azul indicam pacientes com um fenótipo L
consistente. Os triângulos preenchidos em cinza correspondem a pacientes com um
fenótipo discordante. TC indicativas para cada área são mostrados nos dois
lados.
Dois
pacientes preencheram corretamente os critérios para o fenótipo L e 12
pacientes para o fenótipo H, deixando 24 pacientes (63%) com resultados
discordantes e sem poder definir claramente o fenótipo. A maioria dos pacientes
apresentava morfologia pulmonar não focal (N = 30, 79%, triângulo voltado para
cima) ao invés de uma morfologia pulmonar focal (N = 8, 21%, triângulo voltado
para baixo)
Com
base nesses dados preliminares, concluem que a complacência e a estimativa do
peso pulmonar não se correlacionam em pacientes com SARA relacionada ao Covid-19.
A maioria dos pacientes poderia não ser classificado como fenótipo “H” ou “L”, por
apresentar características mistas. Pacientes frequentemente mostraram
envolvimento parenquimatoso extenso e morfologia não focal na tomografia
computadorizada do tórax, o que pode sugerir tecido pulmonar recrutável. A complacência
do sistema respiratório foi semelhante ao relatado em outras coortes de
pacientes com Covid-19, e à SARA não relacionada ao Covid-19[21].
AFINAL,
COMO DEVEMOS ENTÃO CLASSIFICAR MANEJAR PACIENTES COM INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA
E PNEUMONIA COVID-19?
1. Penso
que numa época de pandemia como a que estamos vivendo, considerada verdadeira situação
de calamidade, catástrofe e desastre, equiparável a um “estado de guerra”
contra um inimigo mundial comum altamente destrutivo que vem provocando muitas
mortes, há que se levar em consideração que não há tempo para grandes estudos que forneçam elevados níveis
de evidencias que sustentem recomendações sólidas. Nesta época, em que “tudo é
novo” as evidencias também deverão ser novas e aquelas do topo da pirâmide (metanálises,
revisões sistemáticas e ensaios clínicos randomizados) ainda levarão tempo para
serem publicadas. Por ora, evidencias menos ou pouco consistentes, como os
estudos in vitro, em animais, relato de casos e principalmente a opinião dos
experts que já vivenciaram o enfrentamento à pandemia em outros lugares, poderá
temporariamente sustentar as condutas nos lugares que atualmente estão
enfrentando a pandemia, como o Brasil. Inequivocamente, na medidas em que
surgirem as evidencias robustas tais condutas deverão ser revistas e
modificadas, sem que, o que foi feito em caráter emergencial perca seu mérito e
validade, toda vez que foram realizadas pensando no bem maior que é a VIDA
DO SER HUMANO.
Seguindo
essa linha de raciocínio, no manejo da Covid-19, também tudo é novo e,
contrariamente ao que se esperava o comportamento da doença não tem seguido a
evolução de outras epidemias como a da Influenza (H1N1), SARS e MERS. Portanto,
válidos todos os esforços que vem sendo desenvolvidos para explicar o comportamento
desta doença, especialmente no tocante à sua fisiopatologia. Nesse caminho,
creio que bem tem andado o grupo do professor Gattinoni, cuja experiencia no
entendimento e manejo da SARA resulta inquestionável. Como expert, sua
opinião é de grande relevância que devemos levar em consideração, a despeito
das poucas evidencias que sustentem sua teoria e de outros trabalhos que possam
chegar às mesmas conclusões às quais ele chegou. Não se trata de “desvirtuar os
conceitos clássicos da SARA” ou de “trazer de volta velhos conceitos já
contestados”, mesmo porque em medicina nada é imutável.
2. Penso
que o melhor será INDIVIDUALIZAR O MANEJO DO PACIENTE COM COVID-19. Neste
momento a celebre frase “cada caso é um caso” deverá nortear tanto o
diagnóstico assim como o manejo. Há que se evitar regras rígidas “emprestadas”,
mesmo que já consolidadas para outras patologias não Covid-19. Ainda, deve-se
levar em consideração que as diferentes unidades de saúde não contam com todos
os recursos de ponta que os grandes hospitais possuem e o que é pior, muitos
lugares sequer estão podendo contar com recursos básicos para o manejo desses
pacientes (respiradores, tomógrafos, etc.). Há, portanto, que de adequar aos
recursos que se tem.
3. DIAGNÓSTICO:
Os
pacientes que apresentam quadro clínico, laboratorial e radiológico de
insuficiência respiratória associada a pneumonia pelo SARS-Cov-2 na sua maioria
cumprem os critérios da definição de Berlim de 2012:
Questionamentos
à definição de Berlim houve após sua publicação. Um deles é sua pouca
especificidade para danos alveolares difusos. No exame post-mortem, 40 a 58%
dos pacientes com diagnóstico clínico de SARA moderada a grave apresentam dano
alveolar difuso. Edema pulmonar e pneumonia sem membranas hialinas são os próximos
achados mais comuns, embora 14% dos pacientes não apresentem lesões pulmonares,
provavelmente por causa de atelectasia disfarçada de SDRA. Proporções
semelhantes ou inferiores de pacientes apresentam dano alveolar difuso na
biópsia pulmonar. Além disso, a proporção geral de pacientes com dano alveolar
difuso no exame post-mortem caiu de 49% para 41% na última década, pois a
ventilação mecânica com volumes correntes da ordem de 6 ml por quilograma de
peso corporal ideal tornou-se comum. Assim, o dano alveolar difuso é melhor
considerado como um achado histológico comum em pacientes com SDRA que pode, em
parte, refletir lesão pulmonar induzida por ventilador[22].
O conceito de “pseudoSARA” exemplifica melhor os padrões que fogem da definição
clássica de Berlim[23].
Entretanto, para os casos de Covid-19, apesar de ser interessante definir com a
maior precisão se se trata ou não de SARA, uma ausência de 100% de concordância
com os critérios de Berlim, não deve ser relevante para definir a conduta do
paciente com Covid-19.
4. A
TOMOGRAFIA DE TÓRAX, tem cobrado muita relevância nesta
pandemia, auxiliando no diagnóstico. Entretanto, isoladamente não pode ser usada
para triagem de pacientes suspeitos. A definição de casos suspeito deve seguir
as diretrizes do Ministério da Saúde. É de suma importância ter pelo menos um
exame inicial para definir o padrão de infiltrado (vidro fosco x consolidação)
predominante. Seria ideal poder monitorar tomograficamente os pacientes para
acompanhar as possíveis mudanças evolutivas que ocorram. Todavia, muitos lugares sequer contam com um
tomógrafo e os que tem deverá ser usado para o atendimento não apenas de
pacientes infectados pelo SARS-Cov-2, o que certamente aumenta o risco de
transmissão tanto para outros pacientes quanto para os profissionais de saúde.
Soma-se o fato de que os pacientes internados se encontram em unidades de
isolamento individuais ou de coorte, o que limita a realização de múltiplas
tomografias sequenciais, em razão dos riscos que o translado até a unidade de
imagem gera para o paciente e para terceiros. O uso da TC de impedância a beira
leito poderia ser uma alternativa, porém seu uso teria embasamento nas evidências
de uso na SARA e trata-se de um recuso indisponível para a grande maioria de
hospitais. Alternativamente, a ULTRASONOGRAFIA PULMONAR A BEIRA LEITO (point-of-care
ultrasound) deveria ser usada quando disponível. O ultrassom pulmonar é uma
técnica em desenvolvimento que tem sido amplamente utilizado em pacientes com SARA
nas últimas décadas, incluindo a monitorização das manobras de recrutamento
alveolar[24] [25]
[26]
e a posição prona[27].
Recentemente, Peng et al., publicou um artigo em que descreve as caraterísticas
dos achados ultrassonográficos da pneumonia Covid-19, comparando-os com os
achados da tomografia, mostrando que esta ferramenta pode ser útil, segura e
não invasiva para diagnóstico. No entanto, esta técnica tem várias limitações,
como a necessidade de treinamento formal, ser operador dependente com
variabilidade inter-observador e precisão limitada (particularmente em
pacientes obesos e na presença de enfisema subcutâneo)[28].
No Brasil, a Associação Brasileira de Medicina de Emergência (ABRAMED)
juntamente com a Associação Médica Brasileira (AMB) publicaram Protocolo de uso
de Ultrassonografia Point-of-Care (POCUS) no atendimento inicial do paciente
com COVID-19[29]
incluindo vídeos educativos[30].
Idealmente deverá se dispor um equipamento exclusivo para pacientes Covod-19 ou
dever-se-á adotar protocolos rigorosos de descontaminação de alta intensidade
após o uso.
5. FORMAS
SEVERAS DE COVID-19 compatíveis com SARA GRAVE pelos
critérios de Berlim, Fenótipo fisiopatológico H de Gattinoni e Fenótipo
tomográfico 3 de Chiara Robba, devem ser manejados de acordo com as
orientações clássicas para SARA.
Nesse
sentido, no Brasil temos as Recomendações da Associação de Medicina
Intensiva Brasileira (AMIB), para estratégia protetora, cuja mais
recente versão mudou a orientação de uso inicial da Tabela PEEP da ARDSNet,
passando a recomendar a “Tabela PEEP Low” (para SARA Leve), em razão de ter
observado que o uso da “Tabela PEEP High”
(para SARA moderada ou grave) estar acarretando hiperinsuflação pulmonar e
piora da evolução de parte dos pacientes com COVID-19, fato este que vai ao
encontro com os achados e recomendações do grupo do professor Gattinoni. As
orientações assim estão redigidas[31]:
Parâmetros
da Ventilação Mecânica Protetora
A
ventilação mecânica invasiva protetora poderá ser iniciada no modo volume ou
pressão controlada (VCV ou PCV) com volume corrente igual a 6 ml/kg de
peso predito e pressão de platô menor que 30 cmH2O, com pressão de distensão ou
driving pressure (= Pressão de platô menos a PEEP) menor que 15 cmH2O. O ajuste
da PEEP ideal permanece ainda não totalmente elucidado. Ajustar a menor PEEP
suficiente para manter SpO2 entre 90-95%, com FiO2 < 60% (em casos de
necessidade de FIO2 acima de 60%, utilizar tabela PEEP/FIO2 da ARDSNet para
PEEP baixa (“SARA LEVE”) - Fig 1). A mudança desta recomendação advém da
recente experiência adquirida, onde o uso de PEEP mais elevada (obtida pela
tabela ARDSNet para PEEP elevada ou “SARA MODERADA E GRAVE”) demonstrou estar
acarretando hiperinsuflação pulmonar e piora da evolução de parte dos pacientes
com COVID-19.
Para
ajustar a PEEP, pode-se usar a tabela de PEEP baixa do ARDSnet, a seguir:
A
frequência respiratória deverá ser estabelecida entre 20 e 35 respirações por
minuto para manter ETCO2 entre 30 e 45 e/ou PaCO2 entre 35 e 50 mmHg. Nos casos
de PaO2/FIO2 menores que 150, já com PEEP adequada pela tabela PEEP/FIO2,
sugere-se utilizar ventilação protetora colocando o paciente em posição prona por
no mínimo 16 horas. Todos os cuidados e paramentação para procedimentos
aerossolizantes de toda equipe assistente que irá realizar a rotação devem ser
garantidos, devido ao alto poder infectante deste vírus e à necessidade de pelo
menos cinco profissionais de saúde participarem do processo seguro de rotação.
Para realização da rotação e para manutenção do paciente em posição prona
deve-se prover adequada sedoanalgesia e se preciso for, curarização. O paciente
poderá permanecer em decúbito supino se, após ser “despronado”, permanecer com
PaO2/FIO2 > 150. Do contrário, pode-se considerar colocar novamente o
paciente em posição prona. É importante reforçar a necessidade do adequado
treinamento da equipe para realizar a manobra, bem como a proteção adequada de
todos os profissionais envolvidos. Parte dos pacientes tem evoluído com
complacência estática aceitável ou mesmo normal. Nestes casos, pode-se usar
Volume Corrente de até 8 ml/kg de peso predito. Casos
de piora na oxigenação devem ser investigados para Tromboembolia pulmonar, que
tem se mostrado muito prevalente na Itália e Espanha. Já nos casos extremos de
hipoxemia refratária com PaO2/FIO2 menor que 80 por 3 horas e ou menor que 100
por 6 horas, pode-se indicar a instalação de ECMO veno-venosa ou veno-arterial
nos casos de acomentimento cardíaco. Nesse caso, sugere-se que o paciente seja
transferido para uma unidade especializada em ECMO ou que uma equipe externa
disponibilize estrutura adequada para realização segura e adequada da ECMO,
conforme as normas vigentes.
6. FORMAS
LEVES E MODERADAS DE COVID-19 compatíveis com SARA LEVE
e MODERADA pelos critérios de Berlim, Fenótipo fisiopatológico L de
Gattinoni e Fenótipo tomográfico 1 e 2 de Chiara Robba, podem
ter uma abordagem convencional de acordo com as diretrizes em vigor para essas
formas de SARA.
Entretanto,
podem também se beneficiar de outras modalidades ventilatórias. A Ventilação
com Liberação de Pressão na Via Aérea (Airway Pressure Release Ventilation -
APRV) há algum tempo já tem sido usada para ventilação mecânica das
formas leves e moderadas de SARA mostrando benefícios. APRV foi descrito
inicialmente por Stock e Downs como uma forma de pressão positiva contínua
(CPAP) com uma fase intermitente de liberação de pressão. Conceitualmente, o
APRV aplica durante um intervalo (CPAP Phase) de tempo (THigh) uma pressão
contínua nas vias aéreas (Phigh) a cada ventilação espontânea do paciente,
idêntico ao CPAP, para manter volume pulmonar adequado e promover recrutamento
alveolar. No entanto, o APRV adiciona de forma intermitente e durante um
intervalo menor de tempo (TLow) uma fase de liberação de pressão (Release Phase)
mantendo também uma pressão menor (PLow) na ventilação do paciente. Pode ser
mais provável que o APRV recrute tecido pulmonar precocemente, evitando a
necessidade de pronar e o uso de bloqueador neuromuscular (concomitantemente
menos sedação e menos tempo de ventilação mecânica) [32]
[33]
[34]
[35] [36]
[37].
No entanto, é importante frisar que o APRV é uma modalidade que requer seja praticada
por profissional experiente, por apresentar riscos que devem ser monitorizados
como a ocorrência de P-SILI (a semelhança do que poderia ocorrer durante uso da
VNI e a CNAF como estratégia pré-intubação), aumento do trabalho respiratório e do gasto
energético ao manter respirações espontâneas em um elevado nível de pressão
positiva (um elevado CPAP); sobrecarga do ventrículo direito, e hipertensão
pulmonar, redução do retorno venoso, podendo substancialmente diminuir o débito
cardíaco, principalmente em pacientes hipovolêmicos.
7. PRONAÇÃO.
A ventilação prona em paciente em ventilação mecânica invasiva tem sido há
muito tempo amplamente usada nos casos de SARA e sua eficácia tem sido
reafirmada recentemente para pacientes com Covid-19[38]
[39].
Entretanto, há tem sido publicados relatos de casos com melhora da oxigenação
em pacientes com e sem Covid-19 em ventilação espontânea (sob oxigenoterapia com
cateter ou máscara com reservatório). Em 2015, Scaravilli e col., publicou uma
série de casos retrospectivos de 15 pacientes com insuficiência respiratória
hipoxêmica, submetidos a pronação em ventilação espontânea (não intubados)[40].
Mais recentemente, durante a pandemia da Covid-19, esta estratégia tem sido
implementada com sucesso como mostram alguns relatos de casos publicados[41]
[42]
[43]
[44]
[45]
[46].
Essa estratégia pode ser útil em pacientes que se mantêm hipoxêmicos apesar da otimização
da oxigenoterapia, como opção para prevenir uma intubação orotraqueal e a transferência
para UTI em centros onde há escassez de recursos (leitos de UTI, respiradores,
profissionais especialistas em medicina intensiva, etc)[47].
Embora não se tratem de evidências fortes que permitam recomendar seu uso de
forma rotineira, o conhecimento dessa estratégia e sobretudo sua protocolização
institucional com treinamento das equipes, poderá tornar essa medida uma
alternativa eficaz nesta época de pandemia, como tem sido já protocolizada em
outras partes do mundo[48]
[49]
[50].
[1] https://emcrit.org/pulmcrit/covid-pseudoards/
[2]
Médico Anestesista. Professor emérito da Universidade de Milão desde 2017.
Atualmente é professor convidado na Universidade de Göttingen (Alemanha)
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