terça-feira, 19 de maio de 2020


 LESÃO PULMONAR NA COVID-19: S.A.R.A. ou PSEUDO-S.A.R.A.?

Elaborador por: Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Especialista em Medicina Intensiva. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos - SP.
Coordenador do Programa de Residencia Médica - COREME - da Santa Casa de São Jose dos Campos - SP


No contexto da pandemia pelo SARS-Cov-2, tem surgido na literatura, controvérsias sobre a fisiopatologia da lesão pulmonar nos pacientes com Covid-19, levando a sugerir estratégias ventilatórias diferentes das já conhecidas para o manejo da SARA (Síndrome de Angústia Respiratória do Adulto), também chamada de SDRA (Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo)[1]. Esta tese lançada sobre a fisiopatologia da pneumonia da Covid-19 é defendida pelo grupo italiano capitaneado pelo professor Luciano Gattinoni[2].

O MODELO DICOTÔMICO DE FENOTIPOS[3] [4] [5] [6]

O painel da Surviving Sepsis Campaign recomendou recentemente que pacientes ventilados mecanicamente com Covid-19 devem ser tratados de maneira semelhante a outros pacientes com insuficiência respiratória aguda na UTI[7].

No entanto, o grupo italiano de Gattinoni e col. recentemente tem sugerido que, embora a Síndrome de Angústia Respiratória Aguda da Covid-19 possa atender à definição Berlin para SARA[8], a pneumonia da Covid-19 seria, na verdade, uma doença específica com fenótipos peculiares, cuja principal característica seria a dissociação entre a gravidade da hipoxemia ocorrida e a manutenção de uma mecânica respiratória relativamente boa, isto é, uma complacência do sistema respiratório quase normal (mais de 50% dos 150 pacientes avaliados pelos autores e confirmado por vários colegas no norte da Itália), uma combinação quase nunca vista nas formas clássicas de SARA grave.

Esses pacientes gravemente hipoxêmicos, apesar de compartilharem uma única etiologia (SARS-CoV-2), podem apresentar-se de maneira bastante diferente: respirando normalmente (hipoxemia “silenciosa”) ou notavelmente dispneicos; bastante sensíveis ao óxido nítrico ou não; profundamente hipocapnicos ou normo/hipercapnicos; e responsivos à pronação ou não. Portanto, a mesma doença realmente se apresenta de forma bastante heterogênea, como aliás já vinha sendo descrito por outro grupo italiano (Mauri T, Spinelli e col.) para os casos de Covid-19, salientando a existência de um elevado desbalanço entre ventilação-perfusão, com predominância do perfil de ventilado/não perfundido (espaço morto) sobre o não ventilado/perfundido (shunt)[9].

O grupo de Gattiononi pondera que, considerando que a complacência média do sistema respiratório é geralmente em torno de 50 ml/cmH2O, pacientes com complacência respiratória menor ou maior que essa média, experimentam hipoxemia de gravidade semelhante. Segundo os autores, com base na observação, puderam estabelecer diferentes padrões de pneumonia viral pelo SARS-Cov-2 na emergência, que dependem de três fatores: 1) a gravidade da infecção, a resposta do hospedeiro, a reserva fisiológica e comorbidades; 2) a capacidade de resposta ventilatória do paciente a hipoxemia e 3) o tempo decorrido entre o início da doença e a observação no hospital.

Assim, propõem dois fenótipos de pacientes: fenótipo 1 ou com pneumonia “L” (Não SARA) e fenótipo 2 ou com pneumonia “H” (SARA) com diferentes fisiopatologias. Na entrada na emergência, estes fenótipos seriam claramente distinguíveis pela tomografia computadorizada de tórax (figura 1). Se a tomografia computadorizada não estiver disponível, a avaliação da complacência do sistema respiratório e possivelmente a resposta à PEEP seriam os únicos substitutos imperfeitos sugeridos.




Figura 1: Nesses 2 pacientes, foram registradas as seguintes diferenças entre os fenótipos 1 e 2: peso pulmonar (1192 g x 1441); volume de ar pulmonar (2774 ml x 1640 ml)); porcentagem de tecido não aerado (8,4% x 39%); % shunt venoso (56% x 49%); relação P/F (68 x 61) e complacência do sistema respiratório (80 x 43 ml/cmH2O).

A diferenciação tomográfica tem seu embasamento em dois padrões que, muito embora não sejam patognomônicos e nem exclusivos da Covid-19, tem auxiliado bastante no diagnóstico da doença: Padrão em vidro fosco e a consolidação que correspondem ao padrão de opacidade aumentada[10].
Ambos padrões de imagem tomográfica tem seu sustento na fisiopatologia do processo inflamatório que ocorre a nível da membrana alvéolo-capilar (Figuras 2 e 3).

Figura 2: Alvéolo Normal


Figura 3: Alvéolo Inflamado

Padrões de Opacidade pulmonar aumentada:

Opacidade pulmonar aumentada pode ser descrita como opacidade em vidro fosco ou consolidação.

1. Opacidade em vidro fosco: é uma opacidade pulmonar aumentada que deixa visualizar os vasos associados e representa anormalidades abaixo da resolução da tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR). Representa basicamente edema intersticial sem invasão ou com invasão parcial do espaço intra-alveolar (edema alveolar).

2. Consolidação: é uma opacidade pulmonar aumentada na qual os vasos não são visualizados e representa uma doença confluente que invade o espaço intra-alveolar.



Estes achados podem refletir doenças que são primariamente alveolares, intersticiais ou mistas. O diagnóstico diferencial entre opacidade em vidro fosco e consolidação muitas vezes é sobreposto e é predominantemente baseado pela duração dos sintomas: agudo ou crônico (https://www.youtube.com/watch?v=6r8tiSekL-g)

TIPO 1 OU NÃO SARA) COM PNEUMONIA COVID-19 TIPO “L” (LOW)

Se caracteriza por:

·         Baixa Elastancia (Low elastance): complacência pulmonar quase normal ou alta. Padrão de hipoxemia grave com complacência do sistema respiratório > 50 ml/cmH2O.

·         Baixa Relação Ventilação Perfusão (Low VA/Q): como o volume de ar é quase normal, a hipoxemia pode ser explicada pela perda da auto regulação da perfusão associada à perda do mecanismo compensador de vasoconstricção hipóxica. Isto provocaria nas áreas de vidro fosco, contrariamente ao que se esperaria, uma sorte de vasodilatação com hiperperfusão inefetiva para troca de gases (em razão do edema intersticial que dificulta a passagem de O2). Portanto, sem vasoconstrição reflexa hipóxica nesta fase, a pressão da artéria pulmonar deve estar próxima do normal.

·         Baixo peso pulmonar (Low lung weight): apenas infiltrados em vidro fosco (infiltrado intersticial) estão presentes na tomografia computadorizada, localizados principalmente nas regiões subpleurais (padrão periférico) e ao longo das cissuras pulmonares (espessamento septal) abrangendo uma área pulmonar geralmente de < 25%. Consequentemente, o peso pulmonar é apenas moderadamente aumentado, mas baixo se comparado com o padrão de SARA clássica.

·         Baixa capacidade de recrutamento pulmonar (Low lung recruitability): a quantidade de tecido não aerado (atelectasiado) é muito baixa e, consequentemente, a capacidade de recrutamento é baixa.
Para conceituar esses fenômenos, hipotetiza-se a seguinte sequência de eventos: a infecção leva a um edema intersticial subpleural local moderado (lesões em vidro fosco com padrão periférico) particularmente localizados nas interfaces entre estruturas pulmonares com diferentes propriedades elásticas, onde o estresse e tensão são concentrados. Nas áreas de vidro fosco, que representam edema intersticial, se cria uma dificuldade para a passagem de O2 do alvéolo para o capilar pulmonar, produzindo hipoxemia. A hipoxemia produz normalmente vasodilatação na maioria dos leitos vasculares exceto no pulmão onde ela produz vasoconstrição. A vasoconstrição que ocorre no pulmão em resposta à hipoxemia é conhecida como vasoconstrição pulmonar hipóxica (VPH) e foi descrita pela primeira vez por Bindsley et al.[11], e tem como objetivo desviar o sangue dessas áreas menos ventiladas para outras mais ventiladas, tentando manter assim a relação ventilação/perfusão próxima do normal e assim atenuar a hipoxemia[12]. Sabe-se que a VPH é regulada localmente, já que ocorre em experimentos com o pulmão isolado. A VPH tem duas fases distintas: fase 1 começa em alguns segundos e é máxima aos 15 minutos. Com hipóxia moderada (PO2 de 30 a 50 mmHg), a resposta é mantida, mas em estudos de animais com hipóxia grave (PO2 <30 mmHg), a fase 1 rapidamente declina novamente para valores quase normóxicos. Quando a hipóxia moderada é mantida por mais de 30 a 60 minutos, a fase 2 do HPV começa e um aumento adicional na resistência vascular pulmonar (RVP) é observado, atingindo um pico em 2 h[13]. O mecanismo exato do fenômeno não é bem conhecido, porém estudos usando células do músculo liso arterial pulmonar (CMLAP) confirmam que a VPH ocorre nessas células mesmo quando isoladas, isto é, removidas do contato com células endoteliais (CE) ou mediadores locais ou transmitidos pelo sangue. Grande parte da pesquisa sobre o mecanismo molecular do HPV, portanto, se concentrou no estudo das CMLAP e ao que parece, se relaciona com o efeito da hipóxia na modulação dos canais de K+, do estado redox do citoplasma e ativação dos canais de cálcio e liberação do mesmo do retículo sarcoplasmático, produção de espécies reativas mitocondriais de oxigênio (ERO), estado de energia celular, função proteica ligada a membrana, fator induzível por hipóxia (FIH) e a alteração da atividade da ciclooxigenase e lipooxigenase[14].

Postula-se que na pneumonia Covid-19, há perda desse mecanismo de vasoconstrição hipóxica levando a aumento do shunt venoso e a uma hipoxemia grave. A resposta ventilatória normal à hipoxemia é aumentar a ventilação minuto, principalmente aumentando o volume corrente (até 15-20 ml/kg), que está associado a uma pressão inspiratória intratorácica mais negativa. Outros fatores, além da hipoxemia, estimulam acentuadamente, nesses pacientes, o esforço respiratório. A complacência normal, no entanto, explica por que alguns pacientes se apresentam sem dispneia já que o paciente inala o volume esperado. Este aumento na ventilação minuto leva a uma diminuição na PaCO2 (hipocapnia). PEEP alta e prona não melhoram a oxigenação através do recrutamento de áreas colapsadas, mas redistribuem a perfusão pulmonar, melhorando a relação VA/Q. A tomografia computadorizada de pulmão nesses pacientes confirma que não há áreas significativas para recrutar, mas o shunt venoso de direita para a esquerda é tipicamente em torno de 50%. Os pacientes do fenótipo “L” podem permanecer inalterados por um período e, em seguida, melhorar ou piorar em razão da evolução da própria doença e/ou em decorrência do atraso no suporte ventilatório mecânico invasivo que prolonga um contínuo esforço inspiratório e a profundidade da pressão intratorácica negativa associada ao aumento do volume corrente em cada respiração espontânea. De fato, a combinação de pressão intratorácica inspiratória negativa e o aumento da permeabilidade pulmonar devido a inflamação, resulta em maior edema intersticial pulmonar. Este fenômeno, inicialmente descrito por Barach em 1938 e Mascheroni em 1988, ambos em um ambiente experimental, foi recentemente reconhecido como a principal causa da denominada lesão pulmonar autoinfligida pelo paciente (P-SILI). Grieco e col., referem que durante a ventilação espontânea, a pressão nas vias aéreas é menor do que durante a ventilação mecânica controlada. Nestes pacientes, o principal determinante da Pressão Transpulmonar [PTP = Pressão alveolar (Palv) – Pressão Pleural (Ppl)] é o esforço inspiratório, que pode ser medido pela deflexão negativa da pressão esofágica (PSE). A PTP, contrariamente ao que poderia se pensar, não diminui durante a ventilação espontânea, mas pelo contrário aumenta em razão da Ppl se tornar mais negativa. Durante insuficiência respiratória aguda e a SARA, grandes esforços inspiratórios podem induzir lesão pulmonar devido às oscilações descontroladas na PTP que aumentam anormalmente o estresse pulmonar e geram a inflação de grandes volumes correntes em um compartimento reduzido (baby lung). Em condições normais, o esforço espontâneo induz uma mudança uniforme na Ppl ao longo da inspiração, o que resulta em uma mudança uniforme na PTP. No entanto, com pulmões lesionados, o esforço espontâneo resulta em Ppl mais negativa e precoce nas regiões dependentes em comparação com as regiões não dependentes (menos negativa e tardia). A transmissão diferente no tecido pulmonar (compartimento sólido versus líquido) da contração do diafragma gera heterogeneidade na PTP local, provocando um deslocamento de ar das regiões pulmonares não dependentes para as dependentes, fenômeno denominado de “pendelluft” e que que foi identificado nas fases iniciais de pacientes com SARA ventilando espontaneamente. Esse fenômeno de pendelluft produz um excesso de alongamento nas regiões pulmonares dependentes, independentemente do tamanho do volume de inspirado (o volume de alongamento excessivo provém do pulmão aerado saudável e não do ventilador) e recentemente demonstrou participar de lesão pulmonar durante a ventilação espontânea, mas não durante a ventilação controlada de pacientes com bloqueio neuromuscular. Isso resulta na movimentação do ar de regiões não dependentes para dependentes na fase inicial da inspiração. A distensão resultante pode levar a recrutamento volumétrico significativo de regiões dependentes e piorar uma lesão pulmonar existente. O esforço espontâneo gera Ppl negativa, o que resulta em pressão intratorácica negativa global. Isso aumenta o retorno venoso e a perfusão pulmonar, o que causa alta pressão intravascular. Isso, associado à Ppl negativa, leva à alta pressão vascular (pressão dentro do vaso - pressão fora do vaso), o que leva a edema intersticial. Ou seja, a Ppl fortemente negativa produzida pelo intenso esforço muscular, aumenta a pressão transmural vascular e a permeabilidade dos vasos, contribuindo para a flutuação alveolar (isto é, edema pulmonar por pressão negativa). Neste contexto, há que se ponderar que a persistência desnecessária numa estratégia não invasiva (VNI/CNAF) que não garantem uma PEEP suficiente, poderá associar um quadro de P-SILI[15]. Com o tempo, aumenta o edema intersticial, o peso pulmonar, a pressão sobreposta e as atelectasias das áreas dependentes. Quando o edema atinge uma certa magnitude invade também os alvéolos (consolidação), levando a uma diminuição volume de gás alveolar. Assim, os volumes gerados para uma dada pressão inspiratória diminuem. Nesta fase, a dispneia se desenvolve, que por sua vez leva ao agravamento da P-SILI. A transição do tipo “L” para o tipo “H” pode ser devido à evolução da pneumonia Covid-19, por um lado, e a lesão atribuível ao alto stress ventilatório por outro.

TIPO 2 OU SARA) COM PNEUMONIA COVID-19 TIPO “H” (HIGH)

Se caracteriza por:

·         Elastância alta (High elastance): diminuição do volume de ar devido ao aumento do edema é responsável pelo aumento elastância pulmonar.

·         Alto shunt da direita para a esquerda (High right-to-left shunt): isso se deve à fração do débito cardíaco que perfunde o tecido não aerado que se desenvolve nas regiões dependentes do pulmão devido ao aumento do edema e pressão sobreposta.

·         Peso pulmonar alto (High lung weight): a análise quantitativa da tomografia computadorizada mostra um aumento notável no peso do pulmão (> 1,5 kg), na ordem de magnitude da SARA grave, com área comprometida geralmente >75%.

·         Recrutabilidade pulmonar alta (High lung recruitability): a quantidade aumentada de tecido não aerado está associada, como em casos graves de SARA, com maior capacidade de recrutamento.

O padrão tipo H se encaixa perfeitamente nos critérios severos da SARA: hipoxemia, infiltrados bilaterais, diminuição da complacência do sistema respiratório, aumento do peso pulmonar e possibilidade de recrutamento. Em 20 a 30% dos pacientes com Covid-19 admitidos na unidade de terapia intensiva (UTI), associa-se hipoxemia grave com valores de complacência <40 ml / cmH2O, indicando SARA. Certamente é possível que essa forma ocorra devido à evolução natural da doença, mas não se pode excluir a possibilidade de que essa severidade de dano (aumento do edema) resulta em parte do manejo inicial como descrito acima (P-SILI).

Em resumo, a pneumonia tipo L teria um padrão em vidro fosco, com pouca ação gravitacional, que predomina nas fases iniciais da doença. Por isso, a complacência é boa, não precisa de PEEP tão alta, não responde ao recrutamento e, às vezes, nem à prona. A hipoxemia é marcante e é provável que haja grande componente de shunt. Com o tempo, a forma L evolui para a pneumonia tipo H, clássica de SARA, com padrão pior nas bases/dorso pulmonar, com boa resposta à pronação e a PEEP alta.

Destaque-se que este modelo italiano é suportado por quase nenhuma evidência real. Mesmo assim, esta tese fisiopatológica tem servido para recomendar um protocolo de manejo que consiste em:

1. Oxigenoterapia: Reverter a hipoxemia é através do aumento da FiO2 para o qual o paciente do tipo L responder bem, particularmente se ainda não estiver com dispneia.

2. Terapia inicial não invasiva: Nos pacientes do tipo L com dispneia, existem várias opções não invasivas: cânula de alto fluxo nasal (HFNC), pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP) ou ventilação não invasiva (VNI). Nesta fase, a medida (ou estimativa) do balanço da pressão esofágica inspiratória é crucial. A PEEP alta, em alguns pacientes, pode diminuir as oscilações de pressão pleural e interromper o ciclo vicioso que agrava a lesão pulmonar. Entretanto, alta PEEP em pacientes com complacência normal pode ter efeitos prejudiciais na hemodinâmica. Em qualquer caso, as opções não invasivas são questionáveis, pois podem estar associadas a altas taxas de falhas e intubação tardia, em uma doença que normalmente dura várias semanas.

3. Intubação precoce: A magnitude das oscilações das pressões pleurais inspiratórias pode determinar a transição do fenótipo L para o fenótipo tipo H. À medida que as oscilações da pressão esofágica aumentam acima de 15 cmH2O, o risco de lesão pulmonar aumenta e, portanto, a intubação deve ser realizada o mais rápido possível.

4. Ajuste de parâmetros ventilatórios: Uma vez intubados e profundamente sedados, os pacientes do tipo L, se hipercapnicos, podem ser ventilados com volumes superiores a 6 mL/kg (até 8-9 mL/kg) já que a alta complacência resulta em tolerabilidade à tensão sem o risco de VILI (Ventilator-Induced Lung Injury). A posição prona deve ser usada apenas como manobra de resgate, já que as condições pulmonares são “muito boas” para obter alta efetividade da posição prona, que se baseia em melhor redistribuição de estresse e tensão. A PEEP deve ser reduzida para 8-10 cmH2O, dada a que a recrutabilidade é baixa e o risco de alteração hemodinâmica aumenta com níveis mais altos de PEEP. A intubação precoce pode evitar a transição para o fenótipo tipo H.

5. Tratamento de SARA padrão: Pacientes do tipo H, devem ser tratados como SARA grave, incluindo PEEP mais alta, se compatível com o estado hemodinâmico, posição prona e suporte extracorpóreo (ECMO.

O MODELO DOS FENÓTIPOS TOMOGRÁFICOS[16]

Chiara Robba e col., seguindo a linha fisiopatológica do grupo de Gattinoni e col., recentemente publicaram um Guia de Orientação para o manejo respiratório de pacientes com COVID-19 antes, durante e após ventilação mecânica, com base na literatura recente a experiência de manejo desse tipo de pacientes. Como destaque, e após revisar a literatura existente apresentam três principais padrões de TC de tórax em pacientes com COVID-19, representando três fenótipos tomográficos diferentes (Figura 4):

1) Fenótipo Tomográfico 1: Padrão de múltiplas áreas vidro fosco múltiplo, focais e possivelmente hiperperfundidas de localização principalmente subpleurais.
2) Padrão de atelectasias e opacidades peribrônquicas heterogeneamente distribuídas e,
3) Padrão tipo SARA.



Figura 4. Fenótipos Tomográficos

O grupo correlaciona esses fenótipos tomográficos diferentes com os fenótipos fisiopatológicos L e H de propostos por Gattinoni e col.:

1. Fenótipo tomográfico 1 compatível com o fenótipo fisiopatológico L,
2. Fenótipo tomográfico 3 compatível com o fenótipo fisiopatológico H, e
3. Fenótipo tomográfico 2 compatível com estágios de transição entre os fenótipos L e H.

A seguir o grupo propõe estratégias diversas de manejo dos pacientes de acordo com cada fenótipo tomográfico, destacando as orientações sobre ventilação mecânica, concordantes com a teoria do Gattinoni.

1. Fenótipo tomográfico 1: considerando a complacência pulmonar preservada ou mesmo elevada, a TC de tórax mostrará pouca ou nenhuma área para recrutar, mas áreas de alta perfusão. Nesses casos, a principal causa de hipoxemia parece não ser a atelectasia, mas a distribuição prejudicada da perfusão pulmonar e o shunt. Níveis moderados de PEEP podem, portanto, ser capazes de redistribuir o fluxo sanguíneo pulmonar de áreas pulmonares danificadas para não danificadas; no entanto, níveis mais altos de PEEP podem prejudicar a hemodinâmica, aumentando assim a necessidade de fluidos e drogas vasoconstritoras sem ter importantes efeitos na oxigenação. Volumes correntes > 6 mL/kg também devem ser considerados.

2. Fenótipo tomográfico 2: considerando que as atelectasias são distribuídas de maneira não homogênea. PEEP moderada a alta pode, portanto, ser útil para melhorar o recrutamento pulmonar, bem como o posicionamento lateral ou em prona.

3. Fenótipo tomográfico 3: devem ser utilizados princípios gerais aplicados ao manejo da SARA, incluindo baixo volume corrente (<6 mL/kg) e titulação de PEEP de acordo com a PEEP table e a mecânica ventilatória.

Outras estratégias recomendadas: posição prona com resgate apenas para os fenótipos 2 e 3, oxido nítrico inalatório não recomendado de rotina, bloqueador neuromuscular (BNM) para casos selecionados como pacientes em prona, com assincronias e altas pressões de platô, manobras de recrutamento alveolar apenas para os fenótipos 2 e 3, e finalmente ECMO como terapia de resgate em casos selecionados.

QUESTIONAMENTOS AO MODELO DOS FENÓTIPOS

Ziehr e col.  descreveram recentemente a fisiopatologia respiratória de pacientes intubados e submetidos a ventilação mecânica no Massachusetts General Hospital (MGH) and Beth Israel Deaconess Medical Center (BIDMC) entre 11 e 30 de março de 2020[17]. Trata-se de uma série de casos retrospectivos envolvendo 66 pacientes que foram manejados segundo o seguinte protocolo:

·         Intubação precoce. Cânula nasal de alto fluxo (CNAF) ou ventilação não invasiva (VNI) não deveriam ser previamente utilizadas.

·         Ventilação mecânica ciclada por volume (VCV) com um volume corrente alvo abaixo de 6 ml/kg de peso predito.

·         Ventilação precoce em posição prona para pacientes com uma relação P/F <200.

·         A PEEP foi titulada de acordo com os protocolos institucionais de várias maneiras (incluindo o uso da tabela PEEP mais baixa/Fi02 mais alta da ARDSnet, titulação pela melhor complacência ou pela manometria esofágica).

Seguindo as orientações, quase todos os pacientes foram intubados precocemente no dia da internação hospitalar. Prona foi utilizada em 47% dos pacientes, bloqueio neuromuscular em 42%, vasodilatadores inalatórios pulmonares em 27% e ECMO em 5%. Quase todos os pacientes receberam azitromicina e hidroxicloroquina, com 26% também recebendo remdesivir e 8% corticoide.

De acordo com o estudo, 62% dos pacientes foram extubados após uma duração média de ventilação de 16 dias (intervalo interquartil de 10 a 21 dias). Em 21% dos pacientes foi realizada traqueostomia e 17% dos pacientes morreram.

Houve um intenso e persistente debate sobre se os pacientes com Covid-19 tinham ou não SARA. Este estudo usou a definição de Berlim para SARA. Somente 85% dos pacientes na admissão atenderam todos os critérios da definição, a despeito de 97% dos pacientes terem opacidades bilaterais. A principal razão pela qual alguns pacientes falharam em atender à definição de Berlim foi que vários pacientes tinham uma relação P/F>300 que os excluía da definição. Muitos pacientes apresentaram a denominada “pseudoARDS” que ocorre naqueles pacientes cuja relação P/F aumenta acima de 150 após 12-24 horas de otimização em ventilação mecânica (sem pronação). Refere-se aos pacientes que “imitam a SARA”, mas não apresentam realmente danos pulmonares graves. Esses pacientes podem atender tecnicamente à definição de SARA (são descritos 3 padrões de pseudoSARA: de volume, de efusão e de colapso) mas sua evolução é surpreendentemente boa, comparados aos pacientes com SARA verdadeira[18]. A pseudoARDS é clinicamente relevante, porque esses pacientes não atendem à indicação de prona do estudo Proseva[19].  A maioria dos pacientes desta série com Covid-19 parecia ter pseudoARDS. A relação P/F melhorou consideravelmente durante o primeiro dia de ventilação. No dia 2, quase todos os pacientes tinham uma relação P/F acima de 150. Entretanto o estudo teve 47% dos pacientes pronados (sem indicação de exatamente quando isso aconteceu). Assim, parte da melhoria da oxigenação no dia 2 provavelmente resultou da pronação (que não atenderia à definição de pseudoARDS). Pacientes com Covid-19 parecem ter problemas substanciais com atelectasias e respostas favoráveis ​​à ventilação com pressão positiva (por exemplo, CPAP não invasivo). Muitas das melhorias observadas entre o dia 1 e o dia 2 podem ter refletido o recrutamento gradual em resposta à intubação precoce com PEEP. Esses centros costumavam usar a Tabela de PEEP baixa (com uma PEEP inicial média de 10 cm), por isso é concebível que melhorias ainda maiores na relação P/F possam ter sido observadas com níveis mais altos de PEEP.

Os dados do estudo de Ziehr e col. confrontam o modelo dicotómico de Gattinoni e col. No estudo apresentado, observaram que os pacientes se apresentavam fases iniciais com uma complacência do sistema respiratório (Csr) baixa (30 – 43 com média de 35 ml/cmH2O) e boa resposta as manobras de recrutamento e prona. Os resultados, portanto, não se enquadram no modelo italiano que descrevem fases iniciais com complacência quase normal do sistema respiratório e falha no recrutamento inicial. Os pacientes foram manejados com terapias convencionais de SARA grave, incluindo ventilação com baixo volume corrente, administração conservadora de fluidos e, em muitos casos, ventilação prona. Com um seguimento mínimo de 30 dias, a mortalidade geral foi de 16,7% e a maioria dos pacientes foram extubados com sucesso e receberam alta da UTI. Ainda a ventilação prona foi utilizada em 47% dos pacientes. Pronação causou melhorias na oxigenação (de uma razão P/F média de 150 a 232). Entre os 31 pacientes pronados, 12 receberam bloqueio neuromuscular concomitante. Portanto, a ventilação prona melhorou a oxigenação (embora a pronação seja desnecessária na maioria dos pacientes). A ventilação prona pode ser realizada com segurança, sem uso de bloqueador neuromuscular.

Os achados de Ziehr e col., são totalmente compatíveis com uma série anterior de Pavan K. Bhatraju et.al. que também demonstrou baixa complacência pulmonar desde o primeiro dia e não ao longo do tempo[20].

Mais recentemente, Lieuwe D.J. Bos e col., publicaram uma análise retrospectiva dos primeiros 70 pacientes com suspeita de COVID-19 que foram admitidos na unidade de terapia intensiva do Hospital Universitário de Amsterdam (Holanda). Foram obtidas imagens de TC de tórax em 38 pacientes com comprovada Covid-19 (54%), pois os demais pacientes vieram transferidos de outros hospitais. A complacência do sistema respiratório (Csr) foi calculada logo após a intubação, durante bloqueio neuromuscular. A tomografia computadorizada foi realizada após a intubação e antes do transporte para a UTI. A área percentual consolidada foi estimada somando-se as áreas com densidade de mais de 500HU e expressando-a como frações de quartil (0-25-50-75-100%). Usou-se a referência italiana (Gattinoni e col.,) de que áreas com essa densidade refletem tecido pulmonar mal ou não aerado e representaram aproximadamente <25% do tecido pulmonar no fenótipo L e aproximadamente 75% no fenótipo H. A morfologia pulmonar foi classificada como focal e não focal. Dezessete pacientes (45%) apresentavam Csr abaixo de 40 mL/cmH2O (valor usado como ponto de corte) enquanto sete pacientes (18%) apresentaram menor envolvimento parenquimatoso. Não houve relação entre Csr e tecido pulmonar mal ou não aerado (Figura 2). A maioria os pacientes tinham uma morfologia pulmonar não focal com maior envolvimento parenquimatoso, mas não uma menor Csr que pacientes com morfologia pulmonar focal.

Figura 3: Eixo X: complacência do sistema respiratório (Csr) com 40cmH2O como corte para alta e baixa complacência. Eixo Y: porcentagem de pulmão com pouca ou nenhuma aeração expressa semi-quantitativamente como quartis. A área vermelha e os triângulos preenchidos em vermelho indicam pacientes com um fenótipo H consistente. A área azul com os triângulos preenchidos em azul indicam pacientes com um fenótipo L consistente. Os triângulos preenchidos em cinza correspondem a pacientes com um fenótipo discordante. TC indicativas para cada área são mostrados nos dois lados.
Dois pacientes preencheram corretamente os critérios para o fenótipo L e 12 pacientes para o fenótipo H, deixando 24 pacientes (63%) com resultados discordantes e sem poder definir claramente o fenótipo. A maioria dos pacientes apresentava morfologia pulmonar não focal (N = 30, 79%, triângulo voltado para cima) ao invés de uma morfologia pulmonar focal (N = 8, 21%, triângulo voltado para baixo)

Com base nesses dados preliminares, concluem que a complacência e a estimativa do peso pulmonar não se correlacionam em pacientes com SARA relacionada ao Covid-19. A maioria dos pacientes poderia não ser classificado como fenótipo “H” ou “L”, por apresentar características mistas. Pacientes frequentemente mostraram envolvimento parenquimatoso extenso e morfologia não focal na tomografia computadorizada do tórax, o que pode sugerir tecido pulmonar recrutável. A complacência do sistema respiratório foi semelhante ao relatado em outras coortes de pacientes com Covid-19, e à SARA não relacionada ao Covid-19[21].

AFINAL, COMO DEVEMOS ENTÃO CLASSIFICAR MANEJAR PACIENTES COM INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA E PNEUMONIA COVID-19?

1.      Penso que numa época de pandemia como a que estamos vivendo, considerada verdadeira situação de calamidade, catástrofe e desastre, equiparável a um “estado de guerra” contra um inimigo mundial comum altamente destrutivo que vem provocando muitas mortes, há que se levar em consideração que não há tempo para  grandes estudos que forneçam elevados níveis de evidencias que sustentem recomendações sólidas. Nesta época, em que “tudo é novo” as evidencias também deverão ser novas e aquelas do topo da pirâmide (metanálises, revisões sistemáticas e ensaios clínicos randomizados) ainda levarão tempo para serem publicadas. Por ora, evidencias menos ou pouco consistentes, como os estudos in vitro, em animais, relato de casos e principalmente a opinião dos experts que já vivenciaram o enfrentamento à pandemia em outros lugares, poderá temporariamente sustentar as condutas nos lugares que atualmente estão enfrentando a pandemia, como o Brasil. Inequivocamente, na medidas em que surgirem as evidencias robustas tais condutas deverão ser revistas e modificadas, sem que, o que foi feito em caráter emergencial perca seu mérito e validade, toda vez que foram realizadas pensando no bem maior que é a VIDA DO SER HUMANO.

Seguindo essa linha de raciocínio, no manejo da Covid-19, também tudo é novo e, contrariamente ao que se esperava o comportamento da doença não tem seguido a evolução de outras epidemias como a da Influenza (H1N1), SARS e MERS. Portanto, válidos todos os esforços que vem sendo desenvolvidos para explicar o comportamento desta doença, especialmente no tocante à sua fisiopatologia. Nesse caminho, creio que bem tem andado o grupo do professor Gattinoni, cuja experiencia no entendimento e manejo da SARA resulta inquestionável. Como expert, sua opinião é de grande relevância que devemos levar em consideração, a despeito das poucas evidencias que sustentem sua teoria e de outros trabalhos que possam chegar às mesmas conclusões às quais ele chegou. Não se trata de “desvirtuar os conceitos clássicos da SARA” ou de “trazer de volta velhos conceitos já contestados”, mesmo porque em medicina nada é imutável.

2.      Penso que o melhor será INDIVIDUALIZAR O MANEJO DO PACIENTE COM COVID-19. Neste momento a celebre frase “cada caso é um caso” deverá nortear tanto o diagnóstico assim como o manejo. Há que se evitar regras rígidas “emprestadas”, mesmo que já consolidadas para outras patologias não Covid-19. Ainda, deve-se levar em consideração que as diferentes unidades de saúde não contam com todos os recursos de ponta que os grandes hospitais possuem e o que é pior, muitos lugares sequer estão podendo contar com recursos básicos para o manejo desses pacientes (respiradores, tomógrafos, etc.). Há, portanto, que de adequar aos recursos que se tem.

3.      DIAGNÓSTICO: Os pacientes que apresentam quadro clínico, laboratorial e radiológico de insuficiência respiratória associada a pneumonia pelo SARS-Cov-2 na sua maioria cumprem os critérios da definição de Berlim de 2012:


Questionamentos à definição de Berlim houve após sua publicação. Um deles é sua pouca especificidade para danos alveolares difusos. No exame post-mortem, 40 a 58% dos pacientes com diagnóstico clínico de SARA moderada a grave apresentam dano alveolar difuso. Edema pulmonar e pneumonia sem membranas hialinas são os próximos achados mais comuns, embora 14% dos pacientes não apresentem lesões pulmonares, provavelmente por causa de atelectasia disfarçada de SDRA. Proporções semelhantes ou inferiores de pacientes apresentam dano alveolar difuso na biópsia pulmonar. Além disso, a proporção geral de pacientes com dano alveolar difuso no exame post-mortem caiu de 49% para 41% na última década, pois a ventilação mecânica com volumes correntes da ordem de 6 ml por quilograma de peso corporal ideal tornou-se comum. Assim, o dano alveolar difuso é melhor considerado como um achado histológico comum em pacientes com SDRA que pode, em parte, refletir lesão pulmonar induzida por ventilador[22]. O conceito de “pseudoSARA” exemplifica melhor os padrões que fogem da definição clássica de Berlim[23]. Entretanto, para os casos de Covid-19, apesar de ser interessante definir com a maior precisão se se trata ou não de SARA, uma ausência de 100% de concordância com os critérios de Berlim, não deve ser relevante para definir a conduta do paciente com Covid-19.

4.      A TOMOGRAFIA DE TÓRAX, tem cobrado muita relevância nesta pandemia, auxiliando no diagnóstico. Entretanto, isoladamente não pode ser usada para triagem de pacientes suspeitos. A definição de casos suspeito deve seguir as diretrizes do Ministério da Saúde. É de suma importância ter pelo menos um exame inicial para definir o padrão de infiltrado (vidro fosco x consolidação) predominante. Seria ideal poder monitorar tomograficamente os pacientes para acompanhar as possíveis mudanças evolutivas que ocorram.  Todavia, muitos lugares sequer contam com um tomógrafo e os que tem deverá ser usado para o atendimento não apenas de pacientes infectados pelo SARS-Cov-2, o que certamente aumenta o risco de transmissão tanto para outros pacientes quanto para os profissionais de saúde. Soma-se o fato de que os pacientes internados se encontram em unidades de isolamento individuais ou de coorte, o que limita a realização de múltiplas tomografias sequenciais, em razão dos riscos que o translado até a unidade de imagem gera para o paciente e para terceiros. O uso da TC de impedância a beira leito poderia ser uma alternativa, porém seu uso teria embasamento nas evidências de uso na SARA e trata-se de um recuso indisponível para a grande maioria de hospitais. Alternativamente, a ULTRASONOGRAFIA PULMONAR A BEIRA LEITO (point-of-care ultrasound) deveria ser usada quando disponível. O ultrassom pulmonar é uma técnica em desenvolvimento que tem sido amplamente utilizado em pacientes com SARA nas últimas décadas, incluindo a monitorização das manobras de recrutamento alveolar[24] [25] [26] e a posição prona[27]. Recentemente, Peng et al., publicou um artigo em que descreve as caraterísticas dos achados ultrassonográficos da pneumonia Covid-19, comparando-os com os achados da tomografia, mostrando que esta ferramenta pode ser útil, segura e não invasiva para diagnóstico. No entanto, esta técnica tem várias limitações, como a necessidade de treinamento formal, ser operador dependente com variabilidade inter-observador e precisão limitada (particularmente em pacientes obesos e na presença de enfisema subcutâneo)[28]. No Brasil, a Associação Brasileira de Medicina de Emergência (ABRAMED) juntamente com a Associação Médica Brasileira (AMB) publicaram Protocolo de uso de Ultrassonografia Point-of-Care (POCUS) no atendimento inicial do paciente com COVID-19[29] incluindo vídeos educativos[30]. Idealmente deverá se dispor um equipamento exclusivo para pacientes Covod-19 ou dever-se-á adotar protocolos rigorosos de descontaminação de alta intensidade após o uso.

5.      FORMAS SEVERAS DE COVID-19 compatíveis com SARA GRAVE pelos critérios de Berlim, Fenótipo fisiopatológico H de Gattinoni e Fenótipo tomográfico 3 de Chiara Robba, devem ser manejados de acordo com as orientações clássicas para SARA.

Nesse sentido, no Brasil temos as Recomendações da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), para estratégia protetora, cuja mais recente versão mudou a orientação de uso inicial da Tabela PEEP da ARDSNet, passando a recomendar a “Tabela PEEP Low” (para SARA Leve), em razão de ter observado que o uso da “Tabela PEEP  High” (para SARA moderada ou grave) estar acarretando hiperinsuflação pulmonar e piora da evolução de parte dos pacientes com COVID-19, fato este que vai ao encontro com os achados e recomendações do grupo do professor Gattinoni. As orientações assim estão redigidas[31]:

Parâmetros da Ventilação Mecânica Protetora
A ventilação mecânica invasiva protetora poderá ser iniciada no modo volume ou pressão controlada (VCV ou PCV) com volume corrente igual a 6 ml/kg de peso predito e pressão de platô menor que 30 cmH2O, com pressão de distensão ou driving pressure (= Pressão de platô menos a PEEP) menor que 15 cmH2O. O ajuste da PEEP ideal permanece ainda não totalmente elucidado. Ajustar a menor PEEP suficiente para manter SpO2 entre 90-95%, com FiO2 < 60% (em casos de necessidade de FIO2 acima de 60%, utilizar tabela PEEP/FIO2 da ARDSNet para PEEP baixa (“SARA LEVE”) - Fig 1). A mudança desta recomendação advém da recente experiência adquirida, onde o uso de PEEP mais elevada (obtida pela tabela ARDSNet para PEEP elevada ou “SARA MODERADA E GRAVE”) demonstrou estar acarretando hiperinsuflação pulmonar e piora da evolução de parte dos pacientes com COVID-19.
Para ajustar a PEEP, pode-se usar a tabela de PEEP baixa do ARDSnet, a seguir:



A frequência respiratória deverá ser estabelecida entre 20 e 35 respirações por minuto para manter ETCO2 entre 30 e 45 e/ou PaCO2 entre 35 e 50 mmHg. Nos casos de PaO2/FIO2 menores que 150, já com PEEP adequada pela tabela PEEP/FIO2, sugere-se utilizar ventilação protetora colocando o paciente em posição prona por no mínimo 16 horas. Todos os cuidados e paramentação para procedimentos aerossolizantes de toda equipe assistente que irá realizar a rotação devem ser garantidos, devido ao alto poder infectante deste vírus e à necessidade de pelo menos cinco profissionais de saúde participarem do processo seguro de rotação. Para realização da rotação e para manutenção do paciente em posição prona deve-se prover adequada sedoanalgesia e se preciso for, curarização. O paciente poderá permanecer em decúbito supino se, após ser “despronado”, permanecer com PaO2/FIO2 > 150. Do contrário, pode-se considerar colocar novamente o paciente em posição prona. É importante reforçar a necessidade do adequado treinamento da equipe para realizar a manobra, bem como a proteção adequada de todos os profissionais envolvidos. Parte dos pacientes tem evoluído com complacência estática aceitável ou mesmo normal. Nestes casos, pode-se usar Volume Corrente de até 8 ml/kg de peso predito. Casos de piora na oxigenação devem ser investigados para Tromboembolia pulmonar, que tem se mostrado muito prevalente na Itália e Espanha. Já nos casos extremos de hipoxemia refratária com PaO2/FIO2 menor que 80 por 3 horas e ou menor que 100 por 6 horas, pode-se indicar a instalação de ECMO veno-venosa ou veno-arterial nos casos de acomentimento cardíaco. Nesse caso, sugere-se que o paciente seja transferido para uma unidade especializada em ECMO ou que uma equipe externa disponibilize estrutura adequada para realização segura e adequada da ECMO, conforme as normas vigentes.

6.      FORMAS LEVES E MODERADAS DE COVID-19 compatíveis com SARA LEVE e MODERADA pelos critérios de Berlim, Fenótipo fisiopatológico L de Gattinoni e Fenótipo tomográfico 1 e 2 de Chiara Robba, podem ter uma abordagem convencional de acordo com as diretrizes em vigor para essas formas de SARA.

Entretanto, podem também se beneficiar de outras modalidades ventilatórias. A Ventilação com Liberação de Pressão na Via Aérea (Airway Pressure Release Ventilation - APRV) há algum tempo já tem sido usada para ventilação mecânica das formas leves e moderadas de SARA mostrando benefícios. APRV foi descrito inicialmente por Stock e Downs como uma forma de pressão positiva contínua (CPAP) com uma fase intermitente de liberação de pressão. Conceitualmente, o APRV aplica durante um intervalo (CPAP Phase) de tempo (THigh) uma pressão contínua nas vias aéreas (Phigh) a cada ventilação espontânea do paciente, idêntico ao CPAP, para manter volume pulmonar adequado e promover recrutamento alveolar. No entanto, o APRV adiciona de forma intermitente e durante um intervalo menor de tempo (TLow) uma fase de liberação de pressão (Release Phase) mantendo também uma pressão menor (PLow) na ventilação do paciente. Pode ser mais provável que o APRV recrute tecido pulmonar precocemente, evitando a necessidade de pronar e o uso de bloqueador neuromuscular (concomitantemente menos sedação e menos tempo de ventilação mecânica) [32] [33] [34] [35] [36] [37]. No entanto, é importante frisar que o APRV é uma modalidade que requer seja praticada por profissional experiente, por apresentar riscos que devem ser monitorizados como a ocorrência de P-SILI (a semelhança do que poderia ocorrer durante uso da VNI e a CNAF como estratégia pré-intubação),  aumento do trabalho respiratório e do gasto energético ao manter respirações espontâneas em um elevado nível de pressão positiva (um elevado CPAP); sobrecarga do ventrículo direito, e hipertensão pulmonar, redução do retorno venoso, podendo substancialmente diminuir o débito cardíaco, principalmente em pacientes hipovolêmicos.

7.      PRONAÇÃO. A ventilação prona em paciente em ventilação mecânica invasiva tem sido há muito tempo amplamente usada nos casos de SARA e sua eficácia tem sido reafirmada recentemente para pacientes com Covid-19[38] [39]. Entretanto, há tem sido publicados relatos de casos com melhora da oxigenação em pacientes com e sem Covid-19 em ventilação espontânea (sob oxigenoterapia com cateter ou máscara com reservatório). Em 2015, Scaravilli e col., publicou uma série de casos retrospectivos de 15 pacientes com insuficiência respiratória hipoxêmica, submetidos a pronação em ventilação espontânea (não intubados)[40]. Mais recentemente, durante a pandemia da Covid-19, esta estratégia tem sido implementada com sucesso como mostram alguns relatos de casos publicados[41] [42] [43] [44] [45] [46]. Essa estratégia pode ser útil em pacientes que se mantêm hipoxêmicos apesar da otimização da oxigenoterapia, como opção para prevenir uma intubação orotraqueal e a transferência para UTI em centros onde há escassez de recursos (leitos de UTI, respiradores, profissionais especialistas em medicina intensiva, etc)[47]. Embora não se tratem de evidências fortes que permitam recomendar seu uso de forma rotineira, o conhecimento dessa estratégia e sobretudo sua protocolização institucional com treinamento das equipes, poderá tornar essa medida uma alternativa eficaz nesta época de pandemia, como tem sido já protocolizada em outras partes do mundo[48] [49] [50].


[1] https://emcrit.org/pulmcrit/covid-pseudoards/
[2] Médico Anestesista. Professor emérito da Universidade de Milão desde 2017. Atualmente é professor convidado na Universidade de Göttingen (Alemanha)
[3] Gattinoni L, Chiumello D, Rossi S. COVID-19 pneumonia: ARDS or not? Crit Care. April 2020. doi:10.1186/s13054-020-02880-z
[4] Marini JJ, Gattinoni L. Management of COVID-19 Respiratory Distress. JAMA. April 2020. doi:10.1001/jama.2020.6825
[5] Gattinoni L, Coppola S, Cressoni M, Busana M, Rossi S, Chiumello D. Covid-19 Does Not Lead to a “Typical” Acute Respiratory Distress Syndrome. Am J Respir Crit Care Med. March 2020. doi:10.1164/rccm.202003-0817le
[6] Gattinoni L, Chiumello D, Caironi P, et al. COVID-19 pneumonia: different respiratory treatments for different phenotypes? Intensive Care Med. April 2020. doi:10.1007/s00134-020-06033-2
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[29] http://mobissom.com.br/ultrassom-pulmonar-pocus.pdf
[30] https://www.youtube.com/playlist?list=PLYmSXPzF4Gd6jFve15Z3yDeY25hGq-Cqz
[31] https://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/amib/2020/abril/24/vm_ai_vjs_v5_abr_2020_final.pdf
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[46] Chiara Sartini, MD. et.al., Respiratory Parameters in PatientsWith COVID-19 After Using Noninvasive Ventilation in the Prone Position Outside the Intensive Care Unit
[47] https://www.amib.org.br/fileadmin/user_upload/amib/2020/abril/24/vm_ai_vjs_v5_abr_2020_final.pdf
[48] Peter Bamford, et.al. ICS Guidance for Prone Positioning of the Conscious COVID Patient 2020. Intensive Care Society. https://emcrit.org/wp-content/uploads/2020/04/2020-04-12-Guidance-for-conscious-proning.pdf
[49] Massachusetts General Hospital. Prone Positioning for Non-Intubated Patients Guideline. https://www.massgeneral.org/assets/MGH/pdf/news/coronavirus/prone-positioning-protocol-for-non-intubated-patients.pdf
[50] COVID19 Proning Protocol – “PRONOCOL”. https://www.nebraskamed.com/sites/default/files/documents/covid-19/proning-protocol.pdf

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