PASSAGEM DE SONDA DIGESTIVA (SD) EM
PACIENTES COM VARIZES DE ESÔFAGO (VE).
Dr. ALEJANDRO ENRIQUE BARBA RODAS. Médico Especialista em Medicina Intensiva. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
Não
poucas vezes nos deparamos com situações nas quais pacientes com suspeita ou certeza
de serem portadores de varizes de esôfago (VE) têm necessidade de passagem de sonda
digestiva (SD), seja gástrica (SG) ou enteral/pós pilórica (SE) quer por
via nasal (SNG, SNE) quer por via oral (SOG, SOE). Vamos então usar o termo sonda
digestiva (SD) para nos referirmos de forma genérica a SG ou SE
(seja esta última duodenal ou jejunal). Nos casos específicos de sonda gástrica
usaremos a sigla SNG ou SOG e quando especificamente enteral pós pilórica,
usaremos SNE ou SOE.
Trata-se
geralmente de pacientes com hepatopatia crônica, cirróticos, com síndrome de
hipertensão portal, da qual varizes de esôfago fazem parte. Estes pacientes por
vezes internam com quadros de gravidade decorrentes de hemorragia digestiva
alta (HDA) de tipo varicosa (varizes de esôfago sangrantes) ou, por outras
complicações como encefalopatia hepática (EH), síndrome hepatorenal (SHR),
distúrbios hidroeletrolíticos (DHE), etc. Nessas situações, parte do manejo de
cada dessas complicações consiste na alimentação e/ou na administração de
medicamentos por via enteral. Pacientes sabidamente portadores de VE, em razão
de intoxicação exógena, também poderão necessitar de passar SNG para lavagem
gástrica e administração de carvão ativado.
Nesse
cenário, surge a indicação da passagem de sonda para acessar o tubo digestivo
via esôfago. Entretanto surge também de forma concomitante o temor de a sonda
provocar lesão mecânica e sangramento das VE, pelo que usualmente evitamos
passar ou solicitamos que ela seja passada por via endoscópica.
Vamos
tentar então responder à seguinte pergunta:
MAS, SERÁ QUE A PASSAGEM DA SONDA “AS CEGAS”
É SEGURA?
Afinal,
passagem “às cegas” de SNG é realizada em casos de suspeita de hemorragia
digestiva (HD) que ainda não exteriorizou, para fazer diagnostico diferencial
entre hemorragia digestiva alta (HDA) e baixa (HDB) ou mesmo para realizar lavagem
gástrica em alguns casos (não rotineiramente devido à sua baixa sensibilidade[1]).
Está
questão tem gerado debate entre intensivistas e endoscopistas que alegam “não
haver contraindicação para a passagem convencional as cegas”.
Uma
recente publicação de Osama Qasim Agha é col., de dezembro de 2023, trouxe uma revisão sobre o assunto,
incluindo a posição de sociedades científicas e opiniões de especialistas
abordando esta preocupação com recomendações e graus de evidência variáveis[2].
Vejamos
então um panorama das posições:
1. DIRETRIZES ATUAIS DAS SOCIEDADES
1.1 AMERICAN ASSOCIATION FOR THE STUDY OF
LIVER DISEASES (AASLD)
As
diretrizes da AASLD 2014 para o
manejo da encefalopatia hepática (EH) kjrecomendavam a colocação de uma sonda
nasogástrica (SNG) para administrar medicamentos se os pacientes não
conseguirem deglutir ou estiverem em risco de aspiração. O risco de causar
sangramento mecânico das VE pela sonda não foi discutido nestas diretrizes[3].
As diretrizes AASLD 2021 afirmam que a presença de VE não é uma
contraindicação absoluta para a colocação de SNE. No entanto, alertam para
manter uma monitorização cuidadosa de sinais de ressangramento se uma sonda
entérica for necessária após ligadura elástica (bandagem endoscópica) recente
de varizes esofágicas (diretriz 32b). Nenhum tempo específico para passagem
da SD, após a ligadura é descrito para definir o que seria “recente”[4].
Para
embasar a afirmação de não haver “contraindicação absoluta”, citam o estudo
retrospectivo de Lolwa N Al‐Obaid e col., publicado em 2020, que teve como
objetivo avaliar a taxa e os preditores de sangramento de VE após colocação de SG
(SNG ou SOG).75 pacientes com cirrose e varizes esofágicas conhecidas foram
submetidos à colocação de sonda gástrica dos quais 11 (14.6%) apresentaram
sangramento gastrointestinal dentro de 48 horas após a colocação, sendo
considerado “risco baixo” pelos autores desse estudo, aventando ainda a hipótese
de que o risco de sangramento de VE aumentaria no terço inferior do esôfago
decorrente do trauma contuso da SG passando por uma junção gastroesofágica (GE)
inerentemente mais estreita, agravada pela natureza mais fina das paredes
inferiores da VE[5].Citam ainda
o estudo publicado por de Ledinghen e col. em 1977 em que houve uma taxa
de 33% de ressangramento em pacientes nos quais se passou SNG após ligadura
elástica recente ou escleroterapia[6].
1.2
EUROPEAN SOCIETY FOR CLINICAL NUTRITION AND METABOLISM (ESPEN)
As
diretrizes ESPEN 2006 para o tratamento da desnutrição na cirrose hepática
recomendaram o uso de nutrição por sonda digestiva se uma ingestão oral
adequada não pudesse ser garantida, mesmo que o paciente tenha VE. Eles manifestaram
que não havia evidências de que as VE representassem “qualquer risco” (any
risk) para o uso de sondas de fino calibre (diretriz 1.3)[7].
As diretrizes do ESPEN 2019 e 2020 mantém uma recomendação semelhante, entretanto,
mudando a justificativa afirmando não haver evidências de que as VE representem
um “risco inaceitável” (unacceptable risk) para a utilização de
sonda nasogástrica de fino calibre (diretriz 83)[8].
Dito
de outra forma, as diretrizes mais recentes da ESPEN admitem a existência de
risco embora o considerem “aceitável”.
1.3
AMERICAN COLLEGE OF GASTROENTEROLOGY (ACOG)
As diretrizes da ACOG 2018, para o manejo da doença hepática alcoólica consideram a inserção de uma sonda digestiva, “segura” na presença de VE, embora excluam pacientes com:
- sangramento ativo ou,
- ligadura elástica endoscópica “recente”.
Entretanto,
não foram fornecidas explicações ou recomendações específicas para estes
cenários. Não definem o que seria “sangramento ativo” ou até quanto tempo se
consideraria como “recente” uma ligadura elástica. Também não recomendam qualquer
“tempo de espera” antes de passar uma sonda digestiva.
Entretanto,
no corpo das diretrizes encontramos que essa consideração de “inserção segura”
se sustenta num estudo clínico randomizado e controlado de 1997 (de Ledinghen e
col.) cujo objetivo foi avaliar os efeitos nutricionais e clínicos da nutrição
enteral (NE) precoce em pacientes cirróticos com sangramento por varizes
esofágicas. Esse estudo, foi o primeiro a descrever o risco de ressangramento
de varizes devido à inserção de sonda digestiva após ligadura elástica recente
ou escleroterapia. Foram incluídos pacientes que apresentaram sangramento ativo
por varizes na endoscopia (jato ou exsudação de varizes esofágicas ou da região
da cárdia) e nenhum ressangramento nas 24 horas após o sangramento ativo visto
na endoscopia inicial. O sangramento varicoso foi considerado controlado se os
seguintes critérios fossem atendidos: pressão arterial estável, concentração de
hemoglobina estável (> 8 g/dl), hematócrito acima de 27% (medido de hora em
hora durante as primeiras 24 horas) e necessidade de transfusão não superior a 2
unidades em um período de 2 horas, e menos de 4 unidades nas primeiras 4 horas
após a escleroterapia. Do dia 7 ao dia
10 foi permitida uma segunda sessão de escleroterapia ou ligadura elástica. 22
pacientes que fizeram escleroterapia ou ligadura elástica para tratar
sangramento de varizes de esôfago foram selecionados para receber alimentação
por SNG (Grupo A, 12 pacientes) ou para permanecerem em jejum por 3 dias (Grupo
B, 10 pacientes). Referido estudo relatou 3 complicações fatais, com 1 por
recorrência de sangramento por varizes. 4 pacientes do Grupo A (33%) tiveram
episódios de ressangramento nos dias 3°, 3°, 4° e 5°, em comparação com apenas
1 paciente no dia 15 no Grupo B (10%), mas essa diferença não foi
estatisticamente significativa. O estudo foi criticado porque os grupos eram
desequilibrados, já que 11 pacientes (92%) no Grupo A foram tratados com
escleroterapia em comparação com 7 (70%) no Grupo B. Esta diferença poderia
explicar a maior taxa de ressangramento no Grupo A, uma vez que a
escleroterapia está associada a um maior risco de ressangramento quando
comparada com a ligadura elástica. Na discussão os autores concluíram que esses
resultados poderiam apontar os efeitos deletérios da alimentação por sonda
nasogástrica no ressangramento de varizes esofágicas[9].
Apesar
dos resultados e das críticas ao estudo de referência, a ACOG, considerou a
inserção como “segura”.
2.
OPINIÕES DE ESPECIALISTAS CONTRA
Contrariamente
às recomendações a favor, das sociedades profissionais acima mencionadas,
alguns especialistas recomendam evitar a colocação de SNE na presença de VE
devido ao receio de desencadear hemorragia varicosa com risco de vida ou
consideram tanto a presença de VE como as ligaduras recentes de VE
contraindicações relativas para colocação de SNG[10]
.
O
UpToDate, referência em atualização científica orienta que ondas
nasogástricas devem ser evitadas em pacientes com varizes esofágicas porque a
colocação da sonda pode desencadear sangramento por varizes, que pode ser fatal[11].
3.
REVISÃO DE OSAMA QASIM AGHA E COL.
(2023).
Os
autores revisaram 13 estudos publicados, o primeiro em 1983 e o último em 2023,
incluindo o ensaio de Ledinghen e col. (1997).
Vejamos
os estudos:
1. Keohane et. al. (1983), publicaram estudo de coorte prospectivo com 10 pacientes portadores de cirrose hepática histologicamente comprovada, admitidos com encefalopatia hepática grau I a II, cujo objetivo foi avaliar os efeitos da administração contínua de uma dieta enteral quimicamente definida enriquecida com aminoácidos de cadeia ramificada (Hepaticaid) adicionada ao regime dietético padrão "anticoma" livre de proteínas. Após a admissão, todos os pacientes receberam neomicina (1 g e 6/6h) e lactulose (10 ml 6/6h) via oral até a encefalopatia hepática ser clinicamente indetectável por 3 dias. Essas drogas foram gradualmente retiradas ao longo da semana seguinte. Dois enemas de sulfato de magnésio também foram administrados para cada paciente nas primeiras 24 horas. Suplementos diários de Parenterovite, ácido fólico e vitamina K eram rotineiramente administrados. Após um período inicial de avaliação de 12 a 24 horas de avaliação, os pacientes foram submetidos a sondagem nasogástrica (SNG) usando sonda de calibre fino com diâmetro interno de 1 mm (Clinifeeding I, Roussel), após o qual os pacientes receberam via sonda nasogástrica a dieta Hepaticaid (Boots Ltd.) com bomba de infusão contínua (BIC). Não houve grupo controle. A SNG de fino calibre não provocou sangramento por varizes esofágicas ou gástricas, mas não ficou claro se todos os pacientes tinham histórico de VE[12].
2.
Calvey et. al. (1984), publicaram
ensaio clínico controlado (ECR) de 47 pacientes com hepatite alcoólica e/ou
cirrose visando comparar suplementação nutricional por alimentação oral (n=13) ou
por sonda nasogástrica (n=22) de fino calibre (1mm) de PVC (East Grinstead) ou nasoentérica
(n=12) de 2mm de poliuretano (Viomedex). A randomização foi perdida após a
alocação de mais pacientes em um dos grupos de tratamento. Não houve diferença
significativa no sangramento por varizes nos 3 grupos. Houve menor sangramento
com sonda de poliuretano, mas não foi significativa. Nem todos os pacientes
tinham histórico de cirrose e/ou VE[13].
3.
Soberon et. al. (1987), publicaram
os resultados de um estudo controlado não randomizado em que avaliaram os efeitos
metabólicos de uma nutrição em 8 pacientes com hepatite alcoólica usando infusão
contínua da fórmula líquida Isocal-HCN via sonda nasoduodenal em quantidade
suficiente para fornecer 35 kcal por kg de peso corporal ideal. Nenhum paciente
teve sangramento digestivo. Entretanto, o estudo não descreve se os pacientes tinham
cirrose e varizes de esôfago[14].
4.
Ritter et. al. (1988), publicaram
um estudo de coorte de 75 pacientes no último estágio de doença hepática com comprovação
endoscópica de presença de varizes de esôfago, que foram submetidos a
transplante hepático ortotópico e que após intubação orotraqueal foram
submetidos a passagem de SNG nº 18F e estetoscópio esofágico. Não houve casos
de sangramentos digestivo após instrumentação do esôfago (sonda e estetoscópio).
Entretanto o estudo não teve grupo controle[15].
5.
Cabre et. al. (1990), publicaram um
ensaio clínico de 35 pacientes cirróticos gravemente desnutridos randomizados
para receber alimentação por sonda enteral como único suporte nutricional (n =
16) ou uma dieta oral padrão isocalórica, isonitrogenada e com baixo teor de
sódio (n = 19). 1 dos 16 pacientes que recebeu alimentação por sonda enteral teve
sangramento digestivo relacionado a hipertensão portal em comparação a 4 dos 19
do grupo controle. Entretanto, o estudo não faz menção a se os pacientes tinham
comprovadamente varizes de esôfago[16].
6.
Kearns et. al. (1992), publicaram
um ensaio clínico controlado que comparou os efeitos de uma nutrição por sonda enteral
suplementada com os de uma dieta regular na doença hepática alcoólica. Os
pacientes foram submetidos a passagem de uma sonda nasoduodenal nº 8F. O estudo
não faz menção a se os pacientes tinham comprovadamente varizes de esôfago e apenas
cita que “a incidência de sangramento digestivo foi comparável”[17].
7.
Charlton et al (1992), publicaram
estudo de coorte prospectiva em 10 crianças com cirrose hepática avançada (comprovada
por biopsia) e desnutrição (menos de 90% do peso para a altura) em que
avaliaram os efeitos de uma dieta especial enriquecida com aminoácidos de
cadeia ramificada, administrada por sonda nasogástrica por 8 semanas. O estudo menciona
que apenas 5 dos pacientes tinham varizes de esôfago. Não houve episódios de
sangramentos, mas também o estudo não teve grupo controle[18].
8.
de Lédinghen et. al. (1997), já comentado anteriormente. Apesar de se
tratar de um ensaio clínico controla e randomizado, teve um número pequeno de
pacientes, com 22 pacientes que fizeram escleroterapia ou ligadura elástica
para tratar sangramento de varizes de esôfago e foram selecionados para receber
alimentação por SNG (Grupo A, 12 pacientes) ou para permanecerem em jejum por 3
dias (Grupo B, 10 pacientes). O estudo relatou 3 complicações fatais, com 1 por
recorrência de sangramento por varizes. 4 pacientes do Grupo A (33%) tiveram
episódios de ressangramento nos dias 3°, 3°, 4° e 5°, em comparação com apenas
1 paciente no dia 15 no Grupo B (10%), mas essa diferença não foi
estatisticamente significativa. O estudo foi criticado porque os grupos eram
desequilibrados, já que 11 pacientes (92%) no Grupo A foram tratados com
escleroterapia em comparação com 7 (70%) no Grupo B. Esta diferença poderia
explicar a maior taxa de ressangramento no Grupo A, uma vez que a
escleroterapia está associada a um maior risco de ressangramento quando
comparada com a ligadura elástica. Na discussão os autores concluíram que esses
resultados poderiam apontar os efeitos deletérios da alimentação por sonda
nasogástrica no ressangramento de varizes esofágicas[19].
9. Cabré et. al. (2000), publicaram um estudo multicêntrico randomizado
comparando os efeitos de curto e longo prazo da administração de nutrição
enteral total ou de esteroides em pacientes com hepatite grave induzida por álcool.
Um total de 71 pacientes (80% cirróticos) foram randomizados para receber 40
mg/d de prednisolona (n = 36) ou alimentação por sonda enteral (2.000 kcal/d)
por 28 dias (n = 35), e foram acompanhados por 1 ano ou até a morte. Dos 35
pacientes do grupo de estudo, 29 (83%) sabia-se que eram cirróticos. Houve 2 episódios
de sangramento de varizes dentre os 35 pacientes do grupo de estudo em
comparação com nenhum episodio no grupo controle, mas história de varizes de
esôfago não foi previamente reportada nas caraterísticas basais dos pacientes[20].
10.
Campillo et. al. (2005), publicaram
um estudo prospectivo não controlado de 63 pacientes cirróticos desnutridos que
foram alimentados por nutrição enteral, via sonda nasogástrica de fino calibre,
comparando aqueles que morreram durante a internação hospitalar (N=35, grupo I)
com os sobreviventes (N=28, grupo II).Foi reportado apenas 2 casos de
sangramento digestivo como causa de morte no grupo I durante o curso da
nutrição enteral (um 3º caso ocorreu 5 dias após a retirada da sonda nasogástrica.
Entretanto, não foi documentada a existência de varizes de esôfago e não foi
relatado o tipo de sangramento digestivo[21].
11.
Tai et. al. (2011), publicaram
ensaio clínico controlado e randomizado comparando os benefícios da alimentação
via sonda nasogástrica (SNG) por curto prazo sobre a suplementação oral em pacientes
com cirrose hepática descompensada. 52 pacientes foram randomizados divididos
em grupo de estudo para receber alimentação por SNG (n = 28) ou alimentação
oral (n = 24). Dos 28 pacientes, antes de completar 2 semanas de estudo 2
abandonaram, 1 morreu e 1 teve sangramento digestivo. Dos 24 pacientes
restantes que completaram as 2 semanas de estudo, 1 deles faleceu por sangramento
digestivo. Não foi especificado o tipo de sangramento digestivo. O estudou cita
apenas que o diagnóstico de cirrose foi baseado em uma combinação de características
clínicas, perfil sanguíneo e resultados de imagens radiológicas e que as
características clínicas foram as de hipertensão portal, particularmente ascite
abdominal e/ou varizes gastroesofágicas, sem especificar quantos pacientes de fato
apresentavam varizes de esôfago em ambos os grupos. No grupo controle não houve
relatos de sangramentos digestivos[22].
12.
Al Obaid et. al. (2019), publicaram
estudo de tipo retrospectivo, que teve como objetivo avaliar a taxa e os
preditores de sangramento de varizes de esôfago após a colocação de sonda
enteral (SE). Foi feita uma revisão retrospectiva de prontuários em 75
pacientes com cirrose hepática que necessitaram de SE com varizes de esôfago
conhecidas (VE). O desfecho primário foi a incidência de sangramento
digestivo dentro de 48 h da colocação da sonda. O desfecho secundário foi uma
queda >2 g/dL na hemoglobina dentro de 48 h da colocação sem evidência de
sangramento. A pontuação
média de MELD-Na foi de 24,8 (±8,9). Sondas nasogástricas (SNG) foram o tipo
mais comum de SE passadas (60%). O tipo mais comum de sonda nasogástrica
colocada foi de calibre fino (68%, 41/60). A maioria das sondas foi passada por
médicos (30%, 40/75); no entanto, em 24% das colocações de sonda, não se soube
identificar quem realizou a passagem. Um paciente necessitou da colocação de
sonda nasogástrica e orogástrica simultaneamente. O grau mais comum de VE
encontrado foi o grau 2 em 44% (33/75), enquanto o local mais comum para o
desenvolvimento de VE foi o terço inferior do esôfago em 66% (46/75). O desfecho primário foi observado em 11
(14,6%) pacientes. O desfecho secundário foi encontrado em oito (10,6%)
pacientes. Na análise univariada, sangramento digestivo foi associado a maior
MELD-Na e varizes localizadas no terço inferior do esôfago. Concluíram os autores
que a colocação de SE em pacientes com VE está associada a um baixo risco de
sangramento, que aumentaria com um MELD-Na elevado e localização VE mais baixa.
A despeito de ter sido o primeiro estudo em 30 anos a avaliar o risco de sangramento
digestivo superior em pacientes com VE que tiveram SE colocadas, tratou-se de
um estudo retrospectivo, sem grupo controle e não foi especificado o tipo de
sangramento digestivo[23].
13.
Jatin et. al. (2023), publicaram
um ensaio clínico randomizado controlado aberto sobre início precoce da
alimentação nasogástrica após tratamento endoscópico (endoterapia) de
sangramento varicoso. 87 pacientes com cirrose hepática submetidos à
endoterapia para varizes de esôfago foram randomizados para receber uma dieta
líquida por meio de uma SNG de 14 F, começando 1 h após a endoterapia, (grupo 1,
de alimentação precoce) ou goles de água e água com limão por via oral (grupo
2, padrão de tratamento) por uma duração total de 48 h. O desfecho primário foi
ressangramento em 5 dias em ambos os braços. Outros desfechos incluíram taxa de
infecção em 5 dias, encefalopatia hepática durante a hospitalização e
mortalidade em 6 semanas. As taxas de
ressangramento em 5 dias nos grupos 1 e 2 foram de 2,5% e 5%, respectivamente (P
= 0,55), e a não inferioridade ou superioridade de qualquer um deles não pôde
ser demonstrada. Concluíram os autores que o início precoce da alimentação por SNG
após endoterapia em pacientes com VE parece seguro e bem tolerado, sem o risco
adicional de ressangramento[24].
CONCLUSÕES.
Após a revisão feita, sou da opinião que:
1.
Com base na análise evidências fracas até hoje publicadas, na sua maioria estudos
que não tinham por objetivo principal avaliar a associação de sangramento
digestivo com passagem de sonda digestiva em pacientes com varizes de esôfago, e/ou
limitados pelo tamanho pequeno da amostra, pela falta de um grupo de comparação
(controle) ou pela falta de randomização, não se poderia afirmar que a
colocação de sonda digestiva em pacientes com varizes de esôfago seja segura, nem
que exista um risco significativo de induzir sangramento digestivo após sua
passagem. Até mesmo as recomendações das sociedades acima citadas tornam-se
fracas em virtude de estarem sustentadas em tais evidências.
2.
Enquanto não forem realizados ensaios clínicos controlados e randomizados devidamente
desenhados com o objetivo específico de avaliar a associação de sangramento
digestivo com passagem de sonda digestiva em pacientes com varizes de esôfago,
há que se ter a devida cautela na passagem de sonda enteral visando primar a
segurança do paciente.
3.
Diante da indicação para passagem de sonda enteral em pacientes sabidamente portadores
ou com forte suspeita de varizes de esôfago, dificilmente essa passagem se
revestirá de caráter de urgência ou emergência podendo se aguardar a passagem
por via endoscópica em serviços que disponham desse serviço. Só assim, a segurança
do paciente restará garantida, ressalvadas claro, as contraindicações que
possam concomitante coexistir para realização de procedimentos endoscópicos.
4. Em unidades que não contem com serviço de endoscopia ou o mesmo não esteja disponível nesse momento, a passagem de uma sonda digestiva “às cegas” em pacientes sabidamente portadores ou com forte suspeita de varizes de esôfago, poderá ser feita desde que se conte com um profissional médico treinado na passagem de sonda de Sengstaken–Blakemore para o manejo emergências de sangramentos ou hemorragias que porventura vierem a acontecer. Portanto, imprescindível que a unidade de saúde conte com esse tipo de dispositivo médico essencial para o tratamento de hemorragias digestivas causadas por varizes esofágicas
5.
É aconselhável postergar, sempre que possível, a passagem de sonda digestiva
por 24 a 48 horas após um episódio de sangramento varicoso recente ou uma
intervenção endoscópica recente.
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