USO AZUL DE METILENO NO CHOQUE SÉPTICO
DEPOIS DE 25 ANOS, AINDA SEM CONSENSO?
PARTE III. O USO DO AZUL DE METILENO NO CHOQUE VASOPLÉGICO SÉPTICO E NÃO SÉPTICO. EVIDÊNCIAS ATUAIS E PROPOSTA DE USO.
Dr. ALEJANDRO ENRIQUE BARBA RODAS. Médico Especialista em Medicina Intensiva. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
Estudos sobre efeitos do azul de metileno (AM) no choque séptico se remontam aos
anos 90[1]
[2]
[3]
[4]
. Foi justamente Preiser et. al. que em 1995 publicaram os
resultados de um ensaio prospectivo em que relataram os efeitos hemodinâmicos
do AM em 14 pacientes com choque séptico. No referido estudo do qual
coincidentemente o Prof. J.L. Vincent participou, foram obtidas as medidas
hemodinâmicas no início do estudo e 30, 60 e 90 minutos após a infusão de 2
mg/kg de azul de metileno. A administração de azul de metileno foi seguida por
um aumento progressivo na pressão arterial média (de 61,1 +/- 7,6 para 71,7 +/-
12,0 mm Hg em 60 minutos, p <0,01). A pressão arterial pulmonar, as pressões
de enchimento cardíaco, o fornecimento de oxigênio ao débito cardíaco e o
consumo de oxigênio não foram significativamente afetados. O trabalho sistólico
do ventrículo esquerdo aumentou de 42,5 +/- 17,9 para 48,9 +/- 14,5 g após 60
minutos (p <0,05). A concentração de lactato arterial diminuiu de 3,4 +/-
1,4 para 2,7 +/- 1,3 mmol/L (p < 0,05). Como estes efeitos foram
transitórios, uma segunda dose de azul de metileno foi administrada 90 minutos
depois a seis pacientes e foi seguida por uma resposta semelhante. Nenhum
efeito adverso foi observado. Concluíram os autores que a administração de azul
de metileno resulta em aumento transitório e reprodutível da pressão arterial,
associado à melhora da função cardíaca, mas não aumenta a disponibilidade
celular de oxigênio. A redução significativa na concentração de lactato
sanguíneo estaria provavelmente relacionada ao efeito redutor do azul de
metileno, e não à melhora na oxigenação tecidual[5].
O AM tem sido estudado essencialmente no choque vasodilatador
ou vasoplégico em razão da inibição da ação do oxido nítrico (NO). Entretanto, há
algumas evidências de que o aumento da liberação de NO poderia aumentar a
espiral prejudicial de eventos no choque cardiogênico (ação inotrópica
negativa). Nesse escopo, o NO bloquearia a resposta adrenérgica do miocárdio e
reduziria a contratilidade miocárdica[6].
Da mesma forma, a concentração de NO aumentaria no sangue periférico de
pacientes com isquemia miocárdica aguda[7].
Além disso, 20% dos pacientes com choque cardiogênico apresentam uma síndrome
de resposta inflamatória sistêmica, e a maioria mostra uma hemocultura positiva
e baixa resistência vascular sistêmica[8].
Isso fornece uma explicação do porquê pacientes com o diagnóstico primário de
choque cardiogênico poderiam também se beneficiar do tratamento com azul de metileno[9].
De lá para cá, 25 anos se passaram e, vários outros estudos têm sido publicados, na sua grande maioria observacionais. Entretanto, ensaios e várias metanálises tem sido também publicadas.
Em 31.08.2023, fiz uma rápida revisão, a propósito da publicação no
Critical Care em março deste ano, do estudo de Miguel Ibarra Estrada e col.
avaliando o AM como terapia adjuvante precoce visando reduzir o tempo
para desmame do vasopressor em pacientes com choque séptico[10].
ENSAIOS CLÍNICOS PUBLICADOS
Não há muitos ensaios clínicos publicados, mas nos últimos
anos temos visto várias revisões sistemáticas e metanálises de ensaios sobre o uso do AM
no choque vasoplégico em geral e séptico em particular.
1. Kirov M.Y. e col. em outubro de 2001, publicaram no
Critical Care Medicine, um estudo prospectivo, randomizado, controlado, aberto; visando avaliar
os efeitos da infusão contínua de azul de metileno (AM) na hemodinâmica e nas
funções orgânicas de pacientes com choque séptico. 20 pacientes de uma unidade de terapia intensiva
multidisciplinar de um hospital universitário com diagnóstico de choque
séptico (feito < 24 horas antes da randomização), de acordo com os
critérios modificados da American College of Chest Physicians and the Society
of Critical Care Medicine Consensus Conference of 1992, foram randomizados 1:1
para receber AM (grupo AM, n = 10) ou solução salina isotônica (grupo controle,
n = 10), como complemento ao tratamento convencional. Os pacientes iniciaram
o AM ao serem admitidos na UTI e randomizados com diagnóstico de choque séptico
(feito < 24 horas antes da randomização), após verificar os critérios de
inclusão. AM foi administrado como uma injeção intravenosa em bolus (2 mg/kg
em pelo menos 15 minutos), seguida 2 horas depois por infusão em doses
crescentes de 0,25, 0,5, 1 e 2 mg/kg/h que foram mantidas por 1 hora cada dose.
Não se tem dados sobre os níveis de vasopressores no momento do início de AM.
Durante a infusão, a pressão arterial média foi mantida entre 70 e 90 mm Hg com
ajuste de vasopressores, enquanto se tentava reduzir o suporte adrenérgico
concomitante. As variáveis hemodinâmicas e de função orgânica foram avaliadas
durante um período de 24 horas, e a taxa de sobrevida no dia 28 foi anotada. A
infusão de AM evitou a queda do volume sistólico e dos índices de trabalho
sistólico do ventrículo esquerdo e aumentou a pressão arterial média. Comparado
com o grupo controle, o AM reduziu a necessidade de norepinefrina, epinefrina e
dopamina em até 87%, 81% e 40%, respectivamente. A oferta de oxigênio
permaneceu inalterada no grupo AM e diminuiu no grupo controle. O AM também
reduziu a temperatura corporal e a concentração plasmática de
nitratos/nitritos. Leucócitos e variáveis de função orgânica, como
bilirrubina, alanina aminotransferase, ureia e creatinina, não foram
significativamente afetadas. A contagem de plaquetas diminuiu em ambos os
grupos. 5 pacientes tratados com AM sobreviveram versus 3 pacientes que
receberam tratamento convencional. Concluíram os autores que, no choque
séptico, o AM infundido continuamente neutraliza a depressão miocárdica, mantém
o transporte de oxigênio e reduz o suporte adrenérgico concomitante. A infusão
de AM não teve efeitos adversos significativos nas variáveis de função dos
órgãos selecionados[11].
2. Memis D. e col. em dezembro de 2002, publicaram no Anaesthesia
Intensive Care, um estudo
prospectivo, randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, cujo objetivo
foi avaliar o efeito da infusão de azul de metileno (AM) nos níveis plasmáticos
de citocinas em pacientes com sepse. Foram incluídos 30 pacientes com sepse
grave, definida segundo os critérios modificados da American College of
Chest Physicians and the Society of Critical Care Medicine Consensus Conference
of 1992, randomizados dentro de 4 horas após a admissão na UTI. Os
pacientes receberam azul de metileno 0,5 mg/kg/h (grupo AM, n = 15) ou
volume semelhante de solução salina isotônica (grupo controle, n = 15) IV
por 6 horas. As concentrações plasmáticas de fator de necrose tumoral alfa,
interleucina-1, receptor de interleucina-2, interleucina-6, interleucina-8
foram medidas por imunoensaios sensíveis no início (15 minutos antes do início
do estudo), imediatamente após e aos 24 e 48 dias após a infusão de azul de
metileno. Avaliou-se parâmetros hemodinâmicos (pressão arterial média,
frequência cardíaca), gases sanguíneos, níveis de metahemoglobina e parâmetros
bioquímicos ao mesmo tempo. A administração de azul de metileno não teve efeito
significativo nos níveis plasmáticos de citocinas, gases sanguíneos e
parâmetros bioquímicos. Quando comparada à infusão de placebo nos controles, a
administração de azul de metileno resultou em níveis significativamente mais
altos de pressão arterial média (85 +/- 14 mmHg vs 74,1 +/- 10,3 mmHg; P
<0,01) e de metahemoglobina (1,06 +/- 0,22% vs 0,9 +/- 0,05%. Além disso, a
comparação com os níveis basais revelou aumento significativo tanto na pressão
arterial média (85 +/- 14 mmHg e 74,1 +/- 10,2 mmHg; P <0,05) quanto nos
níveis de metahemoglobina (1,06 +/- 0,22% e 0,88 +/- 0,06%; P < 0,05) no
grupo AM. Não houve diferença nas taxas de mortalidade entre os grupos. Os
autores concluíram que a infusão de azul de metileno não alterou os níveis de
citocinas ou o resultado na sepse grave, mas resultou em aumento transitório da
pressão arterial média. Entretanto, reconheceram que devido ao tamanho limitado
da população do estudo e ao curto período de observação, os achados precisavam
ser confirmados por ensaios clínicos maiores infundindo AM de maneira titulada
pela dose[12].
3. Xiong X. e col. em 2010, publicaram no Chinese Journal of
Anesthesiology, um ensaio
clínico controlado e randomizado, cujo objetivo foi investigar o efeito do
azul de metileno (AM) no metabolismo do oxigênio em pacientes com choque
séptico. 40 pacientes ASA II ou III com choque séptico submetidos a cirurgia de emergência foram divididos aleatoriamente
em 2 grupos (n = 20 cada): grupo I manejados com norepinefrina (grupo NE) e
grupo II com azul de metileno (grupo AM). Os pacientes não foram pré-medicados. A anestesia foi induzida
com midazolam, etomidato, sufentanil e vecurônio e mantida com inalação de 0,5% -1,5% de sevoflurano e bolus intravenosos intermitentes de
sufentanil e vecurônio. Os pacientes foram ventilados mecanicamente após
intubação traqueal. PETCO2 foi mantido em 35-45 mm Hg. O AM foi infundido numa
dose de 0,5-1,0 mg/kg/h no grupo AM e noradrenalina em dose de 0,5-2,0
mcg/kg/min no grupo NE, respectivamente, para manter a estabilidade
hemodinâmica. A artéria radial foi canulada e conectada ao monitor Vigileo de
débito cardíaco. A veia jugular interna direita foi canulada para monitoramento
da PVC. FC, SvO2, PAM, PVC, VS e IC foram monitorados continuamente. Amostras
de sangue arterial e venoso central foram coletadas simultaneamente antes da
indução da anestesia (T0, linha de base), imediatamente antes (T1) e aos 30, 60
e 90 minutos após a incisão na pele (T2-4) e no final da cirurgia (T5). Foi
realizada gasometria arterial. Foram calculados o índice de resistência
vascular sistêmica (IRVS), o índice de consumo de O2 (IVO2), o índice de oferta
de O2 (IDO2) e a taxa de extração de O2 (TEO2). A concentração de lactato
sanguíneo foi medida. PAM, FC, PVC, IRVS, IDO2, IVO2 e TEO2 foram
significativamente maiores, enquanto o IC e a concentração de lactato sanguíneo
foram menores durante a cirurgia (T2-5) no grupo AM do que no grupo NE. PAM,
FC, PVC, IRVS, IVO2, IDO2 e TEO2 foram significativamente maiores, enquanto o
IC e a concentração de lactato sanguíneo foram menores durante a operação
(T2-5) em comparação com os valores basais em T0 no grupo AM. No grupo NE não
houve alteração significativa na PAM, FC, PVC e IDO2 durante a cirurgia (T2-5)
em comparação com o valor basal em T0. Concluíram os autores que a infusão
intravenosa de AM na dose de 0,5-1,0 mg/kg/h durante a cirurgia pode melhorar a
hemodinâmica e o metabolismo do oxigênio em pacientes com choque séptico[13].
4. Hoyoung Y. e col. em 2016, publicaram no Critical Care
Medicine, estudo
multicêntrico, randomizado, cego, controlado, com objetivo de investigar o
efeito da infusão de AM adicionado ao tratamento padrão da sepse grave e do choque
séptico. 52 pacientes foram randomizados 1:1 para receber AM por via
intravenosa na dose de 2 mg/kg em bolus seguida de infusão de 3 mg/kg
durante 6 horas (n = 27 no grupo AM) ou solução salina normal de mesmo
volume (n = 25 no grupo controle). O desfecho primário foi mortalidade em 28
dias. A taxa de internação em unidade de terapia intensiva (UTI), tempo de permanência
(TP) na UTI e no hospital, dose de vasopressor (norepinefrina) e eventos
adversos também foram registrados. As citocinas e a concentração de oxido
nítrico (NO) foram medidas. Não houve diferença significativa na mortalidade
entre os grupos (51,9% vs. 40%). O grupo AM apresentou maior taxa de internação
na UTI (38,5% vs. 16%) e maior tempo de permanência (20,7 dias vs. 15,8 dias)
na UTI. A dose total de vasopressor foi menor no grupo AM do que no grupo
controle (84,78 ± 70,81 vs. 202,00 ± 274,41, p = 0,032). A taxa de eventos
adversos no grupo AM não foi maior que a do grupo controle. A concentrações total
de NO e citocinas (TNF-a, IL-1b, IL-10, IL-10, IL-2R) no sangue foi semelhante
entre os grupos. A metemoglobina não foi detectada no sangue do grupo AM. Concluíram
os autores que o azul de metileno não mostrou efeito de atenuar a resposta
inflamatória nem melhorou a mortalidade. Poderia ser benéfico em reduzir a
dose de vasopressores, mas piorou a taxa de internação na UTI e o tempo de permanência
na UTI. A possibilidade de eventos adversos causados pela infusão de azul de
metileno foi mínimo em infusão contínua de dose máxima de azul de metileno[14].
5. Mario Francisco Aguilar Arzapalo e col. também publicaram no
ano de 2016, na
revista da Associação Mexicana de Medicina Crítica, um ensaio clínico
controlado, randomizado e duplo cego, cujo objetivo foi avaliar a eficácia do
azul de metileno (AM) como adjuvante no manejo do choque séptico. 60
pacientes foram divididos em dois grupos de 30 indivíduos cada: o grupo A (de
AM) recebeu azul de metileno em dose única de 2 mg/kg de peso corporal em
100 ml de solução de glicose a 5% infundida durante 60 minutos, e o grupo C
(de controle) recebeu 100 ml de solução de glicose a 5% infundida durante 60
minutos. Dos dados informados no estudo pode ser observar que no Grupo A (de
AM) os níveis de lactato na admissão eram em média de 5,4 mmol/L (3,9-6,1
mmol/L) e no Grupo C de 5,7 mmol/L (3,4-5,9 mmol/L); e a dose média de
noradrenalina no momento de iniciar o estudo no grupo A era de 0,67 mcg/kg/min
e no grupo C de 0,65 mcg/kg/min refletindo um início tardio da administração
de AM, isto é no período de choque refratário (noradrenalina > 0,5
mcg/kg/min) . As medições das variáveis do estudo (PAM, lactato, déficit de
base, saturação venoso central e delta de CO2) foram feitas na linha de base antes
da administração e posteriormente de hora em hora até que o estado de
hipoperfusão cedesse, mantendo um PAM > 65 mmHg sem uso de vasopressores, ou
se passaram 72 horas desde o início do estado de choque. A dose cumulativa
convertida de vasopressor foi contada em miligramas equivalentes de
norepinefrina, dias de internação, dias de ventilação mecânica e mortalidade. No
estudo a PAM apresentou aumento progressivo nas primeiras 6 horas após a
infusão de azul de metileno no grupo A de 22% e no grupo C de 9,2% (p: <
0,05), mantendo até 72 horas de acompanhamento. A dose de a noradrenalina às 6
horas foi reduzida em 86% no grupo A; no grupo C foi 56% (p: < 0,05).
Depuração de lactato às 6 horas no grupo A foi de 62%; em contrapartida, no
grupo C foi encontrada uma depuração de 33% (p: < 0,05). A mortalidade no
grupo A foi de 20,0% e no grupo C foi de 36,6% (p: < 0,05), sem variação aos
21 dias. Concluíram os autores que o azul de metileno é eficaz como
adjuvante no tratamento do choque séptico[15].
6. Lu Yaping e col. tem 2 ensaios clínicos publicados em 2019
(revista chinesa). Um
dos ensaios com 32 pacientes, usou AM em bolus de 2mg/kg (diluído com
50 ml de solução fisiológica 0,9%). Depois de 20 minutos, continuou administrando
azul de metileno 2ml/h por 24 horas. No outro estudo de 54 pacientes,
usou AM em 2 grupos: Grupo 1: Bolus de 2 mg/kg de AM adicionado em 50 ml de solução
salina normal em 20 minutos e após infusão contínua de 50 ml de solução
salina normal por mais 24 horas. No Grupo
2: Bolus de 2 mg/kg de AM adicionado em 50 ml de solução salina normal em 20
minutos e após infusão contínua de AM diluído em 50ml de solução salina normal
por mais 24 horas[16]
[17].
7. Li QuanSeng em 2021 publicou ensaio clínico (revista chinesa)
com 66 pacientes nos
quais usou azul de metileno numa dose de 2mg/kg em bolus administrado em 15
minutos[18].
8. Miguel Ibarra-Estrada e col. em março de 2023, publicou no Critical Care um ensaio
clínico randomizado de centro único (UTI médico-cirúrgica no México) onde foram
incluídos pacientes com choque séptico diagnosticados de acordo com os
critérios do Sepsis-3, com < 24 horas desde o início da norepinefrina,
divididos em 2 grupos aos quais foram administrados AM ou placebo. A dose
média de noradrenalina no grupo de estudo foi de 0.45mcg/kg/min (0,27 – 0,68)
e no grupo controle 0.37mcg/kg/min (0.20 a 0.58). Os pacientes designados para
o grupo AM receberam uma infusão intravenosa (IV) de 100
mg de AM em 500 ml de solução de cloreto de sódio a 0,9% durante 6 horas, uma
vez ao dia, totalizando 3 doses (3 dias de uso). Os pacientes designados para o grupo controle receberam
a mesma dose de 500 ml de cloreto de sódio a 0,9% sem AM. Para evitar a
identificação visual da infusão, todas as bolsas de infusão e linhas de
policloreto de vinila foram preparadas na farmácia central com envelopes
opacos. O desfecho primário foi o tempo para desmame do vasopressor até 28
dias. Os desfechos secundários incluíram dias livres de vasopressores em 28
dias, dias em ventilação mecânica, tempo de permanência na UTI e no hospital e
mortalidade aos 28 dias. Foram 91 pacientes randomizados, 45 no grupo AM e 46
no grupo placebo. Todos os pacientes
receberam hidrocortisona 200mg/dia em infusão contínua. Todos os pacientes
receberam tratamento antimicrobiano dentro de 3 horas do diagnóstico de choque
séptico. A maioria dos pacientes estava em ventilação mecânica e recebeu a
intervenção designada (AM ou placebo) após intervalo de 6 - 8 horas da
identificação do choque. Não houve efeitos adversos graves relacionados à
administração de AM. Doses <2mg/kg raramente apresentam efeitos adversos (ou
seja, piora da oxigenação por vasoconstrição pulmonar, metemoglobinemia
paradoxal). Nesse ensaio, o AM iniciado dentro das 24 horas após início de
norepinefrina reduziu o tempo de desmame da mesma e aumentou os dias livres de
vasopressores em 28 dias. Também reduziu o tempo de permanência na UTI e no
hospital sem efeitos adversos[19]. O estudo de Ibarra é col., foi o
primeiro ensaio clínico em testar o uso do AM no início do choque séptico,
trazendo uma mudança de paradigma, já que sempre se preconizou usar como
terapia de resgate no choque séptico refratário (início mais tardio). Com esse
estudo se incentiva usar como terapia adjuvante nos estágios iniciais do choque
séptico (início mais precoce) por vários dias, considerando que, diferentemente
do que ocorre no choque vasoplegico não séptico, como o associado a circulação
extracorpórea (CEC), em que o insulto inflamatório se limita apenas a algumas
horas, no choque séptico a duração do insulto inflamatório é menos previsível e
geralmente mais prolongado, a depender do tempo que leva para conseguir o
controle do foco infeccioso, com duração esperada de necessidade de
vasopressores de 2 a 3 dias.
REVISÕES SISTEMÁTICAS COM OU SEM META-ANÁLISES
PUBLICADAS
Separei este nível de evidências em 2 grupos:
A. ESTUDOS AVALIARAM O CHOQUE VASOPLÉGICO EM GERAL
1. Laura Pasin e col. publicaram em 2013, no Critical Care Resuscitation,
meta-análise de 5 ensaios clínicos controlados, que avaliaram o azul de
metileno no choque vasoplégico, sendo 2 em pacientes de cirurgia cardíaca, 1 em
pacientes de transplante de fígado e 2 com choque séptico (Kirov M.Y. et.al., e
Memis D. et.al.). Bolus de AM foram usados em 3 estudos, variando entre
1,5mg/kg e 3mg/kg, seguido por infusão contínua de 0,25–2mg/kg/h por 4 horas em
apenas um estudo. Em dois estudos, AM foi administrado apenas por
infusão contínua: 0,5mg/kg/h por 6 horas e 1,5 mg/kg em 1 hora. Concluíram os
autores que em pacientes vasoplégicos, o AM aumenta significativamente a PAM sem
um efeito prejudicial na sobrevida. Considerando a heterogeneidade e pequeno
tamanho das populações incluídas no estudo, salientaram a necessidade de
maiores ensaios randomizados para investigar a possível efeitos benéficos do
uso do AM[20].
2. Alessandro Belletti e col. publicaram em novembro de 2015,
no PLoS One, Revisâo
Sistemática e Meta-análise avaliando o efeito de vasopressores não
adrenérgicos em pacientes com ou em risco de choque vasodilatador. Para tanto
selecionaram 20 ensaios clínicos avaliando vasopressina, terlipresina e azul de
metileno em diferentes cenários, incluindo aí os ensaios de Kirov M.Y. et.al. e
Memis D. et.al. para o choque séptico. Um total de 1.608 pacientes nos 20
estudos foram incluídos na análise. Os cenários estudados foram sepse (10/20
estudos [50%]), cirurgia cardíaca (7/20 [35%]), choque vasodilatador devido a
qualquer causa (2/20 [19%]) e lesão traumática aguda (1/20 [5%]). No geral, as
estimativas combinadas mostraram que o tratamento com agentes não adrenérgicos
melhora a sobrevida. Nenhum dos medicamentos foi associado a redução
significativa na mortalidade quando analisados independentemente. Os autores
concluíram que agentes poupadores de catecolaminas em pacientes com ou em risco
de choque vasodilatador podem melhorar a sobrevida. Entretanto, alertam que mais
pesquisas sobre este tópico são necessárias para confirmar a descoberta[21].
3. Cong-Cong Zhao e col. em setembro de 2022, publicaram no
Frontiers in Medicine, Revisão Sistemática e Meta-análise com o objetivo de avaliar a eficácia
e a segurança do AM em pacientes com choque vasodilatador. Para tanto, incluíram
estudos observacionais e de intervenção comparando o efeito de AM vs. controle
em pacientes com choque vasodilatador. No conjunto de estudos foram incluídos 5
ensaios clínicos que usaram AM para manejo do choque séptico (Kirov M.Y. et.al.,
Memis D. et.al., Xiong X. et al., Lu Y. et.al., e Li QS). Os autores concluíram
que a administração concomitante de AM e vasopressores melhorou a hemodinâmica,
diminuiu as necessidades de vasopressores, reduziu os níveis de lactato e
melhorou a sobrevida em pacientes com choque vasodilatador. No entanto, alertam
para a necessidade de mais estudos para confirmar esses achados[22].
4. Xinhui Huang e col. em janeiro de 2024, publicaram no
British Medical Journal (BMJ), Meta-análise de 6 ensaios clínicos com o objetivo de
avaliar o efeito do azul de metileno (AM) em pacientes com choque distributivo.
Dos 6 ensaios clínicos, em 2 incluiu-se pacientes com diagnóstico de síndrome vasoplégica,
em 1 pacientes com síndrome de isquemia-reperfusão e em 3 pacientes com choque
séptico (Kirov M.Y. et.al., Memis D. et.al., Ibarra-Estrada et.al.) totalizando
265 participantes. O estudo não mostrou diferença significativa na mortalidade
entre os grupos AM e placebo. No entanto, o AM reduziu a duração da ventilação
mecânica e o tempo de permanência na UTI e no hospitalar. Concluíram os autores
que o uso de AM pode não reduzir a mortalidade em pacientes com choque
distributivo, mas pode encurtar a duração da ventilação mecânica, tempo de
permanência na UTI e no hospital. Alertam para a necessidade de mais estudos
clínicos para confirmar essas descobertas[23].
B. ESTUDOS QUE AVALIARAM ESPECIFICAMENTE O CHOQUE SÉPTICO
1. Edmund S H Kwok e Daniel Howes, em novembro de 2006,
publicaram no Journal of Intensive Care Medicine, Revisão Sistemática com
objetivo de determinar se a administração de azul de metileno em humanos
melhora o estado hemodinâmico e/ou o resultado em pacientes com choque séptico.
A revisão incluiu 11 estudos observacionais e 2 ensaios clínicos (Kirov M.Y.
et.al., Memis D. et.al.) de pacientes com choque séptico tratados com azul
de metileno nos quais variáveis hemodinâmicas ou taxas de mortalidade foram
relatadas. Meta-análise não foi realizada. A administração de azul de
metileno em pacientes com choque séptico aumentou a pressão arterial média e a
resistência vascular sistêmica, ao mesmo tempo em que diminui a necessidade de
vasopressores. Aumento da resistência vascular pulmonar foi relatado com
administração em bolus, mas pode ser evitado por infusão contínua. Nenhum outro
efeito nocivo foi relatado. Os efeitos sobre a mortalidade não foram avaliados
adequadamente na literatura[24].
2. Facchini, A. e col. em 2018, publicaram no Bicocca Open
Archive (BOA)[25], Revisão Sistemática e Meta-análise,
sobre os efeitos hemodinâmicos do Azul de Metileno em pacientes com choque séptico.
Foram selecionados um total de 21 estudos que avaliaram os efeitos do AM na PAM,
incluindo os ensaios de Kirov M.Y. et.al. e Memis D. et.al. De acordo
com os resultados o AM teve efeito significativo nos parâmetros hemodinâmicos determinando
aumento da PAM e diminuição dos níveis de lactato em pacientes com choque
séptico. Entretanto, salientam a necessidade de estudos prospectivos bem
desenhados para avaliar com mais precisão os efeitos do AM em outros parâmetros
hemodinâmicos[26].
3. Yuwei Hu e col, em janeiro de 2024, publicaram Revisão Sistemática e
Meta-análise de 8 ensaios clínicos selecionados, dentro os quais
foram incluídos os estudos de Kirov M.Y. et.al., Memis D. et.al., Hoyuong Yune
et.al., Arzapalo et.al., Lu Y. et.al. (2 estudos), Li QS e Ibarra-Estrada et.al.
Um total de 387 participantes dos 8 estudos foram incluídos na meta-análise,
dos quais 161 foram randomizados para receber o tratamento com AM, enquanto 160
receberam placebo ou sem tratamento. A terapia com AM reduziu
significativamente a mortalidade entre pacientes com choque séptico [risco
relativo (RR) = 0,72, intervalo de confiança (IC) de 95%: 0,54 - 0,96]. No
entanto, na análise de subgrupos, a redução na mortalidade foi significativa
apenas nos pacientes que receberam uma dose baixa de administração intravenosa
de AM (< 5mg/kg) (RR= 0,60, IC de 95%: 0,41 - 0,88) e não significativa no
grupo de alta dose (≥ 5mg/kg) (RR= 1,06, IC de 95%: 0,67 - 1,69). O grupo AM
teve um aumento da PAM, diminuição do Lactato e redução do tempo de internação
na UTI e um menor tempo de ventilação mecânica quando comparado ao grupo
controle. Não houve diferenças significativas nos efeitos adversos entre os
grupos de intervenção e controle. Os autores concluíram que uma dose baixa de
administração intravenosa de AM (< 5mg/kg) é uma terapia segura e eficaz na
redução da mortalidade em choque séptico. Para pacientes com choque séptico, o
Azul de Metileno demonstrou aumentar significativamente a PAM, reduzir os
níveis séricos de Lactato e encurtar o tempo de internação na UTI e o tempo de
ventilação mecânica[27].
4. Ka Ting Ng e col. em março de 2024, publicaram Revisão Sistemática e
Meta-análise de 5 ensaios clínicos selecionados (Kirov M.Y. et.al., Arzapalo
et.al., Ibarra-Estrada et.al., e os 2 estudos de Lu Y.). O objetivo principal foi investigar o
efeito do azul de metileno na pressão arterial média entre pacientes adultos
com choque séptico. A análise combinada revelou que, em comparação com o
placebo, o azul de metileno aumentou significativamente a pressão arterial
média (MD: 1,34 mmHg, IC de 95%: 0,15 a 2,53, ρ = 0,03; nível de evidência:
muito baixo). O azul de metileno foi associado a uma taxa de mortalidade
significativamente menor (OR: 0,49, IC de 95%: 0,27 a 0,88; ρ = 0,02; nível de
evidência: baixo), níveis séricos de lactato reduzidos (MD: -0,76 mmol/L, IC de
95%: -1,22 a -0,31; ρ = 0,0009; nível de evidência: baixo), tempo de internação
hospitalar reduzido (MD: -1,94 dias, IC de 95%: -3,79 a -0,08; ρ = 0,04; nível
de evidência: baixo) e aumento de PaO2/FiO2 (MD: 34,78, IC de 95%: 8,94 a
60,61; ρ = 0,008; nível de evidência: baixo). Os autores concluíram que a
administração de azul de metileno foi associada ao aumento da pressão arterial
média e PaO2/FiO2 e foi associada a uma taxa de mortalidade reduzida, níveis de
lactato sérico e duração da hospitalização. No entanto, um grau substancial de
heterogeneidade e um número inadequado de estudos com baixo nível de evidência
justificam futuros ensaios adequadamente potentes para confirmar os resultados[28].
5. Raquel Simões Ballarin e col. em abril de 2024, publicaram
no Frontiers of Medicine, Revisão Sistemática e Meta-análise comparando o uso de azul de
metileno com placebo em pacientes adultos com sepse e choque séptico. Os
resultados foram duração da internação na unidade de terapia intensiva,
parâmetros hemodinâmicos [uso de vasopressor] e dias em ventilação mecânica.
Também avaliaram os níveis anormais de metemoglobinemia. Durante a busca
inicial, um total de 1.014 registros foram identificados, dos quais 393 eram
duplicados. Quatorze citações foram selecionadas para leitura detalhada, e somente
três ensaios foram selecionados para análise: Kirov M.Y. et.al., Memis D.
et.al., e Ibarra-Estrada et.al. Os estudos incluíram 141 pacientes, com 70
deles no grupo azul de metileno e 71 deles no grupo controle. O tratamento com
azul de metileno foi associado a um menor tempo de internação na unidade de
terapia intensiva (MD -1,58; IC 95% -2,97, -0,20; I 2 = 25%; p = 0,03),
diminuição de dias em ventilação mecânica (MD -0,72; IC 95% -1,26, -0,17; I 2 =
0%; p = 0,010) e menor tempo para descontinuação do vasopressor (MD -31,49; IC
95% -46,02, -16,96; I 2 = 0%; p < 0,0001). Não foi encontrada associação com
metemoglobinemia. Concluíram os autores que a administração de azul de metileno
a pacientes com sepse e choque séptico leva à redução do tempo de
descontinuação do vasopressor, da duração da internação na unidade de terapia
intensiva e dos dias em ventilação mecânica[29].
6. Shannon M Fernando e col. recentemente em junho de 2024,
publicaram no Critical Care Exploration, Revisão Sistemática e Meta-análise para investigar
os benefícios e danos da administração de AM em pacientes com choque séptico.
Foram incluídos 6 ensaios
clínicos (302 pacientes), comparado azul de metileno com placebo ou nenhuma
administração de AM (Kirov M.Y. et.al, Memis D. et.al., Xiong X. et.al., Lu
Y. et.al., Li QS e Ibarra-Estrada et.al.). AM pode reduzir a mortalidade de
curto prazo (RR [razão de risco] 0,66 [IC 95%, 0,47-0,94], baixa certeza) e o
tempo de internação hospitalar (diferença média [DM] -2,1 d [IC 95%, -1,4 a
-2,8], baixa certeza). AM também pode reduzir a duração dos vasopressores (DM
-31,1 h [IC 95%, -16,5 a -45,6], baixa certeza) e aumentar a pressão arterial
média em 6 horas (DM 10,2 mm Hg [IC 95%, 6,1-14,2], baixa certeza) em
comparação com nenhuma administração de AM. O efeito de AM na concentração
sérica de metemoglobina foi incerto (DM 0,9% [IC 95%, -0,2% a 2,0%], certeza
muito baixa). Não encontramos nenhuma diferença em eventos adversos. Os autores
concluíram que em adultos gravemente doentes com choque séptico, com base em
evidências de baixa certeza, o AM pode reduzir a mortalidade a curto prazo, a
duração dos vasopressores e o tempo de internação hospitalar, sem evidências de
aumento de eventos adversos. Alertam para a necessidade ensaios clínicos
randomizados rigorosos avaliando a eficácia do AM no choque séptico[30].
CONCLUSÕES:
1. NA VASOPLEGIA EM GERAL, sob a ótica da fisiologia, não me resta dúvida de que
o azul de metileno (AM) produz redução da síntese de oxido nítrico (NO) levando
a uma redução do efeito vasodilatador deste mediador inflamatório, atuando de
maneira benéfica no choque vasodilatador (vasoplégico). Reveja Parte I desta
revisão: http://blogdeterapiaintensiva.blogspot.com/2024/03/uso-azul-de-metileno-no-choque-septico.html
2. CONSIDERAÇÕES GERAIS, adotando como precauções gerais, as recomendações feitas para uso do AM no manejo da metemoglobinemia dever-se-ia levar em consideração para o uso do AM no choque vasoplégico: Reveja Parte I desta revisão: http://blogdeterapiaintensiva.blogspot.com/2024/03/uso-azul-de-metileno-no-choque-septico.html
* Dose de ataque em bolus: 1 a 2 mg/kg de peso real, máximo 100mg, numa diluição máxima de 1% (10mg/ml) usando SG 5% (não usar solução fisiológica) em 15 a 30 minutos.
* Dose de manutenção: em mg/kg (peso real), respeitando o limite de 100mg/dose (a ser infundida em 1 ou mais horas) e não ultrapassando o máximo de 7mg/kg de dose total acumulada. Diluição máxima de 1% (10mg/ml) usando SG 5% (não usar solução fisiológica).
* Tipo de acesso venoso: AM é medicamento vesicante. Usar acesso venoso calibroso (de preferência profundo). Em casos de extravasamento usar as mesmas medidas adotadas nos casos de extravasamento de vasopressores (fentolamina, terbutalina, pomada de nitroglicerina 2%).
* Contraindicações: pacientes com hipersensibilidade ao AM, metemoglobinemia produzida por antídotos na intoxicação por cianeto (porque a metemoglobina tem maior afinidade pelo cianeto do que pela citocromo oxidase, embora esta hipótese tenha sido questionada), pacientes com deficiência de glucosa-6-fosfato-desidrogenase (G6PD), pacientes que recebem agentes serotoninérgicos e pacientes com insuficiência renal grave. O AM pode exacerbar a anemia hemolítica induzida pela dapsona, mas nenhuma outra interação medicamentosa foi relatada.
* Efeitos adversos graves: arritmia cardíaca, anemia hemolítica (em pacientes com deficiência de G6PD), hipertermia maligna, metahemoglobinemia paradoxal e anafilaxia.
* Toxicidade: Hemólise grave: Interrompa e considere um tratamento alternativo. Síndrome serotoninérgica: Interrompa o tratamento e inicie tratamento de suporte se surgirem sinais/sintomas.
* Ajuste na insuficiência renal: TFGe 60 a 80 mL/min/1,73 m2: Não é necessário ajuste posológico. TFGe 15 a 59 mL/min/1,73 m2: considerar 1 mg/kg em dose única. Não foram encontradas informações sobre ajuste de dose para pacientes em hemodiálise.
* Ajuste na insuficiência Hepática: Não há ajustes de dosagem fornecidos na rotulagem do fabricante; entretanto, o azul de metileno é extensivamente metabolizado no fígado. Monitore as toxicidades por um longo período de tempo após o tratamento com azul de metileno em pacientes com insuficiência hepática.
3. PARA O CHOUE VASOPLÉGICO NÃO SÉPTICO, os benefícios no choque vasoplégico
não séptico, principalmente no cenário da cirurgia cardíaca com CEC, estão já
consolidados. Isto porque neste cenário, a infamação e a vasodilatação
provocada pelo NO é sabidamente transitória e geralmente reversível já que terminando
a cirurgia e a CEC, os principais fatores geradores de inflamação também cessam,
salvo que no período pós-operatório outros fatores apareçam. Assim, o AM como
terapia adjuvante de vasopressores (noradrenalina e vasopressina) já está bem
reconhecida e aceita. Reveja a Parte II desta revisão: http://blogdeterapiaintensiva.blogspot.com/2024/06/uso-azul-de-metileno-no-choque-septico.html
O que talvez, ainda não tem consenso é a dose e o tempo de
uso do AM neste cenário. Diferentes formas de administrar
AM no choque vasoplégico têm sido descritas na literatura. Sari-Yavuz S. e
col., publicaram estudo retrospectivo comparando injeção apenas em bolus, infusão
contínua sem bolus e bolus seguido de infusão contínua (bolus de 2 mg/kg
+ infusão contínua de 0,25 mg/kg/h), em pacientes com choque (definido
como norepinefrina ≥ 0,1 mcg/kg/min e nível de lactato sérico ≥ 2 mmol/L) definindo
ainda, “paciente respondedor ao azul de metileno” àquele com diminuição
do escore vasoativo-inotrópico (VIS) > 10% dentro de 3 horas após a
administração e pressão arterial média >65 mmHg. As doses cumulativas
registradas foram: 2,7 ± 1.9 mg para bolus; 4.03 ± 2.5 mg para infusão
contínua e 6.7 ± 3.2 mg para bolus + infusão contínua (Tabela 2). Por essas
doses cumulativas de AM, pode se desprender que a infusão contínua de 0.25mg/kg/h
foi feita por aproximadamente 16 horas (4/0.25)[31].
Para quantificar objetivamente o grau de suporte hemodinâmico, tem se sugerido
usar o chamado escore inotrópico vasoativo (VIS). O VIS incorpora
vasoconstritores e inotrópicos em uma única fórmula, conforme proposto por
Belletti A. e col.[32]:
VIS= Dopamina (mcg/kg/min) + Dobutamina
(mcg/kg/min) + [100 × Epinefrina (mcg/kg/min)] + [10, 000 × Vasopressina (U/kg/min)]
+ [100 × Norepinefrina (mcg/kg/min)] + [10 × Milrinona (mcg/kg/min)].
Outros estudos têm usado doses variando entre 1,5mg/kg a 3mg/kg
como dose única em bolus[33]
[34]
[35],
seguida de infusão contínua de 0,25 a 2mg/kg/h por 4 horas em outro estudo[36].
Em outros o AM foi administrado apenas em infusão contínua de 0,5 mg/kg/h por 6
hora[37]
e 1,5 mg/kg em 1 hora[38].
Portanto, no choque vasoplégico não séptico pode se adotar uma
estratégia de uso de dose de ataque de 1 a 2mg/kg seguida de uma dose de
manutenção de 0.25 a 2 mg/kg/hora, respeitando as considerações do item 2.
4.
PARA O CHOQUE VASOPLÉGICO SÉPTICO, não me resta dúvida de
que, optando-se por indicar AM e não havendo contraindicações, o se uso deve
ser precoce, ou seja, nas fases iniciais do choque. Para o cenário específico do
choque séptico os estudos de Kirov M.Y. e de Ibarra-Estrada parecem fornecer as
melhores diretrizes para uso.
No estudo de Kirov M.Y. e col., pacientes iniciaram o AM ao serem admitidos na UTI e
randomizados com diagnóstico de choque séptico (feito < 24 horas antes
da randomização), após verificar os critérios de inclusão. AM foi administrado
como uma injeção intravenosa em bolus (2 mg/kg em pelo menos 15 minutos),
seguida 2 horas depois por infusão em doses crescentes de 0,25, 0,5, 1 e 2
mg/kg/h que foram mantidas por 1 hora cada dose. A dose cumulativa, portanto,
foi de 5.75mg/kg[39].
No estudo de Ibarra-Estrada e col., pacientes iniciaram AM com < 24 horas desde o início da
norepinefrina (< 0.5mcg/kg/min), recebendo uma infusão intravenosa (IV)
de 100 mg de AM em 500 ml de solução de cloreto de sódio a 0,9% durante 6
horas, uma vez ao dia, totalizando 3 doses (3 dias de uso). A dose cumulativa,
portanto, foi de 300mg. Dilip Dubey e col., publicaram no Critical Care um
comentário sobre o ensaio de Ibarra-estrada e col., no qual questionam o fato
de ter diluído o AM em SF 0.9%. Destacam que, como o AM é uma solução
hipotônica com osmolaridade em torno de 10–15 mOsm/kg, a diluição em solução de
cloreto de sódio a 0,9% poderia levar à precipitação do AM, pois a presença de
íons cloreto (Cl−) reduzem a solubilidade da AM. A precipitação de um
medicamento em uma solução pode reduzir sua eficácia terapêutica devido à
inativação do medicamento, pode obstruir as linhas de infusão, pode causar
tromboflebite ou raramente embolização particulada e disfunção de múltiplos
órgãos. Assim, para evitar a precipitação do AM e melhorar sua eficácia clínica
sem afetar adversamente o paciente, sugerem que o AM seja diluído em água
estéril ou em solução de glicose 5% antes da administração intravenosa[40].
Interessante destacar que alerta para diluição do AM apenas em SG 5% constam
das recomendações do UpToDate. No Bulário da Anvisa não se encontra
informação sobre o registro do AM como medicamento, e alguns sites de
referência como os citados abaixo orientam a diluição em SF 0.9%.
Portanto, no choque vasoplégico séptico, também pode se adotar pode se adotar uma estratégia de uso de dose de ataque de 1 a 2mg/kg seguida de uma dose de manutenção de 0.25 a 2 mg/kg/hora OU de 100mg/dia em 6 horas por 3 dias, respeitando as considerações do item 2.
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