domingo, 28 de julho de 2024

 

PASSAGEM DE SONDA DIGESTIVA (SD) EM

 PACIENTES COM VARIZES DE ESÔFAGO (VE).


Dr. ALEJANDRO ENRIQUE BARBA RODAS. Médico Especialista em Medicina Intensiva. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos. 



Não poucas vezes nos deparamos com situações nas quais pacientes com suspeita ou certeza de serem portadores de varizes de esôfago (VE) têm necessidade de passagem de sonda digestiva (SD), seja gástrica (SG) ou enteral/pós pilórica (SE) quer por via nasal (SNG, SNE) quer por via oral (SOG, SOE). Vamos então usar o termo sonda digestiva (SD) para nos referirmos de forma genérica a SG ou SE (seja esta última duodenal ou jejunal). Nos casos específicos de sonda gástrica usaremos a sigla SNG ou SOG e quando especificamente enteral pós pilórica, usaremos SNE ou SOE.

Trata-se geralmente de pacientes com hepatopatia crônica, cirróticos, com síndrome de hipertensão portal, da qual varizes de esôfago fazem parte. Estes pacientes por vezes internam com quadros de gravidade decorrentes de hemorragia digestiva alta (HDA) de tipo varicosa (varizes de esôfago sangrantes) ou, por outras complicações como encefalopatia hepática (EH), síndrome hepatorenal (SHR), distúrbios hidroeletrolíticos (DHE), etc. Nessas situações, parte do manejo de cada dessas complicações consiste na alimentação e/ou na administração de medicamentos por via enteral. Pacientes sabidamente portadores de VE, em razão de intoxicação exógena, também poderão necessitar de passar SNG para lavagem gástrica e administração de carvão ativado.

Nesse cenário, surge a indicação da passagem de sonda para acessar o tubo digestivo via esôfago. Entretanto surge também de forma concomitante o temor de a sonda provocar lesão mecânica e sangramento das VE, pelo que usualmente evitamos passar ou solicitamos que ela seja passada por via endoscópica.

Vamos tentar então responder à seguinte pergunta:

MAS, SERÁ QUE A PASSAGEM DA SONDA “AS CEGAS” É SEGURA?

Afinal, passagem “às cegas” de SNG é realizada em casos de suspeita de hemorragia digestiva (HD) que ainda não exteriorizou, para fazer diagnostico diferencial entre hemorragia digestiva alta (HDA) e baixa (HDB) ou mesmo para realizar lavagem gástrica em alguns casos (não rotineiramente devido à sua baixa sensibilidade[1]).

Está questão tem gerado debate entre intensivistas e endoscopistas que alegam “não haver contraindicação para a passagem convencional as cegas”.

Uma recente publicação de Osama Qasim Agha é col., de dezembro de 2023, trouxe uma revisão sobre o assunto, incluindo a posição de sociedades científicas e opiniões de especialistas abordando esta preocupação com recomendações e graus de evidência variáveis[2].

Vejamos então um panorama das posições:


1. DIRETRIZES ATUAIS DAS SOCIEDADES


1.1 AMERICAN ASSOCIATION FOR THE STUDY OF LIVER DISEASES (AASLD)

As diretrizes da AASLD 2014 para o manejo da encefalopatia hepática (EH) kjrecomendavam a colocação de uma sonda nasogástrica (SNG) para administrar medicamentos se os pacientes não conseguirem deglutir ou estiverem em risco de aspiração. O risco de causar sangramento mecânico das VE pela sonda não foi discutido nestas diretrizes[3]. As diretrizes AASLD 2021 afirmam que a presença de VE não é uma contraindicação absoluta para a colocação de SNE. No entanto, alertam para manter uma monitorização cuidadosa de sinais de ressangramento se uma sonda entérica for necessária após ligadura elástica (bandagem endoscópica) recente de varizes esofágicas (diretriz 32b). Nenhum tempo específico para passagem da SD, após a ligadura é descrito para definir o que seria “recente”[4].

Para embasar a afirmação de não haver “contraindicação absoluta”, citam o estudo retrospectivo de Lolwa N Al‐Obaid e col., publicado em 2020, que teve como objetivo avaliar a taxa e os preditores de sangramento de VE após colocação de SG (SNG ou SOG).75 pacientes com cirrose e varizes esofágicas conhecidas foram submetidos à colocação de sonda gástrica dos quais 11 (14.6%) apresentaram sangramento gastrointestinal dentro de 48 horas após a colocação, sendo considerado “risco baixo” pelos autores desse estudo, aventando ainda a hipótese de que o risco de sangramento de VE aumentaria no terço inferior do esôfago decorrente do trauma contuso da SG passando por uma junção gastroesofágica (GE) inerentemente mais estreita, agravada pela natureza mais fina das paredes inferiores da VE[5].Citam ainda o estudo publicado por de Ledinghen e col. em 1977 em que houve uma taxa de 33% de ressangramento em pacientes nos quais se passou SNG após ligadura elástica recente ou escleroterapia[6].


1.2 EUROPEAN SOCIETY FOR CLINICAL NUTRITION AND METABOLISM (ESPEN)

As diretrizes ESPEN 2006 para o tratamento da desnutrição na cirrose hepática recomendaram o uso de nutrição por sonda digestiva se uma ingestão oral adequada não pudesse ser garantida, mesmo que o paciente tenha VE. Eles manifestaram que não havia evidências de que as VE representassem “qualquer risco” (any risk) para o uso de sondas de fino calibre (diretriz 1.3)[7]. As diretrizes do ESPEN 2019 e 2020 mantém uma recomendação semelhante, entretanto, mudando a justificativa afirmando não haver evidências de que as VE representem um “risco inaceitável” (unacceptable risk) para a utilização de sonda nasogástrica de fino calibre (diretriz 83)[8].

Dito de outra forma, as diretrizes mais recentes da ESPEN admitem a existência de risco embora o considerem “aceitável”.


1.3 AMERICAN COLLEGE OF GASTROENTEROLOGY (ACOG)

As diretrizes da ACOG 2018, para o manejo da doença hepática alcoólica consideram a inserção de uma sonda digestiva, “segura” na presença de VE, embora excluam pacientes com:

  • sangramento ativo ou,
  • ligadura elástica endoscópica “recente”.

Entretanto, não foram fornecidas explicações ou recomendações específicas para estes cenários. Não definem o que seria “sangramento ativo” ou até quanto tempo se consideraria como “recente” uma ligadura elástica. Também não recomendam qualquer “tempo de espera” antes de passar uma sonda digestiva.

Entretanto, no corpo das diretrizes encontramos que essa consideração de “inserção segura” se sustenta num estudo clínico randomizado e controlado de 1997 (de Ledinghen e col.) cujo objetivo foi avaliar os efeitos nutricionais e clínicos da nutrição enteral (NE) precoce em pacientes cirróticos com sangramento por varizes esofágicas. Esse estudo, foi o primeiro a descrever o risco de ressangramento de varizes devido à inserção de sonda digestiva após ligadura elástica recente ou escleroterapia. Foram incluídos pacientes que apresentaram sangramento ativo por varizes na endoscopia (jato ou exsudação de varizes esofágicas ou da região da cárdia) e nenhum ressangramento nas 24 horas após o sangramento ativo visto na endoscopia inicial. O sangramento varicoso foi considerado controlado se os seguintes critérios fossem atendidos: pressão arterial estável, concentração de hemoglobina estável (> 8 g/dl), hematócrito acima de 27% (medido de hora em hora durante as primeiras 24 horas) e necessidade de transfusão não superior a 2 unidades em um período de 2 horas, e menos de 4 unidades nas primeiras 4 horas após a escleroterapia.  Do dia 7 ao dia 10 foi permitida uma segunda sessão de escleroterapia ou ligadura elástica. 22 pacientes que fizeram escleroterapia ou ligadura elástica para tratar sangramento de varizes de esôfago foram selecionados para receber alimentação por SNG (Grupo A, 12 pacientes) ou para permanecerem em jejum por 3 dias (Grupo B, 10 pacientes). Referido estudo relatou 3 complicações fatais, com 1 por recorrência de sangramento por varizes. 4 pacientes do Grupo A (33%) tiveram episódios de ressangramento nos dias 3°, 3°, 4° e 5°, em comparação com apenas 1 paciente no dia 15 no Grupo B (10%), mas essa diferença não foi estatisticamente significativa. O estudo foi criticado porque os grupos eram desequilibrados, já que 11 pacientes (92%) no Grupo A foram tratados com escleroterapia em comparação com 7 (70%) no Grupo B. Esta diferença poderia explicar a maior taxa de ressangramento no Grupo A, uma vez que a escleroterapia está associada a um maior risco de ressangramento quando comparada com a ligadura elástica. Na discussão os autores concluíram que esses resultados poderiam apontar os efeitos deletérios da alimentação por sonda nasogástrica no ressangramento de varizes esofágicas[9].

Apesar dos resultados e das críticas ao estudo de referência, a ACOG, considerou a inserção como “segura”.

 

2. OPINIÕES DE ESPECIALISTAS CONTRA

Contrariamente às recomendações a favor, das sociedades profissionais acima mencionadas, alguns especialistas recomendam evitar a colocação de SNE na presença de VE devido ao receio de desencadear hemorragia varicosa com risco de vida ou consideram tanto a presença de VE como as ligaduras recentes de VE contraindicações relativas para colocação de SNG[10] .

O UpToDate, referência em atualização científica orienta que ondas nasogástricas devem ser evitadas em pacientes com varizes esofágicas porque a colocação da sonda pode desencadear sangramento por varizes, que pode ser fatal[11].


3.  REVISÃO DE OSAMA QASIM AGHA E COL. (2023).

Os autores revisaram 13 estudos publicados, o primeiro em 1983 e o último em 2023, incluindo o ensaio de Ledinghen e col. (1997).

Vejamos os estudos:

1. Keohane et. al. (1983), publicaram estudo de coorte prospectivo com 10 pacientes portadores de cirrose hepática histologicamente comprovada, admitidos com encefalopatia hepática grau I a II, cujo objetivo foi avaliar os efeitos da administração contínua de uma dieta enteral quimicamente definida enriquecida com aminoácidos de cadeia ramificada (Hepaticaid) adicionada ao regime dietético padrão "anticoma" livre de proteínas. Após a admissão, todos os pacientes receberam neomicina (1 g e 6/6h) e lactulose (10 ml 6/6h) via oral até a encefalopatia hepática ser clinicamente indetectável por 3 dias. Essas drogas foram gradualmente retiradas ao longo da semana seguinte. Dois enemas de sulfato de magnésio também foram administrados para cada paciente nas primeiras 24 horas. Suplementos diários de Parenterovite, ácido fólico e vitamina K eram rotineiramente administrados. Após um período inicial de avaliação de 12 a 24 horas de avaliação, os pacientes foram submetidos a sondagem nasogástrica (SNG) usando sonda de calibre fino com diâmetro interno de 1 mm (Clinifeeding I, Roussel), após o qual os pacientes receberam via sonda nasogástrica a dieta Hepaticaid (Boots Ltd.) com bomba de infusão contínua (BIC). Não houve grupo controle. A SNG de fino calibre não provocou sangramento por varizes esofágicas ou gástricas, mas não ficou claro se todos os pacientes tinham histórico de VE[12].

2. Calvey et. al. (1984), publicaram ensaio clínico controlado (ECR) de 47 pacientes com hepatite alcoólica e/ou cirrose visando comparar suplementação nutricional por alimentação oral (n=13) ou por sonda nasogástrica (n=22) de fino calibre (1mm) de PVC (East Grinstead) ou nasoentérica (n=12) de 2mm de poliuretano (Viomedex). A randomização foi perdida após a alocação de mais pacientes em um dos grupos de tratamento. Não houve diferença significativa no sangramento por varizes nos 3 grupos. Houve menor sangramento com sonda de poliuretano, mas não foi significativa. Nem todos os pacientes tinham histórico de cirrose e/ou VE[13].

3. Soberon et. al. (1987), publicaram os resultados de um estudo controlado não randomizado em que avaliaram os efeitos metabólicos de uma nutrição em 8 pacientes com hepatite alcoólica usando infusão contínua da fórmula líquida Isocal-HCN via sonda nasoduodenal em quantidade suficiente para fornecer 35 kcal por kg de peso corporal ideal. Nenhum paciente teve sangramento digestivo. Entretanto, o estudo não descreve se os pacientes tinham cirrose e varizes de esôfago[14].

4. Ritter et. al. (1988), publicaram um estudo de coorte de 75 pacientes no último estágio de doença hepática com comprovação endoscópica de presença de varizes de esôfago, que foram submetidos a transplante hepático ortotópico e que após intubação orotraqueal foram submetidos a passagem de SNG nº 18F e estetoscópio esofágico. Não houve casos de sangramentos digestivo após instrumentação do esôfago (sonda e estetoscópio). Entretanto o estudo não teve grupo controle[15].

5. Cabre et. al. (1990), publicaram um ensaio clínico de 35 pacientes cirróticos gravemente desnutridos randomizados para receber alimentação por sonda enteral como único suporte nutricional (n = 16) ou uma dieta oral padrão isocalórica, isonitrogenada e com baixo teor de sódio (n = 19). 1 dos 16 pacientes que recebeu alimentação por sonda enteral teve sangramento digestivo relacionado a hipertensão portal em comparação a 4 dos 19 do grupo controle. Entretanto, o estudo não faz menção a se os pacientes tinham comprovadamente varizes de esôfago[16].

6. Kearns et. al. (1992), publicaram um ensaio clínico controlado que comparou os efeitos de uma nutrição por sonda enteral suplementada com os de uma dieta regular na doença hepática alcoólica. Os pacientes foram submetidos a passagem de uma sonda nasoduodenal nº 8F. O estudo não faz menção a se os pacientes tinham comprovadamente varizes de esôfago e apenas cita que “a incidência de sangramento digestivo foi comparável”[17].

7. Charlton et al (1992), publicaram estudo de coorte prospectiva em 10 crianças com cirrose hepática avançada (comprovada por biopsia) e desnutrição (menos de 90% do peso para a altura) em que avaliaram os efeitos de uma dieta especial enriquecida com aminoácidos de cadeia ramificada, administrada por sonda nasogástrica por 8 semanas. O estudo menciona que apenas 5 dos pacientes tinham varizes de esôfago. Não houve episódios de sangramentos, mas também o estudo não teve grupo controle[18].

8.  de Lédinghen et. al. (1997), já comentado anteriormente. Apesar de se tratar de um ensaio clínico controla e randomizado, teve um número pequeno de pacientes, com 22 pacientes que fizeram escleroterapia ou ligadura elástica para tratar sangramento de varizes de esôfago e foram selecionados para receber alimentação por SNG (Grupo A, 12 pacientes) ou para permanecerem em jejum por 3 dias (Grupo B, 10 pacientes). O estudo relatou 3 complicações fatais, com 1 por recorrência de sangramento por varizes. 4 pacientes do Grupo A (33%) tiveram episódios de ressangramento nos dias 3°, 3°, 4° e 5°, em comparação com apenas 1 paciente no dia 15 no Grupo B (10%), mas essa diferença não foi estatisticamente significativa. O estudo foi criticado porque os grupos eram desequilibrados, já que 11 pacientes (92%) no Grupo A foram tratados com escleroterapia em comparação com 7 (70%) no Grupo B. Esta diferença poderia explicar a maior taxa de ressangramento no Grupo A, uma vez que a escleroterapia está associada a um maior risco de ressangramento quando comparada com a ligadura elástica. Na discussão os autores concluíram que esses resultados poderiam apontar os efeitos deletérios da alimentação por sonda nasogástrica no ressangramento de varizes esofágicas[19].

 9. Cabré et. al. (2000), publicaram um estudo multicêntrico randomizado comparando os efeitos de curto e longo prazo da administração de nutrição enteral total ou de esteroides em pacientes com hepatite grave induzida por álcool. Um total de 71 pacientes (80% cirróticos) foram randomizados para receber 40 mg/d de prednisolona (n = 36) ou alimentação por sonda enteral (2.000 kcal/d) por 28 dias (n = 35), e foram acompanhados por 1 ano ou até a morte. Dos 35 pacientes do grupo de estudo, 29 (83%) sabia-se que eram cirróticos. Houve 2 episódios de sangramento de varizes dentre os 35 pacientes do grupo de estudo em comparação com nenhum episodio no grupo controle, mas história de varizes de esôfago não foi previamente reportada nas caraterísticas basais dos pacientes[20].

10. Campillo et. al. (2005), publicaram um estudo prospectivo não controlado de 63 pacientes cirróticos desnutridos que foram alimentados por nutrição enteral, via sonda nasogástrica de fino calibre, comparando aqueles que morreram durante a internação hospitalar (N=35, grupo I) com os sobreviventes (N=28, grupo II).Foi reportado apenas 2 casos de sangramento digestivo como causa de morte no grupo I durante o curso da nutrição enteral (um 3º caso ocorreu 5 dias após a retirada da sonda nasogástrica. Entretanto, não foi documentada a existência de varizes de esôfago e não foi relatado o tipo de sangramento digestivo[21].

11. Tai et. al. (2011), publicaram ensaio clínico controlado e randomizado comparando os benefícios da alimentação via sonda nasogástrica (SNG) por curto prazo sobre a suplementação oral em pacientes com cirrose hepática descompensada. 52 pacientes foram randomizados divididos em grupo de estudo para receber alimentação por SNG (n = 28) ou alimentação oral (n = 24). Dos 28 pacientes, antes de completar 2 semanas de estudo 2 abandonaram, 1 morreu e 1 teve sangramento digestivo. Dos 24 pacientes restantes que completaram as 2 semanas de estudo, 1 deles faleceu por sangramento digestivo. Não foi especificado o tipo de sangramento digestivo. O estudou cita apenas que o diagnóstico de cirrose foi baseado em uma combinação de características clínicas, perfil sanguíneo e resultados de imagens radiológicas e que as características clínicas foram as de hipertensão portal, particularmente ascite abdominal e/ou varizes gastroesofágicas, sem especificar quantos pacientes de fato apresentavam varizes de esôfago em ambos os grupos. No grupo controle não houve relatos de sangramentos digestivos[22].

12. Al Obaid et. al. (2019), publicaram estudo de tipo retrospectivo, que teve como objetivo avaliar a taxa e os preditores de sangramento de varizes de esôfago após a colocação de sonda enteral (SE). Foi feita uma revisão retrospectiva de prontuários em 75 pacientes com cirrose hepática que necessitaram de SE com varizes de esôfago conhecidas (VE). O desfecho primário foi a incidência de sangramento digestivo dentro de 48 h da colocação da sonda. O desfecho secundário foi uma queda >2 g/dL na hemoglobina dentro de 48 h da colocação sem evidência de sangramento. A pontuação média de MELD-Na foi de 24,8 (±8,9). Sondas nasogástricas (SNG) foram o tipo mais comum de SE passadas (60%). O tipo mais comum de sonda nasogástrica colocada foi de calibre fino (68%, 41/60). A maioria das sondas foi passada por médicos (30%, 40/75); no entanto, em 24% das colocações de sonda, não se soube identificar quem realizou a passagem. Um paciente necessitou da colocação de sonda nasogástrica e orogástrica simultaneamente. O grau mais comum de VE encontrado foi o grau 2 em 44% (33/75), enquanto o local mais comum para o desenvolvimento de VE foi o terço inferior do esôfago em 66% (46/75). O desfecho primário foi observado em 11 (14,6%) pacientes. O desfecho secundário foi encontrado em oito (10,6%) pacientes. Na análise univariada, sangramento digestivo foi associado a maior MELD-Na e varizes localizadas no terço inferior do esôfago. Concluíram os autores que a colocação de SE em pacientes com VE está associada a um baixo risco de sangramento, que aumentaria com um MELD-Na elevado e localização VE mais baixa. A despeito de ter sido o primeiro estudo em 30 anos a avaliar o risco de sangramento digestivo superior em pacientes com VE que tiveram SE colocadas, tratou-se de um estudo retrospectivo, sem grupo controle e não foi especificado o tipo de sangramento digestivo[23].

13. Jatin et. al. (2023), publicaram um ensaio clínico randomizado controlado aberto sobre início precoce da alimentação nasogástrica após tratamento endoscópico (endoterapia) de sangramento varicoso. 87 pacientes com cirrose hepática submetidos à endoterapia para varizes de esôfago foram randomizados para receber uma dieta líquida por meio de uma SNG de 14 F, começando 1 h após a endoterapia, (grupo 1, de alimentação precoce) ou goles de água e água com limão por via oral (grupo 2, padrão de tratamento) por uma duração total de 48 h. O desfecho primário foi ressangramento em 5 dias em ambos os braços. Outros desfechos incluíram taxa de infecção em 5 dias, encefalopatia hepática durante a hospitalização e mortalidade em 6 semanas. As taxas de ressangramento em 5 dias nos grupos 1 e 2 foram de 2,5% e 5%, respectivamente (P = 0,55), e a não inferioridade ou superioridade de qualquer um deles não pôde ser demonstrada. Concluíram os autores que o início precoce da alimentação por SNG após endoterapia em pacientes com VE parece seguro e bem tolerado, sem o risco adicional de ressangramento[24].

 

CONCLUSÕES. Após a revisão feita, sou da opinião que:

1. Com base na análise evidências fracas até hoje publicadas, na sua maioria estudos que não tinham por objetivo principal avaliar a associação de sangramento digestivo com passagem de sonda digestiva em pacientes com varizes de esôfago, e/ou limitados pelo tamanho pequeno da amostra, pela falta de um grupo de comparação (controle) ou pela falta de randomização, não se poderia afirmar que a colocação de sonda digestiva em pacientes com varizes de esôfago seja segura, nem que exista um risco significativo de induzir sangramento digestivo após sua passagem. Até mesmo as recomendações das sociedades acima citadas tornam-se fracas em virtude de estarem sustentadas em tais evidências.

2. Enquanto não forem realizados ensaios clínicos controlados e randomizados devidamente desenhados com o objetivo específico de avaliar a associação de sangramento digestivo com passagem de sonda digestiva em pacientes com varizes de esôfago, há que se ter a devida cautela na passagem de sonda enteral visando primar a segurança do paciente.

3. Diante da indicação para passagem de sonda enteral em pacientes sabidamente portadores ou com forte suspeita de varizes de esôfago, dificilmente essa passagem se revestirá de caráter de urgência ou emergência podendo se aguardar a passagem por via endoscópica em serviços que disponham desse serviço. Só assim, a segurança do paciente restará garantida, ressalvadas claro, as contraindicações que possam concomitante coexistir para realização de procedimentos endoscópicos.

4. Em unidades que não contem com serviço de endoscopia ou o mesmo não esteja disponível nesse momento, a passagem de uma sonda digestiva “às cegas” em pacientes sabidamente portadores ou com forte suspeita de varizes de esôfago, poderá ser feita desde que se conte com um profissional médico treinado na passagem de sonda de Sengstaken–Blakemore para o manejo emergências de sangramentos ou hemorragias que porventura vierem a acontecer. Portanto, imprescindível que a unidade de saúde conte com esse tipo de dispositivo médico essencial para o tratamento de hemorragias digestivas causadas por varizes esofágicas

5. É aconselhável postergar, sempre que possível, a passagem de sonda digestiva por 24 a 48 horas após um episódio de sangramento varicoso recente ou uma intervenção endoscópica recente.

 



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