*Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
*Dr. Jorge Yoshiyuki Morita. Médico da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
I. INTRODUÇÃO
Quando nos encontramos diante de
um paciente grave ou crítico, iniciamos uma série de medidas que em última instância
visam fazer com que as células do organismo desse paciente possam, em tempo
hábil, extrair o oxigênio circulante e assim, manter seu metabolismo aeróbico
gerando a quantidade necessária de energia (ATP) para manter suas funções
vitais.
Nesse cenário, precisa-se não
apenas de uma boa oxigenação da hemoglobina a nível alveolar (hematose) e de
levar o oxigênio até as células (transporte de O2), mas fazer com que esse oxigênio
entre nas células (gradiente de O2) e ainda que a célula seja capaz de realizar
o metabolismo que culmine com a produção de ATP. Portanto, oxigenação celular
depende diretamente de que os mecanismos de hematose, transporte e gradiente de
oxigênio sejam realizados adequadamente.
Evidentemente, necessitamos de
ferramentas práticas e rápidas, de preferência à beira leito, que nos permitam
saber se as células estão sendo adequadamente oxigenadas, isto é, sem risco de
hipóxia ou de hiperóxia.
Fração inspirada de oxigênio (FiO2), saturação arterial de oxigênio (SaO2) geralmente aferida pela
oximetria de pulso de forma contínua e pela gasometria arterial de forma intermitente
e, a pressão arterial parcial de oxigênio
(PaO2) aferida pela gasometria arterial, são marcadores de oxigenação
usados corriqueiramente no dia-dia, sem no entanto, analisarmos adequadamente
sua correlação e interação para alcançar uma adequada interpretação.
Inexiste uma fórmula ou equação
que correlacione as três variáveis e permita estabelecer alguma relação entre
elas ou deduzir o valor de uma em função da(s) outra(s). Assim, não resulta
possível deduzir com precisão o valor da Pa02 (variável determinante do
gradiente de O2 a nível celular) sabendo apenas o valor da Fi02 e/ou a Sa02,
mais ainda em paciente graves ou críticos cujos mecanismos de troca e/ou transporte
de gases podem estar alterados.
A Diretrizes Brasileiras de
Ventilação Mecânica (VM) recomendam dentre os ajustes iniciais dos parâmetros
do ventilador[1]:
“utilizar a FIO2 necessária para manter a
saturação arterial de oxigênio entre 93 a 97%”.
Do teor dessa recomendação
poder-se-ia interpretar que existe autorização para usar valores de FiO2 “a
vontade” até o nível máximo de 100% inclusive, visando atingir e manter esse
alvo almejado de Sa02.
Criou-se na prática, uma situação
de “titulação indiscriminada da FiO2
pela meta de SaO2”, na qual a angustia de observar no monitor “uma queda na
SaO2 abaixo da meta almejada” induz a aumentar automaticamente a FiO2, chegando
inclusive até valores de 100% num curto período de tempo.
Referente à FiO2, sabe-se já há muito tempo que, um ajuste
inadequado da FiO2 pode causar hipóxia ou hiperóxia e, consequentemente, efeitos
nocivos ao organismo[2]
[3]
[4].
Algumas das consequências da hipóxia tecidual são alterações celulares e
aumento do metabolismo anaeróbico[5].
Os efeitos tóxicos do oxigênio quando administrado em altas doses ou por um
período prolongado de tempo podem causar lesões pulmonares e sistêmicas. No
caso da hiperóxia, o principal mecanismo envolvido nessas lesões é o estresse
oxidativo. Esse pode provocar o aparecimento de processos degenerativos das
biomoléculas orgânicas e consequentemente, insuficiência e morte celular. Na
inflamação pulmonar provocada pela hiperóxia pode ocorrer ativação e
recrutamento tanto de neutrófilos quanto de macrófagos alveolares, resultando
em formação de membrana hialina, edema, hiperplasia e proliferação de células epiteliais
tipo II, destruição de células inflamatórias tipo I, fibrose intersticial e
remodelamento vascular pulmonar[6]
[7]
[8]
[9]
[10]
[11].
Com relação à SaO2, aferida pela oximetria de pulso, o nível de
oxigênio medido por um oxímetro de pulso é razoavelmente acurado. A maioria dos
oxímetros dão uma leitura 2% acima ou 2% abaixo da saturação que poderia ser
obtida pela gasometria arterial. Por exemplo, se a saturação de oxigênio for de
92% no oxímetro de pulso, ela pode ser de fato qualquer valor entre 90 e 94%. Entretanto,
a leitura do oxímetro pode ser menos acurada se o paciente usar esmaltes, unhas
postiças, tiver as mãos frias, ou tiver a circulação deficiente por efeito de
drogas que provoquem vasoconstrição periférica. O oxímetro de pulso pode também
ser menos acurado em caso de níveis muito baixos de saturação de oxigênio
(abaixo de 80%) ou de pele muito escura[12].
Entretanto, mesmo que tais valores de SaO2 aferidos pela oximetria de pulso sejam
fidedignos (afastadas as causas de erro de aferição pela oximetria de pulso), ou
decorram da aferição pela gasometria arterial, essa “titulação” não poderia ser
feita sem antes investigar e tratar as causas da desaturação, adotar antes outras medidas
dentro da estratégia ventilatória e principalmente, sem um adequado controle e
monitorização dos efeitos deletérios do uso do oxigênio em altas concentrações,
isto é, da hiperóxia.
II. O RISCO DA HIPERÓXIA
Cada vez mais surgem evidências
acerca da toxicidade do oxigênio
quando fornecido em níveis elevados. Desta forma, o uso de altos níveis de FiO2
torna-se de risco, diante da possibilidade de ocorrência de Lesão Pulmonar Induzida pelo Oxigênio
(LPIO) ou como também tem sido denominada, Lesão Pulmonar Aguda Hiperóxica (Hyperoxic
Acute Lung Injury – HALI)[13].
Hiperoxia, ainda não alcançou uma
definição precisa, mas elevações significativas da pressão arterial parcial de
oxigênio (PaO2) ocorrem quando a fração de oxigênio inspirado (FiO2) é maior do
que 21%. Eventos adversos podem resultar do aumento da PO2 nos alvéolos, sangue
ou a nível celular. A hiperóxia parece produzir lesões celulares através do
aumento da produção de radicais livres de oxigênio (free radicals), como o anion superóxido, o radical hidroxilo e o
peróxido de hidrogênio[14]
[15].
Quando a produção destes radicais aumenta e/ou as defesas antioxidantes da
célula depletam, eles podem reagir e prejudicar a função das macromoléculas
intracelulares essenciais, resultando em morte celular[16].
No sistema respiratório, altas concentrações de O2 podem aumentar a
susceptibilidade à atelectasia de absorção e danificar a mucosa respiratória
levando a infecção secundária como consequência de alteração na depuração
mucociliar e a capacidade bactericida das células imunes[17]
[18].
Os
estudos em geral, falam que os perigos da toxicidade do oxigênio são
subestimados, e que o impacto negativo da hiperóxia é significativo, mesmo
quando comparado aos riscos de hipóxia seguindo estratégias conservadoras de
oxigenação.[19]
Observe-se,
no Guideline do British Thoracic Society
Emergency Oxygen Guideline Development Group, os principais efeitos da
hiperoxia são: uma ventilação/perfusão agravada, atelectasias de absorção,
vasoconstrição coronariana e cerebral, redução do débito cardíaco, danos
causados pelos radicais livres de oxigênio e resistência vascular sistêmica aumentada[20].
Desta forma, altas frações de
oxigênio inspirado (FiO2) estão associadas a vários efeitos na troca de gases,
incluindo diminuição dos volumes pulmonares e hipoxemia devido à atelectasia
absortiva (pela substituição do nitrogênio pelo O2 que ao ser absorvido provoca
atelectasia), acentuação/produção de hipercapnia (principalmente em pacientes
com DPOC retentores de CO2) e danos nas vias aéreas (traqueobronquite) e
parênquima pulmonar (atelectasias e dano alveolar difuso semelhante ao SARA). O
termo "toxicidade do oxigênio"
geralmente é reservado para a última dessas consequências, ou seja, danos
traqueobrônquicos e alveolares.
III. A RELAÇÃO PaO2 E SaO2
O conteúdo arterial de oxigênio
(CaO2), corresponde à soma do O2 transportado pela Hb (Hb x SaO2 x 1,34) + O2
dissolvido no plasma (0,003 x PaO2), dependendo, portanto, da SaO2 e da PaO2.
Entretanto, apenas 2% desse conteúdo corresponde ao O2 dissolvido que é quem determina
a PaO2, sendo que 98% viaja ligado à Hb. Ainda, o O2 entra na célula
(objetivo principal da oxigenação) em razão da existência de um gradiente de
pressão de O2 entre o capilar periférico e a célula. Os termos hipóxia e hipoxemia não são sinônimos. Hipoxemia
é definida em regra como uma diminuição da PaO2 no sangue, enquanto a hipóxia é definida pelo nível reduzido de
oxigenação dentro da célula. Pode ser devido à entrega defeituosa ou à
utilização defeituosa do oxigênio pelos tecidos. Hipoxemia e hipóxia nem sempre
coexistem. Os pacientes podem desenvolver hipoxemia
sem hipóxia se houver um aumento compensatório no nível de hemoglobina e no
débito cardíaco (DC). Da mesma forma, pode haver hipóxia sem hipoxemia, como ocorre
na intoxicação por cianeto, em que as células são incapazes de utilizar o
oxigênio, apesar de ter níveis normais de oxigênio no sangue e nos tecidos[21].
De acordo com o Tratado de Fisiologia de Guyton cerca
de 98% do sangue que entra no átrio esquerdo, proveniente dos pulmões, acabou
de passar pelos capilares alveolares e foi oxigenado até uma PaO2 em torno de 104 mmHg. Outros 2% do
sangue vêm da aorta, pela circulação brônquica que supre basicamente os tecidos
profundos dos pulmões e não é exposta ao ar pulmonar. Esse fluxo de sangue é
denominado “fluxo da derivação”,
significando que o sangue é desviado para fora das áreas de trocas gasosas. Ao
deixar os pulmões, a PaO2 do sangue da derivação fica em torno da PO2 do sangue
venoso sistêmico normal, aproximadamente, 40 mmHg. Quando esse sangue se
combina nas veias pulmonares, com o sangue oxigenado dos capilares alveolares,
essa chamada “mistura venosa de sangue”
faz com que a PO2 do sangue que chega ao coração esquerdo e é bombeado para a
aorta (PaO2) diminua para cerca de 95 mmHg. Na medida em que o sangue que deixa
os pulmões e entra nas artérias sistêmicas tem em geral a PaO2 em torno de 95 mmHg, é possível ver, a partir da curva de
dissociação, que a saturação usual de
oxigênio do sangue arterial sistêmico é em média de 97%. Por outro lado, no
sangue venoso normal que retorna dos tecidos periféricos, a PvO2 é cerca de 40
mmHg e a saturação de hemoglobina é em média de 75%. Quando o sangue arterial
chega aos tecidos periféricos, a PaO2 nos capilares periféricos ainda é 95 mmHg
(PO2 capilar). Contudo, no líquido
intersticial que banha as células teciduais, é em média de apenas 40 mmHg (PO2 intersticial). Assim, esta enorme
diferença da pressão inicial que faz com que o oxigênio se difunda rapidamente
do sangue capilar para o interstício tão rapidamente que a PaO2 capilar diminua
quase se igualando à pressão de 40 mmHg do interstício. Portanto, a PaO2 do
sangue que deixa os capilares dos tecidos e entra nas veias sistêmicas é também
de aproximadamente, 40 mmHg. A PO2 dentro das células dos tecidos periféricos (PO2 intracelular), permanece ainda menor
do que a PaO2 nos capilares periféricos. Além disso, em muitos casos existe a
distância física considerável entre os capilares e as células. Portanto, a PO2 intracelular
normalmente varia de tão baixa quanto 5
mmHg a tão alta quanto 40 mmHg,
tendo, em média (por medida direta
em animais inferiores), 23 mmHg. Na
medida em que apenas 1 a 3 mmHg de
pressão de oxigênio são normalmente necessários para o suporte total dos
processos químicos que utilizam oxigênio na célula, é possível ver que
mesmo essa baixa PO2 intracelular de 23 mmHg seja mais do que adequada e
proporcione grande fator de segurança. Nas condições basais, os tecidos
necessitam de cerca de 5 mililitros de oxigênio de cada 100 mililitros do
sangue que passa pelos capilares teciduais. Para que os 5 mililitros usuais de
oxigênio sejam liberados por 100 mililitros de fluxo sanguíneo, a PaO2 deve
cair para cerca de 40 mmHg. Isso se dá normalmente porque o sangue que chega no
tecido tem uma PO2 de 95mmHg e difunde para o interstício por gradiente de
pressão. Portanto, a PO2 intersticial normalmente não pode aumentar acima desse
nível de 40 mmHg porque, se o fizer, a PO2 capilar não cairá para 40mmHg,
permanecendo mais elevada, aumentando a afinidade do O2 pela hemoglobina e
assim a quantidade de oxigênio necessitada pelos tecidos não seria liberada
pela hemoglobina. Dessa forma, a
hemoglobina normalmente estabelece o limite superior da pressão do oxigênio nos
tecidos, em torno de 40 mmHg. Em condições normais, quando a PaO2 é alta,
como nos capilares pulmonares, o oxigênio se liga à hemoglobina, mas quando a PaO2
é baixa, como nos capilares teciduais, o oxigênio é liberado da hemoglobina.
Essa é a base de quase todo transporte de oxigênio dos pulmões para os tecidos.
Isso expressa-se no conceito de Curva de
Dissociação da Hb que demonstra aumento progressivo da porcentagem de
hemoglobina ligada ao oxigênio, à medida que a PaO2 do sangue aumenta, o que é
denominado percentual de saturação de hemoglobina. Por outro lado, a SaO2 da Hb
depende do gradiente alvéolo-capilar de O2 a nível do capilar pulmonar. O valor
reflete o quanto a Hb se carregou de O2 a nível do capilar pulmonar.
Existe ainda uma relação direta entre a PaO2 e o grau de SaO2
a nível do capilar pulmonar.
A nível alvéolo-capilar, a PaO2 depende do gradiente
alvéolo-capilar de O2 [D(A-a)O2], sendo um dos fatores
determinantes desse gradiente, a PAO2
(pressão alveolar de O2) influenciada diretamente pela FiO2.
Já a nível tecidual, ocorre o fenômeno inverso e a PaO2 deve cair
(em razão da passagem do O2 para os tecidos) para facilitar o 02 da Hb se
liberar e dissolver no plasma restaurando a PaO2 que novamente faça entrar o O2
no tecido. Ainda, outros fatores podem influenciar no grau de dissociação da
hemoglobina desviando-a para esquerda (maior afinidade pelo O2 e menor
liberação) ou para direita (menor afinidade e maior liberação). Portanto, pode se concluir que não se
necessita de elevadas PaO2 nos capilares periféricos para garantir um gradiente
de pressão necessário para a entrada de O2 na célula. Bastariam pressões de 60 a 65 mmHg (já acima de 40mmHg) para permitir
uma razoável oxigenação tissular.
Fonte: Tratado de Fisiologia de Guyton
Observa-se pela curva de
dissociação que uma PaO2 de 60 mmHg
mantém uma saturação de hemoglobina em 89%, 8% apenas abaixo do normal. A
partir da curva de dissociação de oxigênio-hemoglobina podemos identificar que o nível de PaO2 determinante da
Insuficiência Respiratória Aguda tipo I (PaO2 < 60mmHg), corresponde a uma
SaO2 de 89%. Também é possível interpretar que a partir de um certo valor
de PaO2, a SaO2 irá sempre se manter no máximo valor possível, 100%. Logo, em
uma curva de dissociação de oxigênio-hemoglobina fisiológica, com cerca de 120 mmHg de PaO2, obteremos
uma SaO2 de 100%, e assim será com 300 ou 500 mmHg de PaO2 e outros valores acima
de 120 mmHg. Assim, uma meta de manter o paciente com SaO2 de 100%, sem
levar em consideração os níveis de PaO2, acarreta em maiores riscos de
exposição a níveis elevados e tóxicos de oxigênio.
Quando a PO2 é alta, como nos
capilares pulmonares, o O2 se liga à hemoglobina, mas quando a PO2 é baixa,
como nos capilares teciduais, o O2 é liberado da hemoglobina. Essa é a base de
quase todo transporte de O2 dos pulmões para os tecidos.
Ainda, a hemoglobina apresenta,
um efeito tampão de oxigênio tecidual, sendo responsável por estabilizar a
pressão do oxigênio nos tecidos. Isso é explicado, pois a hemoglobina
estabelece um limite superior na pressão de oxigênio nos tecidos em torno de 40
mmHg. Qualquer queda nessa pressão estimula a liberação de oxigênio pela
hemoglobina. Isto pode ser atingido por causa da inclinação abrupta da curva de
dissociação para direita e do aumento no fluxo de sangue tecidual causado pela
queda da PaO2; ou seja, uma ligeira queda na pressão parcial de oxigênio faz
com que grandes quantidades extras de O2 sejam liberadas da hemoglobina[22].
Na curva de dissociação padrão da
Hb (sem desvios), observa-se a denominada
P50, que é definida como a PO2 necessária para saturar 50% de saturação da
Hb, ou seja, metade da sua capacidade máxima, correspondendo a um valor normal de 26 a 28mmHg. A curva de
dissociação é desviada fisiológica (por exemplo durante o exercício) ou
patologicamente (nas doenças) para a direita por aumento na concentração de íon
hidrogênio (acidose), aumento de 2,3-difosfoglicerato (DPG) do eritrócito,
elevação da temperatura (T) e aumento da pressão parcial de dióxido de carbono
(PCO2). Estes fatores diminuem a afinidade do O2 pela Hb o que provoca sua
maior liberação. Ao contrário, a diminuição dos níveis de hidrogênio (alcalose),
diminuição do 2,3 DPG, diminuição da temperatura e da PCO2 desviam a curva para
a esquerda, induzindo maior afinidade do O2 pela Hb e sua menor liberação.
Figura:
https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/multimedia/figure/pul_oxyhemoglobin_dissociation_curve_pt
Assim, essa curva pode sofrer
deslocamentos, para a direita e para a esquerda, por fatores que modificam a
afinidade da hemoglobina com o oxigênio, fazendo com que seja necessário
valores maiores ou menores (de acordo com o deslocamento) de PaO2 para obtenção
de uma mesma SaO2 quando comparada a curva ao valor da curva fisiológica. Além
da variação do pH sanguíneo, alterações de temperatura, concentração sanguínea
de CO2 e concentração de 2,3 difosfoglicerato também são fatores que modificam
a afinidade da hemoglobina com o oxigênio.
O desvio da curva de dissociação
de oxigênio-hemoglobina para a direita, em resposta a aumento do CO2 e dos íons
hidrogênio no sangue, tem efeito significativo de intensificar a liberação de
O2 do sangue para os tecidos e intensificar a oxigenação do sangue nos pulmões.
É o efeito Bohr, que pode ser assim
explicado: enquanto o sangue atravessa os tecidos, o CO2 se difunde das células
para o sangue. Essa difusão aumenta a PCO2 do sangue que, por sua vez, aumenta
a concentração de H2CO3 (ácido carbônico) e dos íons hidrogênio no sangue. Esse
efeito desloca a curva de dissociação de oxigênio-hemoglobina para a direita e
para baixo forçando a liberação do O2 pela hemoglobina e, portanto, liberando
quantidade maior de O2 para os tecidos. Efeitos exatamente opostos ocorrem nos
pulmões, onde o CO2 se difunde do sangue para os alvéolos. Essa difusão reduz a
PCO2 do sangue e diminui a concentração dos íons hidrogênio, deslocando a curva
de dissociação de oxigênio-hemoglobina para a esquerda e para cima. Portanto, a
quantidade de O2 que se liga à hemoglobina em qualquer PO2 alveolar fica
consideravelmente maior, permitindo assim maior transporte de O2 para os
tecidos. Já o efeito Haldane resulta
do simples fato de que a combinação do O2 com hemoglobina, nos pulmões, faz com
que a hemoglobina passe a atuar como ácido mais forte. Assim se desloca o CO2
do sangue para os alvéolos de duas maneiras. Em primeiro lugar, quanto mais
ácida a hemoglobina, menos ela tende a se combinar com o CO2, para formar
carbaminoemoglobina, deslocando, assim, grande parte do CO2 presente na forma carbamino
do sangue. Em segundo lugar, a maior acidez da hemoglobina também faz com que
ela libere muitos íons hidrogênio que se ligam aos íons bicarbonato para formar
ácido carbônico, que, por sua vez, o se dissocia em água e CO2, e o CO2 é
liberado do sangue para os alvéolos e, finalmente, para o ar.
A partir da curva de dissociação
do O2 padrão podemos observar que para
obter uma SaO2 de 97% precisar-se-ia de uma PaO2 de 100mmHg e para uma SaO2 de
89% uma PaO2 de 60mmHg. Assim, a diferença entre PaO2 normal (100mmHg) e
uma claramente anormal (60mmHg) é de 40mmHg, mas a correspondente diferença de SaO2
é de apenas 8,5% (97,5-89%). Portanto, devido à forma da curva de dissociação
do O2, a PaO2 é um índice mais sensível
que a SaO2 na avaliação de hipoxemia de grau leve. Técnica de medida da PaO2
pela gasometria arterial tem sido consideradas sempre como mais precisa, pelo
do fato de também medir a PaCO2 e o pH que são fatores que podem desviar a
curva de saturação. A SaO2 pode também ser estimada a partir da PaO2 assumindo
uma curva de dissociação padrão. Isto é mais preciso que o contrário, ou seja,
calcular a PaO2 a partir da SaO2, porque, neste caso, a PaCO2 e o pH não são
considerados, sabendo que os mesmos podem desviar a curva de dissociação[23].
IV. ESTABELECENDO NIVEIS CRÍTICOS DE FiO2 E SaO2
Seria de todo relevante estabelecer
um ponto crítico ou cut-off de nível de Fi02 e/ou de tempo de exposição a esse nível,
a partir do qual o risco de hiperóxia e toxicidade pelo oxigênio torne-se
significativo. Da mesma forma, atingir
valores de Sa02 de 100% poderá estar expressando valores muito elevados de PaO2
a nível do capilar celular, o que contrariamente ao que se poderia pensar,
estaria se favorecendo dano celular por hiperóxia.
A exposição prolongada a altos
níveis de FIO2 (FIO2 ≥ 90%) causa uniformemente lesão pulmonar aguda hiperóxica
grave (HALI) e, sem uma redução da FIO2, geralmente é fatal. A gravidade da
HALI é diretamente proporcional à PaO2 (particularmente acima de 450 mm Hg, ou
FIO2 de 0,6) e à duração da exposição. Clinicamente,
o risco de HALI provavelmente ocorre quando o FIO2 excede 0,7 e pode tornar-se
problemático quando FIO2 excede 0,8 por um longo período de tempo[24].
Mesmo o uso de altos níveis de
oxigênio (Fi02 de 0.8) recomendados na prevenção da infecção de ferida
operatória é controverso.[25]
[26]
[27].
O grande dilema e preocupação
centra-se nos pacientes com SARA, nos quais não poucas vezes necessitamos de
usar elevados níveis de Fi02 para melhorar a oxigenação com o risco de muitas
vezes acrescentar a lesão induzida pelo oxigênio (HALI).
Para reduzir os riscos potenciais
da hiperóxia, uma meta de Sa02 mais
baixa pode ser aceitável em pacientes criticamente doentes. Um SaO2 baixa
tolerável também denominada de HIPOXEMIA
PERMISSIVA/ESTRATÉGIA DE OXIGENAÇÃO CONSERVADORA. Geralmente, a estratégia
de hipoxemia permissiva visa uma SaO2
entre aproximadamente 85% e 95%, que sempre se procura nos pacientes com SARA
e prematuros[28] [29].
Recentemente, Panwar et al. publicaram um estudo
internacional multicêntrico aleatorizado, controlado, não cego, no qual
compararam uma estratégia conservadora de oxigenação (alvo de SaO2 de 88-92%) com
uma estratégia liberal tradicional (alvo de SaO2 de 96%).Não houve diferença
significa entre grupos em qualquer medida de disfunção orgânica ou mortalidade
de 90 dias da UTI. Os autores concluíram que uma estratégia conservadora de
oxigenação é uma alternativa viável à habitual estratégia de oxigenação
liberal, sendo eficaz em reduzir a exposição à hiperoxia[30].
Entretanto, também recentemente, um estudo do Reino Unido e da Australia, o Benefits of Oxygen Saturation Targeting
(BOOST) II, mostrou que um alvo de saturação de oxigênio de 85% a 89%, em vez
de 91% para 95%, podem aumentar o risco de morte ou deficiência aos 2 anos idade
corrigida em lactentes nascidos antes das 28 semanas de idade. Concluem que o
potencial dano da hipóxia deve ser cuidadosamente avaliado com base nas
condições patológicas e fisiológicas, e deve ser lembrado que o benefício da
hipóxia permissiva é derivado da redução da lesão hiperoxica[31].
Estas divergências e a necessidade de ainda estudar o real impacto da
estratégia conservadora tem sido colocada em recentes publicações. Nessas
publicações refere-se ainda que o uso de marcadores de perfusão tecidual,
principalmente o uso de lactato poderiam ajudar a saber se existiria ou não evidência
de hipoperfusão tissular[32]
[33].
Certamente em situações de choque e má perfusão periférica o valor da oximetria
de pulso poderia apresentar viés de aferição.
Pelo UpToDate, na atualidade não existe um valor de fração de oxigênio
inspirado (FiO2) que defina um limite superior seguro para a prevenção da
toxicidade do oxigênio, embora a experiência clínica sugira que, na ausência de
agentes sensibilizadores como a bleomicina, é improvável que FiO2 <60%
induza toxicidade pelo oxigênio. A importância relativa da duração e da
magnitude da exposição a altos níveis de Fi02 também não foi claramente definida,
embora seja provável que a área sob a curva FiO2 versus tempo seja a melhor
variável preditiva. Ajustar a FiO2 para o menor valor possível é um bom norte
para todos os pacientes, em particular aqueles que provavelmente correm o risco
de lesão pulmonar induzida por hiperoxia por causa de alto valor de FiO2 ou
duração prolongada de oxigenoterapia. Em
termos práticos, o oxigênio deve ser administrado para atingir uma PaO2 de 60 a
65 mmHg (saturação arterial de oxigênio [SaO2] aproximadamente 90 por cento) [34].
V. CONCLUSÕES
Finalmente podemos concluir que:
1. A recomendação da Diretriz
Brasileira de Ventilação Mecânica quanto ao uso da FiO2 buscando garantir uma
SaO2 de 93 a 97% deve levar em consideração a toxicidade produzida por altos
níveis de FiO2.
2. Apesar de não haver evidência
forte acerca de um nível crítico de FiO2 e/ou de tempo mínimo para toxicidade
pelo oxigênio, pareceria razoável acender o alerta para essa toxicidade quando
atingidos valores de FiO2 ≥60%.
3. Até valores de FiO2 < 60% a
monitorização da oxigenação poderia ser guiada pelos alvos de SaO2 preconizados
nas diretrizes, cuidando de assegurar uma correta aferição da SaO2 pela
oximetria de pulso.
4. Havendo necessidade de usar
valores de FiO2 ≥60% dar preferência ao uso da PaO2 pela gasometria
arterial procurando alvos mínimos de 60 a 65mmHg e se auxiliando de marcadores
e perfusão tecidual (exemplo, lactato arterial).
5. A necessidade de altos níveis
de FiO2 em pacientes com SARA moderada ou grave deve ser manejada com
estratégias convencionais e de resgate preconizadas pela literatura cientifica
em vigor.
6. O uso de altos níveis de
oxigênio (FiO2 de 0.8) recomendados na prevenção da infecção de ferida
operatória ainda é controverso.
[1]DIRETRIZES BRASILEIRAS DE VENTILAÇÃO MECÂNICA 2013.
Tema 4 (p.19) Acessível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/237544/mod_resource/content/1/Consenso%20VM%202013.pdf
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Obrigada pelas informações sobre carboxiterapia belo horizonte
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