USO DA RELAÇÃO S/F COMO
SUBSTITUTA DA RELAÇÃO P/F
(Atualização)
Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Responsável Técnico e Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos. Coordenador da Residência em Medicina Intensiva – COREME e membro do Grupo Técnico de Enfrentamento à COVID -19 da Santa Casa de São Jose dos Campos.
Em 26 de agosto de 2017 publiquei
neste Blog o primeiro post no qual abordava o uso da Relação SaO2/FiO2 (Relação
S/F) como uma ferramenta substituta não invasiva da Relação PaO2/FiO2 (Relação
P/F). Dois pesquisadores americanos destacam por serem pioneiros nesse esforço
desde 2006: Todd W. Rice (pneumologista) e Pratik P. Pandharipande (anestesista),
ambos do mesmo hospital (Nashville – Tenesse – USA). Os estudos desenvolvidos
por Rice, Pandharipande e outros colaboradores, estudaram a correlação em 2
grupos de pacientes sob ventilação mecânica: população mista de pacientes anestesiados
e população de pacientes com SARA, limitando sua aplicabilidade a valores de
SaO2 ≤
96 - 98% para maximizar os dados referentes a faixa linear da curva de
dissociação da Hb toda vez que a curva tem uma forma sigmoide. Isto porque para
estudar a correlação usaram modelos de regressão linear (ou log-linear) [1].
Desde então o uso da relação S/F tem sido utilizada principalmente em crianças[2]
[3]
[4]
[5]
[6]
[7].
Mais recentemente, outros investigadores
reproduziram os estudos de associação entre S/F e P/F usando também modelos de
regressão linear ou, usaram as tabelas de associação de Rice, Pandharipande e
outros colaboradores como referência para realizar estudos com outra
finalidade.
Em janeiro de 2016, Elisabeth
D. Riviello e col., publicam no American Journal of Respiratory and
Critical Care Medicine (AJRCCM) um interessante estudo prospectivo
observacional realizado no hospital universitário de Kigali (capital de Ruanda,
na Africa Oriental), um dos dois hospitais públicos de referência num país
considerado de baixa renda e poucos recursos. O estudo testou uma definição de
SARA alternativa à definição de Berlim, na qual foram modificados 3 critérios: não
exigência de PEEP mínima, o uso de uma Relação SaO2/FiO2 ≤ 315
como substituta da Relação P/F ≤ 300 (tomando como referência o
primeiro estudo de Rice de 2007[8])
e o uso de ultrassom de pulmão ou radiografia de tórax para a determinação das opacidades
bilaterais. Assim os critérios de SARA modificados (critérios de Kigali)
restaram definidos da seguinte forma:
O estudo encontro uma alta
incidência de SARA usando os critérios modificados e alta mortalidade associada
à síndrome[9].
Em maio de 2016, Mehta T. R. e col. avaliaram
em 50 pacientes (101 amostras) a correlação entre a Relação S/F e P/F no diagnóstico
de Insuficiência Respiratória usando também modelo de regressão linear,
encontrando que a relação P/F de 300 correlaciona-se muito bem com a razão S/F
de 325,6 e que a relação P/F de 200 correlaciona-se com a Relação S/F de 269,7. Foram
usados valores de Sa02 <97%. Concluiu que seus valores se
aproximavam aos encontrado por Rice e col. em 2007. Com base na análise de regressão
linear estabeleceram a equação: SpO2/FiO2 = 0.559(PaO2/FiO2) + 157.9[10]:
Em julho de 2018, Jenny Ameghino
Bautista e col., publicam um estudo observacional de correlação
usando modelo de regressão linear em pacientes hospitalizados na Unidade de
Terapia Intensiva de um hospital terciário de referência no Lima, capital do
Perú. O coeficiente de Pearson foi medido entre variáveis de P/F e S/F no
início e 24, 48 e72 horas após o início da ventilação mecânica. Foram estudadas
180 amostras de 45 pacientes, encontrando uma correlação moderada no início que
se tornou mais forte nas aferições de 24, 48 e 72 horas. Propuseram a seguinte
equação: PaO2/FiO2= 0,8106 (SaO2/FiO2) + 54.419[11]:
Em janeiro de 2020, Jaison Y. Adams e
col., publicam os resultados de um estudo retrospectivo e observacional
em que avaliam a relação S/F ≤ 150 com base no tempo para prever mortalidade em
paciente ventilados mecanicamente (SF time as risk ou SF-TAR). Associação entre
o SF-TAR nas primeiras 24 horas de ventilação e mortalidade foram examinadas
usando regressão logística multivariável e comparado com o pior registro
parcial isolado de relação P/F. Cada 10% de aumento no SF-TAR foi associado a
um aumento de 24% na chance de mortalidade hospitalar. Uma associação
semelhante foi observada em coortes de validação. Concluem que o SF-TAR pode
identificar pacientes ventilados com aumento do risco de morte[12].
Ainda, nesta época de pandemia, embora
ainda como pre-print, foi publicado em junho de 2020, estudo que examinou se a
presença e gravidade da Insuficiência Respiratória Tipo 1 (T1RF), medida pela oximetria
de pulso através da relação S/F seria um preditor de mortalidade
intra-hospitalar em pacientes que se apresentaram no pronto socorro com
suspeita de COVID-19. Para tanto foi desenhado um estudo de coorte
observacional prospectivo de pacientes internados no hospital com suspeita de
COVID-19 em um único departamento de emergência na Inglaterra, usando regressão
logística univariada. 180 pacientes com suspeita de infecção por SARS-CoV-2
preencheram os critérios de inclusão para este estudo, dos quais 39 (22%) morreram.
Tomando com referência os dados do estudo de Rice e col., de 2007[13] foram
usados os pontos de corte de Relação S/F de 316, 232 e 148 para T1RF leve,
moderada e grave, respectivamente. A gravidade do T1RF foi associada ao aumento
da mortalidade[14].
CORRELAÇÃO NÃO LINEAR
Em agosto de 2016, Samuel M. Brown e col.
(dentro os quais Todd W. Rice), publicam um estudo retrospectivo de correlação
entre a Relação S/F e P/F, porém mediante uso de um modelo de regressão não
linear em pacientes com SARA, levando em consideração que a relação
entre PaO2 e SaO2 é, na verdade, sigmoidal (curva de dissociação da
hemoglobina).
Para tanto, usam a Equação de Ellis
de 1989 (que estima a PaO2 a partir da SaO2)[15], deduzida matematicamente de forma inversa da Equação de Severinhause que
calcula a SaO2 a partir da PaO2, publicada em 1979[16].
Referem que essa equação já vinha sendo usada em pacientes com pneumonia (na
sua maioria coortes de pacientes não intubados) mas não em pacientes com SARA. Foram
feitas comparações usando métodos de regressão não linear através da equação de
Ellis, linear com a equação do estudo de
Rice de 2007[17] e
log-linear de do estudo de Pandharipande
de 2009[18]. Foram
estudados 1.184 pacientes, em 707 dos quais a SaO2 ≤ 96% (cut-off limite para
aplicabilidade do método). A imputação não linear da razão S/F resultou em um
erro menor do que a imputação linear ou log-linear para pacientes com SaO2 ≤
96%, mas foi equivalente à imputação log-linear em todos os pacientes. A
mortalidade hospitalar em 90 dias foi de 26% a 30%, dependendo da relação PaO2/FiO2,
imputada ou medida de forma não linear. Na regressão multivariada, a associação
entre PaO2 imputada e medido variou com o uso de vasopressores e SaO2. Concluíram
assim que uma equação não linear estima uma Relação P/F a partir de uma Reação
S/F do que equações lineares ou log-lineares[19].
A estimativa da SaO2 a partir do
valor da PaO2 pela equação de Severinhouse pode ser feita diretamente nesta
calculadora:
http://www-users.med.cornell.edu/~spon/picu/calc/o2satcal.htm
Em agosto de 2017, o próprio Samuel M.
Brown e col., para validar externamente os achados do seu estudo retrospectivo
de 2016 assim como de outros anteriormente publicados, realizaram um estudo
prospectivo com atenção às características do paciente que podem afetar a
precisão da imputação. Foram estudados pacientes ventilados mecanicamente
admitidos nos departamentos de emergência (DEs) ou unidades de terapia
intensiva (UTI) dos 9 hospitais participantes do estudo. Foram excluídos
crianças, mulheres grávidas e presidiários. Como a imputação é considerada mais
precisa para cut-off de SpO2 ≤ 96%, com base na forma sigmoidal
da curva de dissociação de hemoglobina-oxigênio, foi usado este cut-off.
Como a PO2 inspirada varia de acordo com a FiO2 e a pressão barométrica, foram
ajustadas as relações da P/F para a altitude do local do estudo (altitude aprox.
1300m). Foram feitas comparações usando métodos de regressão não linear através
da equação de Ellis, linear com a equação do estudo de Rice de 2007 e log-linear
do estudo de Pandharipande de 2009 como feito no trabalho anterior retrospectivo
de 2016. Foram registrados simultaneamente valores de SaO2, características do
oxímetro, doses de vasopressores e pigmentação da pele no momento da coleta da
gasometria arterial. Também foi registrado se os pacientes admitidos cumpriam
os critérios de SARA adotados. Para cada método de imputação, calculamos o erro
de imputação e a área sob a curva (AUC) para pacientes que atendem aos
critérios de SDRA (P/F≤300) e SDRA moderada-grave (P/FIO2≤150). 703 pacientes
ventilados mecanicamente foram admitidos nos departamentos de emergência ou
UTIs dos hospitais participantes do estudo. Foram estudadas 1.034 gasometrias
arteriais dos 703 pacientes; das quais 650 foram associadas a SaO2 ≤ 96%. A
imputação não linear apresentou erro consistentemente menor do que outras
técnicas. Entre todos os pacientes, o método não linear teve um menor erro e
maior AUC para P/FIO2 ≤ 300 do que os métodos linear/log-linear. Todos os
métodos de imputação identificaram melhor a SARA moderada a grave (P/F ≤150),
sendo a imputação não linear superior. Para P/F ≤150, a sensibilidade e especificidade
para imputação não linear foram 0,87 (IC de 95% 0,83–0,90) e 0,91 (IC de 95%
0,88–0,93), respectivamente. A pigmentação da pele e o recebimento de
vasopressores não foram associados à precisão da imputação. Concluem, portanto,
que em pacientes ventilados mecanicamente, a imputação não linear da relação P/F
a partir da relação S/F parece precisa, especialmente para hipoxemia moderada a
grave.
Em março de 2019, Shrirang M. Gadrey e
col., publicam 2 braços de um estudo retrospectivo feito para validar a
relação S/F como substituta da relação P/F em pacientes não intubados
internados nas salas de enfermaria, usando comparações de métodos de regressão
não linear e linear. Selecionaram pacientes com registro de SaO2 ≤10 minutos
antes da coleta de sangue arterial entre 2013 e 2017). Foram comparados
critérios de sepse (SOFA) usando relação P/F imputada a partir das equações existentes
(Hill, Severinghaus-Ellis, Rice e Pandharipande) com critérios de sepse medidos
a partir de gasometria arterial. As estimativas da gravidade da hipoxemia da
equação de Severinghaus-Ellis foram mais precisas do que as de outras equações
existentes, mas mostraram um viés proporcional significativo para subestimar a
gravidade da hipoxemia, especialmente em saturações de oxigênio > 96%. Projetaram
uma equação baseada em um modelo modificado de regressão não linear para
eliminar o viés dos resultados quando a SaO2 está acima de 96%. A equação modificada
proposta eliminou os vieses e se mostrou superior às demais, concluindo ser
útil para uso em pacientes não intubados que permanecem nas enfermarias e para uso
no escore de SOFA auxiliando no diagnóstico de pacientes sépticos[20] [21].
Com base nos estudos de regressão não
linear que têm sido publicados, algumas calculadoras on-line têm sido
divulgadas que podem ser úteis em cenários onde a gasometria arterial pode ter
restrições quanto a sua disponibilidade. Ainda podem ser úteis para monitorar
em tempo real a relação P/F sem que, no entanto, signifique que possam substituir/excluir
de forma rotineira os dados fornecidos pela gasometria arterial.
https://opencriticalcare.org/imputed-pao2-calculator/
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