SABIA O QUE É FLEXOPNEIA OU BENDOPNEIA?
Dr. ALEJANDRO ENRIQUE BARBA RODAS. Médico Especialista em Medicina Intensiva. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
FLEXOPNEIA
é um sintoma originariamente atribuído a insuficiência cardíaca (IC)
descrito inicialmente em 2014 por Thibodeau J.T. e col., caracterizado pela
dificuldade respiratória ao realizar anteflexão do tronco. Correspondente ao termo
em inglês bendopnea que de forma aportuguesada passou a ser
BENDOPNEIA (dispneia ao se curvar). Está habitualmente associado a
atividades da vida diária, como amarrar os cadarços dos sapatos ou calçar meias
(Fig. 1).
No
estudo de Thibodeau e col., 29 de 102 pacientes com insuficiência cardíaca
sistólica encaminhados para cateterismo cardíaco direito apresentaram o sintoma
(28%) com maior pressão atrial direita (PAD) mas índice cardíaco (IC) semelhante
na posição supina. A avaliação da flexopneia neste estudo baseou‐se
numa avaliação objetiva, em que o doente se colocava na
posição referida na presença do investigador. A pressão
de átrio direito (PAD) e a pressão capilar pulmonar (PCP) aumentaram
comparativamente em indivíduos ao se curvar, mas o IC não mudou. Os autores concluíram
bandopneia ocorre em pacientes com pressões de enchimento ventricular mais
altas do que aqueles sem, tanto na posição supina quanto na sentada. Notaram
que há um aumento significativo nas pressões de enchimento ventricular direita
e esquerda durante a flexão associado a um aumento na pressão intratorácica.
Interpretaram esses dados para sugerir que, durante a flexão, o aumento da
pressão intratorácica leva a um aumento adicional nas pressões de enchimento
ventricular, e os indivíduos com bendopneia (já com pressões de enchimento previamente
mais altas) têm maior probabilidade de atingir uma pressão limite necessária
para induzir falta de ar. Assim, hipotetizaram que a bendopneia é provavelmente
causada pela elevação na pressão de enchimento do lado esquerdo, ou da PCP,
como foi demonstrado com outras manifestações de falta de ar em pacientes com
insuficiência cardíaca. No entanto, como as pressões de enchimento ventricular
direita e esquerda geralmente andam juntas em pacientes com insuficiência
cardíaca crônica, não excluíram a possibilidade de que uma elevação adicional da
PAD também contribuiu para a bendopneia. Em contraste com as mudanças acima
mencionadas nas pressões de enchimento, observaram que o IC medido pelo método
de termodiluição não mudou significativamente com a flexão, sugerindo que uma
queda no IC com a flexão não foi a causa da bendopneia. No entanto, um IC baixo
parece ter algum papel contributivo neste sintoma, dado que o perfil
hemodinâmico C (PCP elevado e IC baixo), mas não o perfil B (PCP elevado e IC mormal)
foi associado à bendopneia, embora o PCP entre aqueles com perfil C não tenha
sido maior do que aqueles com perfil B. No entanto, reconheceram que o número
de indivíduos com perfil B foi relativamente pequeno no estudo (n = 18) e que
ele pode ter sido insuficiente para detectar uma associação com a bendopneia[1].
Rodney
H. Falk, comentando a publicação do Thibodeau e col. destacaram como possível
mecanismo alternativo, o aumento da pressão intra-abdominal com a anteflexão
do tronco, considerando que esse fenômeno já é consagrado e aceito como
fator descompensante da IC. A pressão intra-abdominal é bem estudada em
pacientes gravemente enfermos e se altera com a postura. Além disso, uma
pressão abdominal externa, como é aplicada ao testar a manobra de “refluxo”
hepatojugular, demonstrou aumentar as pressões de enchimento cardíaco em
pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, devido ao efeito de aumento do
retorno venoso gerado ao “exprimir” os vasos intra-abdominais com a manobra. Assim,
o mecanismo pode muito bem ser explicado por um aumento em uma pressão
abdominal já elevada provocada pela curvatura, talvez com um componente de
compressão ou deslocamento mecânico para cima de um fígado congestionado[2].
Fisiopatologicamente,
este sintoma parece estar relacionado com aumento posicional das pressões de
enchimento ventricular esquerdo e direito, em doentes com pressões basais já
elevadas. O seu aparecimento ocorre habitualmente nos primeiros 30 segundos de
anteflexão. Em doentes com IC com fração de ejeção reduzida
(ICFER) e com fração ejeção
preservada (ICFEp), a prevalência deste
sintoma é ainda mais frequente (48,8%)[3].
O
termo bendopneia deve ser diferenciado do ortopneia (falta de ar ao
deitar que melhora ao sentar-se ou ficar em pé), platipneia (falta de ar
ao sentar-se ou ficar em pé e que melhora ao deitar-se), trepopneia
(falta de ar ao deitar-se de um lado, mas não do outro) e ortodeoxia (dessaturação
de oxigênio ao ficar em pé e que melhora ao deitar-se).
Posteriormente,
foi demonstrado que bendopneia ocorre também na hipertensão arterial pulmonar idiopática
(HAP), na estenose aórtica avançada, na síndrome da apneia obstrutiva do sono,
e em aproximadamente 6,7% da população em geral. Embora o mecanismo subjacente
da bendopneia não esteja claro, o aumento nas pressões de enchimento
ventricular relacionadas ao aumento da pressão intratorácica ou da pressão
intra-abdominal durante a anteflexão foi responsabilizado como o mecanismo
primário. No estudo de Thibodeau J.T. e col., os autores postularam que a
bendopneia na IC do lado esquerdo indica reserva contrátil ventricular esquerda
diminuída que não pode aumentar seu débito gerando pressões de enchimento
aumentadas (desacoplamento ventrículo-artéria aorta). No entanto, não está
claro se o mecanismo da bendopneia na IC do VE é o mesmo que o mecanismo na HAP.
O único estudo que comparou a bendopneia na IC e na HAP mostrou que a
bendopneia era significativamente mais comum em pacientes com IC. Os autores interpretaram
esses resultados como sendo a bendopneia associada a um aumento na PCP
independente das pressões do lado direito e, portanto, alegaram que esse
sintoma era específico para a IC do lado esquerdo com pressões de enchimento do
VE aumentadas. Postula-se que a bendopneia na HAP provavelmente tenha os mesmos
mecanismos do lado esquerdo piorando o desacoplamento ventrículo-artéria
pulmonar, por aumento retorno venoso e/ou da resistência vascular pulmonar[4].
Falha energética do VD (FEVD) do inglês right ventricular energy failure (RVEF), se define pela incapacidade do VD de gerar produção de energia suficiente em relação à pós carga vascular pulmonar correspondente, levando a se manifestar como dispneia. O VD no final da diástole gera uma pressão (PD2) que é igual à pressão do início da sístole (PS1). Durante a contração isovolumétrica (que depende da força contrátil do VD) gera uma energia potencial ou mecânica que será usada durante a viagem transpulmonar do sangue através da resistência vascular pulmonar (fase de ejeção sistólica). Essa energia vá se dissipando na medida que o volume sistólico percorre a circulação pulmonar. Como a energia de saída do VD é normalmente maior do que a energia perdida na circulação pulmonar, o sangue que chega ao átrio esquerdo tem uma energia hidráulica maior do que o sangue no VD no início da sístole do VD (ou final da diástole do VD). Como o volume transferido é constante (volume sistólico), a energia hidráulica (pressão por volume) pode ser aproximada como pressão. Assim podemos dizer que normalmente a pressão do átrio esquerdo é maior que a pressão diastólica final do VD (PD2). Portanto, quando a pressão atrial esquerda é igual ou menor em comparação com a pressão diastólica final do VD (que é praticamente igual à pressão atrial direita), pode-se deduzir que a saída de energia do VD não consegue exceder a energia perdida na circulação pulmonar. Isso é definido como falha de energia do ventrículo direito (FEVD).
- Como mostrado na Figura 2, a anteflexão do troco promoveria aumento da pressão intratorácica (PIT) e da pressão intra-abdominal (PIA).
- O aumento da PIT incrementa a resistência vascular pulmonar (RVP) gerando aumento da pós-carga do VD.
- Concomitantemente o aumento da PIA “exprime” sangue dos vasos intra-abdominais (Fig. 3) aumentando o retorno venoso no VD (aumento da pré-carga).
- O VD com falha energética e desacoplamento ventrículo-arterial se manifesta como dispneia (BENDOPNEIA).
Kurtulus
Karauzum e col., em 2018 publicaram um estudo prospectivo que avaliou a
presença de bendopneia e seu impacto no estado funcional e nas características
ecocardiográficas em pacientes ambulatoriais com HAP. 18 dos 53 pacientes com
HAP (33,9%) apresentaram bendopneia. Os parâmetros hemodinâmicos foram piores
no grupo da bendopneia. Entre eles, a pressão de átrio direito (PAD) média, a pressão
de artéria pulmonar (PAP) média e a resistência vascular pulmonar (RVP) foram
marcadamente maiores nos pacientes com bendopneia do que naqueles sem
bendopneia. Houve também maior pressão sistólica da artéria pulmonar (PSAP), menor
Excursão Sistólica do Plano do Anel Tricúspide (TAPSE) e VD mais dilatado,
traduzindo sinais de disfunção do VD[5].
CONCLUSÕES
De
fato, o mecanismo fisiopatológico pelo qual ocorre a bandopneia ou flexopneia
ainda merece ser esclarecido.
O
estudo original de Thibodeau J.T. e col., associa o fenômeno a um aumento da
pressão intratorácica (PIT) sem postular alguma explicação plausível. Apenas hipotetizam
que esse aumento da PIT geraria aumento da pressão capilar pulmonar (PCP) sem
explicar como isso ocorreria.
Sabe-se,
pelos estudos de ventilação mecânica e de interação coração-pulmão que o aumento
da PIT provoca efeitos como redução do retorno venoso (efeito compressivo sobre
as veias cavas). A posição postural de abaixar o troco para amarrar o calçado
(anteflexão do tronco) classicamente é feita desde uma posição sentada. Assim, durante
esse movimento inicialmente se prende a respiração (glote fechada) o que
aumenta a pressão dentro das vias aéreas e alvéolos. Esta pressão se transmite
para o espaço pleural, o que em conjunto reproduz o aumento da PIT. Por outro
lado, alvéolos com maior pressão transmitem essa pressão para os capilares justa-alveolares
e extra-alveolares gerando aumento da resistência vascular pulmonar (RVP) que
se reflete na forma de aumento da pós-carga do VD. Desta maneira o efeito do
aumento da pressão PIT seria redução do retorno venoso com aumento da RVP e pós
carga do VD. Haveria uma logica explicação para a um aumento da pós-carga do VD,
mas não para aumento da pré-carga do VD e menos da PCP. Estes efeitos são
parecidos aos gerados com a manobra de valsalva (expiração forçada com a glote
fechada).
Entretanto,
concomitantemente ao aumento da PIT há também aumento da pressão
intra-abdominal (PIA) como apontado por Rodney H. Falk. Este aumento da PIA produz
certamente aumento do retorno venoso (por compressão dos vasos
intra-abdominais) e ainda um maior aumento da PIT (por efeito sobre o
diafragma). Este movimento se assemelha ao movimento de agachar que leva a
aumento do retorno de sangue dos membros inferiores, provocando aumento do
enchimento diastólico do VD.
Provavelmente
exista um balanço entre a redução do retorno venoso por aumento da PIT e um
aumento do retorno venoso pelo aumento da PIA. A ocorrência de bandopneia
poderia ser ocasionado pela predominância do aumento do retorno venoso,
aumentando o volume de enchimento e o volume sistólico do VD que levará a
aumento da PCP e manifestações de edema intersticial pulmonar, hipoxemia e
dispneia.
Espera-se
publicação de novos estudos para elucidar a fisiopatológica certa desta forma
de dispneia.
[1]
Thibodeau JT, Turer AT, Gualano SK, Ayers CR, Velez-Martinez M, Mishkin JD,
Patel PC, Mammen PP, Markham DW, Levine BD, Drazner MH. Characterization of a
novel symptom of advanced heart failure: bendopnea. JACC Heart Fail. 2014
Feb;2(1):24-31. doi: 10.1016/j.jchf.2013.07.009. Epub 2014 Jan 8. PMID:
24622115.
[2]
Falk, R. “Bendopnea” or “Kamptopnea?”: Some Thoughts on Terminology and
Mechanisms. J Am Coll Cardiol HF. 2014 Aug, 2 (4) 425. https://doi.org/10.1016/j.jchf.2014.03.011
[3]
R. Baeza-Trinidad, J.D. Mosquera-Lozano, L. El Bikri. Assessment of bendopnea
impact on decompensated heart failure. Eur J Heart Fail., (2016), (epub ahead
of print)
[4]
Akaslan D, Aslanger E, İsmail Basa C, Öztürk RK, Ataş H, Mutlu B. Bendopnea
Predicts Right Ventricular Energy Failure in Patients with Pulmonary
Hypertension. Turk Kardiyol Dern Ars. 2023 Oct;51(7):440-446. English. doi:
10.5543/tkda.2023.47077. PMID: 37861252.
[5]
Karauzum K, Karauzum I, Kilic T, Sahin T, Baydemir C, Baris Argun S, Celikyurt
U, Bildirici U, Agir A. Bendopnea and Its Clinical Importance in Outpatient
Patients with Pulmonary Arterial Hypertension. Acta Cardiol Sin. 2018
Nov;34(6):518-525. doi: 10.6515/ACS.201811_34(6).20180528A. PMID: 30449993;
PMCID: PMC6236562.
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