CUIDADOS IMPORTANTES COM O USO DO FENTANIL NA U.T.I.
PARTE II: BRADICARDIA
PARTE II: BRADICARDIA
*Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
Um efeito adverso que pode ser visto em pacientes em uso de fentanil em
bomba de infusão contínua é a BRADICARDIA, tornando-se, por vezes, um problema em
pacientes hemodinamicamente instáveis.
REGULAÇÃO CENTRAL DA FREQUÊNCIA CARDÍACA
A modulação cardiovascular pelo
sistema neural abrange a ativação de receptores periféricos (barorreceptores,
quimiorreceptores e receptores cardiopulmonares), cujas aferências se projetam
para o sistema nervoso central via nervos vagos e glossofaríngeos. O processamento
dessas informações aferentes no sistema nervoso central produz uma consequente
regulação das vias autonômicas eferentes, havendo, assim, o ajuste das
variáveis cardiovasculares (frequência cardíaca, volume sistólico e resistência
periférica)[1].
Embora o coração possua seus
próprios sistemas intrínsecos de controle e possa continuar a operar, sem
quaisquer influências nervosas, a eficácia da ação cardíaca pode ser muito
modificada pelos impulsos reguladores do sistema nervoso central. O sistema
nervoso é conectado com o coração através de dois grupos diferentes de nervos
do sistema nervoso autônomo: parassimpáticos e simpáticos. A estimulação dos
nervos parassimpáticos causa os seguintes efeitos sobre o coração: (1)
diminuição da frequência dos batimentos cardíacos; (2) diminuição da força de
contração do músculo atrial; (3) diminuição na velocidade de condução dos
impulsos através do nódulo AV (átrio-ventricular) , aumentando o período de
retardo entre a contração atrial e a ventricular; e (4) diminuição do fluxo
sanguíneo através dos vasos coronários que mantêm a nutrição do próprio músculo
cardíaco. Todos esses efeitos podem ser resumidos, dizendo-se que a estimulação
parassimpática diminui todas as atividades do coração. Usualmente, a função
cardíaca é reduzida pelo parassimpático durante o período de repouso,
juntamente com o restante do corpo. Isso talvez ajude a preservar os recursos
do coração, pois durante os períodos de repouso, indubitavelmente há um menor
desgaste do órgão. A estimulação dos nervos simpáticos apresenta efeitos
exatamente opostos sobre o coração: (1) aumento da frequência cardíaca, (2)
aumento da força de contração, e (3) aumento do fluxo sanguíneo através dos
vasos coronários visando a suprir o aumento da nutrição do músculo cardíaco.
Esses efeitos podem ser resumidos, dizendo-se que a estimulação simpática
aumenta a atividade cardíaca como bomba, algumas vezes aumentando a capacidade
de bombear sangue em até 100 por cento. Esse efeito é necessário quando um
indivíduo é submetido a situações de estresse, tais como exercício, doença,
calor excessivo, ou outras condições que exigem um rápido fluxo sanguíneo
através do sistema circulatório. Por conseguinte, os efeitos simpáticos sobre o
coração constituem o mecanismo de auxílio utilizado numa emergência, tornando
mais forte o batimento cardíaco quando necessário. Os neurônios
pós-ganglionares do sistema nervoso simpático secretam principalmente
noradrenalina, razão pela qual são denominados neurônios adrenérgicos. A estimulação simpática do cérebro também
promove a secreção de adrenalina pelas glândulas adrenais ou supra-renais. A
adrenalina é responsável pela taquicardia (batimento cardíaco acelerado),
aumento da pressão arterial e da frequência respiratória, aumento da secreção
do suor, da glicose sanguínea e da atividade mental, além da constrição dos
vasos sanguíneos da pele. O neurotransmissor secretado pelos neurônios
pós-ganglionares do sistema nervoso parassimpático é a acetilcolina, razão pela
qual são denominados colinérgicos, geralmente com efeitos antagônicos aos
neurônios adrenérgicos. Dessa forma, a estimulação parassimpática do cérebro
promove bradicardia (redução dos batimentos cardíacos), diminuição da pressão
arterial e da frequência respiratória, relaxamento muscular e outros efeitos antagônicos
aos da adrenalina. Em geral, a estimulação do hipotálamo posterior aumenta a
pressão arterial e a frequência cardíaca, enquanto a estimulação da área
pré-óptica, na porção anterior do hipotálamo, acarreta efeitos opostos,
determinando notável diminuição da frequência cardíaca e da pressão arterial.
Esses efeitos são transmitidos através dos centros de controle cardiovascular
da porção inferior do tronco cerebral, e daí passam a ser transmitidos através
do sistema nervoso autônomo[2].
BRADICARDIA POR FENTANIL DE ORIGEM
CENTRAL
O mecanismo para bradicardia
induzida por opioides não é claro, mas baseado em experimentos em animais da
década de 1970, acredita-se que o fentanil causa bradicardia via receptores opioides
de tipo “μ” suprimindo neurotransmissores GABAérgicos para neurônios vagais
cardíacos eferentes do núcleo ambíguo a nível bulbar. GABA (ácido gama
amino butírico) é um neurotransmissor central inibitório do estímulo parassimpático
via nervo vagal a nível do coração. Em consequência haverá exacerbação do
estímulo vagal eferente parassimpático, levando a bradicardia[3].
A estimulação de receptores opioides “μ” em ratos por endomorfina-1 pós-sinápticos,
através da proteína G inibe as correntes de cálcio, levando ao aumento da
estimulação vagal para o coração[4].
O núcleo ambíguo, corresponde a um conjunto de corpos neuronais (substância
cinzenta) do bulbo e da porção superior da medula espinhal. É formado pelo
núcleo do glossofaríngeo (IX PC), pelo núcleo do vago (X PC) e pelo núcleo do
espinhal (XI PC). Os axônios das células do núcleo ambíguo dirigem-se
anteriormente e exteriorizam-se no bulbo a nível do sulco pós-olivar juntamente
com as fibras provenientes do núcleo solitário e do núcleo dorsal do vago[5].
Parte dos neurônios vagais parassimpáticos têm seus corpos celulares no núcleo ambíguo
e terminam em pequenos gânglios associados ao coração. Em alguns animais de
laboratório, cerca de 10% dos neurônios cardioinibidores estão no núcleo posterior
do nervo vago. Em outros os gânglios cardíacos recebem todas as suas fibras
aferentes do núcleo ambíguo e nenhuma do núcleo posterior. Parece provável que
o núcleo ambíguo contenha a maior parte de todos os neurônios vagais que
controlam o coração humano. O núcleo posterior do nervo vago e os neurônios eferentes
viscerais do núcleo ambíguo são influenciados, direta ou indiretamente, pelo hipotálamo,
sistema olfatório, centros autônomos da formação reticular e núcleo solitário[6].
FENTANIL E PROLONGAMENTO DO
INTERVALO QT
O prolongamento do intervalo QT
está associado com uma prolongada repolarização cardíaca que é iniciada pela
saída rápida de potássio (K +), através do canal de K + cardíaco de rápida
retificação. Este canal é codificado pelo gene humano-ether-a-go-go (hERG;
KCNH2) e seu bloqueio por alguns agentes (como os opioides) é um proeminente mecanismo
de prolongamento do intervalo QT. Algumas drogas como alguns dos inibidores de
protease anti-retroviral (ATV, RTV, IDV), agentes antifúngicos azólicos
(cetoconazol, fluconazol e itraconazol) e alguns antibióticos macrólidos
(eritromicina, claritromicina, diritromicina, roxitromicina) inibem a CYP3A4
(ou Citocromo P4503A4), reduzindo a capacidade de metabolizar outros fármacos
como a metadona e buprenorfina levando a níveis mais elevados desses agentes
com capacidade de bloqueio do canais rápidos de K+ e em prolongamento do
intervalo QT. Sob a perspectiva de causar prolongamento do intervalo QT, bradicardia, arritmia (Torsades de Pointes) e morte súbita, os opiáceos como a metadona, mesmo em baixas doses, são drogas de alto risco, o tramadol e a oxicodona apresentam risco intermediário e os opioides, como a morfina e a buprenorfina, são drogas de baixo risco[7].
Os resultados sobre os efeitos do
fentanil e seus análogos no intervalo QT são contraditórios[8].
Chang et al. demonstraram que, em doses baixas (2μg/kg), o fentanil não apenas
não prolonga o intervalo QT e QTc, mas também previne o prolongamento do
intervalo QT se utilizado antes da laringoscopia e intubação traqueal durante a
indução com propofol[9].
Da mesma forma, Hanci V. et.al, em outro estudo de 2013 mostraram que o
fentanil não prolonga o intervalo QT na dose de 2μg/kg antes da intubação endotraqueal
durante a indução com propofol[10].
Curiosamente, um relato de caso mostrou o encurtamento do intervalo QT após o
uso de fentanil em um paciente com síndrome do QT longo congênita[11].
Compatível com esses achados, outro estudo de Cafiero et al. mostrou que o
fentanil e o remifentanil não alteram o intervalo QTc, mas que o fentanil não previne
o aumento da dispersão do intervalo QT e QTc após a intubação, enquanto o
remifentanil (0,25μg/kg) diminui a dispersão do intervalo QT. Assim, sugeriram
que, embora o fentanil seja um opioide seguro, o remifentanil pode ser a
escolha do tratamento com opioides em pacientes com risco de disritmias[12].
Em contraste, em 60 pacientes submetidos à cirurgia de revascularização
miocárdica, houve prolongamento significativo do intervalo QT após a injeção de
fentanil (5μg/kg) e vecurônio[13].
Além disso, em dois estudos recentes, o prolongamento do intervalo QT foi
relatado após o tratamento com fentanil[14]
[15].
Em relação ao alfentanil, existem 2 estudos antigos em pacientes durante a
indução estética, demonstrando que o alfentanil não tem efeitos no
prolongamento do intervalo QT. Um relato mostrou que pacientes em
pré-tratamento com alfentanil têm um efeito atenuante no prolongamento do
intervalo QT associado à laringoscopia, mas esse efeito não foi observado no
prolongamento do QTc pós-intubação[16]
[17].
Não há estudos em humanos para avaliar os efeitos do sufentanil no intervalo
QT, mas um relato de caso mostrou prolongamento do intervalo QT após 24 μg/kg
de sufentanil, em um paciente submetido a cirurgia cardíaca[18].
No entanto, um estudo experimental em corações de cobaias mostrou que o
sufentanil não tem efeito sobre a repolarização e outro sobre fibras de
purkinje canino demonstrou um prolongamento significativo da duração do QT
causado por concentrações elevadas de concentração de sufentanil[19]
[20].
Segundo Kweon et al., 1μg/kg de remifentanil não apenas não prolonga o QT, mas
também tem efeitos preventivos no prolongamento do QT após laringoscopia e
intubação traqueal[21].
O remifentanil em doses menores (0,25 μg /kg) demonstrou ter efeitos atenuantes
após a colocação da máscara laríngea[22].
Até o momento, vários estudos sobre o remifentanil demonstraram que ele é um opioide
seguro em pacientes de alto risco antes da intubação traqueal e de cirurgias;
em nenhum desses estudos, o remifentanil teve efeito de prolongamento no
intervalo QT[23] [24].
Um estudo em animais produziu o mesmo resultado; o remifentanil mostrou não ter
efeito na duração do QT; no entanto, pode deprimir o nó sinusal e a maioria dos
parâmetros da função nodal AV[25].
Até o momento, não há dados mostrando os efeitos do carfentanil no intervalo
QT. No geral, parece que o efeito do fentanil e seus análogos no intervalo
QT é dose-dependente. Em doses baixas, a probabilidade de prolongamento do
intervalo QT é menor, mas em altas doses (5μg/kg) essa probabilidade pode
aumentar. No entanto, não há relatos sobre a ocorrência de arritmia após o uso
dessas drogas.
Assim, muito embora a etiologia
da bradicardia associada ao uso de fentanil, ainda não seja bem conhecida, ela
de fato acontece em alguns pacientes, o que poderia agravar a instabilidade hemodinâmica
do paciente crítico.
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