ESTRATÉGIAS DE
COMUNICAÇÃO PARA COMPARTILHAR PROGNÓSTICO COM PACIENTES ALÉM DAS ESTATÍSTICAS
DE SOBREVIDA[*]
Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.
[*] Comentário baseado no artigo: Paladino
Joana MD., et.al., Communication Strategies for Sharing Prognostic InformationWith
Patients Beyond Survival Statistics. JAMA Published online August 15, 2019.
Para
Leo Pessini, "a veracidade é o fundamento da confiança nas relações
interpessoais". Tendo como fundamento os princípios da Bioética, pode-se
dizer que a comunicação da verdade diagnóstica ao paciente e seus familiares
constitui um benefício para os mesmos (princípio da beneficência), pois
possibilita sua participação ativa no processo de tomada de decisões (princípio
da autonomia). Para que a comunicação da verdade seja moralmente boa, deve-se
prestar atenção a o que, como, quando, quanto, quem
e a quem se deve informar. Claro, exige-se muita prudência. Com frequência,
a mentira e a evasão são os que mais isolam os pacientes atrás de um muro de
palavras ou de silêncio e impede-os de aceitar o benefício terapêutico de
partilhar os medos, as angústias e as preocupações. Não é possível praticar a medicina
paliativa sem um compromisso prévio de abertura e honestidade para com a
verdade dos fatos. Deve-se dar uma resposta honesta aos pacientes que desejam
saber de sua condição de vida, bem como assegurá-los de que aqueles que ficam,
seus familiares, estarão bem, apesar da dor do luto [1].
Comunicar
o prognóstico de uma doença diretamente ao paciente, principalmente quando se
trata de doença grave, incurável ou irreversível e sem tratamento modificador
de doença, é um grande desafio, que requer uma especial habilidade do profissional
médico. Este desafio encontra, por vezes, objeção por parte do próprio médico e
até de familiares que relutam em comunicar essa “má notícia” ao paciente para
evitar-lhe eventual dano decorrente do impacto emocional, o que tem amparo ético
no art. 34 do nosso Código de Ética Médica que veda ao médico[2]:
Art. 34. Deixar de informar
ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e
os objetivos do tratamento, salvo
quando a comunicação
direta possa lhe
provocar dano, devendo,
nesse caso, fazer a comunicação a
seu representante legal. (grifei).
A
comunicação do diagnóstico e prognóstico ao paciente é a regra e dever do
médico e está prevista em diversos artigos do código de ética médica,
decorrente do dever de informar. Entretanto, a não comunicação é permitida em
casos de pacientes pediátricos, ou em se tratando de adultos, quando as
condições físicas ou psicológicas do paciente não permitam uma correta
compreensão de sua doença ou quando a comunicação direta possa lhe provocar dano,
devendo nesse caso ser o diagnóstico comunicado à família. A não comunicação, trata-se,
portanto, de uma conduta de exceção e exige do médico discernimento e
envolvimento suficientes para saber reconhecer para quais pacientes a informação
deve ser omitida[3].
Nestes casos, a não comunicação para evitar um dano maior tem seu alicerce no princípio
bioético da não-maleficência e no disposto no art. 34 do Código de Ética
Médica.
Se
por um lado, o médico deve refletir bastante não apenas para “decidir comunicar”,
mas para saber “como comunicar” usando as palavras, o momento e o lugar certo;
por outro lado, a omissão em comunicar pode criar ansiedade e distanciar os
pacientes de seu médico, porque quando lucido e orientado, o paciente geralmente
percebe que “algo ruim esta lhe acontecendo e não estão querendo lhe dizer”.
Ademais, atrasar ou evitar a comunicação sobre prognóstico também impede aos
pacientes ter as informações necessárias para manifestar seus desejos e
antecipar sua vontade a respeito dos alcances do tratamento a ser realizado.
A
forma como comunicar o prognóstico com base no “tempo de sobrevida”, que por
vezes é provocado pela pergunta do paciente e/ou do familiar em relação a “quanto
tempo lhe resta de vida” (preocupação sobre o futuro) tem sido desencorajada,
porque o uso da estatística ou previsão de mortalidade para transmitir
prognóstico pode oferecer um foco muito estreito e rígido, baseado numa
expectativa que pode mudar em relação a fatores imprevisíveis como intercorrências
ou progressão de comorbidades.
Inúmeras
habilidades e técnicas podem ajudar os médicos a enriquecer as discussões sobre
o prognóstico, incluindo a avaliação dos desejos do paciente, a fim de recomendar
e formular um plano de atendimento que corresponda às prioridades do mesmo.
Este
artigo desenvolve 3 abordagens para compartilhar prognóstico baseado no
tempo de vida, funcionalidade futura e imprevisibilidade. Essas três
abordagens compartilham princípios comuns.
Primeiro,
as preferências por informações prognósticas variam entre pacientes e
familiares. Ou seja, algumas pessoas podem querer apenas saber quanto tempo lhe
resta, enquanto outros podem apenas querer saber como a vida cotidiana deles
poderia mudar com o tempo. Alguns podem querer saber ambas questões e outros
podem simplesmente não querer saber. Os médicos devem perguntar sobre essas
preferências, pois isso aumenta o controle dos pacientes sobre o recebimento de
informações difíceis, evitando sobrecarregá-los com sofrimento intolerável e aumentando
a probabilidade de que as informações sejam ouvidas e analisadas adequadamente.
Segundo,
a comunicação sobre o prognóstico deve equacionar a realidade médica prevista com
as esperanças e anseios expressos dos pacientes. Os médicos podem se alinhar
aos anseios dos pacientes usando uma linguagem que espelhe a esperança e a
preocupação concomitantes, com as quais os pacientes e as famílias convivem
enfrentando as doenças graves. Por exemplo: “Espero que você possa ver sua
filha se formar na faculdade no próximo ano e trabalharemos para atingir esse
objetivo, mas também me preocupo que isso não seja possível se você ficar mais
doente”.
Terceiro,
essas abordagens não são mutuamente exclusivas. Os pacientes desejam
informações sobre seu prognóstico por diversas razões, inclusive para
“aproveitar ao máximo a vida junto à família” e/ou para organizar a forma como vai
deixar seus bens e pertences após a sua partida. A preocupação com a “família ficar
de certa forma desamparada” quando ele é o sustento principal, é uma
preocupação frequente do paciente e isso pode gerar uma angústia e preocupação
relevantes.
Recomenda-se
que técnicas de linguagem usem, quando possível, termos que expressem a dualidade
esperança-preocupação do médico.
Tempo
de vida
Para
alguns pacientes, conhecer “o tempo que lhes resta de vida” pode significar a
oportunidade de planejar o futuro, focando no alcance de metas urgentes e
importantes para ele e para a família. No entanto, a comunicação de um “tempo específico,
por exemplo 6 meses, não reconhece a variabilidade da resposta de cada
organismo ao tratamento mesmo que este seja de caráter paliativo. Fixar “um tempo”
pode sobrecarregar os pacientes emocionalmente e minar a confiança entre médicos
e pacientes e suas famílias. Por esse motivo, é útil considerar o uso de
intervalos (“horas a dias”, “dias a semanas”, “meses a um ano”) para comunicar
um prognóstico baseado no tempo, por exemplo: "Espero que o tempo seja
de meses a um ano e faremos o possível para que seja o máximo possível, mas também
me preocupa que possa ser mais curto do que isso. ”
Funcionalidade
futura
Pacientes
com doenças graves passam a estabelecer prioridades como parte do planejamento
futuro, além claro, daquela que envolva a maior sobrevida possível. Entre elas
estão a manutenção de inúmeras funções que lhes permitam viver dignamente e com
qualidade. Os pacientes geralmente desejam manter sua independência, para
continuar atividades pessoais essenciais, como asseio pessoal, deambulação, atenção
as necessidades fisiológicas, ou atividades usuais de trabalho ou de lazer,
como jardinagem ou pintura, evitando sobrecarregar os outros com seus cuidados.
Como é provável que uma doença afete a capacidade funcional, conhecer o grau de
limitação, pode ser muito mais importante para um paciente e sua família do que
entender quanto tempo resta. Preparação para um estado funcional com limitações
também pode ajudar os pacientes a lidar e pode capacitar os pacientes a agir de
acordo com as metas, enquanto ainda é possível fazê-lo. Por exemplo, pacientes
com doença de Parkinson ou esclerose lateral amiotrófica sofrem declínio
funcional previsível ao longo do tempo. Essa previsibilidade pode ajudar
pacientes, familiares e médicos a fazer planos para maximizar a independência
do paciente, tanto quanto possível, enquanto também se prepara para mudanças
futuras. Os médicos podem usar a seguinte expressão: “Espero que você possa
manter a máxima independência possível e vamos trabalhar juntos para conseguir
esse objetivo, mas também estou preocupado com que você possa ficar mais fraco
com o passar do tempo e a progressão da doença, limitando essa capacidade”.
Imprevisibilidade
Pacientes
com doenças graves, incuráveis ou irreversíveis em estágio terminal, pode viver
um período que seria impossível estabelecer com absoluta certeza. Prazos como
meses ou até anos, tem sido motivo de debate na literatura para definir “paciente
terminal”, entretanto não existe unanimidade sobre o assunto[4].
Ainda, nesse período, poderão ocorrer intercorrências agudas imprevisíveis que
resultam em severa limitação ou até morte. Para ajudar os pacientes a entender e
se preparar para a ocorrência desses eventos sem minar sua esperança de
sobrevivência e qualidade de vida contínuas, a seguinte expressão pode ser
útil: “Espero que você possa viver o máximo de tempo possível, e
continuaremos trabalhando para conseguir esse objetivo, mas como pode ser
difícil prever o que vai acontecer com a sua doença, estou também preocupado
que você possa ficar muito doente de repente, e eu acho que é importante que
nos preparemos para essa possibilidade”. Compartilhar essa possibilidade
com antecedência pode dar aos pacientes tempo para pensar sobre o que seria
importante para eles. Também poderia promover discussões para preparar
pacientes, equipes de assistência e cuidadores para mudanças repentinas, quando
decisões médicas urgentes ou consequentes possam precisar ser feitas pelo
paciente ou cuidador se o paciente não puder expressar sua vontade. O ônus da
tomada de decisão durante crises agudas cria angústia para pacientes e
familiares que podem ser reduzidos por uma adequada preparação e planejamento.
Conclusões
O
prognóstico da comunicação é difícil para pacientes, famílias e médicos. No
entanto, uma comunicação de alta qualidade para pessoas que vivem com doenças
graves inclui o compartilhamento de informações usando abordagens centradas no
paciente. Comunicar o prognóstico além do mero tempo estatístico de sobrevida,
abrangendo expectativas e desejos do paciente, usando uma técnica de linguagem
adequada que evite falsas expectativas, certamente pode manter uma adequada
relação médico-paciente-família.
Algumas
expressões que podem ajudar nessa comunicação são[5]:
"Gostaria
de falar sobre sua doença e o que está por vir, para pensar um pouco sobre o
que é importante para você, para que eu possa ter a certeza de lhe oferecer os
cuidados que você deseja que sejam feitos – tudo bem?”
“Quanta
informação gostaria de mim, sobre sua doença e o que está por vir?
"Qual
é a sua compreensão agora, de onde você está com sua doença?"
"Quero
compartilhar com você minha compreensão de onde as coisas estão com sua doença
..."
“Gostaria
que lhe explique mais alguma coisa sobre sua doença e o que está por vir?
“Espero
que você possa viver o máximo de tempo possível, e continuaremos trabalhando
para conseguir esse objetivo, mas como pode ser difícil prever o que vai
acontecer com a sua doença, estou também preocupado que você possa ficar muito
doente de repente, e eu acho que é importante que nos preparemos para essa
possibilidade”.
“Espero
que você possa manter a máxima independência possível e vamos trabalhar juntos
para conseguir esse objetivo, mas também estou preocupado com que você possa
ficar mais fraco com o passar do tempo e a progressão da doença, limitando essa
capacidade”.
"Espero
que não se apresentem complicações, mas estou preocupado que isso possa acontecer,
e as coisas provavelmente aí ficarão mais difíceis”
"O
que você desejaria que seja feito ou que não seja feito, se a sua situação de
saúde piorar?"
"Quais
são seus maiores medos e preocupações com o futuro?"
"O
que lhe dá forças ao pensar no futuro?"
"Quais
são as coisas mais importantes na sua vida que seria muito difícil deixar de
fazer?"
“Se
a sua saúde piorar, gostaria de ficar em casa ou preferiria ser levado para um
hospital?
“Se
você ficar mais doente, e houver necessidade de ter que fazer tratamentos para
prolongar sua vida, você gostaria que sejam feitos? "
"Quanto
sua família sabe sobre suas prioridades e desejos?"
"Eu
ouvi você dizer que ___ é realmente importante para você. Mantendo isso em
mente, e o que nós sabemos sobre sua doença, eu recomendo que nós ___. Isso nos
ajudará a garantir que seu plano de tratamento seja aquilo que realmente é
importante para você. "
"Que
lhe parece esse plano?"
"Farei
tudo o que puder para ajudá-lo com isso."
[1] Pessini L. Bioética e cuidados
paliativos: alguns desafios do cotidiano aos grandes dilemas. In: Pimenta CAM,
Mota DDCF, Cruz DALM. Dor e cuidados paliativos: enfermagem, medicina e
psicologia. 1. ed. Barueri, SP: Manole; 2006
[2] RESOLUÇÃO CFM Nº 2.217/2018. Publicada
no D.O.U. de 01 de novembro de 2018, Seção I, p.179.
[3]https://telessaude.ufsc.br/como-comunicar-o-paciente-sobre-um-possivel-diagnostico-de-cancer-de-boca/
[4] David Hui. et.al., Concepts and
Definitions for “Actively Dying,” “End of Life,” “Terminally Ill,” “Terminal
Care,” and “Transition of Care”: A Systematic Review. Published in final edited
form as: J Pain Symptom Manage. 2014 January ; 47(1): 77–89. doi:10.1016/j.jpainsymman.2013.02.021.
[5] Serious Illness Conversation Guide:https://www.ariadnelabs.org/wp-content/uploads/sites/2/2017/05/SI-CG-2017-04-21_FINAL.pdf
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