domingo, 27 de outubro de 2019

HIPOTERMIA TERAPÊUTICA (HT). QUAL O ALVO?

Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Intensivista. Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos.




HIPOTERMIA é definida como uma temperatura corporal (central) inferior a cerca de 35 ºC (95 ºF). Classifica-se em: Leve (temperatura central de 32°C a 35°C ou 90°F a 95°F), Moderada (temperatura central de 28°C a 32°C ou 82°F a 90°F) e Severa (temperatura central abaixo de 28ºC ou 82 ºF)[1].

A HIPOTERMIA TERAPÊUTICA COM META DE TEMPERATURA CENTRAL DE 32°C A 36°C é usada como forma de tratamento para prevenir lesão secundaria encefálica pós PCR ou pós TCE/AVC.

Nos casos de Pós PCR (RCE) segue as seguintes Diretrizes:

1. ILCOR 2015[2]:

1.1 PCR EXTRAHOSPITALAR (PCR-EH) COM RITMO CHOCÁVEL (FV ou TVSP): Apesar da evidência de baixa qualidade, estudos mostram benefício. Nestes estudos, hipotermia leve, comparada com normotermia, mostraram bom resultado neurológico em 6 meses e sobrevida à alta hospitalar.

Recomenda, HT leve para adultos com PCR-EH com um ritmo inicial chocável que permanece sem resposta após RCE (recomendação forte, baixa qualidade evidência).

1.2 PCR EXTRAHOSPITALAR (PCR-EH) COM RITMO NÃO CHOCAVEL (ASSISTOLIA/AESP): Não se encontraram trials comparando HT leve com normotermia. Na avaliação da sobrevida as evidências foram muito fracas.

Sugere, HT leve para adultos com PCR-EH com um ritmo inicial não chocável que não responde após RCE (recomendação fraca, qualidade muito baixa evidência).

1.3 PCR INTRAHOSPITALAR (PCR-IH) EM QUALQUER RITMO: Não se encontraram trials comparando HT leve com normotermia. Na avaliação da sobrevida as evidências foram muito fracas.

Sugere, HT leve para adultos com PCR-IH com qualquer ritmo inicial que não responde após RCE (recomendação fraca, qualidade muito baixa evidência).

2. AHA 2015[3]:

Recomenda, HT com alvo de 32°C a 36°C de temperatura central, para todos os tipos de PCR, por pelo menos 24 horas.

Nos últimos 15 anos, HT tornou-se uma ferramenta importante no atendimento em pacientes críticos com lesão cerebral aguda decorrente de encefalopatia pós-anóxica / hipóxica causada por eventos catastróficos como asfixia neonatal ou parada cardiorrespiratória (PCR). Inicialmente as recomendações orientavam como alvo temperatura central de 32 a 32ºC.

Em 2000, THE HYPOTHERMIA AFTER CARDIAC ARREST STUDY GROUP (HACA Study Group) publicou no NEJM, estudo em que relataram que a HT (meta de 32ºC a 34ºC) após uma PCR testemunhada em FV, melhorou o desfecho neurológico. No entanto, vários pacientes do grupo controle desenvolveram febre e, portanto, não estava claro se os benefícios relatados eram de hipotermia ou prevenção da febre.

Em 2013, publicou no NEJM o estudo de Nielsen e colaboradores (TTM Trial) relatando que os resultados em pacientes em RCE pós RCP-EH com HT usando alvo de 33ºC não foram melhores do que em pacientes resfriados a 36ºC. Apesar das críticas feitas ao estudo com apontamento de vieses importantes, muitos centros aceitaram os resultados e passaram a adotar a temperatura alvo de 36ºC[4].

Em 2015, Frydland M. e colaboradores publica na revista RESUSCITATION, uma análise pos-hoc (n = 178) do TTM Trial, num subgrupo de pacientes com ritmo não chocável, não encontrando benefício com 33ºC vs. 36ºC[5].

As Diretrizes da AHA e do ILCOR de 2015 (atualmente em vigor) não tomaram partido no debate e como visto recomendaram alvo flexível entre 32°C a 36°C de temperatura central, para todos os tipos de PCR, por pelo menos 24 horas.

Em 2016 publica no JAMA o estudo de Chan e colaboradores em pacientes com PCR-IH[6]. Esses autores analisaram retrospectivamente dados do GWTG-Resuscitation[7] e encontraram 26,183 pacientes ressuscitados com sucesso após PCR-IH, dos quais 6% foram tratados com HT. Dados desses 6% foram pareados com uma seleção de pacientes não submetidos a HT. A temperatura média mais baixa alcançada foi 33,1ºC em pacientes tratados com hipotermia e 36,3C em pacientes não tratados com hipotermia. Quando analisado dessa maneira, a HT foi associada à menor sobrevida e resultados neurológicos menos favoráveis. Muitos comentários e críticas foram publicados, apontando erros nos desenhos e resultados. Apesar disso, vários centros passaram a adotar como temperatura alvo 36ºC, contrariando as Diretrizes da AHA/ILCOR.

Em 2017, publica na revista RESUSCITATION o estudo retrospectivo de Bray JE e colaboradores, analisando dados de HT em pacientes pós PCE-EH com ritmo chocável (FV)[8]. Os autores relatam que desde 2013 mudaram o alvo de temperatura de 33ºC para 36ºC. Referem que na análise de dados, encontrou-se que houve dificuldades significativas em manter uma temperatura alvo de 36ºC, maior incidência de febre e uma clara tendência à piora do resultado neurológico após a mudança de alvo.

Mais recentemente, em 02 de outubro de 2019, publicou no NEJM, o HYPERION TRIAL, estudo de J.-B. Lascarrou e colaboradores, comparando hipotermia terapêutica com alvo de 33°C nas primeiras 24 horas com normotermia direcionada (37°C) em pacientes em coma admitidos na unidade de terapia intensiva (UTI) após RCE pós PCR-EH com ritmo não chocável. De janeiro de 2014 a janeiro de 2018, 584 pacientes de 25 UTIs foram randomizados e 581 foram incluídos na análise (3 pacientes retiraram consentimento). Não houve diferença significativa mortalidade aos 90 dias e nos efeitos adversos entre o grupo hipotermia e o grupo normotermia. Entretanto houve maior porcentagem de pacientes que sobreviveram com um resultado neurológico favorável no dia 90 no grupo de HT[9]. Entretanto houve diferenças entre o tratamento da intervenção e os grupos controle, bem como um número significativo de pacientes que desenvolveram febre no grupo controle, sendo necessárias mais evidências para confirmar os achados.

CONCLUSÃO:

Destaca-se que ainda inexiste evidência de alta qualidade que possa estabelecer alvos claros de temperatura central para a realização de Hipotermia Terapêutica em pacientes pós PCR. Entretanto, enquanto novos estudos são realizados e publicados, recomenda-se seguir as diretrizes da AHA ou do ILCOR.



[1]https://www.medicinenet.com/hypothermia_extended_exposure_to_cold/article.htm#what_is_hypothermia
[2] Clifton W. Callaway, et.al., 2015 International Consensus on Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care Science With Treatment Recommendations. Part 4: Advanced Life Support. Circulation. 2015;132[suppl 1]:S84-S145. DOI: 10.1161/CIR.0000000000000273
[3] Clifton W. Callaway, et.al., 2015 American Heart Association Guidelines Update for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Part 8: Post–Cardiac Arrest Care. Circulation. 2015;132[suppl 1]:S465–S482. DOI: 10.1161/CIR.0000000000000262.
[4] Niklas Nielsen, M.D., et.al., Targeted Temperature Management at 33°C versus 36°C after Cardiac Arrest. NEJM 369;23 nejm.org december 5, 2013.
[5] Frydland M., et.al., Target temperature management of 33°C and 36°C in patients with out-of-hospital cardiac arrest with initial non-shockable rhythm - a TTM sub-study. Resuscitation. 2015 Apr;89:142-8. doi: 10.1016/j.resuscitation.2014.12.033. Epub 2015 Jan 25.
[6] Chan PS, Berg RA, Tang Y, Curtis LH, Spertus JA; American Heart Association’s Get With the Guidelines–Resuscitation Investigators. Association between therapeutic hypothermia and survival after inhospital cardiac arrest. JAMA. 2016;316:1375–1382. doi: 10.1001/ jama.2016.14380.
[7] Cardiopulmonary resuscitation of adults in the hospital: a report of 14720 cardiac arrests from the National Registry of Cardiopulmonary Resuscitation. Peberdy MA, Kaye W, Ornato JP, Larkin GL, Nadkarni V, Mancini ME, Berg RA, Nichol G, Lane-Trultt T Resuscitation. 2003 Sep; 58(3):297-308.
[8] Bray JE, Stub D, Bloom JE, Segan L, Mitra B, Smith K, Finn J, Bernard S. Changing target temperature from 33°C to 36°C in the ICU management of out-of-hospital cardiac arrest: a before and after study. Resuscitation. 2017;113:39–43. doi: 10.1016/j.resuscitation.2017.01.016.
[9] Jean-Baptiste Lascarrou, M.D., et.al., Targeted Temperature Management for Cardiac Arrest with Nonshockable Rhythm. NEJM, October 2, 2019. DOI: 10.1056/NEJMoa1906661

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