CONFIGURAÇÕES MÍNIMAS DO VENTILADOR NO TESTE DE
RESPIRAÇÃO ESPONTÂNEA E FALHA DE EXTUBAÇÃO
Dr. Alejandro Enrique Barba Rodas. Médico Responsável Técnico e Coordenador da Unidade Coronariana da Santa Casa de São Jose dos Campos. Coordenador da Residência em Medicina Intensiva – COREME e membros do Grupo Técnico de Enfrentamento à COVID -19 da Santa Casa de São Jose dos Campos.
Artigo de referência:
Redefining “Minimal Ventilator Settings”. Should We Customize the Spontaneous Breathing Trial in the Era of Prevention of Extubation Failure?
Gonzalo Hernandez, MD, PhD, Oriol Roca, MD, PhD
EDITORIAL: CHEST. VOLUME 158, ISSUE 4, P1314-1316, OCTOBER 01, 2020
DOI:https://doi.org/10.1016/j.chest.2020.05.578
Obter sucesso no processo de retirada da ventilação mecânica (RVM) tem sido um grande desafio ao longo dos anos. Para tanto, 2 pilares tem sido alvo de pesquisas visando garantir esse sucesso: a melhor estratégia de um Teste de Respiração Espontânea (TRE) e de Terapia Preventiva Pós Extubação (TPPE) para evitar falha de extubação e reintubação, especialmente naqueles pacientes de alto risco para esse insucesso.
Nesse cenário, estudos sobre TRE tem abordado principalmente o uso de 2 estratégias: Tubo “T” (TT) e de Ventilação com Pressão de Suporte (PSV). Já no tocante à TPPE os estudos têm focado sua atenção no uso de 2 estratégias isoladas ou combinadas: Ventilação Não Invasiva (VNI) e Cânula Nasal de Alto Fluxo (CNAF).
Diretrizes americanas de referência datam de 2017 e recomendam um teste de respiração espontânea (TRE) seguido de ventilação não invasiva (VNI) preventiva para pacientes com alto risco de falha na extubação[1]. Entretanto, ensaios clínicos randomizados pré e pós diretrizes de 2017 têm provocado um debate sobre a adoção de novas estratégias de TPPE diferentes da VNI.
Em 2016, Gonzalo Hernandes e col., publicam um estudo no JAMA, no qual demonstram que entre adultos de alto risco submetidos à extubação, a TPPE com CNAF não foi inferior à VNI na prevenção da reintubação e insuficiência respiratória pós-extubação[2].
Em 2017, Maria del Mar Fernandez e col., publicam um estudo na revista ICM, no qual concluem que pacientes retornados à ventilação mecânica por 1 hora após um TRE bem-sucedido reduziu a reintubação e a insuficiência respiratória pós-extubação[3]. Detalhes sobre este estudo podem ser apreciados neste blog (http://blogdeterapiaintensiva.blogspot.com/2018/06/repouso-de-1-hora-na-ventilacao.html).
Mais recentemente, em 2019, C. Subira, G. Hernandes e col., publicaram no JAMA um grande ensaio multicêntrico comparando as duas estratégias de TER: Tubo T por 2 horas vs PSV com 8 cm H2O de pressão de suporte por 30 minutos, em pacientes que na verdade foram recrutados antes das diretrizes de 2017. O TRE com PSV levou a taxas significativamente mais altas de extubação bem-sucedida, apoiando a tese de que o uso de uma estratégia de ventilação mais curta e menos exigente de TRE melhora significativamente as taxas de sucesso de extubação[4].
O principal objetivo da ventilação mecânica é ajudar a restaurar as trocas gasosas e reduzir o trabalho respiratório (WOB), auxiliando a atividade dos músculos respiratórios. Conhecer os determinantes do WOB é essencial para o uso eficaz da ventilação mecânica e também para avaliar a prontidão do paciente para o desmame. A contração ativa dos músculos respiratórios faz com que o compartimento torácico se expanda, induzindo a diminuição da pressão pleural. Essa pressão negativa gerada pela bomba respiratória normalmente produz a expansão pulmonar e uma diminuição na pressão alveolar, fazendo com que o ar flua para o pulmão. Essa pressão motriz pode ser gerada de três maneiras: inteiramente pelo ventilador, como pressão positiva nas vias aéreas durante a insuflação passiva e ventilação mecânica controlada; inteiramente pelos músculos respiratórios do paciente durante a respiração espontânea não assistida; ou como uma combinação dos dois, como na ventilação mecânica assistida. Para que a ventilação com pressão positiva reduza a WOB, é necessária uma interação síncrona e suave entre o ventilador e os músculos respiratórios[5]. O trabalho respiratório inspiratório (WOB) durante a ventilação mecânica imposto por dispositivos como a via aérea artificial (TOT) e os trocadores de calor e umidade (HME) tem sido objeto de vários estudos. A ventilação com suporte de pressão (PSV) foi desenvolvida visando uma diminuição no WOB inspiratório. Apenas o modo de compensação automática do tubo foi desenvolvido para neutralizar WOB adicional. Trabalho respiratório expiratório também tem sido objeto de estudo[6].
A justificativa para uso de estratégias de TER baseadas em aumento de pressão inspiratória tem sido amplamente discutida e permanece controversa. Tem como objetivo simular as condições respiratórias que o paciente enfrentará após a extubação, isto é o Work of Breathing (WOB) em ventilação espontânea. Para tanto, fixam-se configurações mínimas de TRE, sob a premissa de avaliar o paciente “como se já estivesse extubado”. Alguns acreditam que a aplicação de pressão de suporte de 5 a 10 cmH2O já supera a resistência gerada por um tubo endotraqueal. Portanto, se um paciente for capaz de manter a ventilação neste ambiente de ventilação, ele deve ser capaz de respirar sem dificuldade após a extubação. Esta alegação ignora a inflamação e o edema que se desenvolvem nas vias aéreas superiores após um tubo endotraqueal ter sido colocado por um dia ou mais. Após retirada do tubo, o inchaço da mucosa produz um aumento na resistência das vias aéreas superiores gerando um trabalho respiratório contra a via aérea supraglótica após a extubação quase idêntico ao trabalho realizado contra um tubo endotraqueal antes da extubação. Assim, a aplicação de qualquer nível de suporte de pressão faz com que os médicos subestimem a resistência respiratória que o paciente encontrará após a extubação. A adição de uma pequena quantidade de suporte de pressão produz reduções surpreendentemente grandes no trabalho inspiratório em pacientes ventilados: 5cmH2O diminui o trabalho inspiratório em 31 a 38% e 10 cmH2O diminui o trabalho em 46 a 60%. No entanto, a maioria, mas não todos os pacientes, podem tolerar um aumento de 30 a 60% na carga inspiratória no ponto de extubação. Alguns médicos acreditam que a inserção de um tubo endotraqueal leva à perda da “PEEP fisiológica”, que se acredita resultar do estreitamento intermitente das cordas vocais. O conceito de PEEP fisiológico, entretanto, é um mito. O volume pulmonar no final da expiração geralmente se aproxima do volume de relaxamento do sistema respiratório, que é determinado pelo equilíbrio estático entre o recuo elástico oposto do pulmão e a parede torácica. Consequentemente, a pressão de recuo estático do sistema respiratório é zero no final da expiração em um adulto saudável. A adição de 5cmH2O de PEEP pode diminuir o trabalho respiratório em até 40% em pacientes ventilados. A PEEP também produz um aumento substancial no débito cardíaco em pacientes com insuficiência ventricular esquerda. Em pacientes com doenças cardíacas ou pulmonares, a eliminação da PEEP no momento da extubação pode levar à descompensação cardiopulmonar rápida. Assim como na avaliação de pacientes com níveis baixos de pressão de suporte, observar um paciente respirando em CPAP de 5cmH2O dificulta a capacidade do médico de prever a capacidade do paciente de lidar com um aumento na carga cardiorrespiratória após a extubação[7]. A ampla gama formas de suporte ventilatório, desde a compensação automática do tubo até a PSV de até 10 cm H2O, gera uma resposta heterogênea que dificulta a previsão do desfecho, levando a importantes consequências clínicas [8] [9]. Os resultados do estudo espanhol de reconexão à ventilação mecânica por 1 hora após um TRE bem sucedido reduzindo significativamente a taxa de reintubação sugere, por outro lado, que o TRE pode ser um procedimento altamente exigente em razão do grau de disfunção diafragmática e pode contribuir para o insucesso da extubação.
O WOB imposto pela via aérea artificial ou enfrentados após a extubação são determinados por muitos fatores. Alguns deles afetam a capacidade de predição do TRE com configurações mínimas (por exemplo, obstrução do tubo secundária a presença de biofilme ou secreção intraluminal), mas outros não (por exemplo, inflamação e edema glótico que se desenvolve periextubação), dificultando a titulação das configurações do TRE. Alguns fatores de alto risco para falha na extubação são camuflados durante o TRE com aumento da pressão inspiratória e PEEP (por exemplo, insuficiência cardíaca ou doenças pulmonares crônicas) e geram diferentes graus de WOB após a extubação. Eles se beneficiam principalmente com a aplicação de diferentes suportes não invasivos, pois podem melhorar ou amenizar a deterioração clínica, evitando a necessidade de reintubação[10].
Estudos com o objetivo de uso de VNI após extubação em pacientes que não toleraram o TRE padrão apresentaram taxas de reintubação próximas a 40%[11].Este resultado pode ter várias implicações clínicas. Primeiro, a titulação do TRE é uma decisão crítica ao decidir extubar pacientes com reserva funcional limitada. Em segundo lugar, a definição da tolerância ao TRE deve incluir as configurações usadas. Terceiro, o planejamento do TRE não deve ser decidido apenas com o objetivo de compensar o WOB pós-extubação.
Com relação à recomendação do uso de VNI, independentemente de discrepâncias sutis no nível de evidência lidas na recomendação de diferentes diretrizes[12] [13], um crescimento progressivo tem sido observado no papel da VNI e da terapia com cânula nasal de alto fluxo (CNAF) após a extubação, como mostram os estudos aqui citados anteriormente.
Em 2019, Thille e col., publicam no JAMA um estudo comparando cânula nasal de alto fluxo (CNAF) vs uma combinação de CNAF mais VNI por 48 horas em uma população de pacientes de alto risco após TRE com Tubo “T” ou PSV. A terapia combinada reduziu significativamente a taxa de reintubação, especialmente em pacientes com hipercapnia[14].
Entretanto, uma metanálise de 17 ensaios clínicos publicada em junho de 2020 por Xiaoyang Zhou e col., comparando 4 estratégias preventivas pós extubação, oxigenoterapia convencional (O2 convencional), ventilação não invasiva (VNI), oxigenoterapia por cânula nasal de alto fluxo (CNAF) e uso combinado de CNAF e VNI (CNAF + VNI), após a extubação planejada em pacientes adultos em estado crítico, conclui que o uso preventivo de VNI é provavelmente o método de suporte respiratório mais eficaz para prevenir de forma abrangente a reintubação e a morte a curto prazo em pacientes em estado crítico, especialmente aqueles com alto risco de falha na extubação[15].
Mais recentemente, na edição do CHEST de outubro de 2020, Thille e col., apresentam uma análise post hoc do ensaio de 2019 comparando os resultados de acordo com o tipo de TER escolhido, Tubo “T” ou PSV (com 7 cmH2O de PS). Talvez seja o primeiro estudo que analisa o papel de diferentes tipos de TRE no sucesso da extubação com foco em uma população de alto risco. Concluem que em pacientes com alto risco de falha de extubação na UTI, a realização de um TRE inicial usando PSV pode acelerar a extubação sem aumentar o risco de reintubação. Algumas limitações são dignas de nota. Em primeiro lugar, esta é uma análise post hoc e a conclusão deve ser confirmada. Em segundo lugar, a maioria dos centros realizava apenas um tipo de TRE, potencialmente introduzindo um risco de viés de seleção. O principal resultado deste estudo é que o aumento da pressão inspiratória aumentou significativamente a proporção de pacientes extubados com sucesso quando uma terapia preventiva foi planejada, reforçando a ideia de que o aumento da pressão inspiratória provavelmente acelerará a extubação nesses pacientes. A priori, esse resultado não deveria ser surpreendente. Provavelmente, quanto maior a assistência respiratória pós-extubação, maior o benefício esperado do aumento da pressão inspiratória. Embora a proporção de pacientes extubados com sucesso no estudo de Subira e col., foi maior em comparação com o estudo de Thille e col., o benefício do aumento da pressão inspiratória foi maior no estudo de Thille e col. Além disso, a especificidade e o valor preditivo positivo não parecem diminuir, pois a taxa de reintubação manteve-se semelhante em ambos os estudos. As comparações entre esses dois estudos são limitadas porque houve diferenças no risco de falha na extubação e na proporção de pacientes com terapias de suporte respiratório preventivo, mas diferenças na pressão inspiratória e na duração do TRE poderiam, pelo menos em parte, explicar as diferenças nos resultados observados. Em conclusão, este trabalho de Thille e col., abre a janela para um novo ensaio visando melhorar ainda mais a aceleração da extubação, otimizando a configuração do TRE quando a terapia de prevenção é planejada[16].
Desta forma, mantem-se o debate a
respeito das “configurações mínimas do TRE”, baseadas na controvérsia de se
tais configurações são realmente capazes de simular adequadamente o cenário do
trabalho respiratório que o paciente irá enfrentar após extubação e se o próprio
TRE pode representar um esforço além do necessário se tornando o próprio teste
num fator de eventual insucesso. De qualquer forma, a associação de uma TPPE certamente
poderá compensar e reduzir o risco de falha de extubação.
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